sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Proclamação da República: como foi a última festa de arromba da monarquia, regada a champanhe, foie gras e música até o sol raiar

O baile da Ilha Fiscal foi o ápice da chamadas "festas chilenas". No ano de 1889, durante dois meses, as autoridades brasileiras recepcionaram oficiais do navio chileno Almirante Cochrane, que visitavam o país em viagem diplomática.

O baile da Ilha Fiscal foi o último e o maior do período imperial (Crédito Ribeiro, A. - Biblioteca Nacional)

O que estava acontecendo na política naquele momento?

Foram dias e dias de jantares, passeios turísticos às montanhas, corridas de cavalo e regatas — "um nunca acabar de festas", como descreveu um cronista — que mobilizaram a elite carioca.

O baile seria o mais opulento desses eventos. De acordo com um dos artigos do livro Festas Chilenas (EdiPUCRS, 2014), só o banquete custou 250 contos de Réis, quase 10% do orçamento da Província do Rio.

A imprensa fez uma farta cobertura, em grande parte de forma crítica, do evento. "O baile aconteceu muito nos jornais", diz Claudia Beatriz Heynemann, pesquisadora do Arquivo Nacional e organizadora do livro Festas Chilenas com Jurandir Malerba e Maria do Carmo Rainho.

"O peso do baile está nesse esgarçamento da opinião pública. Nesse sentido teve um efeito negativo", diz Malerba.

Os veículos de comunicação descreviam diariamente os eventos e os preparativos para as festas, e os republicanos questionavam e ironizavam os luxos e gastos.

Naquele momento, os movimentos que se tornaram favoráveis à República já corriam fortes, diz Angela Alonso, professora associada do Departamento de Sociologia da USP e pesquisadora do Cebrap, autora de livros e ensaios sobre a República.

Uma série de crises se acumulavam. "A questão não era se a monarquia ia cair, era quando", diz ela, e começa a listar alguns fatores: desde 1888, o Partido Republicano já tinha representação forte em vários Estados; havia um grupo considerável de pessoas da elite urbana e latifundiários que queriam mais representação política; ao mesmo tempo, os militares, que haviam vencido a Guerra do Paraguai, queriam mais espaço, e ficavam cada vez mais insubordinados. Finalmente, diz a pesquisadora, o programa do chefe do governo, o visconde de Ouro Preto não enfrentava esses problemas com eficácia.

Para piorar ainda mais a situação da monarquia, o último gabinete ministerial havia sofrido uma série de acusações de corrupção, conta Alonso. Por causa disso, opina a professora, a opulência das festas organizadas para os chilenos caiu especialmente mal na imagem pública do governo.

Enquanto a elite passeava com os chilenos, já acontecia a articulação entre militares e civis republicanos que levaria à deposição de Dom Pedro, diz o historiador Jurandir Malerba.

No livro Castelo de Papel (Rocco, 2013), Mary Del Priore diz que num jantar para os chilenos no palácio do príncipe Pedro Augusto, neto de Dom Pedro 2º, a monarquia estava "cercada por aqueles que apostavam na sua sucessão". "No cardápio, faisão trufado, foie-gras e costeletas de pombo à Pompadour."



Charge publicada na imprensa sobre o baile da Ilha Fiscal (Crédito, Reprodução, Arquivo Nacional)

Por que fizeram a festa?

Se a situação política já estava hostil, por que dedicaram tanta energia à realização da festa? Para Alonso, a celebração era, na verdade, parte de uma tentativa de legitimar a princesa Isabel, filha de Dom Pedro 2º, como futura imperatriz, perspectiva que não era nem de longe um consenso, de acordo com a professora.

Dom Pedro 2º tinha mais de 60 anos, estava doente e já havia inclusive recebido extrema-unção - ritual católico em que se aplica óleo consagrado na pessoa enferma, geralmente terminal.


Artigo de jornal sobre o baile (Crédito, Reprodução, Arquivo Nacional)

"O baile não acontece sozinho", diz Alonso. Ela conta que, pouco antes das festas chilenas, o marido da princesa Isabel, o conde d'Eu, viajara pelo país em campanha pela monarquia.

Claudia Heynneman vê nos eventos também uma tentativa mais genérica de transmitir uma imagem de força da monarquia, que estava abalada com o movimento republicano.

Para Del Priore, a monarquia estava alienada naquele momento. "Os monarquistas olhavam para o trono como se ele fosse sustentado por forças invencíveis."

Ela escreve que as festas inclusive mascararam as movimentações republicanas. "A multiplicidade de festas maquilou a insatisfação em curso, empurrando os chilenos para os salões onde se misturavam militares, civis, monarquistas e republicanos. As valsas e hinos nacionais abafavam as tensões. Mas elas estavam presentes. A agenda camuflava o jogo de interesses dos adversários da monarquia", escreve a historiadora.

Desenho da sala de baile no Gazeta de Notícias (Crédito, Reprodução, Arquivo Nacional). 

Como foi o baile da Ilha Fiscal

A última festa da monarquia foi também a maior que aconteceu nos 67 anos do Brasil Império.

"Depois de alguns anos festeiros, Dom Pedro 2º passou 30 anos sem dar festas, quando de repente concedeu aquele baile nababesco. Isso teve um valor simbólico. Alguns interpretam como 'o canto do cisne', o último suspiro do seu reinado", diz Malerba.

O baile aconteceu na Ilha Fiscal, pequena ilha na Baía de Guanabara pertencente à Marinha. A construção na ilha também é chamada por alguns de "castelinho" devido ao seu estilo arquitetônico.

Os preparativos ocuparam as páginas dos jornais por semanas. Foram convidadas cerca de 3 mil pessoas, mas somaram-se a elas mais uns mil penetras, escreve o jornalista Laurentino Gomes no livro 1889 (Globo Livros, 2013).


Retrato de Dom Pedro 2º quando jovem (Crédito, Museu Nacional de Belas Artes)

Na lista estava toda a elite econômica e política, mas, segundo Alonso, alguns militares importantes não foram convidados.

A festa começava no cais, onde uma banda entretinha os convidados que esperavam para embarcar no barco que os levaria à ilha. Ali também se concentraram os excluídos da festa, curiosos por ver os convidados e assistir às queimas de fogos.

As milhares de lâmpadas e velas que iluminavam a ilha formavam um espetáculo descrito pelo narrador do romance Esaú e Jacó (1904), de Machado de Assis, como uma "cesta de luzes no meio da escuridão tranquila do mar".

No início da noite, foi servido um banquete com uma enorme lista de pratos de ingredientes sofisticados e diversos tipos de vinho.

Aqui alguns números registrados no livro Festas Chilenas:

"Entre copeiros, trinchadores, cozinheiros e ajudantes foram mobilizados 300 funcionários. Registram-se 12 mil garrafas de vinho, champanhe e outras bebidas; 12 mil sorvetes; a mesma quantidade de taças de ponche, 500 pratos de doces variados. Serviram-se ainda 18 pavões, 80 perus, 300 galinhas, 350 frangos, 30 fiambres, 10 mil sandwiches, 18 mil frituras, mil peças de caça, 50 peixes, 100 línguas, 50 mayoneses e 25 cabeças de porco recheadas."

Algumas horas depois do jantar, começou a dança. Cada salão ofereceria um tipo de música diferente. Seis bandas tocaram.

A festa acabou com o sol raiando. Para o deleite dos jornais dos dias seguintes, dizem os livros, durante a limpeza foram achados todo tipo de objetos, como peças íntimas de mulheres.

A família imperial chegou por volta das 21h. Dom Pedro 2º teria dançado uma só vez. Foram embora às 3h.

Como narraria o escritor Rodrigo Otávio, que na época tinha 23 anos, Dom Pedro 2º, "embevecido na maravilha daquela noite e no deslumbramento daquela festa (...), não imaginava que naquela mesma hora se estava concertando num pequeno sobrado (...) o trambolhão do Império e que os dias de seu reinado estavam contados".

Charge na Gazeta da Tarde publicada dois dias depois do baile da Ilha Fiscal (Crédito, Reprodução, Arquivo Nacional)

Líder da Proclamação da República assistiu ao baile de fora

Alguns livros, como o de Laurentino Gomes, contam uma história curiosa sobre aquela noite, narrada com base nos diários de uma das filhas de Benjamin Constant, um dos militares que arquitetaram a deposição de Dom Pedro.

Segundo o relato de Bernardina, então uma adolescente, Benjamin chegou em casa após uma reunião com militares e não encontrou sua família lá. Eles estavam no cais, assistindo ao embarque dos convidados do baile. Constant, então, contratou um pequeno barquinho e assistiu do mar, ao lado da família, aos acontecimentos daquela noite.

Qual foi o impacto do baile?

"Articular o baile em si, algo que faz parte da história factual, com a Proclamação da República, algo muito complexo, é complicado, mas ele teve um peso simbólico e está na crônica da época, registrado por Machado de Assis, Coelho Netto", diz Malerba.

"Mais importante do que o baile em si foi o dia seguinte", diz Claudia Heynneman. A pesquisadora conta que os jornais dedicaram várias edições a criticar o excesso de luxo.

Os gastos reforçaram a imagem da monarquia como uma instituição distante da sociedade.

"Até o fato de ele ter sido feito numa ilha, ou seja, longe da população, reforçava essa ideia", diz Alonso.

Mas, para ela, "o fato de o baile ter acontecido logo antes do fim da monarquia foi uma casualidade" — os fatores que levaram à Proclamação da República já estavam postos.

"Ainda assim, ele é muito significativo porque foi uma representação da alienação da monarquia. Enquanto eles festejavam o país estava fervilhando", diz Alonso.

"Depois do baile da ilha Fiscal", escreve Del Priore, "um relógio invisível bateu as horas. Os últimos acordes da festa marcaram alegremente o enterro de um mundo do qual muitos não queriam mais ouvir falar. Os ponteiros da história empurraram o fim do império brasileiro. E anunciaram o início do que, se acreditou, fosse o 'progresso'".

Luiza Franco, da BBC News Brasil em São Paulo, em 14.11.24. /  *Esta reportagem foi publicada originalmente em 14 de novembro de 2019

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Declaração Universal de Direitos do Bilionário

Queremos ser admirados e respeitados, não tributados

Elon Musk faz saudação em reunião organizada pela juventude do partido de ultradireita Irmãos da Itália, em Roma - Andreas Solaro - 16.dez.2023/AFP

Preâmbulo

Considerando a esperança de que a cúpula do G20 no Rio de Janeiro inclua em seu texto a reivindicação de taxação dos super-ricos;

Considerando a cisão elementar da humanidade entre bilionários e não-bilionários, entre 1% e outros 99% da população global, ou entre oito homens e a metade de baixo da população global, polos detentores da mesma riqueza nesse mundo polarizado;

Considerando que bilionários precisam aliviar sua condição crônica da justicite, alergia à justiça que lhes acomete cefaleias tratadas à base de espumantes;

Considerando que bilionários buscam melhores condições de seu bem-viver e necessitam de instrumentos para perseguir valores pós-humanitários;

Considerando que bilionários, senhores brancos do próprio destino, não precisam de direitos nem de babás, mas preferem se expressar na linguagem que todos entendem;

Essa Assembleia Geral proclama a Declaração Universal de Direitos do Bilionário e expressa normativamente o que empiricamente muitos teimam ignorar.

Título I – Direitos civis e políticos

1º Todo bilionário tem direito de não se curvar a quaisquer limites comunitários.

2º Todo bilionário tem direito de não se subordinar ao Estado, à lei, à soberania popular ou a qualquer outra soberania.

3º Todo bilionário tem direito de financiar a ruptura democrática quando a democracia violar seus direitos naturais e de planejar a vida pós-civil e pós-política.

4º Todo bilionário tem direito de crer no seu dom de "problem-solver" e alocar livremente fração de sua riqueza, com isenções da filantropia, nos temas que entenda de interesse público ou privado (dicotomia superada pelo bilionário).

5º Todo bilionário tem direito ao entretenimento, incluindo a liberdade de navegar por ares e oceanos, apropriar-se de seu espaço aéreo, gozar de terminal aéreo próprio e investir em exploração interplanetária.

6º Todo bilionário tem direito de promover sua imagem, não sofrer preconceito, lavar sua biografia e exibir magnanimidade.

Título II - Direitos econômicos

7º Todo bilionário tem direito ao enriquecimento infinito e de pulverizar sua riqueza por meio de arranjos jurídico-societários livres da luz do sol.

8º Todo bilionário tem direito de multiplicar riqueza pela financeirização desregulada.

9º Todo bilionário tem direito de transformar vida humana em commodity da sua corporation e de explorar os limites físicos e psicológicos do trabalho humano.

10º Todo bilionário tem direito de corroer financiamento de programas de combate à pobreza e outras "ditas" vulnerabilidades.

11º Todo bilionário tem direito de não ser tributado e de ser respeitado por seu mérito.

Título III – Direitos de autodefesa vital

12º Todo bilionário tem direito de construir sua ilha, exercer sua soberania e ali fundar seu próprio país para a livre determinação de si mesmo.

13º Todo bilionário tem direito de sobreviver ao apocalipse nuclear e ao colapso climático escondido em bunker construído na profundidade do manto terrestre ou em planeta alternativo ao que ajudou a destruir. Tem liberdade de escapar.

14º Todo bilionário tem direito de investir na pesquisa científica que viabilize seu "immortality project", pois a duração da vida humana não faz justiça à sua superior vocação para o bem-viver e bem-possuir.

Conrado Hübner Mendes, o autor deste artigo, é Professor de direito constitucional da USP; doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC. Publicado originalmente na Folha de São Paulo (edição impressa), em 14.11.24

É hora de acabar com a farra das emendas e chamar a polícia

Fiscalização da CGU puxou só um fiapo miúdo da distribuição descontrolada do dinheiro

A Controladoria-Geral da União puxou um fiapo miúdo da farra das emendas parlamentares. Em três auditorias, o órgão colheu amostras de desperdício de dinheiro, direcionamento de verba pública, descontrole de gastos e suspeitas de desvios. Uma parte dos recursos foi para a conta de ONGs sem estrutura ou obras que não começam nunca.

A fiscalização nem começa a arranhar a superfície do problema. Por ordem do Supremo, a CGU analisou uma amostra de repasses de emendas para 30 municípios (R$ 787 milhões) e 20 ONGs (R$ 515 milhões) em anos recentes. É um rio de dinheiro, mas o valor representa menos de 0,8% da fortuna de R$ 167 bilhões empenhados de 2020 a 2024.

Os relatórios servem para oferecer alguns exemplos de como uma parte do dinheiro vai parar onde não devia ou escorre pelo ralo. Há casos de ONGs que usam a verba para outros fins, compram equipamentos que não são usados ou subcontratam empresas de seus próprios controladores. Algumas prefeituras recebem os recursos, mas não têm condições de começar as obras.

Há vários motivos para acreditar que o descalabro é muito maior do que isso. A CGU fez um sobrevoo e analisou fluxos de gastos sem um mergulho profundo nas suspeitas de irregularidades ou quebras de sigilo que poderiam revelar casos de corrupção, por exemplo. O descontrole é tão grande que só será resolvido quando alguém reduzir o tamanho da festa e chamar a polícia.

Em suas investigações, a PF já afirmou que o deputado Josimar Maranhãozinho (PL-MA) participou de uma fraude de obras de pavimentação bancadas por emendas, que Juscelino Filho (União-MA) usou a verba para construir estradas que chegam à sua fazenda e que um assessor de Arthur Lira (PP-AL) recebeu dinheiro de um esquema envolvendo a compra de kits de robótica.

A indicação de verba para bases políticas poderia ser um mecanismo saudável, mas o modelo brasileiro é uma anomalia que os parlamentares conseguiram agravar. Além de aumentar o volume, deputados e senadores fizeram questão de autorizar o fluxo desenfreado de dinheiro, dificultar a fiscalização e deixar as portas abertas para a corrupção.

Bruno Boghossian, o autor deste artigo, é Jornalista. Publicadooriginalmente na Folha de S. Paulo (edição impressa), em 13.11.24

'Ainda estou aqui': por que caso da ditadura relatado no filme segue sem resolução no STF

Mais de meio século após o desaparecimento do deputado federal Rubens Paiva na ditadura militar, um dos episódios mais emblemáticos de violação de direitos humanos da história do Brasil, o país revisita o caso em duas frentes em buscas de respostas, enquanto, em uma terceira, ele segue sem desfecho.

À esq., foto de família com Eunice, Rubens e Babiu (filha caçula) no Rio em 1970 (à dir., cena do filme) - Arquivo Pessoal

No cinema, Ainda Estou Aqui, novo filme de Walter Salles que estreou nesta quinta-feira (7/11) em salas pelo Brasil, retrata os impactos da perda de Rubens Paiva sobre sua esposa, Eunice, e seus cinco filhos no Rio de Janeiro dos anos 1970, durante os anos de chumbo.

O longa, inspirado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho do deputado, foi premiado como melhor roteiro no último Festival de Veneza e escolhido por unanimidade para representar o Brasil no Oscar no próximo ano.

Ao mesmo tempo, o governo federal reabriu uma investigação do caso sobre o que de fato aconteceu com Rubens Paiva.

O deputado foi cassado e preso em 1971 e dado como desaparecido. Sua morte, confirmada só 40 anos mais tarde, segue até hoje sem que os culpados tenham sido responsabilizados.

Isso porque a denúncia do caso, feita há uma década, está no Supremo Tribunal Federal (STF). A demora é tal que três dos cinco militares acusados pelo crime já morreram.

Depois de seis anos sem qualquer movimentação, em 24 de outubro deste ano o ministro Alexandre de Moraes, responsável pelo caso, determinou que a Procuradoria Geral da República se manifeste sobre o mérito do tema, informou à BBC News Brasil a assessoria de imprensa da corte.

Esse impasse está intimamente ligado ao debate sobre a constitucionalidade da Lei da Anistia, que concedeu perdão tanto a perseguidos políticos quanto a agentes do Estado que cometeram crimes durante o governo militar.

No centro da questão, há uma discussão se os crimes daquele período podem ou não ser ainda punidos e, em última instância, a disposição da sociedade brasileira de acertar as contas com um dos períodos mais violentos de sua história recente.

Este é o cerne de Ainda Estou Aqui, diz Marcelo Rubens Paiva à BBC News Brasil, em que sua mãe, Eunice, interpretada por Fernanda Torres, é apresentada como uma mulher forçada a se reinventar diante da violência do Estado e a criar um novo futuro para sua família.

Seu livro e o longa derivado dele propõem mais do que uma reconstituição histórica. São uma reflexão sobre a impunidade e a resistência à revisão de crimes da ditadura militar, tema que permanece atual e controverso no país.

“O nosso papel como cineasta, escritor, roteirista, pessoa das artes é falar aquilo que os vencidos não conseguem falar”, diz o filho do deputado.

“Mostrar, denunciar, apontar, é muito complicado em um país que sofreu um processo de ditadura tão longo e que na redemocratização fez um pacto sinistro entre a sociedade civil e os torturadores.            

Selton Mello, que interpreta Rubens Paiva e Fernanda Torres, que interpreta Eunice, ao lado do diretor Walter Salles (Getty Images)

Por que caso Rubens Paiva está sem resolução no STF

Rubens Beyrodt Paiva nasceu em 1929, em Santos, São Paulo. Casado com Eunice Facciolla Paiva, era pai de cinco filhos: Vera, Maria Eliana, Ana Lúcia, Marcelo e Maria Beatriz.

Formado em engenharia, Paiva foi eleito deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) em 1962.

Durante seu tempo na Câmara dos Deputados, destacou-se como relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), que investigava o financiamento de grupos que conspiravam contra o governo de João Goulart.

Com a instalação do regime militar, em 10 de abril de 1964, seu mandato foi cassado, levando-o ao exílio na Iugoslávia.

Após retornar ao Brasil em novembro do mesmo ano, Paiva estabeleceu-se com a família em São Paulo e, posteriormente, no Rio de Janeiro, em uma residência na Avenida Delfim Moreira, no bairro do Leblon.

Ele atuava como diretor-gerente de uma empresa de engenharia e fundações, cultivando relações com jornalistas e políticos de oposição.

No entanto, em 1971, Rubens Paiva foi sequestrado por agentes do regime militar e, conforme denúncia do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro, morreu no antigo DOI-Codi, na Tijuca, na zona norte da capital.

Foi somente durante a Comissão Nacional da Verdade (CNV) que foi confirmada a morte de Rubens Paiva.

A comissão, instituída em 2012, no governo de Dilma Rousseff, tinha como objetivo investigar e documentar as violações dos direitos humanos durante a ditadura militar.

Durante a comissão, foi confirmado e esclarecido que Rubens Paiva foi torturado e morto em instalações militares.

Foto de Eunice em 1971, após sair da prisão, com os cinco filhos  (Arquivo pessoal de Vera Paiva)

Em 2014, a CNV apresentou informações sobre o caso do desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva.

m um relatório parcial divulgado no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, a CNV apontou o então tenente Antônio Fernando Hughes de Carvalho como um dos torturadores responsáveis pela morte de Paiva.

Essa revelação veio à tona com base no depoimento de uma testemunha, identificada apenas como "agente Y", que afirmou ter visto um dos militares pressionar o ex-deputado contra uma parede durante uma sessão de tortura no Destacamento de Operações de Informações (DOI).

Segundo o relatório, Rubens Paiva morreu em decorrência das torturas infligidas pelos militares. Apesar das novas provas, como recibos de pagamento de diárias que contradizem a versão de que José Antônio Nogueira Belham, comandante do Doi-Codi à época, estaria de férias durante a prisão e morte de Paiva, o destino final do corpo do ex-deputado ainda não foi esclarecido.

Cláudio Fonteles, ex-procurador geral da República e um dos coordenadores da Comissão Nacional da Verdade, explica que a recusa das Forças Armadas em abrir seus arquivos, mantendo a documentação sob sigilo, dificultou a investigação dos crimes.

Neste sentido, os depoimentos colhidos pela comissão tiveram um papel central.

“Nesses crimes antigos, as provas testemunhais são muito importantes”, pontua Marlon Alberto Weichert, procurador regional da República e coordenador do Grupo de Trabalho Memória e Verdade da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão.

“Especialmente nos casos de graves violações a direitos humanos, onde as evidências da tortura se perdem um pouco com o tempo e a documentação até hoje é mantida sob sigilo.”

Em 2014, após investigações iniciadas em 2011, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou cinco ex-integrantes do sistema de repressão da ditadura militar pelo assassinato e ocultação do cadáver do deputado Rubens Paiva. As acusações incluíam homicídio doloso, ocultação de cadáver, associação criminosa armada e fraude processual.

Filme foi escolhido para representar o Brasil no Oscar (Divulgação)

Os denunciados foram José Antonio Nogueira Belham, Rubens Paim Sampaio, Jurandyr Ochsendorf e Souza, Jacy Ochsendorf e Souza e Raymundo Ronaldo Campos.

A Justiça Federal do Rio de Janeiro aceitou a denúncia, que foi mantida pelo Tribunal Regional da 2ª Região.

Esse desdobramento foi considerado um marco pelos membros do MPF, pois representou a primeira ação penal contra militares por homicídios ocorridos durante a ditadura. Os acusados solicitaram um habeas corpus à 2ª turma do TRF2, mas o pedido foi negado.

A defesa dos réus, então, recorreu ao STF alegando que a anistia já havia sido discutida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, que é um instrumento jurídico utilizado no Brasil para questionar atos do Poder Público que violem preceitos fundamentais da Constituição, como direitos humanos básicos.

Em 29 de setembro de 2014, apenas 19 dias após o julgamento do habeas corpus, o ministro-relator Teori Zavascki concedeu uma liminar para suspender o andamento do processo.

Zavascki faleceu em 2017 em um acidente de avião, e o processo foi paralisado. Em 2018, o caso foi encaminhado ao ministro Alexandre de Moraes, que sucedeu Zavascki e herdou os processos pendentes.

 Deputado federal foi cassado logo após o golpe militar e preso após voltar de um exílio (Memorial da Resistencia)

Lei da Anistia em xeque

Os rumos do caso Rubens Paiva está ligado a uma discussão sobre a constitucionalidade da Lei da Anistia.

Esta legislação, decretada em 1979, durante a ditadura, ao conceder perdão geral aos crimes cometidos durante o regime, permitiu por um lado o retorno de exilados e a libertação de presos políticos.

Por outro, ressaltam especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, impediu que agentes da ditadura que torturaram e mataram opositores do governo militar fossem processados.

“A transição controlada, dominada pelos militares, com as elites brasileiras, levou a esse modelo de impunidade e de esquecimento”, diz Weichert.

“Esses assuntos foram assuntos interditados, assuntos proibidos.”

Em 2010, o STF decidiu que a Lei da Anistia é constitucional, o que é questionado ainda hoje.

Para Claudio Fonteles, a Lei da Anistia é inconstitucional, porque contraria princípios fundamentais da Constituição Federal.

Ele argumenta que uma lei ordinária, como a Lei de Anistia, não pode, sob a ótica constitucional, anistiar crimes cometidos por aqueles que violaram o Estado Democrático de Direito, já que a Constituição é a base permanente da democracia e deve ser preservada acima de qualquer legislação infraconstitucional

“Manter essa lei é preservar a figura do torturador. Não colabora para a defesa da democracia e coloca uma pedra sobre esse assunto”, afirma Fonteles à BBC News Brasil.

Weichert argumenta que, apesar da decisão do STF ter declarado a Lei de Anistia constitucional, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a considerou incompatível com a convenção americana sobre direitos humanos.

Eunice combateu a política indigenista do regime militar até o fim da ditadura

Exemplos de processos envolvendo o Brasil na CIDH incluem os casos da guerrilha do Araguaia (Gomes Lund), do jornalista Vladimir Herzog e Collen Leite, todos levados à Corte após a comissão ter realizado esse procedimento.

Em decisões importantes, a Corte Interamericana declarou que tanto crimes contra a humanidade quanto graves violações de direitos humanos são imprescritíveis e não podem ser anistiados.

O fato de os próprios militares terem decretado a lei que perdoa os crimes cometidos por agentes do regime seria uma forma de “autoanistia”, defende Sergio Suiama, procurador da República do Ministério Público do Rio de Janeiro.

“Isso é inadmissível em casos de crimes contra a humanidade”, pontua Suiama.

O procurador destaca que isso tem travado o avanço de ações penais como a de Rubens Paiva.

"O caso de Rubens Paiva está suspenso devido a essa indefinição”, diz Suiama.

Segundo Suiama, o MPF já propôs mais de 40 ações penais, mas a maioria delas foi suspensa ou derrubada justamente porque o STF não julga essas arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPF).

“As provas reunidas durante a investigação do MPF, incluindo confissões de farsa em tentativas de fuga, permanecem sem análise de mérito, esperando por uma decisão que determine se esses crimes são ou não imprescritíveis".

Eunice e os cinco filhos em Brasília depois da posse de Rubens em 1963 (Arquivo Pessoal)

O advogado Rodrigo Roca, que representa os acusados de torturar e matar Rubens Paiva, questiona a argumentação de que os crimes da ditadura podem ser enquadrados como crimes contra a humanidade.

Segundo Roca, para ser um crime contra a humanidade, a conduta precisa ter sido voltada contra uma população civil, o que, segundo ele, não seria o caso.

“Uma conduta para ser considerada crime contra a humanidade, ela precisa se voltar contra a população civil como um todo. E não contra determinados grupos insurgentes. Isso legalmente, ou seja, tecnicamente, penso até que dogmaticamente, não poderia jamais ser tipificado como crime contra a humanidade”, diz.

O advogado avalia ainda que o processo movido pelo MPF que busca um desfecho para a morte de Rubens Paiva, iniciado durante o governo Dilma e na esteira das conclusões da Comissão da Verdade, teve um "viés político".

Segundo ele, sempre que um governo de esquerda chega ao poder, há um "recrudescimento desse movimento", que ele qualifica como "delírios”.

“É preciso se perguntar antes a quem isso vai interessar, qual é a relação custo-benefício de uma nova mobilização dessas, do governo, de alguns setores do judiciário, em torno de pessoas com questões jurídicas plenamente resolvidas, quer dizer, é uma perda para todos, é uma guerra sem vencedores”, acrescenta.

“Há um revolvimento de uma matéria jurídica já bem desgastada e resolvida do ponto de vista social. Caberia ao plano jurídico apenas aderir a essa consciência popular e por um fim nessa história”, acrescenta.

Novo filme é inspirado no livro do filho de Paiva, Marcelo Rubens Paiva

Governo reabriu investigação do caso

Em paralelo, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), órgão do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, reabriu o caso em abril deste ano.

O objetivo é investigar e produzir mais provas que comprovem o que aconteceu com Rubens Paiva.

Em agosto de 1971, o caso foi arquivado pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), órgão antecessor do atual Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).

A votação evidenciou divisões: enquanto membros ligados à ARENA (Aliança Renovadora Nacional) apoiaram o arquivamento, representantes do MDB e da OAB se posicionaram contra.

O então ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, exerceu o voto de desempate, decidindo pelo arquivamento. A justificativa oficial baseou-se em informações falsas do Exército, que alegava que Rubens Paiva havia desaparecido após uma intervenção de desconhecidos durante sua detenção.

Essa versão foi desmentida posteriormente pela Comissão Nacional da Verdade. Ademais, um dos conselheiros que votou pelo arquivamento afirmou ter sido coagido a tomar essa decisão.

Segundo André Carneiro, vice-presidente do CNDH, a medida tem caráter administrativo, com possibilidades de contribuir com essa ação penal do MPF.

Carneiro afirma ainda que será produzido um relatório que conterá recomendações ao Poder Público específicas para o caso Rubens Paiva e também gerais sobre o direito à memória, à verdade e à Justiça. O documento deve ser entregue até o fim deste ano.

“Como existe um processo no STF, esse relatório será entregue ao MPF e compartilhado com o Supremo”, ressalta Carneiro.

“Esse caso é bastante simbólico.Tratava-se de um ex-deputado federal, alguém que não tinha vínculo com a luta armada. A forma como foi tratado revela a estrutura de funcionamento de espionagem e uma máquina de tortura no país.”

Marcelo Rubens Paiva reforça a importância de manter viva a memória do pai, seja por filmes, livros ou reportagens.

Para o escritor, a forma de impedir que a ditadura volte é colocar em evidência o aconteceu durante o regime — e isso inclui o assassinato de Rubens Paiva.

“Tem que mostrar o que é a ditadura, o que foi o AI-5, o que foi a tortura, o que foi o Estado autoritário”, diz Marcelo Rubens Paiva.

“É algo que não se deve defender jamais.”

Priscila Carvalho, do Rio de Janeiro para a BBC News Brasil

terça-feira, 12 de novembro de 2024

Os gatos fazem bem para nossa saúde?

Os gatos convivem com os seres humanos há milhares de anos. E, muito antes de os memes e os TikToks viralizarem na Internet, eles têm nos confortado com seus ronronados e nos feito rir com suas travessuras.

Muitos gatos preferem interação humana em vez de comida ou brinquedos (Getty Images)

Mas, o que dizem as pesquisas: os gatos nos fazem bem?

Viver com um deles pode ter um efeito profundo - e às vezes surpreendente - em nossa saúde física e mental. E isso não é isento de riscos.


Os gatos ficam com o rabo para cima quando estão felizes

Parte da Família

Você já deve ter ouvido falar que os gatos não têm donos, eles têm “funcionários”. Na verdade, vários levantamentos mostram que os humanos que moram com eles se sentem mais como parentes amados.

Em um estudo com 1.800 tutores de gatos holandeses, metade disse que seu bichano era parte da família. Um em cada três considerava-o como um filho ou melhor amigo, e o achava leal, solidário e empático.

Outra pesquisa, nos Estados Unidos, desenvolveu uma escala de “vínculo familiar ” e descobriu que os gatos eram um integrante tão importante das famílias quanto os cães.

Muitos gatos preferem interação humana em vez de comida ou brinquedos. E eles conseguem distinguir quando estamos falando com eles (e não com outro humano).

Na verdade, nós nos adaptamos uns aos outros. Os felinos são mais propensos a se aproximar de estranhos humanos que primeiro dão um “beijo de gatinho” – estreitando os olhos e piscando lentamente. E pesquisas sugerem que os gatos desenvolveram miados específicos que se sintonizam com nossos instintos de nutrição.

O que essa relação próxima significa para os resultados de saúde?

Gatos são ótimas companhias para idosos (Getty Images)

Um senso de propósito

Ter um animal de estimação está associado a um menor isolamento social. E alguns tutores de gatos dizem que “cuidar dele” aumenta a sensação de prazer e senso de propósito.

Mas os benefícios do relacionamento podem depender de como você interage com ele.

Um estudo analisou diferentes estilos de convivência, incluindo “remoto”, “casual” e “codependente”. E descobriu que pessoas cujo relacionamento era codependente, ou como um amigo, tinham uma conexão emocional maior com o animal de estimação.

Gatos têm centenas de expressões faciais diferentes (Getty Images)

Links para a saúde do coração

As pessoas que possuem – ou possuíram – um bichano têm menor risco de morrer de males cardiovasculares, como derrame ou doença cardíaca. Esse resultado foi repetido em várias pesquisas.

No entanto, um problema na interpretação de estudos populacionais é que eles nos informam apenas sobre uma associação. Isso significa que, embora os donos de felinos tenham um risco menor de morrer por problemas de coração, não podemos afirmar com certeza que os gatos são a causa.

Conviver com um gato também foi associado a algumas mudanças positivas na microbiota intestinal, especialmente em mulheres, como melhor controle da glicemia e redução de inflamação.

As 'caretas' dos gatos podem ter muitos significados (Getty Images)

Ajudando a saúde mental

Ser tutor de animais domésticos também está associado a um bem-estar psicológico maior. Para pessoas com depressão, acariciar ou brincar com seu bichano demonstrou reduzir os sintomas (embora isso tenha ocorrido em um curto período de duas horas e não possa ser extrapolado para um prazo mais longo).

Outra maneira de descobrir o impacto dos gatos na saúde é a pesquisa qualitativa: perguntar às pessoas o que seus gatos significam para elas.

Quando colegas e eu entrevistamos veteranos de guerra, descobrimos que pessoas mais apegadas aos seus animais de estimação na verdade tinham pontuações mais baixas em saúde mental. Mas, suas respostas à pesquisa contaram uma história diferente. Um entrevistado disse: “meus gatos são a razão pela qual eu me levanto de manhã”.

Outro escreveu:

”Considero-o um animal que presta um serviço. Ele me ajuda a relaxar quando estou lidando com minha ansiedade, depressão ou quando acordo durante a noite por causa dos pesadelos frequentes. Meu gato não é apenas um animal de estimação para mim, ele é uma parte de mim, parte da minha família.”

Pode ser que os veteranos fossem mais apegados aos seus gatos porque tinham saúde mental pior — e dependiam mais deles para obter conforto — e não o contrário.

O peso do amor

É possível que o apego tenha desvantagens. Se seu gato ficar doente, o fardo de cuidar dele pode ter um impacto negativo em sua saúde mental.

Em nosso estudo com tutores de animais portadores de epilepsia, cerca de um terço deles experimentou um nível clínico de sobrecarga como cuidadores que provavelmente interferiu em suas atividades diárias.

Toxoplasmose

Os gatos também podem transmitir doenças zoonóticas, que são infecções transmitidas de animais para humanos.

Eles são os principais hospedeiros da toxoplasmose, um parasita excretado nas fezes, que pode afetar outros mamíferos, incluindo os seres humanos.

Há mais probabilidade de o parasita ser transmitido por gatos selvagens, que caçam para se alimentar, do que por gatos domésticos.

A maioria das pessoas apresenta sintomas leves que podem ser semelhantes aos da gripe.

Mas a infecção durante a gravidez pode levar ao aborto espontâneo ou natimorto, ou causar problemas para o bebê, incluindo cegueira e convulsões.

Mulheres grávidas e pessoas com imunidade baixa correm maior risco.

É recomendado que esses grupos não esvaziem as caixas de areia dos gatos ou, se o fizerem, que usem luvas.

Trocar a caixa de areia diariamente previne que o parasita atinja um estágio que possa infectar pessoas.

Alergias

Até uma em cada cinco pessoas tem alergia a felinos - e esse número está aumentando.

Quando os gatos lambem seus próprios pelos, sua saliva deposita um alérgeno. Quando o pelo e a penugem (flocos de pele) se soltam, isso pode desencadear uma reação alérgica.

Pessoas sem alergias graves ainda podem conviver com gatos se lavarem as mãos regularmente, limparem as superfícies e passarem aspirador de pó para eliminar os pelos.

Elas também podem excluir os pets de locais que desejam que sejam livres de alérgenos, como os quartos.

Embora os gatos possam provocar reações alérgicas, também há evidências de que o contato com eles pode ter um papel protetor na prevenção do desenvolvimento de asma e reações alérgicas.

Isso ocorre porque a exposição permite modificar o sistema imunológico, tornando menos provável que reações alérgicas ocorram.

Susan Hazel, a autora deste artigo, é professora de veterinária na Universidade de Adelaide (USA). Originalmente publicado no site de divulgação científica The Conversation. Reproduzido pela BBC News, em 12.11.24

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Miguel Reale Jr. diz que ‘sequestro’ do Orçamento pelo Congresso revela País em ‘podridão’

Para ex-ministro da Justiça, Executivo está “de mãos atadas” diante de ações que priorizam o “atendimento pessoal de parlamentares”, e as eleições deste ano comprovaram o sucesso desse tipo de esquema

O jurista Miguel Reale Jr. durante o encerramento do 9º Seminário Caminhos Contra a Corrupção. (Foto: Alex Silva/Estadão)

O jurista Miguel Reale Jr. fez duras críticas nesta terça, 5, em São Paulo, ao que chamou de “sequestro” do Orçamento do País pelo Legislativo por meio das emendas parlamentares. Para o ex-ministro da Justiça, o Brasil vive um momento de “podridão”, em que o interesse público deu lugar ao interesse particular de deputados e senadores.

“O Legislativo pôs a mão no Orçamento. Se já é difícil para o Executivo cumprir seu papel com as despesas obrigatórias, com esse sequestro de receita por parte do Legislativo, o Executivo fica com as mãos atadas”, disse Reale Jr. no encerramento do 9º Seminário Caminhos Contra a Corrupção, promovido pelo Estadão e pelo Instituto Não Aceito Corrupção (Inac) nos últimos dois dias. “Estamos vivendo uma podridão vendo o dinheiro indo para o ralo, vendo ações que priorizam atendimento pessoal de parlamentares. Acabou o interesse público, este é o quadro.”

O jurista Miguel Reale Jr. durante o encerramento do 9º Seminário Caminhos Contra a Corrupção, nesta terça, 5 Foto: Alex Silva/Estadão

Professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, Reale Jr. citou os diferentes tipos de emendas parlamentares criados nos últimos anos, como as de relator, posteriormente consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, as emendas de comissão e de bancada, e as emendas pix, agora suspensas. “O Executivo está contra a parede, e o Legislativo tomou conta. Se reproduz aqui o que aconteceu na República Velha, um acordo entre elites para dar sustentação ao governo. Aqui, é o Legislativo que prevalece e faz com que o Executivo se submeta.”

O jurista avalia que, com as emendas, o Orçamento deixou de representar um instrumento de ação do Poder Executivo. “Para um deputado, interessa dar dinheiro para determinado reduto eleitoral para cavar votos para a reeleição. O Orçamento deixou de ser instrumento de ação política e administrativa do Executivo para ser dividido com o Legislativo, que passa a pôr a mão no Orçamento e destinar verbas para obras e eventos efêmeros, mas desconectados com um planejamento administrativo.”

Para o jurista, as eleições municipais de 2024 são a prova de como as emendas foram efetivas em privilegiar o aspecto eleitoral dos parlamentares. “Qual o clima que se vive no País? Qual o capital moral que se extrai? São (investimentos em) ações sociais, visando o bem comum, o interesse público, ou que visam atender interesses dos deputados, visando exclusivamente a cevar seu eleitorado? Prova disso é que, na última eleição, 91% dos prefeitos que receberam dinheiro de emendas foram reeleitos.”

Reale Jr. também fez críticas ao PSD, presidido por Gilberto Kassab, partido que terminou as eleições com mais vitórias em todo o Brasil. “O que é o PSD do Kassab? Se você for ler os seus princípios, qualquer um assinaria. ‘A favor do meio ambiente’, ‘contra desigualdade’. O PSD vai apoiar o que mais lhe interessa. O PSD é um partido sem caráter. Nada o caracteriza. PSD é um conglomerado de interesseiros que fazem da política um esporte, sem proposição. Kassab é um secretário de governo do (governador de São Paulo) Tarcísio de Freitas (Republicanos) e tem três ministérios no governo do PT.”

O Seminário Caminhos Contra a Corrupção se consolidou como um dos principais espaços de debate nacional sobre transparência, integridade, compliance, ESG e o universo anticorrupção. Quase 80 mil pessoas acompanharam as duas últimas edições, em 2022 e 2023. Os painéis e conferências deste ano foram transmitidos ao vivo no site do Estadão.

Matheus Lara, o autor, é Jornalista. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 05.11.24

Controle do Orçamento pelo Congresso no Brasil é maior do que em países da OCDE

Estudo comparativo com 11 nações mostra que o Legislativo brasileiro é o único a atuar também na execução orçamentária

O Congresso brasileiro dispõe hoje de poderes sobre o Orçamento nacional maiores do que os detidos pelos Legislativos de 11 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) entidade que reúne algumas das nações mais desenvolvidas do mundo. A conclusão é de estudo do pesquisador do Insper Marcos Mendes e do ex-secretário do Orçamento Federal Hélio Tollini. 

O porcentual das despesas livres do governo dedicado às emendas parlamentares no Brasil (24%) é quase o triplo do segundo colocado, a Alemanha (9%). O Brasil também é o único país analisado em que o Legislativo atua na execução do Orçamento. Para os autores, “não se justifica a defesa da expansão das emendas parlamentares ao Orçamento sob o argumento de que ‘no mundo todo é assim’”.

O porcentual de emendas no Brasil é mais do que o dobro do que pratica a Alemanha, segunda colocada

“A forma como o Legislativo brasileiro atua no processo orçamentário é inusitada e (...) muito superior ao observado nos demais países (...). Não se justifica, a expansão das emendas sob o argumento de que ‘todo mundo é assim”

O poder do Congresso Nacional brasileiro sobre as emendas parlamentares é muito superior ao que acontece na maior parte dos países desenvolvidos. A conclusão é de um estudo elaborado pelo pesquisador do Insper Marcos Mendes e pelo e ex-secretário do Orçamento Federal Hélio Tollini. Os autores compararam a prática brasileira com a de 11 países da OCDE. O porcentual dedicado às emendas no Brasil é mais que o dobro do segundo colocado, a Alemanha, e o Congresso hoje dispõe de poderes que não existem em nenhum outro lugar, diz o levantamento. A OCDE é uma organização que reúne países dedicados à promoção de padrões internacionais econômicos, financeiros, comerciais, sociais e ambientais.

Do começo de 2021 até agora, deputados e senadores destinaram R$ 131,7 bilhões em emendas parlamentares de todos os tipos. O montante é 87% maior do que o indicado nos quatro anos anteriores (2017-2020), o que mostra a força do avanço do Congresso sobre os recursos do Orçamento. Segundo o estudo de Marcos Mendes e Hélio Tollini, esse avanço começa em 2015, quando o Congresso aprovou a chamada PEC do Orçamento Impositivo (EC 86). A PEC tornou obrigatório o pagamento de parte das emendas individuais. Hoje, as emendas representam 24% das despesas livres (discricionárias) do governo. É mais que o dobro do segundo colocado, a Alemanha, onde o montante chega a 9%.

Do total de R$ 131,7 bilhões indicados nos últimos quatro anos, quase um terço do total (32,4%) corresponde a emendas de relator (base do esquema do Orçamento Secreto, revelado pelo Estadão) e a emendas de comissão, o que torna impossível, na prática, saber quem são os “padrinhos” das indicações. Em agosto, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino reconheceu que o Congresso não havia dado fim à prática do Orçamento Secreto, declarada inconstitucional pelo STF em 2022 (mais informações nesta página). Ele suspendeu o pagamento das emendas. Na última terça-feira, a Câmara aprovou um projeto para tentar atender às exigências de Dino e liberar os recursos.

Segundo entidades que trabalham pela transparência dos recursos públicos, o projeto não é suficiente para garantir a rastreabilidade do dinheiro enviado por meio de emendas, principalmente as de comissão. Isto porque o texto não define nenhum parâmetro para as atas das reuniões nas quais a destinação do recurso é decidida. Além disso, a proposta eleva o valor das emendas para R$ 50,5 bilhões no ano que vem.

Para entender as diferenças no processo orçamentário de cada país, os autores entrevistaram especialistas locais, além de analisar dados. “A principal conclusão é de que a forma como o Legislativo brasileiro atua no processo orçamentário é inusitada e, em termos de montante, muito superior ao observado nos demais países analisados. Não se justifica, portanto, a defesa da expansão das emendas parlamentares ao Orçamento sob o argumento de que ‘no mundo todo é assim’”, escreveram os autores.

O Brasil, dizem os autores, é o único país analisado em que o Legislativo atua na execução do Orçamento, ao indicar ao governo para onde enviar recursos depois de aprovada a Lei Orçamentária Anual (LOA). É o que acontece com as emendas de comissão, por exemplo. O estudo compara a situação do Brasil com a observada no México, no Chile, dos Estados Unidos, na Coreia do Sul, na Alemanha, na Itália, em Portugal, na Espanha, na França, no Canadá e na Austrália.

PRIORIDADES.

“Nos países membros da OCDE, os parlamentos, em geral, têm a função de discutir as prioridades nacionais e de fiscalizar a execução do orçamento, e não de interferir diretamente na sua elaboração, tampouco na execução do orçamento, destinando recursos para as bases eleitorais dos parlamentares, como ocorre no Brasil”, diz um trecho do estudo. Em dois dos países, Canadá e Austrália, sequer existem emendas. E só o Brasil e os Estados Unidos permitem que as emendas sejam aprovadas sem a concordância do Executivo. “Das nove características (do processo orçamentário) que a gente avaliou, (...) há três que só existem no Brasil. Uma é a questão da cota financeira, ou seja, cada parlamentar ter direito a um determinado valor em emendas. Há depois a questão da reserva, do Poder Executivo ser obrigado a reservar antecipadamente um valor para atender às emendas. Finalmente, tem a intervenção do Poder Legislativo durante a execução do Orçamento. Dentre todos os países (analisados), é só no Brasil que o Legislativo interfere na execução do Orçamento. Em todos os outros, a execução é assunto exclusivo do Executivo”, diz Hélio Tollini. Segundo o pesquisador, os 24% das verbas “livres” à disposição do Congresso tornam o Brasil um ponto fora da curva em relação aos demais países. “Quem chega mais perto é a Alemanha, com 9%, e depois a Coreia do Sul, com 4,4%. São números muito diferentes. Não há comparação possível de 9% para 24%, e muito menos 4,4%. E depois que, em ambos os países (Alemanha e Coreia do Sul), os parlamentares têm que indicar, na emenda, o cancelamento correspondente. Lá, o parlamentar arca com o ônus de dizer de onde vai tirar o recurso. Aqui não, pois há uma reserva para isso”, explica.

QUESTIONÁRIOS.

Para obter as informações sobre o processo orçamentário nos diferentes países, os autores enviaram um questionário padronizado com 12 itens para especialistas de cada um dos países. “Para cada país, depois de enviado o documento, agendou-se entrevista online em que o(s) técnico(s) foram solicitados a fazer uma descrição detalhada do processo orçamentário de seu país, com ênfase na participação do parlamento e nas questões previamente enviadas”, descrevem os autores. Além disso, eles também estudaram a bibliografia disponível sobre cada um dos países.

Contrariados com a falta de definição sobre o bloqueio das emendas parlamentares, deputados ameaçam dar o troco e não votar a lei que autoriza os gastos do governo no próximo ano, que depende da aprovação do Congresso Nacional. A estratégia de integrantes da Comissão Mista de Orçamento é vista por especialistas como suicida, já que o Orçamento do Brasil ficaria completamente travado.

Parlamentares veem a medida como a principal moeda de troca para assegurar que o Supremo Tribunal Federal libere os recursos previstos nas emendas, destinando dinheiro público aos municípios.

O repasse das emendas está suspenso desde agosto, quando o ministro Flávio Dino determinou que o Congresso e o governo dessem mais transparência e rastreabilidade para o envio das verbas.

No entendimento de membros da Comissão Mista de Orçamento (CMO) ouvidos pelo Estadão, governo e STF jogam juntos para frear a liberação de recursos para os deputados. E impedir a votação da lei de diretrizes orçamentárias (LDO) imporia uma “humilhação” ao governo.

Se o impasse não for resolvido e as emendas não forem liberadas, apontam eles, as emendas remanescentes deste ano e que aguardam destinação não valeriam para 2025.

“Existe uma insatisfação da base, tanto pelo bloqueio das emendas por decisão judicial e tanto pela falta de entendimento por parte do governo” Cláudio Cajado, Deputado Federal (PP-BA)

O presidente da CMO, deputado Júlio Arcoverde (PP-PI), também confirma a movimentação. “Existe uma movimentação, mas acho que depois que o Senado aprovar (o projeto das emendas), resolve a questão”, diz. Segundo ele, a previsão é votar no fim do mês.

Congressistas queixam-se também da ausência do líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP). Eles dizem que Randolfe é pouco presente nas negociações por um acordo em torno das matérias analisadas na comissão.

“A reivindicações são justas, adequadas, mas vamos resolver e não acredito que vamos ficar sem votar a LDO”, diz Randolfe, ao Estadão. Segundo ele, o calendário eleitoral apertou os prazos para votar projetos na comissão.

APROVAÇÃO.

O projeto de lei que estipula novas regras para as emendas parlamentares foi aprovado na Câmara no dia 5 deste mês. Ainda resta a aprovação do Senado e a sanção presidencial. Enquanto isso, faltam seis semanas para o fim do ano legislativo, que se encerra no dia 23 de dezembro.

Mesmo com os prazos apertados, Randolfe acredita que será possível votar a LDO e o Orçamento de 2025. Segundo ele, já há o acerto com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para votar o projeto no Senado amanhã.

Em tese, a LDO é enviada pelo Executivo ao Congresso até o dia 15 de abril. O texto passa pela análise da CMO e, após votação na comissão, Câmara e Senado aprovam o texto ou não conjuntamente em sessão do Congresso Nacional.

O Legislativo deveria já devolver o texto para sanção até o dia 17 de julho do mesmo ano. Essa, inclusive, é a condição para que haja o recesso parlamentar no meio do ano. Mesmo sem a aprovação, Câmara e Senado resolveram dar as férias de duas semanas mesmo assim — isso é o chamado “recesso branco”.

A LDO nunca deixou de votada. “Sim (é uma estratégia suicida)”, analisa Élida Graziane procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo. “Sem a LDO, nenhum gasto pode ser feito a partir de 1 de janeiro. Sem LDO é impossível ficar, porque significaria paralisação completa de todos os gastos, incluídos os subsídios (salários) e as emendas dos próprios parlamentares.”

Andre Shalders, o autor desta reportagem, é Jornalista. Marcos Mendes e Hélio Tollini são os autores do estudo sobre as emendas parlamentares. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 11.11.24.

A recalcitrância dos dinossauros

Ministros ameaçam pedir demissão caso sejam atingidos por cortes do pacote fiscal, confrontam equipe econômica e Lula da Silva apenas assiste, sem tentar sequer conter a insurgência

Ministros desafiam equipe econômica e Lula só assiste, sem conter insurgência

No curto espaço de uma semana, dois ministros do governo Lula da Silva ameaçaram de forma explícita e categórica pedir demissão caso suas pastas sejam atingidas pelo corte de gastos defendido pela equipe econômica. A recalcitrância de Carlos Lupi (Previdência) e Luiz Marinho (Trabalho), dois dinossauros da política oriundos do trabalhismo e do sindicalismo, em nada surpreende. O que perturba é a conduta de mero espectador assumida pelo presidente da República.

Lula da Silva acompanha com incômoda indiferença as declarações intimidatórias a eventuais medidas de seu governo. Por muito menos, ministros já foram desautorizados em comentários considerados insubordinados ou dissonantes, e não há nada de errado nisso. Faz parte do exercício da Presidência manter a equipe coesa e garantir certo grau de disciplina para que a máquina pública funcione dentro do roteiro traçado pelo governo.

Reportagem do Estadão informou que, em recente reunião no Palácio do Planalto, Luiz Marinho discutiu com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na frente de Lula, reclamando do pacote de corte de gastos. Em resposta, Haddad afirmou que o governo conduz a discussão desde fevereiro e que o ministro do Trabalho tem ciência disso. Há meses vêm sendo cogitadas mudanças no abono salarial, seguro-desemprego e na multa de 40% do FGTS em demissões sem justa causa.

Dias antes da reunião, ao ser questionado por jornalistas sobre essas propostas, Marinho respondeu que nada disso ocorreria, “a não ser que o governo me demita”. Em outra frente, Carlos Lupi, que também já havia se colocado contra qualquer mudança nos gastos previdenciários, declarou, em entrevista ao jornal O Globo, que não aceitará que o pacote venha a “pegar a Previdência”, desvinculando, por exemplo, benefícios da regra de aumento real do salário mínimo. “Se isso acontecer, não tenho como ficar no governo”, afirmou.

Como se fossem insubstituíveis ases da administração pública, os ministros assumem um comportamento afrontoso diante do pacote fiscal que, ao que tudo indica, terminará por propor um corte franciscano e sem mirar no equilíbrio entre receitas e despesas, como prevê o arcabouço fiscal. Sem o mesmo tom de ameaça dos colegas, o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, também fez declarações descartando a possibilidade de desindexação do Benefício de Prestação Continuada (BPC) do salário mínimo, outra proposta que chegou a ser debatida.

O governo, que se contenta em alcançar a borda inferior das metas fiscais, também reduziu drasticamente as metas originais do arcabouço antes de a nova legislação completar um ano, o que minou a confiança na consolidação fiscal. Originalmente, o compromisso de Lula da Silva era chegar ao fim do mandato com superávit nas contas públicas de 1% do PIB. Agora, na melhor das hipóteses, a previsão de superávit foi empurrada para 2028 e, assim mesmo, cercada de ceticismo.

Na gestão Lula da Silva, a única ameaça de demissão que poderia fazer alguma diferença seria a de Fernando Haddad, que, com alguma coerência, tenta dotar de um mínimo controle fiscal o dispêndio de recursos públicos do governo. Seria exagero dizer que tem sido bem-sucedido na tarefa, mas ao menos tem conseguido evitar a total quebra de confiança no governo.

Levadas a termo, as ameaças dos ministros da Previdência e do Trabalho não fariam diferença nem mesmo em termos de apoio político. Mas os ultimatos bradados diante de um Planalto apático enfraquecem a equipe econômica e aumentam as dúvidas sobre o verdadeiro papel de Lula no esforço para caminhar na direção do equilíbrio sustentável das contas públicas. Sabe-se, de antemão, que parcimônia nos gastos é conceito inexistente na cartilha lulopetista, repleta de políticas populistas mantidas com dinheiro público.

A ferocidade dos ministros no combate ao corte de gastos parece se basear na certeza de que não precisarão cumprir ameaças de debandar do governo. Afinal, antes delas, Lula já havia interditado debate sobre as políticas que mais poderiam ajudar no ajuste e que atingem justamente suas áreas.

Editorial / Notas e Infomações, O Estado de S. Paulo, em 11.11.24

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Biden deixa para Trump uma economia próspera, quase sem desemprego e com inflação controlada

Os maiores problemas do novo mandato são o grande déficit público e a dívida

Trabalhadores da construção civil trabalham na plataforma que está sendo construída em frente ao Capitólio para a posse do novo presidente. (Foto de Hannah Mckay / Reuters)

“Você está melhor hoje do que há quatro anos?” Em 28 de outubro de 1980, apenas uma semana antes das eleições presidenciais, Ronald Reagan fez essa pergunta aos eleitores. O então governador da Califórnia varreu as pesquisas contra o presidente Jimmy Carter. Desde então, tornou-se a questão eleitoral por excelência. Trump tem repetido isto repetidamente nos seus comícios na última semana de campanha, ao mesmo tempo que apresenta os Estados Unidos como uma economia à beira de uma depressão económica. A verdade, porém, é que o novo inquilino da Casa Branca herda uma economia em forte crescimento, em que a taxa de desemprego está próxima dos seus mínimos históricos e a inflação, o grande problema do mandato de Joe Biden, está controlada. O principal problema é o grande défice público e a dívida crescente.

Trump diz que a economia está uma bagunça, mas que quando tomar posse irá consertar a situação “rapidamente”. Tão rápido que na verdade já está consertado. Graças à recente política monetária da Reserva Federal, os Estados Unidos estão a conseguir aquilo que os economistas – num termo emprestado da corrida espacial – chamam uma aterragem suave : controlar a inflação sem causar uma recessão ou perdas maciças de empregos.

O republicano aproveitou os dados distorcidos de Outubro – nos quais apenas 12 mil empregos líquidos foram criados devido aos furacões Helene e Milton e à greve da Boeing – para zombar do número. “Esses são os empregos que o Walmart cria, não os Estados Unidos”, disse ele. Chamou-os de “os piores números” da história, apesar de durante o seu mandato, e em plena pandemia, ter havido um mês em que 20,5 milhões de empregos foram destruídos. E, antes da pandemia, em fevereiro de 2019, outra em que foram criadas apenas 5 mil. Seu último mês completo no cargo, dezembro de 2020, viu 243 mil empregos destruídos. Seu mandato terminou com menos empregos do que quando chegou à Casa Branca.

Com Biden, no calor da recuperação da pandemia, primeiro, e com a força do consumo, depois, foram criados empregos em cada mês em que foi presidente, acrescentando 16 milhões de novos empregos. A taxa de desemprego, que era de 6,7% no final de 2020, caiu para 4,1% e está agora abaixo dos 4% há 26 meses, a melhor sequência em meio século. No debate de 1980, logo após a primeira pergunta, Reagan, consciente de que o desemprego tinha aumentado sob Carter, acrescentou esta outra: “Há mais ou menos desemprego no país do que havia há quatro anos?”

Crescimento de 15,5% do PIB

O produto interno bruto dos EUA caiu 2,1% no último ano do mandato de Trump e cresceu 5,8% no conjunto dos quatro anos, segundo dados do FMI. Nos quatro anos de Biden, a economia cresceu 15,5%, levando em conta a previsão do Fundo para este ano. No terceiro trimestre, cresceu a uma taxa próxima de 3% ao ano. Mesmo que os anos de 2020 e 2021 sejam retirados da contagem para tirar distorções da pandemia, a comparação ainda favorece Biden.

A inflação tem sido o grande calcanhar de Aquiles económico de Biden e explica em grande parte a vitória esmagadora de Trump nas urnas. Os preços subiram mais de 20% durante o seu mandato, em comparação com menos de 8% nos quatro anos do ex-presidente. Os factores externos foram, mais uma vez, decisivos. A pandemia, os congestionamentos na cadeia de abastecimento e a guerra na Ucrânia levaram a inflação a atingir um máximo de 9,1% em Junho de 2022, o nível mais elevado em quatro décadas, logo desde o surto inflacionário que lhe custou entregar a presidência a Carter.

Trump disse em seus comícios que iria acabar com a inflação. No entanto, este é um problema que basicamente foi superado. Os preços subiram 2,4% nos últimos 12 meses, menos que os 2,5% da pré-pandemia de Trump nos últimos 12 meses, segundo dados da Reuters. Se olharmos para o índice PCE, o favorito da Reserva Federal, a inflação está agora em 2,1%, apenas um décimo do objectivo de estabilidade de preços do banco central.

Embora a inflação tenha caído, os preços não. Isso continua a pesar na mente dos eleitores, que têm bem na memória quanto custava sair para jantar ou fazer compras há quatro anos. Os cidadãos não costumam ver o outro lado da história: os salários também subiram. Na verdade, o rendimento pessoal disponível aumentou 10% em termos reais, ou seja, já descontado da inflação, segundo dados da Reuters. Isto, claro, é uma média, pelo que haverá muitos agregados familiares que não notaram essa melhoria global.

Quanto à riqueza líquida das famílias, altamente dependente dos preços da habitação e da evolução do mercado bolsista, também registou um forte aumento. Segundo dados da Reserva Federal, eram 164 biliões de dólares (pouco mais de 150 biliões de euros) no final do segundo trimestre, o valor mais recente disponível. São 32 biliões de dólares a mais do que no final de 2020. Aliás, um dos que mais aumentou a sua riqueza durante o mandato de Biden, em mais de 50 mil milhões de dólares, é o convicto trumpista Elon Musk. O mercado de ações subiu quase 50% durante sua gestão e não parou de bater recorde após recorde.

Na realidade, o maior problema económico dos Estados Unidos são as suas contas públicas. O défice situa-se entre 6% e 7% do PIB e a dívida federal aumentou em mais de 7 biliões de dólares durante o mandato de Biden (embora tenha aumentado mais sob Trump), segundo dados da Reserva Federal. Trump concorreu ao cargo sem propostas credíveis para resolver este problema.

Miguel Jiménez, o autor deste artigo, é correspondente-chefe do EL PAÍS nos Estados Unidos da América. Publicado em 08.11.24.

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Americanos escolhem o populismo autoritário

Trump provou que americanos estão realmente aborrecidos com o establishment, que os democratas bem representam. Ele ganhou amplo poder, mas terá pouco tempo para mostrar serviço


O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, dança após discursar em Palm Beach, Flórida  Foto: Alex Brandon/AP

O demagogo Donald Trump voltou à Casa Branca após dois processos de impeachment, quatro indiciamentos, uma condenação criminal, dissidências republicanas, a repulsa na mídia e em Hollywood, milhões de dólares a mais doados aos democratas e comparações com Hitler. Sobreviveu ainda a um atentado e, suspeita-se, a uma tentativa. As urnas falaram em alto e bom som.

Não foi um resultado da “desinformação” das redes sociais, como ultimamente têm dito os que perdem eleições para os populistas de direita. Foi uma vitória tão acachapante que os eleitores, ao contrário, demonstraram estar muito bem informados – sobretudo em relação à incapacidade dos democratas de enfrentar o que a maioria dos americanos enxerga como os principais problemas do país.

Com isso, Trump ganhou de Kamala Harris no voto popular por larga margem e o Partido Republicano parecia estar a caminho de conquistar a maioria no Congresso. Considerando-se que Trump já controla a Suprema Corte, o futuro presidente americano terá a faca e o queijo nas mãos para implementar suas promessas de campanha, que incluem deportar milhões de imigrantes ilegais, colocar o Departamento de Justiça a serviço de seu desejo de vingança contra seus adversários, transformar os EUA numa ilha protegida por tarifas e abandonar alianças e acordos militares, comerciais e ambientais, tornando o mundo consideravelmente mais instável.

Se os democratas quiserem atribuir o desastre à misoginia, ao racismo, ao fascismo, o farão por sua conta e risco. O fato é que o presidente Joe Biden falhou em reunir as condições necessárias para reduzir rapidamente a inflação que castigou a classe média americana nos últimos anos. Os índices só começaram a ceder recentemente, com pouco efeito prático sobre os preços, e é provável que seja Trump a colher os louros populares de uma recuperação econômica que já se verifica agora.

Ademais, ao invés de fazer um governo de transição, como prometido, Biden aferrou-se ao sonho da reeleição até se espatifar contra a realidade. Por anos, qualquer um que questionasse suas capacidades mentais era vilipendiado como um agente de desinformação da “extrema direita”. Quando ficou claro que Biden não tinha condições de concorrer, Kamala Harris foi coroada candidata pela elite democrata sem um único voto em eleições primárias. As únicas certezas em sua campanha eram a defesa do direito ao aborto e sua luta contra as ameaças à democracia, preocupações absolutamente secundárias para a maioria do eleitorado, como agora está claro. Ou seja, os democratas abusaram do direito de errar.

Já Trump provou que os americanos estão realmente aborrecidos com o establishment, que os democratas tão bem representam. Para a maioria dos eleitores, não importa que Trump seja um criminoso e um golpista, que não reconheceria o resultado da eleição se lhe fosse desfavorável, como fez há quatro anos. Aliás, já parece suficientemente claro que fazer troça da lei e da Constituição tornou-se um ativo político-eleitoral para Trump, visto como o outsider capaz de desafiar a estrutura jurídica e institucional do “sistema” – nome genérico para designar tudo aquilo que, segundo o discurso trumpista, frustra o sonho de “fazer a América grande de novo”, como diz o slogan de sua campanha e de seu movimento.

Ao desmoralizar espetacularmente o “sistema”, Trump praticamente não terá oposição ao assumir seu novo mandato. Isso obviamente lhe dá enorme liberdade para implementar sua agenda – que, a julgar pelo seu primeiro mandato, dependerá exclusivamente de seu humor. Como Trump é um orgulhoso agente do caos, é impossível fazer qualquer previsão.

Mas então virá o teste da realidade. Se suas políticas resultarem em inflação e desemprego, como alertam economistas de diversas extrações, Trump não terá a quem atribuir a responsabilidade, já que o Congresso e a Suprema Corte estarão sob seu comando. E então as engrenagens do “sistema” voltarão a funcionar, pois é assim que funciona a democracia. Considerando que Trump não pode concorrer a outro mandato e que daqui a dois anos haverá novas eleições, para a renovação de parte do Congresso e de governos estaduais, ele terá esse curtíssimo período para mostrar serviço e entregar a prometida “era de ouro da América”. Do contrário, será apenas um “pato manco” falastrão.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, em 07.11.24

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Com a direita fragmentada, esquerda no divã e centro no protagonismo, o que se pode esperar de 2026?

A esperança voltou à pauta e quem for o melhor portador dessa bandeira, colherá bons frutos

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), celebra sua reeleição em um evento com o governador Tarcísio de Freitas Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Nestas eleições, observamos uma nova dinâmica política se erguendo no Brasil. Aquela direita que se consolidou a partir do bolsonarismo já não é mais a mesma. Ela se fragmentou, perdida entre um radicalismo messiânico e antissistema e a necessidade de fazer alianças que possam garantir governabilidade e resultados práticos para a população.

A esquerda, por sua vez, entra definitivamente no divã, buscando entender em que ponto parte dos seus antigos eleitores passaram a renegar políticas assistencialistas, buscando pautas mais aptas a ensinar a pescar do que a entregar o peixe. Uma receita que agora é mais vista como eleitoreira do que como ferramenta de desenvolvimento social.

A esquerda também se debate nos temas referentes à segurança pública, sem saber ao certo como estar em sintonia com os desejos por uma polícia e uma Justiça mais duras no combate à criminalidade.

Já o centro voltou ao protagonismo. Sobreviveu à polarização, se tornando o fiel da balança. O discurso agora em voga, de que as pessoas querem boas gestões, diplomacia e diálogo, caiu como uma luva para políticos que prezam pelas alianças e entendem que a construção democrática passa pela aceitação das diferenças e não pela exacerbação que divide a sociedade.

É um sintoma de que o eleitor está mais maduro e, perante uma direita e uma esquerda que se radicalizaram, o centro se torna uma via que pode se adaptar melhor às nuances de cada região do País, ganhando cores mais progressistas ou conservadoras, de acordo com o desejo dos cidadãos de cada estado, mas sem demonizar parte do eleitorado, sem julgar as pessoas ou taxá-las de “nazistas” ou “comunistas”. A regra agora é incluir, e não segregar.

Sergio Denicoli, o autor deste artigo, é Jornalista. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 28.10.28

É assim que o cérebro armazena palavras: agrupando-as por significado

Pesquisadores da Universidade de Harvard demonstraram que os neurônios no córtex pré-frontal distinguem as palavras pelo que significam, não pelo som que soam, e fazem isso da mesma forma na cabeça de qualquer pessoa.

No córtex pré-frontal existem neurônios individuais que codificam o significado específico das palavras em tempo real. (Kirk Sides - Houston Chronicle/Getty)

Na maioria das pessoas, o processo mental da linguagem é especialmente dominante no hemisfério esquerdo do cérebro. No lobo frontal desse hemisfério – na chamada área de Broca, em homenagem ao neurologista que a descobriu – estão os neurônios executivos da fala, que organizam as sequências ou sequências de palavras e frases e levam à laringe e assim em. vocal periférico centraliza as ordens para emiti-los. É o cérebro que nos permite falar, o cérebro da fala propriamente dito, enquanto o cérebro que nos permite compreender o significado das palavras e das frases está localizado no lobo temporal do mesmo hemisfério esquerdo - a chamada área de Wernicke, também em reconhecimento ao neurologista que foi seu descobridor -. Simplificando, então, podemos dizer que a área de Broca contém os neurônios que nos permitem falar, e a área de Wernicke contém aqueles que nos permitem compreender a fala, o significado do que falamos e do que as outras pessoas falam.

Mas esta simples dualidade parece agora complicar-se quando entra em acção o córtex pré-frontal, uma região do cérebro humano envolvida nas funções mentais mais elevadas , uma vez que também parece contribuir significativamente para a essência linguística das palavras, isto é, para a sua capacidade cognitiva. significado. Até agora, as análises de imagens do fluxo sanguíneo cerebral permitiram estabelecer mapas do significado das palavras em pequenas regiões cerebrais. Mas agora, o neurocirurgião Ziv Williams e os seus colaboradores da faculdade de medicina da Universidade de Harvard (EUA) foram mais longe, mostrando que no córtex pré-frontal existem neurónios individuais que codificam em tempo real o significado específico das palavras. É uma descoberta importante saber como o cérebro os armazena.

Como o cérebro torna a consciência possível

A exploração experimental realizada por estes investigadores consistiu na implantação de eléctrodos no cérebro de 10 pacientes submetidos a cirurgia para determinar a origem das suas crises epilépticas. Dessa forma, registraram a atividade individual de cerca de 300 neurônios de cada paciente no córtex pré-frontal do hemisfério esquerdo, dominante para a linguagem. Assim, registraram os neurônios que foram ativados e o momento em que o fizeram, quando os pacientes ouviram múltiplas frases curtas de cerca de 450 palavras. O que observaram foi que para cada palavra eram ativados dois ou três neurônios diferentes e que as palavras que ativavam o mesmo grupo de neurônios pertenciam a categorias semelhantes, como ações (verbos) ou pessoas.

Da mesma forma, observaram que palavras que o cérebro conseguia associar entre si, como “pato” e “ovo”, ativavam alguns dos mesmos neurônios , e aqueles que tinham significado semelhante, como “rato” e “camundongo”, causou padrões semelhantes de atividade neuronal. Eles também encontraram neurônios que respondiam a conceitos menos precisos ou abstratos, como “atrás” ou “acima”. É especialmente impressionante que os investigadores tenham conseguido determinar, a partir dos seus registos de atividade, não apenas os neurónios que correspondiam a cada palavra e à sua categoria, mas também a ordem em que foram pronunciadas. Embora não pudessem recriar as frases com exactidão, podiam saber, por exemplo, que uma frase continha um animal, uma acção e um alimento, nesta ordem. Tudo isso, como dizemos, baseado exclusivamente na atividade dos neurônios registrados.

Os pesquisadores afirmam que os neurônios do córtex pré-frontal distinguem as palavras pelo significado, e não pelo som, porque quando, por exemplo, uma pessoa ouve a palavra inglesa son (filho em espanhol), os neurônios associados à palavra são ativados. família, o que não acontece quando a palavra é sun (sol em espanhol), embora sua pronúncia seja a mesma em inglês.

Embora as observações tenham se limitado a uma pequena parte do córtex pré-frontal, a principal conclusão deste importante trabalho, publicado recentemente na prestigiada revista Nature , é que os significados das palavras estão agrupados da mesma forma em todos os cérebros humanos, que utilizam o mesmas categorias padrão para classificar e dar sentido aos sons. Tudo isso é um passo importante para saber como o cérebro armazena as palavras e seus significados. Além disso, o mistério de como o cérebro converte a atividade dos neurônios (matéria) em conhecimento semântico (imaginação) sempre sobrevive.

A massa cinzenta é um espaço que tenta explicar, de forma acessível, como o cérebro cria a mente e controla o comportamento. Os sentidos, as motivações e os sentimentos, o sono, a aprendizagem e a memória, a linguagem e a consciência, bem como as suas principais perturbações, serão analisados ​​na convicção de que saber como funcionam equivale a conhecer-nos melhor e a aumentar o nosso bem-estar e as relações com outras pessoas.

Ignácio Morgado Bernal, o autor deste artigo, é professor emérito de Psicobiologia no Instituto de Neurociências e na Faculdade de Psicologia da Universidade Autônoma de Barcelona. Publicado originalmente no EL PAÍS,em 28.10.24