domingo, 16 de outubro de 2022

Bolsonaro quer destruir nosso futuro

Eu vou votar em Lula, mas não vai ser fácil encarar a urna e digitar o 13. Faz anos perdi a confiança em Lula

Foi no governo Lula que ocorreram os maiores casos de corrupção organizada da história do Brasil. Primeiro foi o mensalão onde o governo pagava uma mesada para que membros do congresso aprovassem os projetos do executivo. Um nojo! Depois vieram os casos de corrupção descobertos na Lava Jato. Na Petrobrás o governo nomeou executivos cuja função era desviar dinheiro. Essas pessoas foram descobertas, confessaram, delataram outras, devolveram parte do dinheiro roubado, e foram presas.

As provas que praticamente todo o alto escalão do PT estava envolvido são incontestáveis, muitos foram condenados e presos. Além disso, prosperou a relação espúria do governo com empreiteiras e outras grandes empresas. Elas pagavam propina para vencer concorrências e obter vantagens. Acionistas e executivos dessas empresas foram presos e fizeram delações premiadas.

Evidências das relações pessoais de Lula com muitos desses empresários abundam, e muitas delas geraram processos que envolveram Lula pessoalmente. Para mim, é impossível acreditar que Lula não estava a par do que ocorria e não deu seu aval para toda a roubalheira. Lula é inteligente demais para acreditarmos que tudo foi feito embaixo de suas barbas inocentes.

Lula foi condenado em diversos processos, em diversas instâncias, por muitos juízes, e acabou preso. E não é o julgamento tardio do STF, que anos depois decidiu que os crimes não deveriam ter sido investigados e julgados em Curitiba, que vai me convencer de sua inocência.

Apesar de tudo isso, vou votar em Lula. Prefiro o mal menor.

Não vou detalhar as horríveis características pessoais de Bolsonaro, sua falta de educação, seu machismo, a homofobia, sua falta de controle verbal e emocional, sua capacidade de mentir descaradamente, sua predileção pela violência e a apologia das armas. A meu ver, se fossem esses seus únicos defeitos, e ele fosse um democrata, até consideraria dar a ele, com nojo profundo, meu voto.

Meu maior problema com Bolsonaro envolve sua tentativa de destruir o futuro do Brasil (Exterminador do Futuro, 13 de Agosto de 2022). Eu vivi minha juventude durante a ditadura militar lutando pela volta da democracia. Felizmente, ou infelizmente, grande parte das pessoas que vão votar no dia 30 de outubro não viveram esse período, não foram educadas para entender o que ocorreu, ou já se esqueceram.

Foi uma época em que amigos simplesmente desapareciam, eram presos, torturados e mortos. A imprensa sofria censura prévia e um artigo como esse teria sido substituído por uma receita culinária ou versos de Camões. Uma época em que não podíamos eleger o presidente. Quando todas as instâncias criadas para proteger a democracia foram deturpadas, destruídas, ou tornadas impotentes.

Eu acredito que Bolsonaro, que inúmeras vezes elogiou a ditadura militar e os mais abjetos personagens da época, deseja a volta desse período sombrio de nossa história. Assim como outros líderes autoritários de esquerda e direita, Bolsonaro tem como agenda única minar aos poucos as instituições democráticas para se tornar um ditador. Ele tenta subjugar o judiciário, prega a desconfiança no processo eleitoral, e alicia a banda podre do legislativo e das forças armadas distribuindo vantagens financeiras. Se Bolsonaro tiver sucesso a democracia acaba no Brasil.

A democracia não é um regime perfeito. Sua premissa é que o povo manda através do voto e que as pessoas eleitas representam a vontade da população. O progresso de um país democrático ocorre à medida que seu povo escolhe líderes que respeitam a democracia e implementam os desejos da população. Quando isso ocorre, aos poucos (infelizmente é aos poucos mesmo) o país progride. Médicos bem formados passam a coordenar a saúde, bons economistas pilotam as finanças, e ecologistas cuidam para que o meio ambiente seja preservado.

Sabemos que um povo pouco educado é presa fácil de promessas impossíveis, de argumentos demagógicos e enganosos, como o que armar a população diminui a criminalidade. É por isso que a manutenção e o progresso das democracias depende de dois fatores: governantes que respeitem os princípios democráticos, e uma melhora gradativa do nível de educação. Só isso permite a eleição de representantes cada vez melhores.

Políticos autoritários, os realmente perigosos, como Bolsonaro, vão aos poucos desacreditando os alicerces do processo democrático (o voto, as urnas, o processo legal, o judiciário e o TSE) e ao mesmo tempo tentam retardar, destruir ou mesmo fazer retroceder a educação de seus eleitores. Quanto menor o nível educacional, mais fácil manipular e enganar a população. Esse é o maior conflito de interesse de muitos políticos: prometem melhorar a educação mas sabem que se isso ocorrer vai ficar mais difícil se manterem no poder. No caso dos políticos autoritários, como Bolsonaro, a decisão é simples. Prometem educar mas destroem o Ministério da Educação, da Ciência e Tecnologia e substituem o debate racional por lemas, crenças e palavras de ordem. E assim tentam se manter no poder pelo voto até acabarem com o voto e a democracia, se tornando ditadores.

É por esse motivo que para mim é impossível votar em Bolsonaro. No fundo acredito que é melhor um presidente corrupto ou conivente com a corrupção, mas que respeita a democracia (brigou pelo fim do regime militar, se submeteu à prisão e lutou por vias legais por sua soltura) a um que tem como objetivo exterminar nosso futuro. É mais fácil combater a corrupção do que reconstruir uma democracia. É por isso que vou votar, constrangido, em Lula.

Fernando Reinach, o autor deste artigo, é Biólogo, PHD em Biologia Celular e Molecular pela Cornell University e autor de "A Chegada do Novo Coronavírus no Brasil"; "Folha de Lótus, Escorregador de Mosquito"; e "A Longa Marcha dos Grilos Canibais". Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 15.10.22

sábado, 15 de outubro de 2022

O bolsonarismo e sua perversa disjuntiva

Ao usar a máquina pública para atacar institutos de pesquisa, Bolsonaro insiste na tática de sempre: impõe às instituições a disjuntiva entre a omissão e a atuação fora dos ritos

O Estado brasileiro tem sofrido a mais descarada e intensa distorção desde a redemocratização do País. O presidente Jair Bolsonaro manipula o aparato estatal para seus interesses particulares, produzindo continuamente novos abusos, numa sequência aparentemente interminável de excepcionalidades, e suscitando, por sua vez, respostas das instituições que, infelizmente, não têm sido as melhores, com outras tantas excepcionalidades. O cenário é desolador.

O abuso desta semana consistiu em usar a máquina pública para atacar, em duas novas frentes, os institutos de pesquisa. A partir de uma representação feita pela campanha de reeleição do presidente, o Ministério da Justiça requisitou à Polícia Federal a abertura de inquérito contra os institutos. Além disso, o presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Alexandre Cordeiro, abriu uma investigação contra o Datafolha, o Ipec e o Ipespe.

São duas ações inéditas e absolutamente ineptas para produzir os supostos efeitos legais pretendidos. Seu objetivo é outro: disseminar desconfiança e criar ainda mais confusão na campanha eleitoral. Usa-se supostamente a lei – o Ministério da Justiça falou em apurar eventual crime de divulgação de pesquisa fraudulenta, o presidente do Cade disse haver indícios de cartel na atuação dos institutos – para atacar a própria lei. Afinal, um dos objetivos do Direito eleitoral é prover um ambiente de tranquilidade durante a campanha, justamente o que o bolsonarismo deseja impedir com suas contínuas excepcionalidades.

Diante dessas inéditas ameaças, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, considerou que houve por parte da Polícia Federal e do Cade uma “flagrante usurpação das funções constitucionais da Justiça Eleitoral” e determinou, de ofício, a interrupção das duas investigações. Pode-se entender, não sem razão, que Alexandre de Moraes fez o que lhe cabia fazer: eliminou, pela raiz, mais uma ameaça do bolsonarismo à tranquilidade das eleições.

Entretanto, não se pode ignorar que, com a atuação de ofício do presidente do TSE interferindo em órgãos que não estão sob a alçada da Justiça Eleitoral, o bolsonarismo também atingiu seu objetivo. Obteve mais um caso em que a Justiça agiu de forma excepcional, além de seus limites legais, o que não apenas dá munição ao discurso de que Jair Bolsonaro estaria sendo indevidamente perseguido por Alexandre de Moraes, como produz um enfraquecimento do próprio Judiciário. As instituições republicanas devem atuar sempre, sem exceção, dentro da lei. A legitimidade de sua ação inclui necessariamente o estrito respeito aos procedimentos e às esferas de atuação. Ainda que possam ser justificadas pelas circunstâncias, excepcionalidades sempre desgastam o Judiciário.

O bolsonarismo impõe às instituições uma disjuntiva rigorosamente antirrepublicana: a omissão ou o abuso. Suas constantes e crescentes ameaças são tão abusadas – não há rigorosamente nenhum limite – que uma resposta dentro da lei, de acordo com os ritos previstos, parece ser insuficiente, mais se assemelhando a uma omissão. Ou seja, para não serem coniventes, as instituições são instadas a uma atuação fora dos padrões, fora dos ritos.

A ameaça desta semana é, por si só, muito grave. O governo federal conseguiu envolver até o Cade nas eleições. Toda a máquina pública – mesmo aqueles órgãos que, em tese, dispõem de autonomia e não têm relação com temas eleitorais – está orientada para reeleger Jair Bolsonaro. Mas o problema do bolsonarismo é muito mais sério do que uma campanha eleitoral sem escrúpulos. São quatro anos em que, de forma ininterrupta, Jair Bolsonaro tem imposto essa disjuntiva entre omissão e abuso sobre o funcionamento de todo o Estado Democrático de Direito.

Não há respostas fáceis para lidar com esse problema. De toda forma, há um requisito para seu enfrentamento. É preciso reconhecer, sem meias palavras, o problema: há um presidente da República deturpando profundamente a lei e a máquina pública.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 15.10.22

Orçamento Secreto: PF prende suspeitos de corrupção com emendas de relator

Município de 11,5 mil habitantes informou ter feito 12,7 mil radiografias de dedo em um ano

Plenário da Câmara dos Deputados durante sessão conjunta do Congresso Nacional - Roque de Sá/Agência Senado

A Polícia Federal prendeu nesta sexta (14) os irmãos Roberto Rodrigues de Lima e Renato Rodrigues de Lima, suspeitos de inserir dados falsos em sistemas do Ministério da Saúde para justificar uma série repasses do governo Jair Bolsonaro (PL) para municípios por meio de emendas de relator.

As emendas de relator, identificadas também como RP9, são um instrumento orçamentário que permite que parlamentares façam o requerimento de verba da União sem transparência e sem detalhes como identificação de quem solicitou ou mesmo qual será a destinação dos recursos.

Em 2022, este tipo de emenda teve R$ 16,5 bilhões no Orçamento, se tornando a principal ferramenta para garantir apoio político para Bolsonaro no Legislativo e para fortalecer os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

As prisões foram expedidas pela Justiça Federal do Maranhão no âmbito da Operação Quebra Ossos, deflagrada nesta sexta-feira pela Polícia Federal em parceria com a Controladoria-Geral da União e o Ministério Público Federal.

As suspeitas são de crimes de fraude à licitação, superfaturamento contratual, peculato, lavagem de dinheiro e associação criminosa.

Cerca de 60 policiais federais cumpriram 16 mandados de busca e apreensão e os dois mandados de prisão temporária em cinco cidades do Maranhão e duas do Piauí. A Justiça ainda determinou o bloqueio de R$ 57 milhões dos alvos da operação.

Foram apreendidos com Roberto e Renato Rodrigues de Lima dois veículos de luxo, um em posse de cada irmão, além de uma arma. Não foi encontrado dinheiro em espécie. A Folha entrou em contato com o advogado dos irmãos por telefone, mas não obteve retorno.

Roberto e Renato Rodrigues de Lima atuavam como intermediários na captação de recursos de emendas do relator para pequenos municípios do Maranhão.

Segundo o Ministério Público Federal, o esquema fraudulento se inicia com a inserção de dados falsos pelos municípios maranhenses nos sistemas de dados do SUS (Sistema Único de Saúde), como Sistema de Informações Ambulatoriais e Sistema de Informações Hospitalares.

Um dos centros da investigação na Operação Quebra Ossos foram os recursos repassados ao município de Igarapé Grande, a 300 km de São Luís, onde foram detectados indícios de desvios de recursos e fraudes em contratos firmados pela cidade, segundo a PF.

Em 2020, o município informou ter realizado mais de 12,7 mil radiografias de dedo no sistema público de saúde —a população da cidade é de 11,5 mil habitantes.

Segundo a Procuradoria, o crescimento do número de procedimentos no sistema faz com que o limite para o recebimento de emendas parlamentares seja "abruptamente aumentado de maneira fictícia", possibilitando repasses bem acima do usual que seriam "desviados da sua destinação legal".

O caso de Igarapé Grande foi revelado em julho em reportagem da revista piauí, que apontou o município maranhense como o que mais recebeu recursos federais por habitante para a saúde em todo o Brasil: R$ 590 por morador.

A reportagem aponta que houve um crescimento exponencial dos atendimentos de média e alta complexidades na cidade. Foram 123 mil atendimentos em 2018, número que cresceu para 761 mil em 2019. Apenas as consultas com especialistas chegaram a 385 mil na cidade, o que daria uma média de 34 consultas por ano por habitante.

De acordo com a Polícia Federal, Roberto e Renato Rodrigues de Lima teriam sido os responsáveis pela inserção de dados falsos nos sistemas do SUS (Sistema Único de Saúde) não apenas em Igarapé Grande, mas em vários municípios maranhenses desde 2018.

Também estão sendo investigadas empresas que estão entre as que mais receberam recursos públicos da saúde entre 2019 e 2022 no Maranhão. Apenas uma delas, segundo a PF, recebeu repasses de R$ 52 milhões no período.

Foram expedidas ainda medidas cautelares que incluem o afastamento de servidores públicos suspeitos de seus respectivos cargos, além da suspensão do direito dos empresários e de empresas investigadas de participarem de licitações e de contratarem com órgãos públicos.

Em nota, o Ministério Público Federal do Maranhão informou que iniciou há três meses investigações em 46 municípios do estado com indícios de recebimento "de maneira fraudulenta" de repasses federais oriundos de emendas parlamentares.

Até esta sexta, a Justiça Federal no Maranhão havia determinado o bloqueio de R$ 78 milhões das contas dos fundos de saúde de 20 municípios maranhenses após pedido da Procuradoria. Entre os 20 municípios que tiveram as contas bloqueadas está Igarapé Grande.

Em análise preliminar da Controladoria Geral da União, foi constatado que, nos últimos cinco anos, a produção ambulatorial informada pelos municípios maranhenses cresceu 78%. O avanço dos atendimentos, contudo, não foi acompanhado de uma ampliação da estrutura de atendimento de saúde e contratação de médicos e demais profissionais de saúde nestas cidades.

Outro caso que está na mira do MPF (Ministério Público Federal) é o do município de Miranda do Norte (MA), que recebeu R$ 10 milhões em emendas este ano. Em 2020, a cidade teve uma produção ambulatorial de média e alta complexidade de R$ 330 mil. No ano seguinte, este valor saltou para R$ 9,3 milhões sem qualquer crescimento aparente das instalações e contratação de médicos.

O município informou ao Ministério da Saúde que, em 2021, foram realizadas 900 mil consultas de médico em atenção especializada. A cidade tem 29 mil habitantes e oito médicos, que deveriam cada um ter realizado 450 consultas por dia caso o número de atendimentos fossem verdadeiros.

Na avaliação da Procuradoria, há uma fragilidade do Ministério da Saúde no controle da efetiva produção ambulatorial informada pelos municípios. Nos últimos quatro anos, apenas os municípios maranhenses receberam R$ 3 bilhões de emendas parlamentares para a área de saúde.

João Pedro Pitombo, de Salvador para a Folha de S. Paulo. Publicado originalmente na edição impressa, em 14.10.22, às 17h30

Datafolha: 51% dizem não votar em Bolsonaro de forma alguma, ante 46% em Lula

Troca de acusações manteve presidente como mais rejeitado, mas elevou taxa de petista


Os candidatos Bolsonaro e Lula

A virulências da campanha presidencial do segundo turno manteve a percepção de que esta é uma disputa entre rejeições. Segundo o novo levantamento do Datafolha, não votariam de jeito nenhum em Jair Bolsonaro (PL) 51% dos eleitores, enquanto 46% descartam apoiar Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O quadro é de estabilidade, dentro da margem de erro de dois pontos percentuais, ante à pesquisa realizada na semana passada. Nela, o presidente e o petista marcavam os mesmos índices.

Bolsonaro segue com seu principal problema desde o primeiro turno, mas parece ter tido sucesso em degradar a imagem do oponente.

Ao longo da série de aferições para a eleição deste ano, iniciada em maio de 2021, o Datafolha nunca registrou Bolsonaro com menos de 51% de rejeição. Lula, por sua vez, viu suas taxas saírem de abaixo de 40% para o nível atual, no qual quase empata com o rival.

É um reflexo do acirramento natural da disputa em apenas dois adversários e do fato de que ambas as campanhas passaram a abrir toda sorte de caixa de ferramentas: a das fake news, a dos ataques pessoais, a dos exageros.

Com isso, Lula passou a ser vendido pelos rivais como um protetor de bandidos prestes a fechar igrejas. Bolsonaro, por sua vez, é atacado como alguém apoiado por assassinos e dono de tendências antropofágicas.

Muito tem girado em torno de religião, e o alvoroço político causado por bolsonaristas em Aparecida (SP) na quarta (12) encimou uma campanha que viu o presidente e aliados sugerindo que Lula é o mal em templos evangélicos e o petista acusando desumanidade do rival e posando ao lado de frades franciscanos.

Noves fora as acusações de lado a lado de associação com o diabo e a ressurreição de uma inexistente ligação da maçonaria com satanismo.

Não houve, contudo, impacto direto na rejeição nos grandes segmentos religiosos. Os majoritários católicos (52% da amostra do Datafolha), que votam em peso no petista, seguem rejeitando mais Bolsonaro (58%) do que Lula (38%). Já os evangélicos (27% da amostra), que preferem o presidente, o rejeitam menos (31%) do que ao rival (64%).

O instituto ouviu 2.898 pessoas em 180 cidades, na quinta (13) a sexta-feira (14), em levantamento encomendado pela Folha e pela TV Globo registrado no TSE com o número BR-01682/2022.

+ DATAFOLHA PRESIDENCIAL

Lula tem 49%, e Bolsonaro, 44%; brancos e nulos somam 5%, e indecisos, 1%

51% dizem não votar em Bolsonaro de forma alguma, ante 46% em Lula

Reprovação de Bolsonaro está em 39%, e aprovação, em 38%

93% afirmam já estar totalmente decididos sobre voto a presidente

41% dizem que vida será melhor com Lula eleito e 27%, com Bolsonaro

Igor Gielow, o autor deste texto, escreve na Folha de S. Paulo. Publicado originalmente na edição impressa, em 14.10.22, às 18h25

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Presidencialismo é "o mais grave problema" institucional do país

Qualquer que seja o próximo presidente do Brasil, ele terá dificuldades de negociar com o Congresso Nacional.


Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho, constitucionalista

Na campanha eleitoral de 2018, o presidente Jair Bolsonaro (PL) vendeu uma imagem de candidato antissistema — embora fosse parlamentar, de atuação inexpressiva, havia 29 anos. Ao começar a governar, percebeu que não conseguiria manter essa postura e fez aliança com o Centrão, que deverá prosseguir em um eventual novo mandato. Por outro lado, se o ex-presidente Lula (PT) obtiver uma terceira gestão, terá uma Câmara dos Deputados e um Senado com maioria bolsonarista.

A dificuldade de negociar com o Congresso e de governar é fruto do presidencialismo, o "mais grave problema brasileiro" no âmbito institucional, segundo o advogado e professor emérito de Direito Constitucional da Universidade de São Paulo Manoel Gonçalves Ferreira Filho.

"Sem dúvida, o presidencialismo foi responsável por um autoritarismo e por um poder pessoal do presidente da República, dos quais não desapareceram os traços, embora tenham se atenuado. Hoje, ele é responsável por — diga-se o mínimo — uma dificuldade na governança, ou — diga-se o máximo — uma distorção na governança", aponta o jurista.

Quando há necessidade de apoio parlamentar, essa seria uma dificuldade para o governo; no entanto, quando o caso é de interferência dos interesses de deputados, senadores e partidos na aprovação de projetos de lei, entra-se no terreno das distorções.

Para tornar o sistema brasileiro menos sujeito a crises, o constitucionalista defende a adoção do semipresidencialismo — medida apoiada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes. Em tal sistema, o presidente da República, eleito por voto direto, seria o chefe de Estado, das Forças Armadas e responsável por sancionar projetos de lei, entre outras competências. Já o chefe do governo seria o primeiro-ministro, eleito pelo Congresso, e cuidaria do dia a dia da administração do país.

"Assim, o presidente asseguraria a estabilidade das instituições — seria um poder moderador; o primeiro-ministro exerceria a governança no seu importante dia a dia, sob o controle do Parlamento. Este poderia afastá-lo se governasse mal ou irregularmente, sem necessidade de impeachment, desde que em seu lugar apoiasse um sucessor, com apoio para servir ao bem comum", explica Ferreira Filho.

Até porque o processo de impeachment "sempre tem sequelas políticas graves", e paira sobre ele a pecha de "golpe", avalia. A Lei do Impeachment (Lei 1.079/1950), de acordo com o professor, está desatualizada tanto quanto à definição dos crimes de responsabilidade quanto ao procedimento. Tanto que uma comissão de juristas, sob a presidência do ministro do STF Ricardo Lewandowski, proporá a atualização da norma. Dessa reforma, Ferreira Filho espera que, no mínimo, se suprima a possibilidade de o presidente da Câmara reter por tempo indeterminado a apreciação da denúncia e que, em caso de indeferimento, seja cabível recurso para o Plenário.

Integrante do panteão dos constitucionalistas brasileiros, Ferreira Filho foi professor de inúmeros profissionais do Direito que viraram referência em suas áreas, como os ministros do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Dias Toffoli.

Tem no currículo também passagens pela política. Na virada dos anos 1960 para os 1970, foi secretário-geral do Ministério da Justiça e secretário do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Posteriormente, foi vice-governador do estado de São Paulo no governo Paulo Egydio, entre 1975 e 1979, e secretário estadual da Justiça.

Leia a entrevista:

ConJur — Qual é o papel do presidencialismo nas crises políticas brasileiras?

Manoel Gonçalves Ferreira Filho — No plano das instituições políticas, o mais grave problema brasileiro é, sem dúvida, o do sistema de governo. Ou seja, o presidencialismo que a República adotou.


Sem dúvida, ele foi responsável por um autoritarismo e por um poder pessoal do presidente da República, dos quais não desapareceram os traços, embora tenham se atenuado. Hoje, ele é responsável por — diga-se o mínimo — uma dificuldade na governança — ou diga-se o máximo — uma distorção na governança.

A primeira deriva de que, em um Estado Democrático de Direito, a governança do presidente necessariamente presume um apoio parlamentar, pois ela somente pode ser exercida de acordo com a lei. A ambiciosa meta do Estado de Bem-Estar reclama uma atuação positiva no plano econômico e social que não pode ocorrer senão se autorizada pela lei (nas democracias, evidentemente). No primitivo Estado Liberal, ela devia se limitar a garantir a ordem. Esse objetivo era simplesmente realizado pela possibilidade de emprego da força, segundo admitido pela lei processual e pelo Código Penal.

A segunda deriva — simplificadamente — da necessidade de obter do Congresso a aprovação das leis que ensejem a governança para o bem-estar, na medida em que isto pretende ser feito pelo presidente. Ora, nisto interferem interesses dos membros do Congresso e de seus partidos (afora a pressão dos beneficiados ou prejudicados pelas medidas tomadas em prol do bem-estar de todos e não raramente de alguns).

A governança, portanto, presume não a separação entre o Executivo e o Legislativo, mas uma colaboração entre ambos. Isso exclui o presidencialismo puro, bem como o êxito da governança, pois o programa desta pode deixar de ser realizado, ficando a "culpa" por conta do governante. Tal colaboração, com efeito, para que ocorra ou não, depende de o presidente ter ou não maioria parlamentar que o apoie ou a obtenha como puder. Isso remete ao sistema partidário, e este, ao sistema eleitoral.

Acrescente-se que o presidencialismo enseja, pelo mandato de prazo fixo, do presidente da República a dificuldade de afastá-lo se não estiver à altura do cargo ou exercê-lo indevidamente. O único remédio para fazê-lo é o impeachment — um processo formalmente jurídico que por isso pode-se tornar tortuoso e substancialmente político, pois, o mau governante que tenha suficiente apoio parlamentar dele escapa ou se sai bem.

E isso não somente enseja crises, tanto quanto à sua necessidade, como quanto à sua efetivação, pois sempre é visto pelo lado vencido como um “golpe”.

Ademais, como observa Afonso Arinos, a eleição do presidente tende a ser um “plebiscito entre dois demagogos”, que é frequentemente vencido por quem mais promete a grupos do que se preocupa com o interesse geral.

ConJur — O parlamentarismo seria mais benéfico ao Brasil?

Ferreira Filho — O parlamentarismo, alternativa sempre apresentada pelos adversários do presidencialismo, naturalmente enseja a colaboração entre os poderes. Nele, quem exerce a governança é o primeiro-ministro e seu conselho de ministros, com o apoio da maioria parlamentar e enquanto conta com esta.

A governança, assim, está sob o imediato acompanhamento do Parlamento. O êxito ou fracasso do governo se reflete no partido ou partidos que o apoiou. A substituição do governo é simples, desde que exista maioria unida disposta a dar o poder a outro primeiro-ministro e a outro ministério.

Aqui se há de considerar o sistema de partidos. Quando existe um bipartidarismo, o partido majoritário faz o governo e o apoio necessário à governança. Mas esse partido deve estar solidamente unido — e o atual quadro inglês mostra que nem sempre está. Se há multipartidarismo, necessariamente o governo dependerá de uma coalizão e as coalizões, segundo mostra a experiência universal, são instáveis. Desfazem-se fácil e frequentemente por motivos que vão desde a ambição dos membros dos partidos de assumirem o comando a divergências ideológicas, muitas vezes meros pretextos. Para impedi-lo, ocorrem aos mesmos artifícios de que se utilizam os governos presidencialistas sem maioria parlamentar.

Num polipartidarismo, como o brasileiro, é previsível que o governo parlamentarista seria extremamente instável, impotente e teria de negociar por todos os meios o apoio parlamentar.

Tal instabilidade, como mostra a experiência francesa da Quarta República (1946-1958), leva os gabinetes a não enfrentarem os problemas graves ou difíceis e a ficar no mais do mesmo. Ou seja, uma governança impotente e rotineira, incapaz de enfrentar os grandes problemas do desenvolvimento econômico e da ordem social. Foi isso que levou ao fim o parlamentarismo do Império, que seus opositores criticavam como o “governo do palavrório e da intriga”.

ConJur — O semipresidencialismo poderia ser um sistema que reduziria esses problemas?

Ferreira Filho — A ideia de superar esses dois sistemas que não tiveram êxito no Brasil por um que combine seus eventuais méritos e evite os seus defeitos é inspirada pelo êxito da Constituição francesa de 1958, que vigora ainda hoje. É o semipresidencialismo que proponho e que já se discute. Não há espaço para desenvolver em pormenor tal discussão, o que fiz em artigos e livros.

É um sistema que separa a chefia do Estado — incumbida dos interesses permanentes da nação, atribuída democraticamente ao eleito do povo — da chefia do governo, incumbida dos interesses imediatos e transitórios da governança, atribuída a um chefe de governo, cabeça de um ministério e necessariamente com o apoio da maioria parlamentar. Assim, o primeiro asseguraria a estabilidade das instituições — seria um poder moderador; o segundo exerceria a governança no seu importante dia a dia, sob o controle do Parlamento. Este poderia afastá-lo se governasse mal ou irregularmente, sem necessidade de impeachment, desde que em seu lugar apoiasse um sucessor, com apoio para servir ao bem comum.

ConJur — O sistema de partidos políticos no Brasil permitiria a adoção do semipresidencialismo?

Ferreira Filho — Os partidos políticos são considerados essenciais para a democracia moderna. Certamente o são como já se entreviu ao tratar da sua influência sobre os sistemas de governo. Duas são as razões principais que justificam, inclusive sua regulação nas Constituições modernas. Uma, de ordem teórica, outra, de ordem prática.

A primeira é que, tendo eles programas de governo, o eleitor ao votar num de seus candidatos está ao mesmo tempo exprimindo a linha que pretende para a governança e que deve ser seguida por aqueles que se elegerem. Estes não serão meros representantes dele eleitor, mas prepostos para a realização de uma determinada linha de governança. Entretanto, a realidade demonstra que não é regra geral que o programa seja observado pelo eleito, seja por mudança da situação, seja em decorrência de uma coalizão para a atuação governamental, seja pela percepção de sua viabilidade (o que é raro). Entretanto, em boa parte do mundo, incluído o Brasil, o programa hoje não exprime ou cria uma ideologia, como ocorreu com o Manifesto Comunista de Marx em 1848. De modo geral, o programa é um agregado de ideias gerais e vagas, que visam agradar à maioria do eleitorado. Nem são mais estabelecidos por pensadores, mas obra de especialistas em manipulação da opinião, no Brasil designados por “marqueteiros”.


A outra razão — a de ordem prática — é a mais importante para a eleição e governança. O partido cria uma agregação de candidatos a diferentes postos que assim trabalham em conjunto e usam em conexão os recursos financeiros para a eleição. E, posteriormente, forma blocos mais ou menos poderosos em relação à governança, seja para a formação do governo, seja para negociações com o governo.

Esse peso é evidentemente maior quando são isoladamente majoritários — aí, sim, podem impor o seu programa. Quando são disciplinados, comandam a governança no parlamentarismo, tendo em mãos o ministério e a maioria parlamentar. Nesse caso, o primeiro-ministro, que comanda o Executivo, também comanda o Legislativo. No presidencialismo, o mesmo ocorre em favor do presidente (como sucedia no Brasil, ao tempo da República Velha). De modo geral, isto somente se dá quando das eleições surge um sistema bipartidário, em que, mesmo havendo mais de dois partidos, apenas dois têm realmente condições de alcançar o poder. É raro, sendo, porém, o que a experiência mostra ocorrer no Reino Unido e nos Estados Unidos. Por meios artificiais, o regime militar o pretendeu estabelecer no Brasil, quando extinguiu os partidos então existentes e "inspirou" a criação de apenas dois.

Mais comum pelo mundo afora é não haver partido isoladamente majoritário, mas diversos partidos, maiores ou menores, que pesam na governança. Nesse caso, o sistema é multipartidário, o que importa, no parlamentarismo, em uma coalizão para exercer o poder; no presidencialismo, em uma base de apoio para o presidente — mesmo que o seu partido tenha o maior número de eleitos —, para que ele tenha uma base de sustentação e assim possa ver aprovadas as leis que pretende para sua atuação governamental.

Ora, a experiência aponta que as coalizões são instáveis e exigem uma constante negociação que sempre tem preço. Tal situação gera instabilidade no parlamentarismo, com as consequências apontadas nas reflexões anteriores. No presidencialismo — dito de coalizão — é este igualmente movediço e exige negociação constante, com custos políticos evidentes.

ConJur — Qual é o impacto dos sistemas eleitorais para os sistemas de partidos? E como isso funciona no Brasil?

Ferreira Filho — Indo mais a fundo, os sistemas de partidos são amoldados, senão gerados, pelos sistemas eleitorais. Conforme assinalou Maurice Duverger, o sistema de votação em turno único em que se elege o mais votado leva naturalmente ao sistema bipartidário. Se há mais de um turno, a necessidade de coalizão para a vitória leva a um sistema multipartidário. Neste, coexistem vários partidos, mas que são impelidos a se associar para o turno decisivo.

Por sua vez, o sistema de representação proporcional, que, como o nome indica, distribui as cadeiras numa câmara em proporção ao número de votos que cada partido obteve, gera infalivelmente uma pluralidade de partidos, que podem ter ou não tendência a se associar. Em geral, não a possuem, pois o mais das vezes surgem novos partidos de cisões dos já existentes. Isso se viu no Brasil sob a Constituição de 1946, com a multiplicação de Partidos trabalhistas e ocorre também sob a Lei Magna em vigor. Veja-se na atualidade a "guerra" entre PT e PDT, e ontem a do PT contra o Psol.

O sistema de representação proporcional tem a virtude de não deixar sem representação correntes ideológicas que, por exemplo, preguem o novo. Mas tem o defeito de aumentar incessantemente o número de novos partidos, com a consequência de fracionar cada vez mais a representação e assim de, mesmo pela negociação, dificultar a base de sustentação sem a qual nenhum governo pode atuar no Estado de Bem-Estar, seja parlamentarista, seja presidencialista. Não é outra a razão por que a Alemanha que adota como sistema eleitoral a representação proporcional (combinada com a eleição distrital majoritária), não confere representação a partido que não haja obtido 5% dos votos.

Tal multiplicação de partidos acaba por resultar na sua "pequenização", o que desvaloriza a sua importância e reduz a nada o valor de seus programas. É o que sucede no Brasil onde, registrados, há cerca de trinta partidos, o maior tendo elegido nas eleições de 2018 cerca de 10% da Câmara dos deputados.

Cientistas políticos assim distinguem dos sistemas pluripartidários, os sistemas polipartidários, que dificultam extremamente a governança e mesmo inviabilizam o parlamentarismo.

É, sem dúvida, polipartidário o sistema atual brasileiro e por essa, entre outras razões, é custoso reunir uma maioria para a aprovação de uma lei e inviável conceber o estabelecimento de um parlamentarismo. Ademais reduz o partido a uma exigência formal pois, permite que o eleito por um passe amanhã para outro, o que nulifica o valor do programa.

Esse polipartidarismo combinado com o financiamento público, não só faz a criação de um partido um bom negócio, como acresce desmesuradamente o custo das eleições e posteriormente o da governança.

ConJur — O presidente Jair Bolsonaro foi alvo de ao menos 145 pedidos de impeachment. Contudo, nenhum foi adiante por decisões dos presidentes da Câmara dos Deputados — Rodrigo Maia (2019 a 2021) e Arthur Lira (de 2021 em diante). A seu ver, seria positivo reduzir a concentração nas mãos do presidente da Câmara da decisão sobre o prosseguimento dos pedidos de impeachment? E que outras mudanças poderiam ser feitas na Lei dos Crimes de Responsabilidade (Lei 1.079/1950)?

Ferreira Filho — Uma das características do presidencialismo é o fato de que o presidente da República tem mandato de duração certa. Disso decorre uma vantagem, qual seja, a estabilidade governamental por um período que permita levar a cabo uma política de governo, ao contrário do que se passa no parlamentarismo, quando o primeiro-ministro pode ser afastado por uma deliberação do Parlamento. Assim, a governança pode sofrer falta da continuidade necessária para ter êxito, ou ser manipulada para manter no poder o chefe do governo e seu ministério.

Na verdade, o presidente da República somente pode ser afastado em caso de crime de responsabilidade por meio do processo sempre designado, em inglês, como impeachment.

O impeachment é um processo formalmente jurídico, de modo que presume crime de responsabilidade previsto em lei e se desenvolve com a observância de todas as garantias constitucionais, como ampla defesa, inquirição de testemunhas, entre outras, o que obviamente o torna lento. Mas ele não se desenvolve perante o Judiciário, e sim perante o Congresso, cabendo ao Senado o julgamento. Isso evidentemente o torna político, eis que um presidente com apoio parlamentar suficiente escapa ileso do processo. É o que tantas vezes se viu na história, mesmo nos Estados Unidos, de onde o Direito brasileiro o importou.

Na verdade, no Brasil nem é preciso esse apoio parlamentar para que o mau governante seja colhido pelo impeachment. Basta que ele conte com o apoio do presidente da Câmara dos Deputados, porque deste depende o recebimento da renúncia e sem prazo para fazê-lo ou recusá-lo. Disso há exemplos conhecidos.

Rege o processo do impeachment no Brasil a Lei 1.079/1950, que está desatualizada, tanto quanto à definição dos crimes de responsabilidade quanto ao processo. Essa necessidade já foi apercebida, pois funciona no Congresso uma comissão a tratar do assunto. Dela se espera, no mínimo, que se suprima a possibilidade de o presidente da Câmara reter por tempo indeterminado a apreciação da denúncia e que se preveja, caso o indefira in limine, que caiba recurso para o Plenário.

Deve-se ter presente, todavia, que o impeachment sempre tem sequelas políticas graves. Como seu desenvolvimento é tortuoso e envolve manobras dos partidários do mesmo e a inconformidade dos seus adversários, seja de ordem jurídica, seja de ordem partidária, sempre paira sobre ele a pecha de "golpe".

Enquanto, não raro, a denúncia é a seu turno um golpe publicitário, quer de políticos, quer de não políticos que querem ver o nome nos meios de comunicação de massa.

STF profere "frequentes" decisões que não obedecem à Constituição

O ativismo judicial é um fenômeno que se manifesta em todo o Judiciário brasileiro, inclusive no Supremo Tribunal Federal. A Corte profere "numerosas e frequentes" decisões "que não obedecem à Constituição, na letra ou no seu espírito", afirma o advogado e professor emérito de Direito Constitucional da Universidade de São Paulo Manoel Gonçalves Ferreira Filho.

"O ativismo em matéria constitucional importa, no fundo, em negar a supremacia da Constituição enquanto lei estabelecida pelo poder constituinte e somente sujeita a mudanças — quando o é — por um poder constituinte derivado, com formalidades especiais, algo que não é dado a corte alguma", aponta o jurista.

Entender que o Supremo pode, segundo a sua vontade, dizer o que é a Constituição e não pode ser desobedecido é o mesmo que dizer que a Corte "é o mais poderoso dos poderes", avalia o constitucionalista.

"Pior, que [o STF] detém um poder ilimitado e arbitrário, pois pode dizer o que quer, mesmo contra o texto claro da Constituição, e pode impor a observância do que quiser, sem quaisquer limites. Só o restraint, de que falam os juristas americanos, a deteria, e este é algo que depende de uma cultura que não é a nossa."

Para reduzir o ativismo, Ferreira Filho é favorável a atribuir o controle de constitucionalidade a uma corte especial, composta por julgadores não vitalícios, escolhidos "com ampla participação dos três poderes, e não apenas pelo chefe de um deles [Executivo] e com a aprovação pro forma de uma única das casas do Congresso [Senado]".

Ele também diz ser preciso abolir as decisões monocráticas de ministros do STF ou prever que elas percam a validade se não forem confirmadas pelo Plenário rapidamente. Além disso, o advogado é favorável à eliminação dos pedidos de vista sem prazo de retorno do julgamento.

Em 34 anos, a Constituição Federal de 1988 já foi alterada por 131 emendas, incluídas as seis da revisão de 1994. Tantas mudanças justificam que se questione se a Carta Magna ainda está em vigor — ou se a que vale é outra que se faz passar por ela, destaca.

Ferreira Filho analisa na segunda parte de sua entrevista (clique aqui para ler a primeira) que o Brasil merece uma Constituição melhor, mais ajustada às suas condições socioeconômicas e mais adequada a uma governança eficiente, que impeça as sucessivas crises que dificultam o seu desenvolvimento. Como isso não parece possível no momento, o professor afirma que uma boa medida inicial seria promover uma revisão constitucional, com a reforma do sistema de governo (para o semipresidencialismo), completada pelo sistema de partidos decorrente da mudança do sistema eleitoral.

ConJur — Muitos criticam o ativismo judicial, afirmando que o Judiciário constantemente interfere em políticas públicas, que são de atribuição do Executivo e do Legislativo. Como o senhor avalia o fenômeno?

Ferreira Filho — A convicção de que ocorre no Brasil o fenômeno que se denominou de ativismo judicial é generalizada entre os juristas. Ele se manifesta em decisões em todos os níveis do Judiciário.

Consiste esse ativismo essencialmente na desobediência ao Direito positivo estabelecido pela lei em nome de uma "justiça" concebida de modo subjetivo — e não raro ideológico — pelo judicante. Disfarça-se isso por meio de "interpretações" que muito se afastam do disposto na lei tal qual ela reza ou sempre foi entendida. Ou pela aplicação de "princípios" — também subjetiva e ideologicamente interpretados, que prevaleceriam sobre as normas legais.

Na verdade, esse ativismo resulta na criação de um novo "Direito" — às vezes "achado na rua" — por parte de um poder que deveria fazer cumprir a lei, expressão da vontade geral editada pelo poder competente, obviamente o Legislativo. Esse é um poder que, por força da Constituição, exprime a soberania popular — a democracia — conforme o seu artigo 1º, parágrafo único, o que não é dado ao Judiciário.

Os males que daí decorrem são muitos e evidentes. O primeiro é violar o Estado de Direito, pois importam em pôr de lado o princípio de legalidade, o primeiro dos princípios em que ele se baseia. Gera assim insegurança para os cidadãos, porque quebra a confiança que há de gerar quanto à conduta que devem seguir.

Claro é que tal proceder, além de violar a democracia, fere os princípios básicos em que ela se estrutura, assim como desnatura o Estado de Direito.

Esse ativismo, nas instâncias inferiores do Judiciário, tem significativo impacto, particularmente em relação a leis que dispõem sobre políticas públicas. Estas, mesmo que previstas no texto constitucional, têm aspectos dependentes de questões de conveniência e oportunidade, que têm de ser apreciados segundo o momento e as condições, mormente financeiras, do Estado como um todo. Tudo isto é desconsiderado frequentemente em razão de uma prioridade subjetiva.

ConJur — O STF também pratica ativismo judicial?

Ferreira Filho — O ativismo judicial não se limita às instâncias inferiores, mas transparece em decisões sobre questões constitucionais por parte do próprio guardião da Constituição [o STF]. Pode-se afirmar que numerosas e frequentes são decisões tomadas por ele que, em seu teor, não obedecem à Constituição, na letra ou no seu espírito. São, assim, substantivamente inconstitucionais, porque contrariam a Constituição. Sem dúvida, são elas válidas e de eficácia jurídica, mas tão somente formalmente constitucionais. Isso por terem sido tomadas pelo órgão que tem a última palavra sobre a matéria — o "guardião da Constituição"—, mas isso não as faz substancialmente constitucionais. Hão de ser cumpridas porque a ordem pública o exige, para se evitar o caos e a insegurança no plano jurídico-processual.

O ativismo em matéria constitucional importa, no fundo, em negar a supremacia da Constituição enquanto lei estabelecida pelo poder constituinte e somente sujeita a mudanças — quando o é — por um poder constituinte derivado, com formalidades especiais, algo que não lhe é dado a corte alguma.

Entender que a Corte [STF] pode, a seu talante, dizer o que é a Constituição e não pode ser desobedecido é o mesmo que dizer que ela é o mais poderoso dos poderes. Pior, que detém um poder ilimitado e arbitrário, pois pode dizer o que quer, mesmo contra o texto claro da Constituição, e pode impor a observância do que quiser, sem quaisquer limites. Só o restraint, de que falam os juristas americanos, a deteria, e este é algo que depende de uma cultura que não é a nossa.

Note-se, ademais, que o constituinte de 1988 não admitiu que a Corte sequer suprisse a omissão legislativa. Com efeito, a ação de inconstitucionalidade por omissão, instituída pelo texto de 1988, não admite que o STF senão advirta o poder competente da omissão, e não que faça as vezes de legislador.

Tal ação está "morta" desde que se regulamentou a arguição de descumprimento de preceito fundamental. Ora, como inexiste critério objetivo para distinguir na Constituição o que é preceito fundamental ou o que não o é — e, teoricamente, todos são, porque o constituinte assim entendeu —, a sua acolhida está à mercê do relator sorteado. Este decide o que é fundamental, o que se deduz do fundamental e o que se deduz do fundamental deduzido. E assim ad infinitum. Preceito fundamental é o que o relator quer que seja. Desse modo, tal arguição serve para legitimar a apreciação de tudo.

A situação ainda se torna mais grave porque pode o relator monocraticamente decidir o que é fundamental e pode também regular como bem entende a matéria fundamental em despacho liminar. Este deve ser submetido ao Plenário, mas às vezes isso é esquecido — e por anos e anos. Mas se for para o Plenário um pedido de vista, pode-se também manter em vigor a decisão monocrática liminar por anos e anos.

Não é necessário dar exemplos, porque todo o mundo jurídico o sabe. Basta lembrar que, por liminares — umas aprovadas por espírito de corpo, outras que nunca vieram ao Plenário ou só vieram muito tempo depois de alcançarem o seu objetivo —, já se determinaram atos que importam em violação de direitos fundamentais, como a expressão do pensamento, importando em censura; outras que instituem um poder inquisitorial, determinando inquéritos e outras medidas, até prisões. E — não se esqueça — um despacho monocrático pode suspender ad aeternum a eficácia de uma lei aprovada pelas duas casas do Congresso e sancionada pelo chefe do Executivo. Igualmente não há necessidade de dar exemplos — até leigos o sabem.

ConJur — O senhor já defendeu atribuir o controle de constitucionalidade a uma corte especial, composta por juristas com mandato limitado. Isso ajudaria a conter o ativismo judicial do STF?

Ferreira Filho — Dizem que o controle de constitucionalidade sempre tem um quantum político. Admita-se isso, mas, em decorrência, atribua-se, como se faz na esmagadora maioria dos Estados do mundo, tal controle a uma corte especial — um tribunal constitucional — com julgadores não vitalícios (para que não se crie o espírito de corpo), escolhidos com ampla participação dos três poderes, e não apenas pelo chefe de um deles e com a aprovação pro forma de uma única das casas do Congresso.

E que sejam evidentemente abolidas as decisões monocráticas — ou caduquem elas se não confirmadas pelo Plenário num prazo curto — e se eliminem os pedidos de vista ad aeternum.

ConJur — Na epidemia de Covid-19, o Supremo, diante da omissão do presidente Jair Bolsonaro, assumiu a vanguarda e estabeleceu que estados e municípios poderiam impor medidas sanitárias, proibiu publicidade do governo federal contra o isolamento social e decidiu que a vacinação obrigatória é constitucional. Em um cenário de omissão do Executivo, não cabe ao STF resguardar os direitos fundamentais dos cidadãos?

Ferreira Filho — A questão do combate à Covid é um magnífico exemplo de como a omissão no cumprimento de norma constitucional e de suas decorrências é negativa para a governança e danosa para a população.

A Covid foi — talvez ainda seja — uma calamidade pública, isso ninguém negará. Ela causou centenas de milhares de mortes, outras tantas de doentes, disputas judiciais e políticas, abalou a economia nacional, importou em dispêndio elevado de recursos públicos, em prejuízo da nação brasileira.

No plano jurídico, provocou incontáveis polêmicas; no plano político, incontáveis acusações e críticas contundentes. Tudo isso, do ângulo constitucional, é consequência de uma omissão legislativa, relativa ao cumprimento do prescrito no artigo 21, XVIII, da Constituição. E essa omissão, que ainda persiste, poderia ter sido corrigida pela ação de inconstitucionalidade por omissão, prevista no artigo 103, parágrafo 2º, da Lei Magna vigente.

O artigo 21, XVIII, da Constituição, estabelece que compete à União "planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações". Note-se o "especialmente", que dá um exemplo do planejamento e promoção de toda e qualquer calamidade pública. Está aí a regra geral que, em 34 anos de vigência, não foi editada, nem por projeto do Executivo nem do Legislativo, pois a matéria não é da competência privativa da União. Tal omissão a seu turno poderia ser colmatada por meio de uma ação de inconstitucionalidade por omissão, conforme o disposto no artigo 103, parágrafo 2º, da Carta. Jamais o foi.

A norma citada teria certamente imposto ao Executivo a imediata tomada das medidas já planejadas para o caso de calamidade pública, o que teria acelerado o enfrentamento dessa peste que é a Covid. E teria organizado e coordenado a atuação da União, estados e municípios no exercício da defesa da saúde pública, que é de competência comum a todos esses entes, conforme o artigo 23, II, da Constituição. Dessa maneira, cada ente federativo teria definida a medida de sua participação, evitando superposição e dispersão de esforços, que prejudicaram o combate à calamidade.

Por sua vez, isso teria evitado que a Corte constitucional interviesse de modo inadequado na questão, proibindo (em maiúsculas na decisão, coisa raramente vista num ato judicial) que o poder competente estabelecesse normas gerais para a luta contra o vírus.

Tudo isso demonstra como é daninho para a sociedade ignorar determinação constitucional e fixar arbitrariamente a competência dos entes federativos. É essa a lição jurídica que se pode extrair do combate à calamidade pública que foi a Covid.

ConJur — Em quase 34 anos, a Constituição Federal recebeu 125 emendas. Isso desfigurou seu espírito original? Como avalia a Carta após quase três décadas e meia de sua promulgação?

Ferreira Filho — Certamente o fato de que a Constituição de 1988 já foi alterada por 131 emendas, incluídas as seis da revisão de 1994, num período que ainda não atingiu 34 anos, afora as mudanças informais que tem sofrido, não favorece um julgamento sobre o seu valor como definição da ordem política, econômica e social adequadas e necessárias ao país. E reflete-se isso na fragilidade de sua supremacia, que facilmente é contornada formal ou informalmente.

Uma das razões disso decorre de ser ela detalhista — dirigente no sentido do modelo que Canotilho prescreveu para uma lei magna. Ou seja, uma Constituição que não apenas fixasse sinteticamente as bases fundamentais da ordem política, econômica e social, mas também, antecipando-se à lei, detalhasse as linhas que a governança deveria pôr em prática. Para o mestre português, então militante da extrema esquerda, seria o caminho pacífico para a implantação de uma sociedade socialista, como pretendeu a redação primitiva da Carta portuguesa de 1976. Desse objetivo há no texto de 1988 vários sinais. A ação de inconstitucionalidade por omissão seria o instrumento por excelência para a imposição aos governos dessa "direção".

Outra foi o sistema engendrado para o trabalho constituinte. Em lugar de um anteprojeto, ou mesmo de um projeto, elaborado por meio de uma comissão — uma comissão de "notáveis", que houve, mas cujo trabalho não foi a base dos trabalhos da constituinte. Estabeleceu-se uma divisão da matéria a ser tratada na Constituição entre várias comissões, cujos textos deveriam ser integrados por uma comissão de sistematização, de onde sairia o projeto final. Este seria a base para a discussão no Plenário e a atuação do relator.

E propiciou que grupos de pressão inserissem nele disposições favoráveis às pretensões que defendiam e privilégios, por exemplo, para setores do serviço público.

A ideia parecia boa e democrática, mas resultou, ao final, num texto mal escrito, generoso além dos recursos do Estado, com repetição de disposições, num amálgama de princípios para todos os gostos e ideologias que justificam mudanças informais da própria Constituição

Ora, a aplicação da Constituição assim estabelecida se revelou complexa e difícil, senão impossível. Em razão disso, os sucessivos governos constitucionais se viram obrigados a reclamar modificações no texto por meio de emendas — são eles os proponentes da maioria destas, em grande parte destinadas a ajustar o custo das vantagens concedidas no texto às possibilidades financeiras do Estado. Grande parte das despesas claramente o mostram.

Evidentemente, o desacerto de normas nos planos político, econômico e social foram a razão de ser de muitas outras emendas, afora o seu uso para a concessão de novas vantagens e privilégios a grupos específicos. Afora as exigências do combate à Covid. Essas mudanças formais, somada às informais, justificam a indagação se ainda vigora a Constituição de 1988, ou outra que se faz passar por ela.

Certamente o Brasil mereceria uma Constituição melhor, mais ajustada às suas condições socioeconômicas e mais adequada a uma governança eficiente, que impeça as sucessivas crises que dificultam o seu desenvolvimento para que se torne, realmente, o "país do futuro". Isso não parece ser possível no momento. Uma revisão constitucional, com a reforma do sistema de governo, completada pelo sistema de partidos decorrente da mudança do sistema eleitoral, já seria um grande passo à frente. O primeiro, não o último.

ConJur — Nos últimos tempos, foi retomado o debate sobre o artigo 142 da Constituição e as situações em que as Forças Armadas podem ser usadas para garantia da lei e da ordem. Há quem defenda que os militares podem ser empregados para conter um Poder que esteja extrapolando as suas funções. Outros sustentam que as Forças Armadas não podem se sobrepor a Executivo, Legislativo ou Judiciário. Como o senhor interpreta o dispositivo?

Ferreira Filho — Em tempos tumultuados, o que seria uma disputa jurídico-acadêmica pode se tornar tema de debates políticos. É o que se passa acerca da interpretação do artigo 142 da Constituição, mormente se ele atribui ou não poder moderador às Forças Armadas.

Ora, se, como deve ser feito, se entender poder moderador como um quarto poder, um poder neutro, como o imaginou Constant, e a Constituição do Império consagrou, não existe tal poder no Direito brasileiro. Na verdade — lembre-se —, a sua instituição foi idealizada por Constant como necessária para sanar conflitos entre os três poderes clássicos. Estes devem ser "independentes e harmônicos entre si", mas às vezes entram em grave conflito, possibilidade que a República menosprezou.

Tal poder não é conferido às Forças Armadas pelo texto constitucional vigente nem pode ele ser deduzido da mera afirmação que a elas cabe assegurar, em caso extremos, a "lei e a ordem". Com efeito, embora sejam elas voltadas para o primeiro e indispensável interesse de um povo, ou seja, a existência e sobrevivência do "seu" Estado, no sistema republicano, adotado desde 1891, as Forças Armadas estão integradas no Poder Executivo, cujo chefe é o presidente da República e, como está expresso no artigo 64, XIII, da Lei Magna, também é o seu comandante supremo. Assim, não podem ser um poder neutro em relação aos dois outros. A referida interpretação levaria ao absurdo de que um dos poderes prevaleceria sobre os demais, que não seriam "independentes", como preceitua o artigo 2º da Carta.

Entretanto, do ângulo histórico ou sociológico, podem-se identificar episódios em que as Forças Armadas exerceram um papel — papel, não poder moderador —, permitindo a superação pacífica de acerbas radicalizações políticas que ameaçavam degenerar em graves conflitos, até armados. Fizeram-no — é certo — sem autorização constitucional, mas em intervenções pontuais, sem tomar para si o poder. Feita a intervenção, tornada necessária pelas circunstâncias, o modelo constitucional voltou imediatamente à normalidade. Os exemplos são vários. Em 1955, na crise relativa à posse do presidente eleito, Juscelino Kubitschek; em 1961, na que resultou da renúncia de Jânio Quadros, em face da oposição à posse do vice, João Goulart, são casos típicos.

Entretanto, a mesma história revela que elas, em várias oportunidades, foram agentes revolucionários, dispondo-se a tomar o poder, seja para a transformação do regime ou sua proteção em casos de ameaças graves à sua idoneidade. Seria o caso de 1889, quando substituíram a monarquia pela República e levaram ao poder o marechal Deodoro; em 1964, quando editaram o Ato Institucional de 9 de abril e levaram ao Poder o Marechal Castelo Branco.

Nesses casos, certamente não exerceram o papel de moderador, mas um papel revolucionário — está isso, por exemplo, claro no preâmbulo do Ato Institucional 1, de 9 de abril de 1964, que é uma aula sobre o direito à revolução. E foram assumida e declaradamente o elemento de sustentação do chamado regime militar, o da "revolução", como então se dizia.

Note-se que tal papel revolucionário teve fim, seja em 1889, com a Constituição de 1891, seja o de 1964, com a Constituição de 1967, depois com a emenda constitucional de 1969, para afinal ensejar a Constituição vigente, por meio da Emenda Constitucional 26/1985, dando poderes constituintes ao Congresso Nacional na legislatura a se iniciar em 1987.

Assim, de jure, as Forças Armadas não detêm poder moderador, embora, de facto, em várias oportunidades tenham agido como tal.

É, aliás, pouco sabido que, no governo Geisel, quando se deram os primeiros passos para uma reabertura democrática, discutiu-se a implantação numa futura Constituição de um verdadeiro poder moderador. A ideia não vingou, porque não houve acordo sobre como institucionalizá-lo num sistema presidencialista. Dificuldade que inexiste num regime semipresidencialista, como já se apontou. É sua instituição um dos objetivos deste sistema.

Sérgio Rodas para o Consultor Jurídico, em 09.10.22

domingo, 9 de outubro de 2022

Desconfiança endêmica

Descrédito generalizado do poder público e da imprensa, dois pilares da democracia, conclama ambos a revigorar as fontes de sua credibilidade – competência e valores – com humildade


Prensa de Gutemberg, democratizou o conhecimento

O mais recente Barômetro de Confiança do Grupo Edelman, que mede anualmente índices de confiança, informa que “a desconfiança é agora a emoção padrão da sociedade”. Há um “colapso da confiança nas democracias”: menos da metade da população mundial acredita nas instituições públicas; mesmo os povos desenvolvidos creem que suas famílias estarão piores em cinco anos. Ansiedades sociais estão se tornando agudas: 85% se preocupam com a perda do emprego e 75%, com as mudanças climáticas. A preocupação com a desinformação como arma atingiu um pico histórico de 76%.

Pior: o ciclo de desconfiança parece abastecido justamente por duas instituições fundantes da democracia: o governo eleito e a imprensa independente. Um em cada dois entrevistados vê o governo e a mídia como forças divisivas. Seja percepção ou realidade, esse descrédito conclama todos a um amplo e profundo exame de consciência.

Em um mundo de polarizações e redes sociais, uma nova geração de jornalistas vem questionando o ideal da objetividade em nome de uma certa “clareza moral”. “Os repórteres deveriam focar em ser justos e contar a verdade”, resumiu o articulista Wesley Lowery. A princípio, isso parece não tanto um abandono da objetividade, mas a sua apoteose. É fácil ver, porém, que, se essa “clareza moral” se degenera em moralismo e subjetivismo, antes de gerar empatia com o público e engajá-lo, acabará por aliená-lo ainda mais. Quando se demitiu do New York Times no ano passado, a editora Bari Weiss ecoou a descrença de muita gente na mídia ao criticar o que lhe parece o novo consenso no jornal: “Que a verdade não é um processo de descoberta coletiva, mas uma ortodoxia já conhecida por uns poucos iluminados cuja tarefa é comunicá-la a todo o resto”.

Algo análogo se passa na política. Para recobrar a credibilidade, os governos precisam entregar mais bem-estar social, crescimento inclusivo, liberdades pessoais, acesso à justiça e à paz. Mas tão importantes quanto esses resultados são seus processos. É crucial expandir mecanismos que removam barreiras à representação coletiva, deem mais voz aos cidadãos e tornem o Estado mais responsivo. Ademais, muitas pessoas percebem seus governos não só como distantes, mas corruptos e capturados por interesses privados. Por isso, eles precisam distribuir a elas mais instrumentos de responsabilização e transparência. Participação, transparência e confiança sempre se reforçam mutuamente.

Para os Três Poderes ou para o Quarto (a mídia) não se trata de reinventar a roda, mas de revigorar as fontes de toda credibilidade: competência e integridade. Os cidadãos confiam na imprensa quando sentem que ela está lhes contando a verdade, e confiam no Estado quando sentem que ele está lhes provendo a justiça. Mas verdade e justiça são realizações coletivas. Leitores e eleitores precisam se perceber e, sobretudo, ser partícipes nesses processos. Por isso, a pedra angular para jornalistas e estadistas reconstruírem sua credibilidade é a mesma e uma só: humildade.

A confiança é vital para o desenvolvimento da sociedade. A confiança entre os cidadãos permite que se compreendam e cooperem. A confiança permite que o poder público planeje políticas e entregue serviços. Num ecossistema confiável, investidores investem e consumidores consomem, gerando trabalho e prosperidade. Já a desconfiança leva à desintegração social, ao “cada um por si”: cada qual buscando a felicidade por si só para si só. Mas isso é ilusão. O inverso do “Um por todos, todos por um” é o reverso da fortuna.

“Há muitos membros, mas um só corpo. O olho não pode dizer à mão: ‘Não preciso de você’; nem a cabeça aos pés: ‘Não preciso de vocês’. Ao contrário, os membros que parecem mais baixos são indispensáveis”, advertia o apóstolo Paulo. “Deus dispôs o corpo dando mais dignidade aos membros que não a tinham, para que não haja dissensões no corpo e os membros tenham o mesmo cuidado uns pelos outros. Se um sofre, todos padecem com ele; e se um é revigorado, todos se regozijam com ele.” Assim é em uma sociedade sadia.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de S.Paulo, em 09.1o.22, às 03h00

Como alguém ainda vota em Bolsonaro?

Boa parte do eleitorado releva as atitudes mais inflamadas do presidente

Ilustração de Annette Schwartsman para a coluna de Hélio Schwartsman publicada na Folha de S.Paulo neste domingo (9 de outubro) - Annette Schwartsman

Um vulcano que chegasse à Terra desconfiaria das capacidades lógicas da espécie humana. Pelas pesquisas, 75% dos eleitores brasileiros consideram a democracia a melhor forma de governo e 25% são contrários ou indiferentes a ela ou não opinaram. Entretanto, 41% dos nossos conterrâneos sufragaram o nome de Jair Bolsonaro nas urnas (votos totais, incluindo brancos e nulos). Uma conclusão possível é que 16% ignorem o princípio da não contradição (se você é pró-democracia, não deve votar em quem a ameace), outra é que as pessoas são mais complicadas.

Confesso que tenho dificuldades para compreender como alguém pode votar em Bolsonaro após ter vivido quase quatro anos e uma pandemia sob sua gestão. Mas são justamente os fenômenos mais intrigantes que mais demandam explicação. Ela vem em duas etapas.

Em primeiro lugar, boa parte do eleitorado bolsonarista releva as atitudes mais inflamadas do presidente. Elas não passariam de arroubos retóricos, que não devem ser interpretadas literalmente. Ele pede paredão para 30 mil, mas não daria a ordem de fuzilamento; ameaça descumprir decisões da Justiça, mas não o fez. Não haveria, pois, razão para vetar Bolsonaro por fustigar as instituições. O risco não seria real.

Em segundo lugar, as pessoas votam em várias dimensões. Para alguns eleitores religiosos, defender os valores tradicionais da família é o que há de mais importante; para espíritos mais pragmáticos, o fundamental é a economia; há ainda setores da esquerda para os quais a prioridade deve ser o combate ao racismo. Cada eleitor tem sua hierarquia própria de dimensões, e, se você quer provocar uma briga, diga a seu interlocutor que aquilo que ele mais preza é insignificante.

Eu até vislumbro raciocínios que expliquem por que uma pessoa vota em Bolsonaro sem vê-la num monstro, mas acho que os vulcanos têm razão. Quem preza a democracia deveria rechaçar o atual presidente.

 Hélio Schwartsman, Jornalista, foi editor de Opinião da Folha de S. Paulo. É autor de "Pensando Bem…"Publicado originalmente em 08.110.22, às 15h00

Novo, Patriota, Pros, PSC, PTB e Solidariedade perdem dinheiro do fundo partidário

A cláusula de barreira, adotada em 2018, prevê escalonamento dos requisitos em cada eleição geral até 2030

(crédito: Minervino Junior/CB/D.A Press)

O aumento das exigências para ultrapassar a cláusula de desempenho nessas eleições ampliou o número de legendas que perderam acesso às verbas públicas do fundo partidário, da possibilidade de dispor dos espaços de liderança no parlamento e do precioso tempo na propaganda eleitoral gratuita em rádio e televisão. Os seis novos nanicos (Novo, Patriota, Pros, PSC, PTB e Solidariedade) elegeram, juntos, 21 parlamentares para a Câmara dos Deputados, mesmo assim perdem cerca de R$ 140 milhões do fundo partidário ao ano.

Dos 32 partidos com registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), depois das eleições desse ano, apenas 13, alguns por causa de federações, vão manter o acesso aos fundos públicos. Nas eleições anteriores já tinham ficado de fora do reparte 10 legendas, entre eles a Rede Sustentabilidade, que mesmo com representantes no Congresso, não tinham direito ao espaço para liderança nem acesso ao tempo de propaganda no rádio e na TV. Na próxima legislatura, a Rede, com dois deputados, volta a receber verbas com a união na federação partidária com o PSol.

Além da Rede com o PSol, só conseguiram superar a cláusula de barreira por meio de federações, o PCdoB, com seis parlamentares eleitos; e o PV, também com seis, em função da federação com o PT. Cidadania, que elegeu cinco deputados, escapa da cláusula de desempenho em função da federação formada com o PSDB.

Já o Novo viu encolher a bancada de oito para apenas três parlamentares. A legenda recebeu do fundo partidário, só este ano até setembro, mais de R$ 21 milhões em recursos públicos, de acordo com os dados publicados pelo TSE, que poderá contar com esse financiamento já em 2023. O Pros, que no apoio o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) protagonizou uma disputa pública em que chegou a lançar o influenciador Pablo Marçal como candidato à Presidência da República, também não conseguiu superar a cláusula de barreira e sai deste pleito com a bancada reduzida para três deputados.

Partidos excluídos em 2018

Dos 32 partidos registrados no TSE, 10 já não tinham alcançado a cláusula de desempenho, foram eles: PCO, PSTU, UP, PCB, PMB, DC, Agir, PMN, PRTB e a Rede, que agora volta ao reparte.

Prefeito de cidade mineira ameaça servidores por voto no PT

Com a inclusão da Rede em uma federação, sobraram 15 legendas que não atingiram o mínimo necessário. Assim, dos 32 partidos registrados sobraram apenas 17, mas, desses, sete estão unidos em três federações, o que fará o bolo do fundo partidário ser rateado por 13 agremiações nos próximos quatro anos.

A cláusula de barreira, adotada em 2018, prevê um escalonamento dos requisitos em cada eleição geral até 2030. Em 2022, o índice de desempenho exigido, foi de atingir no mínimo 2% dos votos válidos para deputado federal, em ao menos nove unidades da Federação, e alcançado em cada uma delas ao menos 1%, ou, alternativamente, eleger 11 deputados federais, em no mínimo nove UFs.

Nas próximas eleições, os índices a serem atingidos sobem. Em 2026, será preciso alcançar o índice mínimo de 2,5% ou 13 parlamentares, já em 2030 fica em 3% ou 15 deputados federais.

A cláusula de barreira ou desempenho não impede o registro dos partidos políticos no país, mas torna muito mais difícil a manutenção, que precisará contar com recursos de doações dos filiados. Sem conseguir manter uma estrutura permanente, uma das saídas para as pequenas siglas é a fusão com outras até que atinjam as condições estabelecidas.

Henrique Lessa, repórter, para o Correio Braziliense, em 09.10.22, às 03h:00

sábado, 8 de outubro de 2022

Lula faz aceno à participação de Simone Tebet no governo e senadora defende âncora fiscal

Ex-presidente afirma que não montará equipe antes de ganhar, mas adiantou que ministério não será formado por ‘uma única ideologia’

Simone Tebet apoia Lula no segundo turno da eleição presidencial contra Bolsonaro Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO

O ato conjunto de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Simone Tebet (MDB) para selar o apoio da senadora à candidatura do ex-presidente aconteceu nesta sexta-feira, 7, com acenos dos dois lados sobre o encaminhamento da campanha eleitoral contra o presidente Jair Bolsonaro (PL). Lula sinalizou que a emedebista pode ser convidada a participar de eventual governo, se for eleito. Simone, por sua vez, defendeu a adoção pelo PT de uma “âncora fiscal mínima” em substituição ao teto de gastos.

Datafolha no segundo turno: Lula tem 49% das intenções de voto; Bolsonaro, 44%

Lula disse que não poderia “montar governo antes de ganhar”, mas reiterou que o Brasil “não será governado por um único partido, uma única ideologia, esse país é muito grande, precisamos juntar muitas pessoas para montar um governo”. O petista também disse esperar que Simone “esteja junto para ajudar a executar” as propostas que pediu que a senadora pediu que a campanha de Lula incorporasse.

“Com muita tranquilidade eu vou trabalhar para ganhar as eleições. A participação da Simone vai nos ajudar muito. Depois que a gente ganhar, vamos sentar numa mesa e vamos começar a discutir como a gente monta a equipe para dar vazão aquilo que são nossas propostas”, afirmou Lula, que se encontrou com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso depois do ato conjunto com Simone Tebet – o tucano já declarou voto no petista no segundo turno.

O encontro dos dois diante da imprensa foi celebrado por aliados de Lula, que consideram este o maior trunfo da campanha no segundo turno. Dois dias antes, os dois almoçaram na casa da ex-prefeita Marta Suplicy e Simone anunciou seu voto no candidato do PT à Presidência.

Simone apresentou propostas a Lula na quarta-feira e, no mesmo dia, o ex-presidente disse que elas seriam incorporadas em seu plano de governo e abriu caminho para o evento público desta sexta-feira, que aconteceu em um hotel em São Paulo. A senadora irá participar dos programas de Lula na TV, durante o horário eleitoral, e estará em palanques com o ex-presidente.

Segundo ela, o encontro é “exigido pela história”. “Temos nossas diferenças políticas, econômicas, mas são infinitamente menores do que nos une”, disse, ao lado do petista.

“Hoje eu estou aqui muito feliz para dizer que o presidente Lula, a sua equipe econômica, de assessores, acaba de receber e incorporar todas as sugestões que fizemos no nosso programa de governo ao seu programa de governo. Com isso, o que nós estamos dizendo aqui é que pensamos da mesma forma o Brasil que queremos”, afirmou.

Já Lula agradeceu o apoio de Simone e disse que as mulheres do País devem ter sentido orgulho de ver o desempenho da senadora na disputa presidencial deste ano. Em fala direcionada à Tebet, ele disse que a missão de recompor o Brasil não será fácil visto que o adversário, o presidente Jair Bolsonaro (PL), não é um “adversário qualquer” ou um “político normal”. “Estamos diante de um homem sem alma, sem coração”, afirmou o petista.

Senadora pelo Mato Grosso do Sul, Simone Tebet disse que assumirá as missões que a campanha exigir, incluindo na articulação com o agronegócio, e garantiu que irá se engajar, afirmando que seu apoio não é apenas uma declaração de voto. Ao lado de Lula, ela afirmou não ter dúvidas de que é possível reverter a vantagem do presidente Jair Bolsonaro (PL) no ramo. “Sou do agronegócio e estou pronta, inclusive, para desmistificar essa tese equivocada que só interessa ao atual presidente, que o agronegócio ou o meio ambiente. Quando, na verdade, os dois andam juntos”, disse.

Lula endossou a fala da senadora e disse que o agronegócio pode ser sua própria vítima se não tiver empresários com preocupação sustentável, “com mentalidade que Planeta pede socorro e que clima não é mais questão secundária”.

Em entrevista ao Estadão publicada nesta sexta-feira, Simone Tebet criticou a falta de detalhamento do programa de Lula e afirmou que “ao olhar apenas para o retrovisor e falar dos possíveis acertos do passado”, o petista “menosprezou e não deu conforto para o eleitor”. Nesta sexta-feita, questionado se pretendia detalhar propostas no segundo turno, Lula afirmou que “o detalhamento das propostas já está no programa de governo”.

Simone defendeu a existência de “alguma âncora fiscal mínima”. A campanha Lula-Alckmin já indicou que irá revogar o teto de gastos e que adotará nova regra fiscal. Em reportagem publicada nesta quinta-feira, o Estadão mostra a divisão que existe dentro da campanha sobre o novo arcabouço fiscal para substituir o teto de gastos. A coordenação do programa de governo da chapa Lula-Alckmin informou ao Estadão que o formato de uma nova regra fiscal para as contas do governo dependerá das condições das contas públicas que o novo governo irá encontrar, caso seja eleito, e do processo de negociação com o Congresso e a sociedade brasileira.

“Entendo a posição do PT que é contra o teto de gastos, mas também é preciso entender que é preciso alguma âncora fiscal mínima até para que o orçamento público - hoje, privado e no bolso de meia dúzia -, possa voltar para o Executivo”, afirmou Simone Tebet, ao lado de Lula. “O orçamento secreto de R$ 19 bilhões neste ano só não virou R$ 30 bilhões porque quando bateu lá no Ministério da Fazenda eles viram que batia no teto de gastos que eles não tinham condições de liberar”, afirmou a senadora, indicando que a âncora fiscal é também um instrumento para limitar o orçamento secreto.

Tebet afirmou que a equipe econômica “tem que entender qual é o melhor caminho” e que “não necessariamente” é um teto de gastos. “Alguma âncora mínima que dê conforto ao mercado, tranquilidade para os investidores para que a gente possa ter uma economia equilibrada, mas isso é por conta da própria equipe econômica . E isso vai fazer com que tenhamos uma forma de blindar da má política de parte do Congresso Nacional”, defendeu a emedebista.

Lula voltou a citar seus governos passados para indicar que tem compromisso com a responsabilidade fiscal. “Quando eu peguei esse país em 2003, a gente tinha uma dívida pública interna de 60,5% e reduzimos para 37,7%. A gente tinha uma dívida do FMI de 30 bilhões. Pagamos e emprestamos ao FMI. Levamos a inflação à meta e reduzimos o desemprego gerando 22 milhões de empregos”, afirmou Lula. “E você sabe que dentro do PT esse negócio de fazer superávit primário fez com que muita gente saísse do PT. O PSOL foi criado disso, de racha do PT por causa do superávit primário. Eu passei a vida toda contra superávit primário, quando cheguei na Presidência eu vi que era preciso fazer e fizemos”, afirmou o petista.

“Então, responsabilidade fiscal temos e não precisamos de lei garantindo isso”, disse Lula, repetindo o discurso que tem mantido sobre o tema. O petista também afirmou que uma âncora fiscal não pode significar o fim do investimento em saúde e educação. “É preciso definir o que é investimento e o que é gasto”, disse Lula.

Beatriz Bulla, Luiz Vassallo e Giordanna Neves para O Estado de S. Paulo, em 07.10.22, às 19h44

Riscos e oportunidades do Supremo

Senado bolsonarista traz riscos para a separação dos Poderes. É hora de o Supremo renovar, livre e corajosamente, sua compreensão sobre seus limites e seus deveres constitucionais

As eleições geraram uma nova camada de pressão sobre o Supremo Tribunal Federal (STF). Jair Bolsonaro, o político que, desde a redemocratização do País, mais enfrentou e atacou o Supremo, elegeu 20 aliados para o Senado, entre as 27 cadeiras disputadas neste ano. Na composição da próxima legislatura, o PL, partido de Jair Bolsonaro, terá a maior bancada da Casa, com 13 senadores, seguido por União Brasil (12), PSD (10), MDB (10), PT (9), PP (7) e Podemos (6). As outras legendas somam 14 cadeiras.

O novo cenário traz riscos para o funcionamento do Estado Democrático de Direito. Não custa lembrar que, no ano passado, Jair Bolsonaro apresentou ao Senado uma denúncia de crime de responsabilidade contra o ministro Alexandre de Moraes. O pedido de impeachment não tinha nenhum fundamento. Foi uma tentativa nada sutil de constranger o magistrado responsável por inquéritos envolvendo bolsonaristas e o próprio Bolsonaro. Felizmente, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, rejeitou prontamente a denúncia, por absoluta inépcia. No entanto, a depender de quem venha a ocupar a chefia da Casa no próximo biênio, esse tipo de denúncia pode ter outros encaminhamentos, interferindo na separação dos Poderes. Com a turma bolsonarista, todo cuidado é pouco.

Ao mesmo tempo, a composição do Senado após as eleições pode ser uma excelente oportunidade para que o STF renove, sem medo e sem acanhamento, sua compreensão sobre suas próprias competências. Mais do que nunca, é necessário que a Corte esteja consciente de seus limites e seus deveres constitucionais.

Não é fácil a posição do Supremo. A Constituição de 1988 é abrangente e, ao longo do tempo, o Congresso ampliou ainda mais seu alcance. Ou seja, o STF tem, por força do próprio texto constitucional, uma amplíssima competência sobre o Estado e a sociedade. Não há como escapar disso, seja qual for a composição política do Senado. Afinal, a missão do Supremo é defender a Constituição.

Para piorar, o próprio Executivo e membros das Casas Legislativas recorrem muitas vezes ao Supremo para tentar reverter derrotas políticas sofridas no Congresso. Há uma frequente judicialização da política, com a tentativa de que o STF seja instância revisora da política. Trata-se de manobra que viola a independência dos Poderes. Cabe ao Supremo sumariamente rejeitá-la.

No Estado Democrático de Direito, questões políticas são decididas por quem recebeu voto – e os ministros do Supremo não receberam nenhum voto. A função dos magistrados é aplicar o Direito, e não arbitrar disputas políticas. Infelizmente, como este jornal alertou diversas vezes, o Supremo não tem sido, ao longo deste século, muito rigoroso em seus limites, usando interpretações expansivas para dar a algumas matérias o encaminhamento político da preferência dos magistrados – ou de parte da população que os pressiona.

A renovada compreensão por parte do STF de suas competências constitucionais não significa, no entanto, apenas reduzir sua atuação. É também uma maior consciência de seus deveres. Seja qual for a composição do Congresso, o Supremo tem a tarefa de defender a Constituição. Não foi por acaso que Jair Bolsonaro transformou o STF em seu adversário político. Toda a trajetória política do presidente está centrada na rejeição da Constituição de 1988 e de suas garantias fundamentais. Alguém que louva a ditadura e homenageia torturadores certamente atritará com o Supremo. Assim, um Senado mais bolsonarista é alerta para os ministros do STF.

A maior consciência de seus deveres – a percepção da relevância de seu trabalho para o País – deve levar o Supremo a ter uma nova velocidade. Os processos precisam ter duração de tempo razoável. Liminares não podem durar anos. A Justiça que tarda não é justiça. Em concreto, o STF deve enfrentar, de forma técnica e articulada, sem deixar brechas para novas manobras, a inconstitucionalidade gritante do orçamento secreto. Que a nova legislatura possa estrear num outro ambiente de moralidade e transparência, plenamente constitucional.

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 08.10.22, às 03h00

Duelo de rejeições de Lula e Bolsonaro afunila na largada do 2º turno

Disputa tem faixa considerável de eleitores disposta a olhar vitrines antes de decidir

Montagem combina fotos do presidente Jair Bolsonaro, à esq., e do ex-presidente Lula - Adriano Machado e Ueslei Marcelino/Reuter

Numa disputa consolidada como um duelo de rejeições, a nova pesquisa Datafolha deve reforçar os apelos de Lula (PT) e Bolsonaro (PL) a quem ainda pode escolher um lado para evitar a vitória do outro.

A concorrência entre os candidatos recomeça relativamente apertada nesse quesito. Segundo o Datafolha, 42% dos eleitores afirmam rejeitar apenas Lula, enquanto 48% dizem que só não votam em Bolsonaro. Outros 3% declaram que não votam em nenhum dos dois, e 6% não rejeitam nenhum.

As cifras sugerem que as campanhas têm um caminho para brigar por 9% dos votos –somados os 6% que estão abertos a ambos e os 3% que recusam os dois, mas podem ser convencidos a optar por um lado.

Nas intenções de voto, boa parte da vantagem de Lula se explica pela votação construída no primeiro turno. O ex-presidente mantém a preferência dos eleitores de baixa renda (54% a 37%) e do Nordeste (66% a 28%) –região em que saiu das urnas com uma frente de quase 13 milhões de votos sobre Bolsonaro

O novo embate direto com o petista, no entanto, oferece ao atual presidente um clima menos árido do que aquele dos últimos meses. A avaliação do desempenho do governo se tornou um peso menor para a campanha de Bolsonaro, com sua taxa de reprovação caindo de 44% para 40% desde a semana passada.

A melhora desses indicadores é um fator a ser monitorado no segundo turno. Se houver menos gente disposta a punir Bolsonaro por sua passagem pelo governo, o presidente pode investir em outros elementos para obter novos votos, como a rejeição ao rival.

Uma das principais metas do candidato à reeleição na atual fase da disputa é aumentar os números negativos de Lula, uma aposta do presidente para conquistar eleitores que não votaram em nenhum dos dois candidatos no primeiro turno, mas também uma maneira de manter o engajamento de seus apoiadores –aumentando as chances de que eles apareçam para votar, com o objetivo de derrotar o PT.

Os novos índices de rejeição não podem ser comparados com os de pesquisas anteriores porque o Datafolha muda a forma de fazer essa pergunta. No primeiro turno, os eleitores são instados a apontar numa cartela os nomes dos candidatos nos quais não votariam. No segundo, cada entrevistado deve dizer se "votará com certeza", "talvez vote" ou "não votará de jeito nenhum" em Lula e Bolsonaro.

Essa divisão ajuda a medir o grau de incerteza das preferências dos eleitores neste segundo turno, além de permitir a identificação de potenciais focos de crescimento para cada candidato

Os dados indicam que, apesar de boa parte do eleitorado já ter escolhido um lado, há espaço para mudanças. Com Lula, há 47% que se dizem convictos e outros 6% que poderiam votar no petista. Com Bolsonaro, 42% afirmam votar nele com certeza, enquanto outros 6% dizem que podem fazer o mesmo.

Há bolsões de eleitores em potencial para Lula entre os jovens (13%), entre apoiadores de Ciro Gomes e Simone Tebet (24%) e até entre os evangélicos (8%). Já Bolsonaro tem chance de conquistar os votos de 10% dos entrevistados mais jovens, 8% dos evangélicos e 22% dos eleitores de Ciro e Simone.

Com quatro semanas de duração, a campanha para o segundo turno dá aos eleitores a oportunidade de olhar mais uma vez as vitrines antes de fazer uma escolha. No início dessa etapa, alguns grupos específicos se mostraram mais interessados em refletir antes de decidir o voto.

Os eleitores de 16 a 24 anos são aqueles que estão menos decididos: 12% podem mudar de voto –acima da média de 7% detectada no universo da amostra. Já 9% dizem que podem mudar de ideia.

Uma parcela larga dos eleitores de Ciro e de Simone começou a se posicionar cedo, ainda que haja a chance de muitos deles mudarem de ideia. Entre aqueles que optaram pela senadora do MDB no primeiro turno, 69% se dizem decididos, enquanto 31% admitem trocar o voto. Esses entrevistados se dividem em fatias praticamente iguais entre votos em Lula, Bolsonaro e nulos.

Já os apoiadores de Ciro pendem levemente para Bolsonaro –e muitos deles também já estão decididos. Entre eleitores do pedetista, 73% dizem ter escolhido seu candidato, e 26% falam em mudar de ideia.

+DATAFOLHA PRESIDENCIAL

Lula tem 49%, e Bolsonaro, 44%; indecisos somam 2%, e brancos e nulos, 6%

51% dizem não votar em Bolsonaro de jeito nenhum, ante 46% em Lula

Aprovação de Bolsonaro sobe para 37%; reprovação recua para 40%

93% dizem já estar totalmente decididos sobre voto a presidente

Confiança total nas falas de Bolsonaro tem pico e vai a 28%

53% dos eleitores acham que Tebet deve apoiar Lula no segundo turno

Bruno Boghossian, o autor deste artigo é colunista da Folha de S. Paulo. Publicado originalmente em 07.10.22, às 18h25

Celso de Mello diz ser inaceitável fala de Bolsonaro sobre Nordeste e lista filhos ilustres da região

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello divulgou mensagem com repúdio às declarações em que o presidente Jair Bolsonaro (PL) associa o analfabetismo no Nordeste à votação de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na região.

O ex-ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal - Carlos Moura/SCO/STF

No texto, Mello chama as declarações de Bolsonaro de "reprováveis, preconceituosas e inaceitáveis", além de caracterizar seu comportamento de "indigno e vergonhoso". O ex-decano do STF lista na mensagem brasileiros ilustres nascidos no Nordeste.

"Torna-se necessário fazer, para repelir suas insultuosas alegações, breve relação de alguns nomes dos incontáveis nordestinos ilustres que, para honra do Brasil, brilharam na história de nosso país nos diversos setores da atividade humana", afirma.

Confira a relação feita por Mello:

Josué de Castro, Aloísio Azevedo, Anísio Teixeira, Frei Caneca, José de Alencar, Manuel Bandeira, Nise da Silveira, Irmã Dulce, Paulo Freire, Ariano Suassuna, Augusto dos Anjos, Tobias Barreto, Clovis Beviláqua, Bárbara de Alencar, Deodoro da Fonseca, Epitácio Pessoa, Ruy Barbosa, Pedro de Araújo Lima (Marquês de Olinda) , Visconde de Rio Branco, Condessa de Barral, Jorge Amado , Gonçalves Dias , Cipriano Barata, Matias de Albuquerque , Gilberto Freyre , Pontes de Miranda, Francisco de Paula Batista, Aníbal Bruno, Braz Florentino Henriques de Souza, Luiz Pinto Ferreira, Sílvio Romero, Gilberto Amado, Graça Aranha, Anibal Freire da Fonseca, Laudelino Freire, Francisco de Assis Rosa e Silva , Zacarias de Góis e Vasconcelos, José Higino Duarte Pereira, Franklin Dória, Odylo Costa Filho, Arthur Azevedo, Raimundo Correia, José Américo de Almeida, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, João Maurício Wanderley (Barão de Cotegipe), Freitas Henriques, Nísia Floresta , Cardeal Dom Eugênio Sales, Dom Helder Câmara, Cardeal Dom Joaquim Arcoverde, Manoel de Carvalho Pais de Andrade, Conselheiro João Alfredo, José de Barros Lima, Cruz Cabugá, Henrique Dias, André Vidal de Negreiros, Antonio Felipe Camarão, general José Inácio de Abreu e Lima.

Publicado originalmente no PAINEL, coluna da Folha de S. Paulo, em 07.10.22, às 15h50