quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

A viúva de Navalni, a nova voz que aspira unir a maltratada oposição russa

O anúncio de Yulia Navalnaya de que continuará a luta do marido cria uma certa ilusão em parte dos dissidentes, apesar de as ameaças do Kremlin a impedirem de fazer política no seu país

Yulia Navalnaya, no vídeo distribuído pela equipe de seu falecido marido, Alexei Navalny, no dia 19 de fevereiro.

A nova voz da oposição russa recebeu o apoio expresso de outros dissidentes, mesmo daqueles que nos últimos anos estiveram envolvidos nos mais amargos confrontos com a organização de Alexei Navalny . Yulia Navalnaya (Moscou, 47 anos) anunciou esta segunda-feira que continuará o trabalho do marido, que morreu repentinamente numa prisão no Ártico, apenas um mês antes das eleições presidenciais russas. Setores da dissidente democrática russa aplaudiram a sua mensagem por ver na viúva de Navalny uma figura capaz de unir os diferentes movimentos contra o Kremlin. Outros, no entanto, permaneceram em silêncio.

“A sua declaração significa que a priori existe um líder na oposição russa, que o movimento de Navalny, tudo o que ele fez, não desapareceu no ar”, sublinhou Maxim Katz, o polémico blogueiro e antigo membro do partido liberal Yábloko. Navalni “enviado para o inferno” em setembro do ano passado numa declaração por ter proposto “uma grande coligação de oposição” antes das eleições presidenciais de março. “A Rússia Unida e Putin sempre roubaram votos. A questão era se iríamos pegá-los. Agora, graças ao voto eletrónico, é impossível capturá-lo”, explicou Navalny, considerando que as eleições do Kremlin são fraudadas.

Apesar do tenso confronto nas redes sociais entre Katz e outros membros da equipa de Navalni, o dissidente contactou Yulia Navalnaya num vídeo publicado no seu canal. “A oposição continuará a ser coordenada. As pessoas verão que há uma pessoa por trás da oposição . Milhões de russos que queriam ver uma alternativa a Putin continuarão a vê-la. “Yulia está segura, é acessível”, afirmou Katz, antes de destacar que a viúva de Navalni tem “24 anos de experiência ao seu lado” e “acesso aos políticos e meios de comunicação europeus”.

Alguns dissidentes que têm dezenas e centenas de milhares de seguidores nas suas redes sociais mostraram o seu apoio inequívoco a Navalnaya. “Yulia, força e paciência! Vocês podem contar com meu apoio!”, publicou o ex-deputado da Duma, Dmitri Gudkov, do exílio.

A intervenção de Navalnaya foi aplaudida pela liderança da organização fundada pelo seu marido. “Acho que já vi o vídeo cinco vezes. E cada vez continua a ser incrivelmente difícil, mas dá esperança”, disse Georgi Alburov, chefe de investigações da Fundação Anticorrupção de Navalny.

Raiva no Kremlin

Navalnaya, além de receber o bastão do marido, acusou Vladimir Putin de seu assassinato, e suas palavras perturbaram muito o Kremlin. "Sem comentários. Estas são acusações grosseiras e absolutamente infundadas contra o chefe do Estado russo, mas dado que Yulia Navalnaya ficou viúva literalmente dias antes, não comentarei”, declarou o porta-voz do presidente, Dmitri Peskov, na terça-feira. “Eles se sentiram muito ofendidos”, disse a ex-porta-voz de Navalni, Kira Yarmish.

Na Rússia, o partido liberal Yabloko, do qual Navalny foi expulso em 2007 pelas suas opiniões nacionalistas, não comentou o aparecimento de Navalnaya, que está sob ameaça velada de prisão se regressar à Rússia. A formação, sem presença no Parlamento russo , tenta fazer política a partir do sistema de Putin, que acusou da morte do activista “numa prisão em condições que eram essencialmente de tortura”.

No entanto, um membro proeminente do Yábloko, Lev Shlósberg, alertou que Navalnaya não pode ser equiparada a outro líder político com quem tem sido comparada nestes dias: Svetlana Tijanóvskaya , a candidata que a oposição bielorrussa apresentou nas eleições presidenciais de 2020. contra Alexandr Lukashenko depois do seu marido, Sergei Tijanosvki, ter sido preso antes das eleições. O regime reivindicaria 80% dos votos, desencadeando assim protestos massivos contra a fraude eleitoral.

“A liderança política não é herdada”, disse Shlósberg ao jornal Jólod . Yulia não pode vir para a Rússia e exercer atividades políticas aqui. Ela não pode criar nenhuma estrutura política no nosso país, seria presa ao entrar e privada da sua liberdade, e os seus filhos ficariam não só sem pai, mas também sem mãe”.

Outras figuras da oposição no exílio, como o enxadrista Gari Kasparov e o empresário Mikhail Khodorkovsky , considerados pelos russos demasiado distantes da realidade política interna, não falaram diretamente sobre a intervenção de Navalnaya, embora a divulguem e tenham defendido nos dias de hoje pela necessidade de estarmos unidos. “A nossa reação ao seu assassinato tem de ser unir forças, realizar o seu trabalho em conjunto e garantir que a esperança de uma Rússia democrática não morra com ele”, disse o antigo proprietário da petrolífera Yukos nas suas redes sociais.

Por sua vez, outros opositores que também foram presos pelo Kremlin, como Ilia Yashin e Vladimir Kara-Murza, não comentaram o passo dado pela sua viúva porque a notícia lhes chegou com dias de atraso, embora ambos lamentassem a morte do seu colega dissidente. “Devemos detê-lo [Putin]. Só a sociedade russa pode fazer isto”, escreveu Kara-Murza, envenenado duas vezes na última década.

Em qualquer caso, uma grande responsabilidade recai agora sobre Navalnaya. “Vai depender do que ele oferecer”, escreve a cientista política Tatiana Stanovaya em seu canal Telegram, detalhando: “Não como a viúva de um político proeminente que foi torturado até a morte, mas como uma figura independente. O tempo o dirá".

Pressão sobre a família

A mãe de Navalny chegou no passado sábado à cidade de Jarp, quase 2.000 quilómetros a nordeste de Moscovo, em busca dos restos mortais do opositor e de uma explicação. O Kremlin negou-os. “Deixe-me finalmente ver meu filho”, gritou Liudmila Navalnaya em uma gravação pública, protegida de condições climáticas extremas e lágrimas por óculos escuros, com a prisão IK-3, no Círculo Polar Ártico, ao fundo.

“Já é o quinto dia que não consigo vê-lo, não me entregaram o corpo, nem me disseram onde ele está. Estou escrevendo para você, Vladimir Putin. A solução para este problema depende apenas de você. Deixe-me finalmente ver meu filho”, exigiu a mãe de Navalny ao presidente russo. “Exijo que você nos entregue imediatamente o corpo de Alexei para que possamos enterrá-lo humanamente.”

Horas depois da transmissão do vídeo, o governo russo respondeu com outra ameaça à sua família. O Ministério do Interior incluiu o irmão do opositor falecido, Oleg Navalni, na sua lista de procurados por “acusações criminais” não especificadas. O seu paradeiro é desconhecido desde que deixou o país no outono de 2021, depois de ter sido condenado a um ano de prisão sob a acusação de violar as restrições ao coronavírus ao participar em protestos anti-Kremlin.

Javier G. Cuesta, Jornalista, originalmente, de Moscou - Rússia para o EL PAÍS, em 21.02.24

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Lula poupa Maduro e Putin, mas ataca Israel e põe em dúvida compromissos com democracia

Fica a dúvida de quais são as intenções do presidente brasileiro: se é uma questão de assessoramento, de ideologia, ou pragmatismo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante entrevista em Adis Abeba, Etiópia Foto: Ricardo Stuckert / PR

Depois das revelações que deixaram patentes certas intenções golpistas do ex-presidente Bolsonaro e sua turma, Lula estava, mais uma vez, com o caminho aberto para se consolidar como líder democrata tanto com a opinião pública interna quanto no cenário internacional. Mas, no lugar de confirmar essa tese, ofereceu três declarações que provocaram dúvidas sinceras. Lula de fato teria compromissos com a democracia?

Em entrevista na Etiópia, o presidente brasileiro comparou a ação de Israel em Gaza ao regime nazista; poupou o presidente russo, Vladimir Putin, das suspeitas da morte do ativista Alexey Navalny e; também cinicamente, não condenou a expulsão dos funcionários da agência da ONU ligada aos direitos humanos na Venezuela, por condenar a prisão de uma integrante da oposição, Rocío San Miguel, que acusou o governo de praticar tortura contra presos políticos.

Nos três casos, em que se posicionou, na prática, a favor de governos ou movimento antidemocráticos, é possível uma linha mínima de defesa do presidente Lula que tem sido bastante utilizada por seus apoiadores nas redes. Israel, ao que tudo indica, tem cometido crimes de guerra na sua sanha vingativa contra o Hamas, deixa dezenas de milhares de mortos, inclusive crianças inocentes, e o exagero retórico teria uma base factual na violência desmedida. Mas, em uma situação tão antiga, complexa e nuançada como a da Palestina, estar assertivamente de um lado ou de outro é estar errado e cometer injustiças.

(‘Não é uma ruptura, mas a corda está frágil’, afirma embaixador de Israel após declaração de Lula)

No caso de Navalny, é acusado de xenofobia e do onipresente “fascismo”. De fato, o ativista russo participou de uma marcha contra o governo em que estavam neonazistas ao seu lado e deu declarações contra imigrantes de etnias não russas. Mas a morte do ativista não diminui o fato de que ele não é o primeiro, e talvez não seja o último, opositor russo envenenado em circunstâncias misteriosas. Nem o que aparece morto. Há uma lista de gente que morreu dessa maneira, inclusive uma repórter, Anna Politkovskaya, crítica de Vladimir Putin. O autocrata russo, inclusive, também é responsável por morte de crianças inocentes em bombardeios na Ucrânia, mas nesse caso recebe o beneplácito do colega sul-americano.

Já com relação à Venezuela, um líder tão boquirroto como nosso presidente, rápido em condenar inimigos políticos internos e externos, alegar desconhecimento tergiversa o cinismo. Lula segue na sua campanha de reabilitar o presidente venezuelano Nicolás Maduro. Pelo jeito, pode ser a pior pessoa do mundo, mas basta ser antiamericano ou mesmo antiocidental que contará com a boa-vontade lulista.

Fica a dúvida de quais são as intenções do presidente. Se é uma questão de assessoramento, de ideologia, ou pragmatismo. No último caso, entretanto, cada vez faz menos sentido. Porque além do apoio de seu rebanho mais fiel, que irá consentir e defender qualquer coisa que faça, Lula não agrega ninguém com suas declarações. No máximo perde apoios. De aplausos inesperados, até agora, só do grupo terrorista Hamas.

Por causa de suas posições internacionais, Lula agora está distante dos Estados Unidos do Partido Democrata e estará ainda mais longe dos Republicanos, em caso de vitória de Donald Trump. Está em rota de colisão com os países europeus que se posicionam contra a Rússia. E, mesmo no seu quintal, Lula não tem apoio da Argentina de Javier Milei, por óbvios motivos. Líderes esquerdistas do continente têm se distanciado da posição do petista, caso de Gabriel Boric, mandatário do Chile, e José Mujica, ex-presidente do Uruguai – ambos têm condenado ações autoritárias cometidas por Nicolas Maduro. Na verdade, hoje, que país ou grupos de países relevantes que o Brasil lidera? Neste momento, nenhum.

Lula então se distancia dos moderados e se isola no panorama internacional. O que ganha o Brasil em ser severo contra as posições das democracias ocidentais e estar no lado contrário de Joe Biden, dos EUA, Emmanuel Macron, da França, e Olaf Scholz, primeiro-ministro alemão? A necessidade da compra de fertilizantes da Rússia parece ser um argumento insuficiente no apoio velado a Putin (nesse caso, paradoxalmente, Lula tem a companhia algo desairosa tanto de Jair Bolsonaro como de Donald Trump).

Ao sair do governo em 2010, Lula tinha altíssimos índices de popularidade e certa relevância internacional. Agora enfrenta um país dividido, calcificado, e não conseguiu encontrar ainda seu papel na arena internacional. Há década e meia atrás ele era “o cara”, segundo o ex-presidente Barack Obama. Hoje não mais. Segundo Obama, em suas memórias, “Lula tinha os escrúpulos de um chefão do Tammany Hall e circulavam boatos de clientelismo governamental, negócios por debaixo do pano e propinas na casa dos milhões”. Está na Página 353 de Uma Terra Prometida, para quem quiser conferir. Tammany Hall, não por acaso, é uma quadrilha política que agiu por décadas no estado de Nova York.

Após a glória e o ocaso na prisão, e até mesmo com perda de prestígio internacional, Lula se reinventou politicamente como o salvador da democracia brasileira, líder de uma frente ampla que unia esquerda, centristas, moderados, empresários e muita gente que apertou o 13 para evitar os riscos e as bizarrices do governo Bolsonaro. Do ponto de vista internacional coloca tudo a perder ao apoiar, velada ou abertamente, ditadores e terroristas em diferentes locais do mundo.

Fabiano Lana, o autor deste artigo, é filósofo e consultor político. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 19.02.24

Morre Abilio Diniz, fundador do Grupo Pão de Açúcar, aos 87 anos

Empresário precisou ser internado às pressas no Hospital Albert Einstein, com quadro de pneumonia

Aos 87 anos, o empresário é conhecido também por compartilhar o estilo de vida saudável com os seguidores -  (crédito: Reprodução/Instagram)

Morreu na noite deste domingo (18/2), aos 87 anos, o empresário Abilio Diniz, fundador do Grupo Pão de Açúcar. Abilio estava internado no Hospital Albert Einstein com pneumonia. De acordo com fontes próximas, Diniz estava internado há três semanas e o quadro era considerado "difícil".

Autoridades lamentam morte de Abilio Diniz, fundador do Pão de Açúcar

“É com extremo pesar que a família Diniz informa o falecimento de Abilio Diniz aos 87 anos neste domingo, 18 de fevereiro de 2024, vítima de insuficiência respiratória em função de uma pneumonite. O empresário deixa cinco filhos, esposa, netos e bisnetos, e irá ao encontro do seu filho João Paulo, falecido em 2022. Desde já, a família agradece a todas as mensagens de apoio e carinho”, diz a família em nota divulgada pelo jornal Folha de S.Paulo.

Nas redes sociais, a irmã mais nova, Lucilia Diniz, prestou homenagens ao empresário. "Perco meu irmão mais velho, meu primeiro mentor, meu ex-sócio aguerrido e, sobretudo, um dos meus amigos mais queridos", diz a postagem. 

Aos quase 90 anos, o empresário era conhecido pelo estilo de vida saudável, que compartilhava com os seguidores nas redes. Na última publicação, feita em 17 de janeiro, Abilio falou sobre o amor pelos esportes de neve. Em viagem com a família pelos Estados Unidos, ele relatou estar impossibilitado de esquiar nas montanhas pois se recuperava de duas cirurgias no joelho.

História

Além da paixão pelos esportes, em especial, pelo atletismo, Diniz é conhecido por sua trajetória de grande sucesso no varejo, ao transformar o Grupo Pão de Açúcar, fundado por seu pai, Valentim Diniz, numa das maiores empresas do setor no país.

Abilio se iniciou no mundo dos negócios em 1958, a convite do pai, quando fundou o primeiro supermercado Pão de Açúcar. A rede se tornou um sucesso e 10 anos depois, em 1968, o Grupo Pão de Açúcar (GPA) já contava com 40 franquias.

Após 54 anos no GPA, o empresário saiu do grupo em 2013 para assumir a presidência do Conselho de Administração da companhia do ramo alimentício BRF.

Chegou a ser sequestrado, enfrentou uma dura sucessão familiar na empresa e precisou se afastar depois de ter vendido participação da varejista para o grupo francês Casino.

O magnata fazia parte dos Conselhos de Administração do Carrefour Global e do Carrefour Brasil.

Gabriella Braz, Jornalista, para o Correio Brazilense. Texto postado originalmente na edição online, em 18.02.24,às 22,41hs.

Como um deserto pode estar se formando no Nordeste do Brasil

Pesquisadores observaram região identificada como de clima árido no país pela primeira vez. Processo resulta das mudanças climáticas e acendeu alerta na comunidade científica brasileira.

Primeira região árida do Brasil abrange os municípios de Rodelas, Juazeiro, Abaré, Chorrochó e Macururé (Foto: Collection/IRPAA)

Ao longo de quase 25 anos vivendo e trabalhando na zona rural de Juazeiro (BA), a agricultora Ana Lucia da Silva, 41 anos, viu a paisagem e o clima do lugar mudarem. Ela conta que já não consegue mais plantar mandioca e mamona, por exemplo, assim como faziam seus pais e avós. "Está cada vez mais quente. As chuvas diminuíram, e, quando vem, é por um curto período. Depois, só no outro ano. A gente sai para trabalhar porque é obrigado. Vai na roça aguentando o calor, solzão na cabeça, não é fácil, não".

Ana Lucia é uma das moradoras da primeira região árida do Brasil, identificada por pesquisadores do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) em cinco municípios do nordeste da Bahia: Rodelas, Juazeiro, Abaré, Chorrochó e Macururé e que ocupam uma área de 5,7 mil km².

Em novembro do ano passado, o Cemaden publicou uma nota técnica com o achado inédito. A pesquisa avaliou dados climáticos de todo o país, registrados ao longo de 60 anos. As mudanças nas condições de clima foram comparadas entre si em blocos de tempo de 30 anos. A partir da análise das alterações na intensidade da radiação solar, precipitações, ventos e evaporação, os pesquisadores concluíram que o clima na região tinha mudado.

O imenso deserto que está nascendo no Brasil

A mudança do padrão de clima semiárido para árido tem consequências práticas, pois significa a diminuição do índice de chuvas de 800 mm para 500 mm por ano em média, com um clima mais seco. Nessa condição, as chuvas são insuficientes para repor a perda de água pela evapotranspiração – a combinação de evaporação da água no solo e transpiração das plantas e corpos d'água como açudes e lagos.

A pesquisadora do Cemaden Ana Paula Cunha, uma das autoras do estudo, diz que o resultado da pesquisa foi inesperado, pois os autores previam até então apenas um avanço do semiárido para outras regiões além do Nordeste e partes de Minas Gerais. "É uma região onde nós temos visto de forma mais acentuada o aumento de temperatura desde a década de 60, e certamente mais acelerado nos últimos anos."

Mais calor, menos chuva

A pesquisa do Cemaden demonstrou a relação entre o aquecimento global e a mudança no padrão climático no Brasil. O aumento das temperaturas acelera a evaporação para a atmosfera em um ritmo superior ao que é possível repor, o que leva ao déficit hídrico, e logo, a secas mais severas.

Em 2023, o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indicou que a temperatura na superfície da Terra atingiu um valor 1,1º C mais alto entre 2011-2020 do que o observado entre 1850-1900, após a Revolução Industrial.

No Brasil, no entanto, esse aumento foi mais intenso. Um levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostrou que a alta nas temperaturas no país nesse período foi de, em média, 1,5ºC, e em algumas regiões chegou a 3ºC.

Com isso, a região do semiárido nordestino, que ocupa 12% do território nacional em nove estados e Minas Gerais, é mais vulnerável a essas alterações e atravessou longos períodos de seca. A última grande estiagem durou de 2012 a 2017.

Brasil terá cidades inabitáveis por causa do calor?

Déficit hídrico

Por isso, a Agência Nacional de Águas (ANA) destaca que essas mudanças no clima têm impacto direto sobre eventos extremos, como secas prolongadas. A queda na oferta total de água pode levar a disputas pelo uso do recurso em diferentes setores. Dados da ANA apontam que 49,8% da água disponível no Brasil é aplicada em atividades de irrigação. Outros 24,3% para o consumo humano nas cidades. Mais 9,7% são gastos pela indústria e 8,4% são empregados na agropecuária.

"O que precisa ser realmente melhorado é a questão da governança da água, e isso implica em políticas públicas, mas também no engajamento do setor privado, porque o principal setor usuário é a agricultura irrigada. Temos que criar mecanismos e a própria iniciativa privada tem que trabalhar no sentido de fazer um uso mais eficiente da irrigação ", diz Javier Tomasella, pesquisador do Inpe.

A água disponível no país para essas atividades já está em declínio por conta da aridização. Um relatório da ONG MapBiomas apresentou um balanço da disponibilidade de água nos últimos 30 anos. Entre 2013 e 2021, foram registrados os menores níveis hídricos da série histórica, que começou em 1985. O país ainda concentra 12% do volume de água doce do mundo, mas perdeu 1,5 milhão de hectares de superfície de água em três décadas.

A menor oferta de água impacta a produção agrícola, a pecuária e a geração de energia, tendo em vista que 61,9% da matriz elétrica brasileira é oriunda de fonte hidráulica. "Aumenta preço de alimento, aumenta preço de energia, e obviamente afeta os mais vulneráveis" frisa Cunha.

Desertificação

Para os especialistas, apesar das condições climáticas adversas da nova região árida, não é possível classificá-la como deserto, onde o clima é ainda mais seco, hiperárido. No entanto, de acordo com o Instituto Nacional do Semiárido (Insa), 85% do semiárido brasileiro atravessa um processo de desertificação, o qual "resulta na perda da fertilidade do solo e da biodiversidade, e no êxodo rural".

Essa degradação da região atinge os cerca de 27,8 milhões de habitantes que vivem nos 1.267 municípios do semiárido. Desses, 62% estão nas cidades, mas 38% estão no campo. A desertificação da região, impulsionada também pelo desmatamento, pode tornar a terra improdutiva e inviabilizar a agropecuária.

A área classificada como semiárida está em expansão em direção ao oeste do Nordeste, pelos estados do Piauí e da Bahia e também no norte de Minas Gerais, a uma velocidade de 75 mil km² por década. Mas o estudo do Cemaden não se restringiu apenas a descrever a situação na região árida.

O levantamento também se debruçou sobre as condições de aridez de outros estados e constatou que o Centro-Oeste e a Amazônia também atravessam uma mudança no clima para regimes mais secos. O clima semiárido avança sobre áreas do clima subúmido seco, que encolhem a uma velocidade de 12 mil km² a cada dez anos. Por isso, os autores do estudo afirmam que há uma aceleração do processo de secamento do clima.

Adaptação climática

Em Juazeiro, Ana Lucia tenta encontrar soluções para conviver com as altas temperaturas e a falta de chuvas. "Buscamos novas culturas que sejam resistentes a esse clima, como espécies de plantas forrageiras para alimentar os animais, hortaliças, usamos o canteiro econômico com lona para evitar infiltração, e usamos a matéria que a gente capina na cobertura dos canteiros e do roçado. Estamos replantando novas espécies, principalmente da Caatinga".

Tomasella frisa que as soluções para essa adaptação climática já existem. "Não precisa ser uma grande inovação. É simplesmente adaptar alguma tecnologia que já existe e dessa forma nós conseguimos um uso muito mais eficiente do recurso hídrico". No entanto, ele diz que é preciso adotar as medidas logo.

O estudo do Cemaden que descobriu a região de clima árido foi encomendado pelo próprio Ministério do Meio Ambiente. Por meio de nota, a pasta informou que vai lançar ainda neste ano um novo plano de combate à desertificação e mitigação dos efeitos da seca.

Jéssica Moura, Jornalista, para a Deutsche Welle Brasil. Publicado originalmente em 17.02.24

Cúpula militar na mira da PF: o impacto da inédita investigação de envolvimento em plano de golpe

Quase 60 anos depois do golpe militar de 1964, oficiais generais das Forças Armadas brasileiras estão sendo investigados e podem vir a ser julgados e condenados por uma tentativa de golpe de Estado. 

Generais Nogueira e Braga Netto (esq.), ex-presidente Bolsonaro e o almirante Garnier são investigados pela PF (Marcos Correa / Pres. da República)

O levante investigado não é o de seis décadas atrás, cujos responsáveis nunca foram punidos, mas aquele que, segundo a Polícia Federal, era planejado dentro do Palácio do Planalto e tinha como objetivo impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder.

Bolsonaro e sua defesa vêm alegando que ele não teve nenhum envolvimento em nenhum plano de golpe de Estado ou outras irregularidades investigadas pela Polícia Federal. "Não foi chegado à minha frente nenhum documento para eu assinar e decretar (estado de) Sítio ou (estado de) Defesa", disse o presidente na sexta-feira (9/02).

Documentos divulgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) relativos a diferentes operações da PF como a Tempus Veriatis, deflagrada na quinta-feira (08/02), agora apontam que pelo cinco oficiais generais (aqueles que ocupam as mais altas patentes das Forças Armadas) teriam participado de um plano que incluía, entre outras medidas, a suspensão do resultado das eleições presidenciais de 2022 e até a prisão de ministros do Supremo.

Os cinco oficiais generais na mira da PF são: o ex-ministro do gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno; o ex-ministro da Casa Civil, general Walter Braga Netto; o ex-ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira; o general Estevam Teophilo; e o ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier.

Os cinco são investigados pela PF por crimes como tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado democrático de direito. As penas por esses crimes podem chegar a 12 anos de reclusão.

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Segundo relatórios da PF reproduzidos em decisões do ministro do STF, Alexandre de Moraes, os oficiais fizeram parte de diferentes núcleos da organização que teria planejado um golpe de Estado e participaram de reuniões em que foram discutidas medidas a serem adotadas em caso de derrota de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022.

Augusto Heleno, segundo a PF, seria integrante do núcleo de inteligência paralela do grupo, responsável pela coleta de informações que "pudessem auxiliar a tomada de decisões do então Presidente da República, Jair Bolsonaro, na consumação do golpe de estado".

Braga Netto, Almir Garnier, Estevam Teophilo e Paulo Sérgio Nogueira fariam parte do núcleo de "Oficiais de Alta Patente" responsáveis, de acordo com a PF, por "influenciar e incitar apoio aos demais núcleos de atuação" da organização.

Procurada pela BBC News Brasil, a defesa de Augusto Heleno disse que havia recebido acesso aos autos das investigações recentemente e não poderia se manifestar. A assessoria do general Braga Netto confirmou o recebimento das perguntas feitas pela reportagem, mas nenhuma resposta foi enviada.

Em setembro de 2023, durante audiência da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para apurar os atos de 8 de janeiro, Heleno negou ter participado de qualquer reunião para discutir golpe de Estado.

Em entrevista a jornalistas na quinta-feira (8/02), Braga Netto classificou as suspeitas levantadas pela PF como "perseguição" e "sonho".

"Continua uma perseguição em cima do pessoal do Bolsonaro. É tudo uma invenção, um sonho", disse.

A reportagem não conseguiu localizar as assessorias de Almir Garnier, Estevam Teophilo e Paulo Sérgio Nogueira.

A investigação têm chamado a atenção de especialistas nas relações entre militares e o mundo político no país ouvidos pela BBC News Brasil.

Eles apontam que o fato de haver tantos oficiais generais investigados e passíveis de punição por atos contra a democracia no Brasil é algo inédito em um país que, segundo eles, seria acostumado a anistiar militares em outras situações similares.

Apesar disso, eles avaliam que os impactos dessa investigação para a relação dos militares com o governo deverão ser reduzidos porque tanto as Forças Armadas quanto o atual governo Lula não desejariam aumentar a tensão e tentam adotar uma estratégia que consiste em isolar os supostos responsáveis pela tentativa de golpe em vez de responsabilizar a instituição como um todo.

Eles ponderam ainda que a mera investigação não seria capaz de mudar o pensamento "intervencionista" que seria corrente entre parte das Forças Armadas. Essa mentalidade, dizem os especialistas, colocariam os militares na condição de "tutores" da sociedade brasileira, o que abriria brechas para recorrentes tentativas de intervenções e rupturas democráticas.

General e ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno também é investigado pela PF. Ele faria, de acordo com a polícia, parte de um núcleo de inteligência paralela (Pres. da República)

"País sem tradição de investigar generais"

A pesquisadora Adriana Marques, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) , é uma das principais referências brasileiras no estudo da atuação dos militares na sociedade brasileira. Segundo ela, a existência de tantos oficiais generais na mira da PF é um fato inédito.

"Isso é inédito na história do Brasil. Precisamos lembrar que o Brasil não tem tradição de investigar e punir militares que tentaram desestabilizar a democracia", afirmou a professora à BBC News Brasil.

Um dos exemplos mais recentes de como o Brasil lidou com atentados à democracia foi a Lei de Anistia, de 1979, que anistiou militares e civis que cometeram crimes ligados à ditadura militar entre 1964 e 1985.

O Brasil foi na contramão de países como a Argentina, que prenderam militares responsáveis pela ditadura que comandou o país entre os anos 1976 e 1983.

O historiador e professor titular da UFRJ Carlos Fico, outro estudioso da atuação dos militares no Brasil, faz uma avaliação semelhante à de Adriana Marques. Ele pontuou que a investigação tem fatores inéditos, mas pondera que ainda é cedo para dizer se ela tem o potencial de resultar em um fato histórico.

"Essa ação no STF é uma investigação com características inéditas, sobretudo porque envolve alguns oficiais generais. No Brasil, a regra geral era de que oficiais generais nunca eram investigados ou punidos por crimes contra a democracia. Mas como historiador, temos cautela para dizer se isso será ou não algo histórico. Não podemos dizer isso agora", disse o professor à BBC News Brasil.

Para o professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e doutor em Ciência Política Augusto Teixeira, a investigação da PF teria um caráter revelador sobre a atuação dos militares na sociedade brasileira.

"Infelizmente, o caso que operação da PF descortinou traz à tona um histórico problema da nossa República: a atuação política de militares. Se considerarmos que a própria proclamação da República foi, em sua essência, um golpe militar contra um governo civil constituído, veremos que a participação de militares na intentona golpista bolsonarista encontra ecos na história", disse o professor à BBC News Brasil.

Segundo Teixeira, havia a sensação de que a redemocratização de 1985 e a criação do Ministério da Defesa em 1999 haviam sido capazes de estabelecer o controle civil sobre as Forças Armadas e que os militares tinham se recolhido aos quarteis.

Ele pontuou, no entanto, que desde o início dos anos 2010, teria havido um processo que ele classificou como "politização dos quarteis" marcado pela atuação política de comandantes das Forças, especialmente do Exército. Esse fenômeno teria fragilizado o controle civil sobre militares e criado o terreno para a suposta participação de oficiais em um plano de golpe.

"Diante desse quadro, não espanta a existência de tantos militares de alta patente investigados, afinal, mais do que militares, eles foram governo", afirmou o professor.

Adriana Marques avaliou que incluir tantos oficiais generais nessa investigação só foi possível por conta da suposta solidez das instituições democráticas do país.

"O regime democrático brasileiro resistiu, na medida do possível, à investida autoritária. A democracia brasileira sofreu vários percalços nas últimas décadas, mas se manteve. O fato de termos instituições democráticas como um Poder Judiciário independente permitiu termos o respaldo necessário para que essa investigação prosseguisse", afirmou.

Investigação da PF aponta que militares teriam incentivado manifestações contrárias ao resultado das eleições de 2022. Em 8 de janeiro, milhares de manifestantes invadiram as sedes dos Três Poderes, em Brasília (Getty)

"Investigação, sozinha, não mudará mentalidade de militares"

A professora Adriana Marques pontuou que existe uma vasta literatura acadêmica que se debruça sobre a chamada "mentalidade de tutela" dos militares brasileiros sobre a sociedade. Ela avalia que somente a investigação conduzida pela PF não teria o poder de mudá-la.

"A investigação, sozinha, não mudará a mentalidade dos militares. Agora, se houver responsabilização dos militares, a gente pode vislumbrar, num futuro, uma mudança nessa mentalidade de tutela. Até agora, conspirar contra a democracia e participar de planos de golpe nunca gerou consequências políticas e jurídicas para os militares", disse a professora.

O historiador Carlos Fico disse que a chamada "mentalidade de tutela" está arraigada nas Forças Armadas brasileiras há vários séculos.

"É algo estrutural. Ao longo da nossa história, houve dezenas de episódios de intervencionismo militar no Brasil. Essa mentalidade confere aos militares a condição de tutores da sociedade brasileira capazes e responsáveis por arbitrar conflitos", disse Fico.

Mais recentemente, completou o professor, essa mentalidade estaria materializada no artigo nº 142 da Constituição Federal.

O texto diz que as Forças Armadas, sob a autoridade do Presidente da República, se destinam à "defesa da Pátria" e "à garantia dos poderes constitucionais". Esse artigo é frequentemente evocado por manifestantes favoráveis a uma intervenção militar como um texto que daria legitimidade à uma ruptura democrática no país.

Segundo ele, essa condição estrutural ganhou ainda mais ênfase na gestão Bolsonaro.

"Durante o governo Bolsonaro, houve uma revitalização dessa mentalidade por uma série de motivos. Essa é a razão de haver tantos oficiais generais envolvidos (nessa investigação). Isso é lamentável", pontuou o professor.

Fico concordou com Adriana Marques e disse que não acredita que a investigação possa, isoladamente, mudar a mentalidade de parte dos militares brasileiros.

"Seria preciso promover uma mudança no artigo nº 142 para redirecionar as atribuições da Forças Armadas. Mas esse é um movimento sensível e o governo Lula não tem força política para encampar isso agora", disse o professor.

O professor Augusto Teixeira concordou com Adriana Marques e Carlos Fico. Para ele, a investigação não mudará a mentalidade de parte dos militares.

"Não creio que investigações podem mudar esse ímpeto ou mentalidade de tutela. Existe um entendimento de que as Forças Armadas são uma burocracia especial, de Estado e de longa duração."

Teixeira também avalia que uma das medidas que poderia ter impacto seria a revisão do artigo nº 142 da Constituição Federal. Mas assim como Fico, ele pontuou que parece não haver interesse nisso neste momento.

"A importante revisão do artigo 142 da Constituição parece não ter nem o apoio do governo federal [...] Na prática, o que se percebe é a manutenção da omissão civil sobre esta matéria, tanto no governo quanto no Congresso, somada a uma estratégia de acomodação de interesses", disse.

Especialistas apontam que, neste governo, Lula e militares tentarão estratégia para isolar suspeitos de envolvimento com suposto plano golpista (Ricardo Stuckert / Pres. da República)

Pouco impacto na relação com governo Lula

Carlos Fico e o professor Augusto Teixeira avaliaram que tanto o governo Lula quanto a cúpula das Forças Armadas vêm adotando estratégias para minimizar o impacto das investigações nas relações entre militares e o Palácio do Planalto.

Para Teixeira, o impacto nessa relação será "mínimo".

"​​Tanto o Ministro da Defesa como os Comandantes das Forças buscarão sustentar o argumento de que a possível participação de militares em possíveis ilícitos seria uma conduta individual [...] O governo e sua bancada buscarão blindar a instituição militar e, possivelmente, o atual comando das Forças, atrelando qualquer desvio a militares em particular e ao ex-presidente e o seu grupo", disse o professor.

Carlos Fico concordou com Teixeira.

"Essa é apenas uma impressão, mas existe, claramente, uma estratégia de individualizar a culpa e não condenar toda a instituição. Alguns oficiais poderão ser condenados e as coisas continuam. Isso já está precificado", avalia o professor.

Para Augusto Teixeira, ainda que alguns oficiais possam ser punidos, o tom entre militares e governo deverá ser o de acomodação.

"Em suma, deverá preponderar o modelo de acomodação com uma retirada momentânea das Forças para os quarteis, ou seja, afastados da política", disse o professor.

Adriana Marques adotou um tom mais cauteloso. Segundo ela, será preciso aguardar como o Ministério da Defesa lidará com o avanço das investigações da PF.

"Até agora, a postura do ministro da Defesa (José Múcio Monteiro) era de conciliar e pacificar as Forças Armadas, mas acho que diante dos fatos graves que vêm sendo revelados, a pasta terá que tomar medidas contra algumas das pessoas investigadas", afirmou a professora.

Leandro Prazeres, de Brasília-DF, originalmente, para a BBC News Brasil, em 19.02.24

domingo, 18 de fevereiro de 2024

Netanyahu diz que fala de Lula comparando Israel ao Holocausto é vergonhosa e convoca embaixador

Em entrevista coletiva, Lula criticou a ofensiva israelense e comparou as ações de Israel com o extermínio de judeus feito por Hitler

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, visita unidade do Exército israelense  Foto: Assessoria de imprensa do primeiro-ministro/EFE

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, disse neste domingo, 18, que “comparar Israel ao Holocausto nazista e Hitler é cruzar uma linha vermelha”. Trata-se de uma reação à fala do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva.

“As palavras do presidente do Brasil são vergonhosas e sérias. São sobre banalizar o Holocausto e tentar ferir o povo judeu e o direito Israelense de se defender”, afirmou Netanyahu em seu perfil no X, novo nome do Twitter.

“Decidi, com o ministro de Relações Exteriores Israel Katz, convocar o embaixador brasileiro em Israel para uma dura conversa de repreensão”, escreveu o primeiro-ministro israelense.

Mais cedo, em entrevista a jornalistas, Lula criticou as ações israelenses na Faixa de Gaza, às quais já havia classificado como desproporcionais no passado. O governo israelense afirma que as ofensivas são necessárias para derrotar o Hamas.

“O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existiu em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu. Quando Hitler resolveu matar os judeus”, declarou Lula. Ele também afirmou que a ofensiva israelense promove um genocídio.

A guerra no enclave palestino começou no dia 7 de outubro do ano passado, quando terroristas do Hamas invadiram o território israelense, mataram 1.200 pessoas e sequestraram 240. A ação é considerada o pior ataque contra judeus desde o Holocausto e o pior ataque terrorista da história de Israel. Depois dos atos terroristas do Hamas, Tel-Aviv iniciou uma operação na Faixa de Gaza, com bombardeios aéreos e invasão terrestre, que resultaram na morte de mais de 28 mil palestinos, segundo o ministério da Saúde de Gaza, que é controlado pelo grupo terrorista Hamas.

A comparação com a política de extermínio de judeus capitaneada por Hitler é forte porque Israel é um Estado que foi fundado por judeus com o apoio das potências que derrotaram a Alemanha nazista, a Itália fascista e o Japão imperialista na Segunda Guerra Mundial. O território, antes, era habitado por palestinos. Daí as tensões que duram até hoje.

Além disso, há um trecho do tuíte de Netanyahu que pode ser entendido como uma resposta a outra declaração de Lula. “Israel luta por sua defesa e para assegurar seu futuro até a vitória completa e faz isso enquanto defende o direito internacional”, afirmou o primeiro-ministro israelense.

Na quinta-feira, 15, no Egito, Lula havia dito que, aparentemente, Israel tem a “primazia” de não cumprir decisões da ONU. O petista falou isso em um contexto em que criticava a impotência de mecanismos multilaterais frente a conflitos ao redor do planeta.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de coletiva de imprensa em Adis Abeba, Etiópia  Foto: Ricardo Stuckert/PR

“A única coisa que se pode fazer é pedir paz pela imprensa. Mas me parece que Israel tem a primazia de descumprir, ou melhor, de não cumprir nenhuma decisão emanada da direção das Nações Unidas”, disse Lula na ocasião.

O petista concluiu neste domingo uma viagem à África que incluiu Egito e Etiópia. A situação humanitária na Faixa de Gaza foi um dos principais assuntos discutidos pelo presidente brasileiro. Ele teve reuniões com o primeiro-ministro da Autoridade Palestina, Mohammad Shtayyeh, e com outras autoridades sensíveis à causa palestina, como o presidente do Egito, Abdel Fattah Al-Sisi.

Lula e seu grupo político têm identificação histórica com a causa palestina. No Brasil, nos últimos anos, forças de direita passaram a dar apoio quase incondicional a Israel. Como mostrou o Broadcast mais cedo, líderes da oposição, como Rogério Marinho e Ciro Nogueira, criticaram o presidente brasileiro depois das falas comparando a ação israelense ao Holocausto.

Comunidade judaica repudia declarações de Lula

Em nota divulgada neste domingo, 18, a Confederação Israelita do Brasil (Conib), entidade que representa a comunidade judaica brasileira, repudiou as comparações de Lula entre a ofensiva israelense e o extermínio de judeus feito por Hitler.

“A Conib repudia as declarações infundadas do presidente Lula comparando o Holocausto à ação de defesa do Estado de Israel contra o grupo terrorista Hamas. Os nazistas exterminaram 6 milhões de judeus indefesos na Europa somente por serem judeus. Já Israel está se defendendo de um grupo terrorista que invadiu o país, matou mais de mil pessoas, promoveu estupros em massa, queimou pessoas vivas e defende em sua Carta de fundação a eliminação do Estado judeu. Essa distorção perversa da realidade ofende a memória das vítimas do Holocausto e de seus descendentes”, apontou a entidade.

O órgão também questionou a postura brasileira em relação a guerra. “O governo brasileiro vem adotando uma postura extrema e desequilibrada em relação ao trágico conflito no Oriente Médio, abandonando a tradição de equilíbrio e busca de diálogo da política externa brasileira. A Conib pede mais uma vez moderação aos nossos dirigentes, para que a trágica violência naquela região não seja importada ao nosso país.”

Já o Instituto Brasil Israel (IBI) afirma que as declarações de Lula banalizam o Holocausto e fomentam o antissemitismo.

“A comparação da tragédia em Gaza com o Holocausto nazista, feita por Lula neste domingo, é um erro grosseiro que inflama tensões, e mina a credibilidade do governo brasileiro como um interlocutor pela paz. O genocídio nazista foi um plano de exterminar, em escala industrial, toda a presença judaica na Europa, sob uma ideologia de superioridade racial e antissemitismo”, diz o IBI. “Não há paralelo histórico a ser feito com a guerra em reação aos ataques do Hamas, por mais revoltantes e dolorosas que sejam as mortes de dezenas de milhares de palestinos, entre eles mulheres e crianças, além dos cerca de 1.200 mortos israelenses e as centenas de civis que permanecem sequestrados em Gaza. A fala de Lula banaliza o Holocausto e ganha contornos ainda mais absurdos em um desrespeito flagrante à presença em Israel hoje de milhares de sobreviventes da barbárie nazista e seus descendentes”.

O instituto que visa criar laços entre Brasília e Tel-Aviv também relembra os compromissos internacionais firmados pelo Brasil pela preservação da memória do Holocausto.

Caio Spechoto, jornalista, para O Estado de S. Paulo. Publicado originalmente em 18.02.24.

Raciocínio matemático: Brasil igual a mais religião, menos escola, saúde sofrível

Brasileiro gosta de futebol e pregação. Vê gente chutando bola, chuta. Vê gente pregando na rua, para e escuta. Brasileiro não gosta de escola, mas aprecia a refeição, o lanche, a bolacha. Brasileiro torce para a aula acabar logo e ir trabalhar, tentar ganhar um pouco mais. Brasileiro paga todos os pecados quando fica doente.

Que país é este?

De acordo com os dados recolhidos e divulgados pelo IBGE, existem no Brasil 579,8 mil estabelecimentos religiosos, 264,4 mil estabelecimentos dedicados à educação e 247,5 mil dedicados à saúde. Levando em consideração as ressalvas feitas por José Eustáquio Diniz Alves, a reflexão sobre o tema é necessária.

Para ele,

[…] os dados do IBGE são mais amplos. As pesquisas anteriores consideraram os templos religiosos registrados, com CNPJ, enquanto a do IBGE pega todo estabelecimento religioso, com CNPJ ou não, e não necessariamente templos. A Igreja Universal, por exemplo, pode ter uma casa num bairro pobre para distribuir alimentos, e ele é considerado um estabelecimento religioso. Vale também o contrário, a Igreja do Evangelho Quadrangular ter uma creche, e ela ser considerada um estabelecimento de ensino.

Observando os Estados do Sudeste e, sem desvendar o mistério do Piauí, é fato:

São Paulo, Piauí e os três Estados do Sul são as únicas unidades da federação cuja soma entre estabelecimentos de ensino e de saúde supera a de religiosos.

Observando o mesmo dado em Rondônia e Amazonas, é fato:

No Amazonas e em Rondônia, a proporção de estabelecimentos religiosos (19.134 e 7.670, respectivamente) é o dobro da soma dos de ensino e saúde (9.790 e 3.820, respectivamente).

A partir dos dados podemos levantar algumas hipóteses simples:

Nos Estados brasileiros onde falta comida no prato, falta emprego e um resfriado mata, nos Estados onde os problemas da carne só podem ser resolvidos por meio de políticas públicas, da presença do Estado, a solução é olhar para o céu e rezar.

Nestes Estados, o raciocínio da população é do tipo circunstancial-religioso.

Explico.

Para o garimpeiro pobre que precisa ganhar para comprar a comida do dia, não existe um amanhã, pouco importa floresta em pé garantindo um futuro melhor. Para quem? O futuro sugere pó, pó de terra. Tudo vai virar pó, a onça, a mata, ele, seus filhos e descendentes. Não me parece estranho imaginar garimpeiros rezando para não serem descobertos pelos agentes da lei.

Sem comida e trabalho, o que sobra para fazer?

Sonhos à moda da cachorra Baleia (Graciliano Ramos).

Sobra fé.

Um elemento importante para compreender os mistérios da fé é a comida, o pão de cada dia. Existem outros, a falta de emprego, de trabalho honesto (não escravo) e patrão do tipo humano, sem tortura.

Com essas mercadorias escassas, a religião aponta com uma tendência de alta no mercado.

As igrejas, especialmente as pentecostais, consideram sintoma da graça o vil metal, o dinheiro. São hábeis na transubstanciação do material no espiritual.

Pesquisa do cientista político Victor Araújo, associado ao Centro de Estudos da Metrópole (CEM), mapeou essa transição. Só em 2019, foram abertas 6.356 igrejas evangélicas no País, média de 17 por dia. O estudo rastreou 109,5 mil igrejas evangélicas de muitas denominações, ante cerca de 20 mil em 2015. O predomínio é das pentecostais. Entre os motivos do boom está o enfraquecimento do catolicismo, que perdeu alcance com a formação das periferias urbanas após o êxodo rural.

Algumas igrejas evangélicas, sem preconceitos com as demandas da carne, oferecem apoio espiritual estimulando, o que é louvável, uma pessoa ajudar uma outra pessoa fora da sagrada família. Trata-se de ajuda mútua planejada, de eficientes redes de busca de emprego, programas voltados para pequenos negócios e trocas de todo tipo. Soluções terrenas, estímulos para a vida espiritual. Estas variáveis (entre outras) justificam parte do sucesso das igrejas evangélicas.

Saúde

Com relação à saúde muita gente prefere, especialmente depois da covid, entregar a vida nas mãos de Deus.

É compreensível.

As últimas experiências com relação às doenças e às epidemias demonstraram desacordos entre os homens da ciência, gente engravatada e até de jaleco. Desacordo responsável por mortes. Muita falação e nenhum entendimento sobre remédios e tratamento. Confusão grande, difícil de separar quem é “verdadeiramente iluminado por Deus”.

Solução popular: É melhor cada um falar diretamente com Deus. Sem intermediários. E esperar, resignadamente, o dia final, da redenção dos corpos.

Educação

Com relação às instituições escolares, falta apreço. Não é difícil compreender as razões brasileiras. Em algumas regiões do nosso imenso território, chegar à escola é difícil. Os recursos em sala de aula são pequenos, e nem sempre os professores estão satisfeitos com o que fazem e recebem. É uma vida sofrida para os estudantes e para os professores. Gera despesa e, depois da conclusão dos estudos, o conhecimento obtido não representa oportunidade de emprego melhor.

A educação no Brasil (de baixa qualidade) não cria horizontes para o futuro, não permite sonhar.

Conclusão temporária e datada: É melhor jogar futebol enquanto a idade permitir, ser realista em relação aos empregos e os baixos salários e manter alguma espiritualidade para situações de emergência, de desespero. Não há dúvida: em zonas sem energia elétrica para carregar o celular, só existe uma solução para a desesperança, rezar.

Brasileira típica

Conto uma história delicada. Minha mãe estava muito doente. Alguém sugeriu uma benzedeira com poderes extraordinários. Ela perguntou o que eu achava. Respondi na lata: Boa ideia. Onde é? Levei a minha mãe.

Confesso, tive uma gota de esperança.

Uspiana típica

Para não perder o foco diante das minhas humanas ambiguidades e ser fiel com a razão moderna, tipo USP, resumo as considerações em uma “fórmula matemática” simples e limpa. Talvez os politécnicos gostem. A esperança é a última que morre.

Mais religião = Menos educação – Menos saúde

Menos Estado = Mais religião

Mais Estado = Mais educação + Mais saúde

Menos religião = Mais Estado

Janice Theodoro da Silva, a autora seste artigo, é professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de S. Paulo / USP. Publicado originalmente no  JORNAL DA USP, em 09.02.24

Navalni e a Rússia

Morte de opositor de Putin na cadeia evidencia degeneração autoritária do país

Alexei Navalni, ativista político, em passeata contra o governo de Vladmir Putin, em Moscou (Rússia) - Shamil Zhumatov - 29.fev.20/Reuters

Após um calvário de três anos, Alexei Navalni morreu em uma prisão russa num canto ermo do país, 40 km acima do Círculo Polar Ártico. Ele tinha apenas 47 anos.

Com ele desaparece não só o mais proativo crítico de Vladimir Putin surgido na última década; vai-se também um dos últimos suspiros de oposição em um país onde a calcificação do sistema político virou um fim em si mesmo.

Não que Navalni fosse perfeito, muito ao contrário. Figura dada a polêmicas, esposou visões chauvinistas e preconceituosas do mundo antes de ser adotado pelo Ocidente como o cavaleiro salvador da democracia russa.

Isso ele nunca foi. Os eleitores não chegaram a vê-lo como opção real a Putin, único homem que todos os nascidos a partir de agosto de 1999 viram como líder do país mais vasto do mundo.

Navalni tampouco dizia a que veio, como o proverbial cão que corre atrás de um automóvel e não tem ideia do que fazer quando enfim alcança seu objetivo. Faltava-lhe ideário político e econômico, para não falar de equipe.

Sobravam-lhe, contudo, engenho, expresso nos grandes protestos que mobilizou contra Putin, e coragem. Quando foi envenenado na Sibéria, acabou removido para tratamento na Alemanha.

Poderia ter ficado por lá com sua mulher e dois filhos, mas decidiu voltar a Moscou de forma temerária. Foi preso imediatamente e nunca mais deixou o cárcere, tendo uma pena de três anos e meio aumentada para 30 anos e meio em julgamentos subsequentes.

O cheiro de perseguição política evidente se espraiou pelas condições de seu encarceramento, com longos períodos em celas solitárias e o previsível declínio físico —que, nunca se deverá saber ao certo, pode ter sido central para sua morte.

É improvável que algo mude: o Ocidente continuará a chamar Putin de assassino, e os russos tendem a manter a aprovação acima de 80% de seu líder em uma guerra que pode vencer contra a Ucrânia.

Se tal cenário é multifatorial, incluindo aí apoio genuíno a Putin, é certo que a morte de Navalni será marca dos efeitos da degeneração autoritária crescente da Rússia.

Editorial da Folha de S. Paulo,em 18.02.24. (editoriais@grupofolha.com.br)

sábado, 17 de fevereiro de 2024

'Putin é responsável': a reação de Biden e aliados à morte de opositor russo

Autoridades dos Estados Unidos e da União Europeia lamentaram na sexta-feira (16/2) a morte de Alexey Navalny, o mais proeminente nome da oposição russa na última década, com muitos apontando o governo de Vladimir Putin como um possível responsável.

Biden fez pronunciamento sobre a morte de Navalny (EPA/EFE)

Nalvany, de 47 anos, morreu em uma prisão do Círculo Polar Ártico, de acordo com o serviço penitenciário local.

Ele cumpria pena de 19 anos por condenações que eram consideradas como motivadas politicamente por boa parte da comunidade internacional.

A mulher de Navalny, Yulia Navalnaya, deu uma entrevista coletiva em Munique, na Alemanha, onde afirmou que não sabe "se acredita ou não nessa terrível notícia que estamos recebendo apenas de fontes do governo".

"Todos vocês sabem que não podemos confiar no governo Putin. Eles mentem constantemente", disse Yulia.

Em um discurso emocionado, a esposa de Navalny afirmou que se a morte do marido for verdade, ela deseja que "Putin e todos ao redor dele, os amigos e o governo, saibam que eles vão ser responsabilizados pelo que fizeram com nosso país, com minha família e meu marido".

Sobre a informação da morte do marido, Yulia Navalnaya afirmou não saber 'se acredita ou não nessa terrível notícia que estamos recebendo apenas de fontes do governo' (Reuters)

Nos EUA, em pronunciamento, o presidente Joe Biden também acusou o presidente russo: "Putin é o responsável pela morte de Navalny."

Biden se disse ao mesmo tempo ultrajado, mas nada surpreso com a notícia.

"Deus abençoe Alexei Navalny, sua coragem não será esquecida", disse o americano.

Mais cedo, logo após a divulgação da notícia, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, havia dito que a morte de Navalny "sublinha a fraqueza e a corrupção no cerne do sistema que Putin construiu".

"Em primeiro lugar, se esses relatos forem precisos, nossos corações estão com sua esposa e sua família", disse Blinken em uma conferência também em Munique, acrescentando que "a Rússia é responsável" se a morte for confirmada.

Questionado sobre a morte de Navalny pela rádio pública americana NPR, o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, disse que Washington está tentando confirmar exatamente o que aconteceu.

"É uma tragédia terrível, e, dada a longa e sórdida história do governo russo de causar danos aos seus oponentes, levanta questões reais e óbvias sobre o que aconteceu aqui", disse Sullivan à rádio na manhã desta sexta-feira (16/02).

A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, fez declarações no mesmo sentido.

"Não há nada que Putin tema mais do que a dissidência de seu próprio povo", disse na rede social X (antigo Twitter), completando que a notícia era um "lembrete sombrio" sobre a natureza do governo de Putin.

Já o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, afirmou que o bloco considera o regime russo como tendo a "única responsabilidade" pela "trágica morte" de Navalny.

Em uma postagem também no X, Michel disse que Navalny "lutou pelos valores da liberdade e democracia" e fez o "sacrifício supremo" por seus ideais.

"Estendo minhas mais profundas condolências à sua família. E àqueles que lutam pela democracia ao redor do mundo nas condições mais sombrias. Lutadores morrem. Mas a luta pela liberdade nunca termina," acrescentou Michel.

O alemão Olaf Scholz afirmou que ativista 'pagou por sua coragem com a vida' (Getty)

Reação da Otan, França, Alemanha - e a resposta do Kremlin

Jens Stoltenberg, secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), disse que está "entristecido e perturbado pelos relatos vindos da Rússia".

Já o chefe de governo alemão, chanceler Olaf Scholz, afirmou que o ativista "pagou por sua coragem com a vida".

O ministro de Relações Exteriores da França, Stéphane Séjourné, disse no X: “A morte (de Nalvalny) em uma colônia penal nos recorda da realidade do regime de Vladimir Putin”.

A morte de Navalny é "terrível notícia", afirmou o primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, que acrescentou que ele "demonstrou uma coragem incrível ao longo de sua vida".

A BBC News Brasil questionou o Itamaraty e a assessoria especial da Presidência do governo brasileiro a respeito da morte de Nalvany, mas não havia recebido comentários até a publicação deste texto.

Na Rússia, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do país, Maria Zakharova, respondeu às críticas. Disse que as "alegações ocidentais" sobre a morte de Navalny são "autorreveladoras".

Em um comunicado no Telegram, Zakharova afirmou que os resultados da análise forense da causa da morte de Navalny ainda não estão disponíveis.

Zakharova disse acreditar que o Ocidente já chegou às suas próprias conclusões.

Publicado originalmente por BBC News, em 16.02.24

Alexei Navalny: quem foi o opositor de Putin que morreu em prisão

O líder da oposição mais importante da Rússia na última década, Alexei Navalny, morreu em uma prisão no Círculo Polar Ártico, informou na sexta-feira (16/2) o serviço penitenciário local.

Alexei Navalny era o líder da oposição mais famoso da Rússia nos últimos tempos (Reuters)

Conhecido por ser o crítico mais veemente do presidente Vladimir Putin, Navalny, que tinha 47 anos, cumpria uma pena de 19 anos por condenações consideradas por boa parte da comunidade internacional como sendo por motivação política.

No final do ano passado, ele havia sido transferido para uma colônia penal no Ártico, uma das prisões mais duras da Rússia.

O serviço penitenciário do distrito de Yamalo-Nenets disse que Navalny “não se sentiu bem” depois de uma caminhada

Ele "perdeu a consciência quase imediatamente", disse o comunicado, acrescentando que uma equipe médica de emergência foi imediatamente chamada e tentou ressuscitá-lo, sem sucesso.

Mapa mostra localização da prisão IK-3

Como é a IK-3, temida prisão na Sibéria onde morreu opositor russo Alexei Navalny

"Os médicos de emergência declararam o prisioneiro morto. A causa da morte está sendo estabelecida."

Putin foi informado da morte de Alexei Navalny, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov.

A agência oficial de notícias Interfax noticiou que uma ambulância chegou à colônia em sete minutos e que paramédicos tentaram por meia hora ressuscitar Navalny.

“O tempo de viagem da equipe da ambulância demorou menos de sete minutos. Os médicos chegaram ao território da colônia para atender o paciente em dois minutos", disse o Hospital Municipal de Labytnang, citado pela agência.

"Os médicos que chegaram ao local deram continuidade às medidas de reanimação que já haviam sido prestadas pelos médicos da colônia. E eles ficaram mais de meia hora. No entanto, o paciente morreu”,

Ainda não há confirmação independente desta informação.

O advogado de Navalny, Leonid Solovyov, disse à imprensa russa que não comentaria nada por enquanto. Ele está a caminho da colônia.

Quem era Alexei Navalny?

Navalny ficou conhecido internacionalmente ao expor a corrupção do governo, rotulando o partido Rússia Unida, de Putin, como "o partido dos vigaristas e ladrões".

Ao longo de sua vida, ela cumpriu várias penas de prisão e tinha milhões de seguidores nas suas redes sociais.

Em 2011, ele foi detido e encarcerado por 15 dias após protestos contra suposta fraude eleitoral do partido Rússia Unida nas eleições parlamentares.

Navalny foi brevemente preso em julho de 2013 sob a acusação de peculato (apropriação de bens públicos), mas ele disse que a sentença era uma condenação política.

Ele tentou concorrer a presidente da Rússia em 2018, mas foi barrado por causa de condenações anteriores por fraude em um caso que ele novamente disse ter motivação política.

Navalny foi condenado a 30 dias de prisão em julho de 2019, após convocar protestos não autorizados.

Quando estava na prisão, ele adoeceu. Os médicos o diagnosticaram com "dermatite de contato", mas ele disse que nunca teve nenhuma reação alérgica aguda e seu próprio médico sugeriu que ele pode ter sido exposto a "algum agente tóxico".

Navalny disse na ocasião que podia ter sido envenenado.

Navalny também sofreu uma grave queimadura química no olho direito em 2017, depois de ter sido atacado com um corante antisséptico.

Em 2019, sua Fundação Anticorrupção foi oficialmente declarada um "agente estrangeiro", permitindo que as autoridades a submetessem a maiores controles estatais.

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Navalny foi transportado de avião para Berlim dois dias depois de entrar em coma, em agosto de 2020 (EPA)

Envenenamento na cueca

Em agosto de 2020, Navalny passou mal durante um voo da Sibéria para Moscou, e o avião precisou fazer um pouso de emergência na cidade de Omsk, onde foi levado às pressas para a UTI.

Depois, após negociações de alto nível com as autoridades russas, ele foi transportado de avião para Berlim e tratado lá enquanto era mantido em coma induzido.

O governo alemão disse que Navalny havia sido envenenado por uma sofisticada substância conhecida como Novichok, o que deu ainda mais atenção ao caso, ao reforçar suspeitas de que o Estado russo estivesse por trás do envenenamento. O Kremlin sempre negou essas acusações.

Conhecidas como agentes neurotóxicos, essas substâncias são usadas em pó ou em forma líquida. E são tão perigosas que só podem ser fabricadas em laboratórios avançados, que são em grande maioria de propriedade de governos, ou controlados por eles.

Inicialmente, acreditava-se que o envenenamento teria ocorrido por meio do chá que Navalny bebeu naquele dia.

No entanto, depois que se recuperou, ele rastreou os indivíduos que acreditava terem participado do atentado.

Passando-se por uma autoridade da área de segurança, Navalny conseguiu enganar um especialista em armas que teria admitido que o caso foi mesmo de envenenamento.

A maior parte do agente químico teria sido plantada na cueca dele. O governo russo negou novamente as acusações.

Ainda na Alemanha, Navalny relatou que sentiu calafrios inicialmente e nenhuma dor.

"Não dói nada, não é como um ataque de pânico ou algum tipo de transtorno. No começo você sabe que algo está errado, e em seguida seu único pensamento passa a ser: 'É isso, vou morrer.'"

Em janeiro de 2021, Navalny voltou para a Rússia, pela primeira vez desde que havia sido envenenado, e foi detido logo após desembarcar em Moscou.

O motivo é que ele teria violado condições de uma sentença de liberdade de anos atrás.

Em seguida, um tribunal de Moscou sentenciou Navalny a três anos e meio de prisão por violar as condições de uma pena suspensa, ao não se apresentar regularmente para autoridade penitenciárias.

A prisão de Navalny gerou uma onda de protestos pela sua libertação e contra o Kremlin. Milhares de pessoas protestaram em toda a Rússia, apesar da forte presença policial. Houve cenas violentas em Moscou.

A sentença foi condenada pela União Europeia, Estados Unidos e Reino Unido, que pediram que o líder da oposição fosse imediatamente libertado.

Depois de sua prisão, Navalny acusou Putin de ter usado recursos ilícitos para construir uma extravagante mansão no Mar Negro — avaliada em R$ 7,2 bilhões e 39 vezes o tamanho do principado de Mônaco.

Um vídeo produzido por Navalny sobre o suposto palacete de Putin foi visto mais de 100 milhões de vezes nas redes sociais.

Navalny divulgou informações que revelam um suposto palácio de R$ 7,2 bilhões do presidente russo (YouTube / Alexei Navalny)

Tratamento duro

Depois de Navalny ter sido condenado à prisão em fevereiro de 2021, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos decidiu que ele deveria ser libertado imediatamente porque sua vida corria risco. Mas a Rússia rejeitou a decisão.

Ele entrou em greve de fome, protestando contra o fato de as autoridades da colônia penal se recusarem a dar-lhe tratamento adequado para problemas nas pernas e nas costas.

A Anistia Internacional chegou o revogar o status de prisioneiro político de Navalny.

A organização depois voltou atrás e admitiu que tinha sido sujeita a uma "campanha orquestrada".

Na época, surgiram vídeos em que Navalny fazia comentários xenófobos e que nunca chegaram a ser desmentidos.

Em vídeos de 2007, ele parecia comparar conflitos étnicos a cáries dentárias e comparar imigrantes a baratas.

Ele também disse que a Península da Crimeia "pertence à Rússia", apesar da condenação internacional da anexação do território ucraniano pela Rússia em 2014.

Enquanto isso, o governo russo continuou sua campanha contra Navalny.

Em junho de 2022, os seus apoiadores descobriram que ele já não estava na prisão original onde deveria cumprir a pena.

As autoridades prisionais federais admitiram mais tarde que ele tinha sido transferido para uma colônia penal com uma reputação difícil, a prisão IK-6, a mais de 249 quilômetros a leste de Moscou, onde ele teria sido colocado repetidamente em confinamento solitário.

A última sentença de agosto de 2023 estendeu a sua pena de prisão para 19 anos e o transferiu para uma colônia penal de segurança máxima normalmente reservada aos criminosos mais perigosos da Rússia.

Esse tratamento duro era evidência de que Putin e o seu governo temiam a influência que as campanhas de Navalny vinham ganhando, disse a professora Nina Khrushcheva, bisneta do ex-líder soviético Nikita Khrushchev.

"Putin nem sequer menciona o nome dele, ninguém no Kremlin pode mencionar o nome dele", disse ela, em entrevista para a BBC antes da morte de Navalny.

“Navalny é uma ameaça ao poder pessoal de Putin, à reputação pessoal de Putin. E Putin realmente não trata seus inimigos com mão leve.”

Apesar de estar preso, Navalny tornou-se uma das principais vozes internas contra a guerra na Ucrânia.

Durante uma audiência no tribunal em maio de 2022, ele acusou Putin de iniciar uma “guerra estúpida” sem “nenhum propósito ou significado”.

Em setembro, em artigo para o jornal americano Washington Post, acusou as elites russas de terem uma “obsessão sanguinária com a Ucrânia”.

A sua fundação também se manifestou contra a mobilização de cerca de 300 mil civis para lutar na Ucrânia.

Reações internacionais

A morte de Navalny foi amplamente comentada por autoridades internacionais.

O secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, criticou a "obsessão" do governo da Rússia com Navalny.

“Em primeiro lugar, se estas notícias forem verdadeiras, prestamos as nossas condolências para a sua esposa e família. Além disso, a sua morte em uma prisão russa e a obsessão e o medo de apenas um homem realçam a fraqueza e a podridão no coração do sistema que Putin construiu", disse Blinken.

"A Rússia é responsável por isso. Discutiremos isto com muitos outros países preocupados com o destino de Alexei Navalny, especialmente se estas notícias se revelarem verdadeiras.”

O chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, também criticou o governo da Rússia.

"Ainda não há confirmação final, mas partimos do fato de que é altamente provável que Navalny tenha morrido em uma prisão russa. Isso é muito deprimente para nós", afirmou Scholz.

"Eu o conheci em Berlim, quando estava sendo tratado na Alemanha devido às consequências do envenenamento, e falei com ele sobre a coragem que a sua decisão de regressar à Rússia exigia. Agora, ele pagou por isso com a vida."

O chanceler alemão disse ainda: "Sabemos muito bem que tipo de regime é este. Qualquer pessoa que critique, que defenda a democracia, deve temer pela sua vida e pela sua segurança. Então, estamos chocados".

"Nossos pensamentos estão com sua esposa, seus filhos, seus amigos, seus seguidores. Isso é simplesmente terrível. E isto é um sinal de como a Rússia mudou. Infelizmente, este processo começou há muito tempo, há muito que se afastou da democracia, há muito tempo que não é democracia."

O premiê britânico, Rishi Sunak, disse que a notícia da morte de Navalny é "terrível".

“Como o mais fervoroso defensor da democracia na Rússia, Alexei Navalny demonstrou uma coragem incrível ao longo da sua vida. Os meus pensamentos estão com a sua esposa e com o povo da Rússia, para quem esta é uma enorme tragédia”, disse ele.

O ministro das Relações Exteriores da França, Stephane Sejournet, disse que Navalny pagou com a vida por resistir ao sistema de opressão criado pelo presidente Vladimir Putin.

“Alexey Navalny pagou com a vida por resistir ao sistema de opressão”, escreveu Sejournet na rede social X.

“Sua morte em uma colônia penal é uma lembrança da realidade do regime de Vladimir Putin.”

Publicado originalmente por BBC News, em 16.02.24

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Tiros, veneno e queda da janela: outros adversários de Putin que morreram em condições não esclarecidas

Nesta sexta-feira (16/2), morreu um dos maiores opositores do presidente russo Vladimir Putin. Alexei Navalny estava cumprindo pena de prisão de 19 anos em uma prisão no Ártico. Segundo o serviço penitenciário, ele passou mal e morreu logo depois.

Morto em acidente aéreo, Prigozhin foi um principais personagens da invasão russa à Ucrânia (Getty)

Navalny é o último opositor ferrenho de Putin a perder a vida precocemente.

Muitas das vozes críticas que já se manifestaram contra o líder russo foram forçadas ao exílio, enquanto outros opositores acabaram presos — ou, em alguns casos, mortos.

Quando Putin lançou a invasão em grande escala da Ucrânia, em fevereiro de 2022, mais de duas décadas de tentativas de erradicar a dissidência já haviam conseguido praticamente aniquilar a oposição na Rússia.

Logo no início do governo do atual presidente, ele subjugou os poderosos oligarcas da Rússia — um grupo de pessoas muito ricas que tinham ambições políticas.

Todos os principais meios de comunicação da Rússia gradualmente caíram sob o controle do Estado ou começaram a seguir a linha oficial divulgada pelo governo.

Confira alguns dos adversários de Putin que morreram em condições não esclarecidas.

Alexei Navalny era a figura de oposição mais proeminente na Rússia (EPA)

Alexei Navalny

De longe, a figura de oposição mais proeminente na Rússia era Alexei Navalny, morto nesta sexta-feira. Mesmo da prisão acusou Putin de tentar difamar centenas de milhares de pessoas em sua guerra "criminosa e agressiva".

Em agosto de 2020, Navalny foi envenenado com Novichok, uma substância que atua no sistema nervoso, durante uma viagem à Sibéria.

O ataque quase o matou e ele teve que ser enviado à Alemanha para um tratamento.

Em maio de 2022, Alexei Navalny apelou — sem sucesso — contra uma sentença de prisão de nove anos (Getty)

O retorno de Navalny à Rússia em janeiro de 2021 galvanizou brevemente os manifestantes da oposição, mas ele foi imediatamente preso por fraude e desacato.

Ele foi o foco de um documentário vencedor do Oscar.

Na década de 2010, Navalny esteve ativamente envolvido em comícios de protesto.

As muitas denúncias do principal veículo político de Navalny, a Fundação Anticorrupção (FBK), também atraíram milhões de visualizações online.

Em 2021, a instituição foi acusada de extremista pelo governo, algo que Navalny negou repetidas vezes, dizendo-se perseguido por razões políticas.

No final do ano passado, Navalny havia sido transferido para uma colônia penal no Ártico, considerada uma das prisões mais duras da Rússia.

O serviço penitenciário do distrito de Yamalo-Nenets disse que Navalny "não se sentiu bem" depois de uma caminhada na sexta-feira.

Ele "perdeu a consciência quase imediatamente", disse o comunicado, acrescentando que uma equipe médica de emergência foi imediatamente chamada e tentou ressuscitá-lo, mas sem sucesso.

"Os médicos de emergência declararam o prisioneiro morto. A causa da morte está sendo estabelecida."

O advogado de Navalny, Leonid Solovyov, disse à imprensa russa que ainda não comentaria o caso.

O presidente Putin governa praticamente incontestado, com os oponentes forçados a deixar a Rússia — ou com destinos ainda piores(Getty)

Boris Berezovsky

Foi um dos megaempresários que ajudaram a levar Putin ao poder.

Mas os dois se desentenderam, e Berezovsky deixou a Rússia para viver em exílio no Reino Unido.

Berezovsky chegou a ser investigado no Brasil por possíveis vínculos com a empresa MSI, que firmou em 2004 uma parceria com o time de futebol Corinthians.

Ele morreu em 2013, encontrado em um banheiro com uma corda em volta do pescoço.

Porém, uma investigação não chegou a conclusões sobre a causa da morte.

Yevgeny Prigozhin

O líder do grupo mercenário Wagner morreu em acidente de avião em agosto de 2023, semanas após conduzir suas tropas em direção a Moscou numa aparente tentativa de golpe de Estado.

Prigozhin ganhou destaque pelo papel que seu grupo mercenário vinha desempenhando na guerra na Ucrânia. Embora lutasse em favor da Rússia e contra a Ucrânia, Prigozhin criticava abertamente chefes militares russos pelas estratégias adotadas no conflito.

Após uma série de acusações mútuas, o Grupo Wagner e o governo russo romperam relações, e as tropas mercenárias marcharam rumo a Moscou em junho.

No dia seguinte, Putin acusou Prigozhin de "traição" e de lhe dar "uma facada nas costas".

Depois de um acordo para encerrar o impasse, as acusações contra o líder mercenário foram retiradas, e houve uma oferta para que ele se mudasse para Belarus.

Até a queda da aeronave em que ele viajava com outros nove passageiros, perto da cidade de Tver. Não está claro se o avião foi abatido ou se houve uma explosão a bordo. 

Boris Nemtsov foi perseguido por quase um ano antes de ser morto a tiros (Getty)

Boris Nemtsov

Antes da era Putin, Nemtsov serviu como governador da região de Nizhny Novgorod, como ministro de Energia e depois como vice-primeiro-ministro.

Ele também foi eleito para o Parlamento da Rússia. Em seguida, se tornou cada vez mais proeminente em sua oposição ao governo e publicou uma série de relatórios críticos a Vladimir Putin, além de liderar inúmeras marchas de oposição.

Em 27 de fevereiro de 2015, Nemtsov foi baleado quatro vezes ao cruzar uma ponte, horas depois de apelar por apoio para uma marcha contra a invasão inicial da Rússia na Ucrânia, ocorrida em 2014.

Cinco homens de origem chechena foram condenados pelo assassinato de Nemtsov, mas ainda não há certeza sobre quem foi o autor intelectual do crime.

Sete anos após a morte de Nemtsov, uma investigação revelou evidências de que, nos meses que antecederam o assassinato, ele estava sendo seguido por um agente do governo ligado a um esquadrão secreto de assassinatos.

Pavel Antov

O empresário russo caiu da janela de um hotel na Índia em 25 de dezembro de 2022, dias após comemorar seu aniversário.

Antov havia divulgado críticas à guerra com a Ucrânia no WhatsApp, mas apagou a mensagem e disse que outra pessoa a havia escrito.

Dias antes de sua morte, um amigo de Antov, Vladimir Budanov, também morreu no mesmo hotel.

A polícia local disse que Budanov sofreu um derrame e que seu amigo "estava deprimido após sua morte e por isso também morreu".

Alexander Litvinenko

O ex-agente da KGB (serviço secreto da era soviética) morreu três semanas depois de beber uma xícara de chá em 2006 em um hotel de Londres.

A bebida continha polônio-210, uma substância fatal.

Uma investigação britânica afirmou que Litvinenko foi envenenado por agentes da FSB (serviço russo de segurança).

Litvinenko era crítico de Putin e o havia acusado, entre outras coisas, de explodir um prédio e ordenar a morte de adversários.

Publicado por BBC News, com informações de Vitaly Shevchenko, da BBC Monitoring,em 16.02.24