Presidente do tribunal afirma que ter sido voto vencido não 'impele a tratar com desrespeito pessoas que pensam de maneira diferente'
O ministro do STF, Luís Roberto Barroso, em evento nesta terça-feira (30) promovido pela Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro - Michael Félix/Divulgação ABL
O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, afirmou nesta terça-feira (30) que decisões da corte atrapalharam o combate à corrupção no país.
Ele citou três decisões contrárias à Operação Lava Jato em que foi derrotado nas votações do plenário.
O ministro fez referência ao fim de prisão em segunda instância, à submissão do afastamento do então senador Aécio Neves (PSDB) ao Senado e à anulação de sentenças em razão da ordem de fala de delatores nos processos.
"O Supremo anulou o processo contra um dirigente de empresa estatal que tinha desviado alguns milhões porque as alegações finais foram apresentadas pelos réus colaboradores e pelos réus não colaboradores na mesma data, sem que isso tivesse trazido nenhum prejuízo. Também acho que atrapalhou o enfrentamento à corrupção", disse Barroso durante palestra na sede da ABL (Academia Brasileira de Letras), no Rio de Janeiro.
O ministro, no auge da Lava Jato, era um dos principais defensores de bandeiras da operação no Supremo. Ele chegou a se desentender publicamente com críticos da investigação, como Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, durante sessões da corte.
No evento desta terça, Barroso disse também: "Portanto houve algumas decisões do Supremo em matéria de enfrentamento à corrupção que não corresponderam à expectativa da sociedade. Porém, como disse, o fato de eu discordar não me impele a tratar com desrespeito a posição das pessoas que pensam de maneira diferente".
Sobre a prisão de réus condenados em segunda instância, barrada em julgamento em 2019, afirmou que o Brasil hoje contraria "o padrão mundial" e que os processos "muitas vezes se eternizam e prescrevem".
Barroso destacou outras decisões, com as quais concorda, que também provocaram polêmica e geraram reações em setores da sociedade. Mencionou a autorização de aborto para fetos anencéfalos, a equiparação da homofobia ao crime de racismo e o reconhecimento da união civil entre casais homossexuais.
Disse, porém, que nenhuma das decisões foi tomada visando a aprovação popular da corte. Para ele, "a importância de um tribunal não pode ser aferida em pesquisa de opinião pública, porque existem na sociedade interesses conflitantes e sempre haverá queixas e insatisfações".
O presidente do tribunal defendeu a participação de ministros em eventos bancados por empresários no exterior. Ele disse haver "preconceito contra a livre iniciativa, contra empresários" e declarou que os magistrados também participam de encontros com outros atores sociais, como sindicalistas, indígenas e advogados.
"Aqui o Eduardo Maneira, meu querido amigo, vive me convidando para evento da OAB. Quando eu vou lá, eu acho que eu é que estou fazendo por ele, não ele está fazendo por mim. Vou com muito gosto, mas a gente está dando quando vai participar de um evento, fazer um palestra. Não está recebendo", disse Barroso.
Ele afirmou também: "'Ah, mas eles pagaram a passagem'. Só faltava eu ter que pagar a passagem para ir atender o evento da OAB. Portanto eu acho que há uma certa incompreensão, uma certa má vontade em relação a esse tema, porque, quando vai ao congresso da OAB, não tem problema".
Ministro diz que recusou ida a Paris por viagem ao Acre
Em entrevista após o evento, o presidente do Supremo disse não descartar a criação de um código de conduta para ministros do tribunal. "Não descarto a ideia. Não chamaria de um código de conduta, mas talvez de uma consolidação de princípios já praticados, mas que não custa nada colocar no papel."
Nos últimos meses, houve episódios que desgastaram a corte, como o pagamento de R$ 39 mil em diárias para um segurança do ministro Dias Toffoli por uma viagem ao Reino Unido que incluiu ida à final da Champions League, em junho.
Barroso disse ainda no evento ter recusado um convite para participar da cerimônia de abertura das Olimpíadas de Paris para visitar escolas públicas no Acre.
"Eu tinha um convite para ir na abertura das Olimpíadas de Paris, mas eu tinha mesmo me comprometido a ir a Rio Branco, no Acre, e a Porto Velho, aproveitando o recesso para encontrar juízes, e eu sempre visito escolas públicas, e eu não quis desmarcar. Me considerei um pouco um mártir do direito. Não fui a Paris, mas fui muito bem recebido, com carinho e alegria, em Rio Branco e em Porto Velho. Mas eu queria dizer que eu fui às Olimpíadas 2016, abertura aqui no Rio."
Eu tinha um convite para ir na abertura das Olimpíadas de Paris, mas eu tinha mesmo me comprometido a ir a Rio Branco, no Acre, e a Porto Velho, aproveitando o recesso para encontrar juízes, e eu sempre visito escolas públicas, e eu não quis desmarcar. Me considerei um pouco um mártir do direito
Presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre viagens de ministros
Ele também afirmou ver, "como todos os cidadãos democratas do mundo, com grande preocupação o que está acontecendo na Venezuela", em referência às suspeitas de que Nicolás Maduro fraudou a eleição do último fim de semana. Durante a palestra, o magistrado criticou a tentativa de reimplantação do voto impresso no Brasil, defendida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores.
"Se essas pessoas achavam que podiam invadir a sede dos três Poderes, imagina o que não fariam nas sessões eleitorais em que achassem que fosse perder", afirmou.
Presidente do tribunal afirma que ter sido voto vencido não 'impele a tratar com desrespeito pessoas que pensam de maneira diferente'
O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, afirmou nesta terça-feira (30) que decisões da corte atrapalharam o combate à corrupção no país.
Ele citou três decisões contrárias à Operação Lava Jato em que foi derrotado nas votações do plenário.
O ministro fez referência ao fim de prisão em segunda instância, à submissão do afastamento do então senador Aécio Neves (PSDB) ao Senado e à anulação de sentenças em razão da ordem de fala de delatores nos processos.
"O Supremo anulou o processo contra um dirigente de empresa estatal que tinha desviado alguns milhões porque as alegações finais foram apresentadas pelos réus colaboradores e pelos réus não colaboradores na mesma data, sem que isso tivesse trazido nenhum prejuízo. Também acho que atrapalhou o enfrentamento à corrupção", disse Barroso durante palestra na sede da ABL (Academia Brasileira de Letras), no Rio de Janeiro.
O ministro, no auge da Lava Jato, era um dos principais defensores de bandeiras da operação no Supremo. Ele chegou a se desentender publicamente com críticos da investigação, como Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, durante sessões da corte.
No evento desta terça, Barroso disse também: "Portanto houve algumas decisões do Supremo em matéria de enfrentamento à corrupção que não corresponderam à expectativa da sociedade. Porém, como disse, o fato de eu discordar não me impele a tratar com desrespeito a posição das pessoas que pensam de maneira diferente".
Sobre a prisão de réus condenados em segunda instância, barrada em julgamento em 2019, afirmou que o Brasil hoje contraria "o padrão mundial" e que os processos "muitas vezes se eternizam e prescrevem".
Barroso destacou outras decisões, com as quais concorda, que também provocaram polêmica e geraram reações em setores da sociedade. Mencionou a autorização de aborto para fetos anencéfalos, a equiparação da homofobia ao crime de racismo e o reconhecimento da união civil entre casais homossexuais.
Disse, porém, que nenhuma das decisões foi tomada visando a aprovação popular da corte. Para ele, "a importância de um tribunal não pode ser aferida em pesquisa de opinião pública, porque existem na sociedade interesses conflitantes e sempre haverá queixas e insatisfações".
O presidente do tribunal defendeu a participação de ministros em eventos bancados por empresários no exterior. Ele disse haver "preconceito contra a livre iniciativa, contra empresários" e declarou que os magistrados também participam de encontros com outros atores sociais, como sindicalistas, indígenas e advogados.
"Aqui o Eduardo Maneira, meu querido amigo, vive me convidando para evento da OAB. Quando eu vou lá, eu acho que eu é que estou fazendo por ele, não ele está fazendo por mim. Vou com muito gosto, mas a gente está dando quando vai participar de um evento, fazer um palestra. Não está recebendo", disse Barroso.
Ele afirmou também: "'Ah, mas eles pagaram a passagem'. Só faltava eu ter que pagar a passagem para ir atender o evento da OAB. Portanto eu acho que há uma certa incompreensão, uma certa má vontade em relação a esse tema, porque, quando vai ao congresso da OAB, não tem problema".
Em entrevista após o evento, o presidente do Supremo disse não descartar a criação de um código de conduta para ministros do tribunal. "Não descarto a ideia. Não chamaria de um código de conduta, mas talvez de uma consolidação de princípios já praticados, mas que não custa nada colocar no papel."
Nos últimos meses, houve episódios que desgastaram a corte, como o pagamento de R$ 39 mil em diárias para um segurança do ministro Dias Toffoli por uma viagem ao Reino Unido que incluiu ida à final da Champions League, em junho.
Barroso disse ainda no evento ter recusado um convite para participar da cerimônia de abertura das Olimpíadas de Paris para visitar escolas públicas no Acre.
"Eu tinha um convite para ir na abertura das Olimpíadas de Paris, mas eu tinha mesmo me comprometido a ir a Rio Branco, no Acre, e a Porto Velho, aproveitando o recesso para encontrar juízes, e eu sempre visito escolas públicas, e eu não quis desmarcar. Me considerei um pouco um mártir do direito. Não fui a Paris, mas fui muito bem recebido, com carinho e alegria, em Rio Branco e em Porto Velho. Mas eu queria dizer que eu fui às Olimpíadas 2016, abertura aqui no Rio."
Eu tinha um convite para ir na abertura das Olimpíadas de Paris, mas eu tinha mesmo me comprometido a ir a Rio Branco, no Acre, e a Porto Velho, aproveitando o recesso para encontrar juízes, e eu sempre visito escolas públicas, e eu não quis desmarcar. Me considerei um pouco um mártir do direito
Ele também afirmou ver, "como todos os cidadãos democratas do mundo, com grande preocupação o que está acontecendo na Venezuela", em referência às suspeitas de que Nicolás Maduro fraudou a eleição do último fim de semana. Durante a palestra, o magistrado criticou a tentativa de reimplantação do voto impresso no Brasil, defendida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores.
"Se essas pessoas achavam que podiam invadir a sede dos três Poderes, imagina o que não fariam nas sessões eleitorais em que achassem que fosse perder", afirmou.
Italo Nogueira, do Rio de Janeiro. originalmente para a Folha de Paulo (edição impressa), em 31.07,24