sábado, 8 de outubro de 2022

Abuso de poderes desequilibrou eleição em favor de Bolsonaro

Em escala global, 80% dos governantes que pleiteiam a recondução têm sucesso

O presidente Jair Bolsonaro em coletiva de imprensa com Datena no Palácio da Alvorada - Gabriela Biló/Folhapress

O pleito presidencial deste ano ainda não foi concluído, mas já tem um grande derrotado, o equilíbrio da corrida eleitoral. Em teoria, um presidente não deveria em hipótese nenhuma se servir do cargo que ocupa para obter vantagem na disputa por votos. A teoria não funciona.

O problema é em alguma medida insolúvel, pois a própria democracia já vem com um forte viés situacionista. Em escala global, 80% dos governantes que pleiteiam a recondução têm sucesso. O destaque na mídia, o controle da máquina pública e até a psicologia conspiram a seu favor.

No caso brasileiro, o desequilíbrio é agravado por outros fatores. A reeleição aqui surgiu através de um casuísmo, o que deixou uma trilha de assimetrias na legislação. Um exemplo: o governante que pretende renovar seu mandato não é obrigado a se desincompatibilizar. De fato, seria esquisito forçá-lo a renunciar para depois voltar ao cargo. O problema é que seus adversários, se tiverem postos no Executivo, são. No caso do pleito presidencial, o postulante mais poderoso tem o privilégio de fazer campanha no cargo e seu eventual desafiante, não.

Tudo isso, porém, é brincadeira de criança perto do que fez e faz Jair Bolsonaro. Sem temor ou pudicícia, ele colocou verbas e instituições públicas a serviço da reeleição. Aprovou uma série de propostas que visam essencialmente a mantê-lo no cargo, como a PEC dos Precatórios, o Auxílio Brasil só até dezembro, a redução de impostos sobre a energia etc. Levou até as Forças Armadas para atos de campanha. Agora está perdoando dívidas.

O remédio contra esses abusos seria a cassação da chapa por abuso de poder político e econômico. Mas o TSE reluta em utilizá-lo. É de fato complicado tirar no tapetão um candidato que recebeu mais de 50 milhões de votos.

O retrocesso institucional é brutal. Pelos precedentes estabelecidos, o próximo candidato à reeleição que não barbarizar é um trouxa.

 Hélio Schwartsman, o autor deste artigo, é Jornalista. Foi editor de Opinião da Folha de S. Paulo. E autor de "Pensando Bem…". Publicado originalente em 07.10.22 às 16h15

Uma forte explosão destrói parte da única ponte que liga a península da Crimeia à Rússia

As autoridades russas denunciam que a explosão de um caminhão danificou a principal infraestrutura de comunicação do território anexado por Moscou. O governo ucraniano não assume responsabilidade por um possível ataque

Danos à ponte sobre o Estreito de Kerch que liga a Crimeia à Rússia, neste sábado. (Foto AFP)

A Ucrânia acordou neste sábado com uma das notícias mais esperadas por suas forças armadas: a ponte do Estreito de Kerch, a única que liga a Rússia à Crimeia, foi seriamente danificada por uma forte explosão e incêndio em vários vagões de trem. Essa infraestrutura é fundamental no fornecimento de recursos para a península anexada ilegalmente por Moscou em 2014e para a máquina de guerra do invasor. Autoridades russas na Crimeia acusam Kyiv de estar por trás de um ataque com caminhão-bomba. O governo ucraniano não confirma a responsabilidade pela ação, como fez em ataques anteriores contra alvos russos na Crimeia, embora tenha comemorado os danos causados ​​à ponte sobre o estreito de Kerch, inaugurada em 2018, com várias mensagens nas redes sociais. pelo Presidente Vladimir Putin como símbolo da anexação da península e da ocupação das forças russas na Ucrânia.

Os vídeos divulgados pela mídia russa e contas do Telegram relacionadas a Moscou mostram uma forte explosão nesta manhã na ponte quando um caminhão passou. As imagens tiradas horas depois confirmaram que uma parte da rodovia havia sido destruída, caída na água, enquanto outra havia sido danificada. A explosão ocorreu também quando um comboio de comboios com camiões-cisterna que transportavam combustível passou pela via férrea da ponte, na parte superior da infraestrutura, segundo a polícia russa, que também danificou aquele troço. A explosão provocou um incêndio em vários carros do comboio e uma espessa coluna de fumaça preta na ponte.

A equipe da promotoria russa responsável pela investigação informou que pelo menos três pessoas morreram na explosão. Seriam os passageiros de um veículo que passou pelo local da detonação, segundo a agência estatal russa Ria Novosti. Os investigadores encontraram documentação no local sobre o caminhão e seu proprietário, morador da região russa de Krasnodar, para onde as investigações também foram transferidas.

O presidente do Parlamento pró-Rússia da Crimeia, Vladimir Konstantinov, atribuiu o evento à sabotagem da Ucrânia. A explosão ocorreu ao lado da ponte em território ucraniano, tomada por Moscou em 2014. Kiev não confirmou sua autoria, embora Mikhailo Podoliak, conselheiro do presidente Volodymyr Zelensky, tenha escrito no Twitter : “Crimeia, a ponte, o começo. Tudo ilegal deve ser destruído, tudo roubado deve voltar para a Ucrânia, tudo que foi ocupado pela Rússia deve ser expulso”.

Mensagens confusas de Kyiv

Mais tarde, Podoliak surpreendeu ao assegurar que a responsabilidade pelo ataque tinha que ser encontrada na Rússia, e que por trás da sabotagem estava a luta pelo poder entre os serviços secretos russos e o Ministério da Defesa: “Não é óbvio quem fez a explosão? O caminhão veio da Rússia.” Apesar disso, o Ministério da Defesa publicou uma mensagem no Twitter assumindo implicitamente a responsabilidade pela deflagração: “O cruzador Moskva e a ponte Kerch, dois importantes símbolos do poder russo na Crimeia, caíram. O que vem a seguir, russos? O Moskva , o carro-chefe da frota russa do Mar Negro, foi afundado em abril por um Neptune, um míssil de fabricação ucraniana .

As Forças Armadas da Ucrânia planejaram ataques à ponte de Kerch no passado, sem sucesso, em parte devido às defesas antiaéreas que protegem essa infraestrutura. Analistas de mídia influentes na região, como Nexta ou Bellingcat, enfatizaram que o método de ataque pode ser diferente porque a ponte possui sistemas de segurança tecnológica em suas entradas que detectam a presença de explosivos nos veículos.

O Ministério dos Transportes da Rússia garante que a comunicação rodoviária através da ponte será restabelecida neste sábado. Apenas uma via será habilitada em direção ao continente e a infraestrutura será reforçada. O governador russo da Crimeia, Sergei Aksionov, também garantiu que as linhas de ferry entre o território russo e a península anexada serão reforçadas. Alexander Kots, uma das vozes mais conhecidas da propaganda russa que acompanha as tropas invasoras desde o início da guerra, escreveu em sua conta do Telegram que o mais significativo sobre o ataque é que a Ucrânia provou que a segurança da ponte e da Crimeia como um todo eles não são garantidos: “Nada é impossível, os ucranianos provaram isso”.

Golpe na logística russa

O certo é que os danos causados ​​à ponte do Estreito de Kerch complicam ainda mais a logística do exército russo. A ponte da Criméia facilita a passagem tranquila de trens e caminhões militares sem a constante ameaça de guerrilheiros ucranianos, membros da resistência que lutam contra Moscou desde 2014. A outra alternativa é a faixa de terra conquistada no sul da Ucrânia, a rota que passa por Mariupol e Melitopol e abastecendo a frente de Kherson, embora esteja mais perto da artilharia e dos sabotadores. Algumas semanas atrás, uma grande explosão destruiu um trecho de trem próximo à estação de Nizyana. Essa ação dificultou o transporte de suprimentos militares e obrigou as forças russas a reforçar sua segurança na área. “Mais uma vez o regime criminoso em Kyiv atinge a infraestrutura em Zaporizhia”,

A Ponte Kerch foi inaugurada em 2018 pelo presidente russo Vladimir Putin. É uma obra faraônica de quase 17 quilômetros de extensão, e era uma prioridade do Kremlin para que a península ucraniana ilegalmente anexada fosse rapidamente incorporada à Rússia. Neste verão, a Ucrânia realizou os primeiros ataques contra a frota do Mar Negro , com base na Crimeia, o mais significativo, que ocorreu em 9 de agosto contra a base aérea de Saki . Também nesta ocasião, Kyiv evitou relatar como os ataques ocorreram.

A conexão da Crimeia é um dos símbolos de duas décadas de Putinismo. O presidente a inaugurou dirigindo um caminhão em mais uma de suas demonstrações de poder, e sua propaganda chegou a filmar filmes sobre essa infraestrutura. Atualmente, existem cerca de 50.000 turistas russos na Crimeia. Cerca de 4.000 estavam programados para deixar a região nos próximos quatro dias. "Estamos trabalhando para garantir que os hotéis e resorts da Crimeia ofereçam acomodações gratuitas aos seus hóspedes", anunciou o chefe do órgão de turismo russo Rosturism nas redes sociais.

A logística interna da península também preocupa seus cidadãos. A Procuradoria-Geral da Rússia ordenou que as autoridades da cidade independente de Sebastopol e da própria península monitorem qualquer possível aumento nos preços dos alimentos e combustíveis nos próximos dias. Por sua vez, o Ministério do Comércio russo tentou tranquilizar seus habitantes com uma declaração dizendo que há "comida suficiente" na região.

A explosão também ocorreu na retirada total das tropas em Kherson , uma província na qual as forças russas foram empurradas para as margens do Dnieper. "[O ataque] foi planejado pelo Serviço de Segurança ucraniano com a intenção não apenas de cumprir seu desejo simbólico de destruir a ponte da Crimeia, mas também de dificultar a logística e o reforço do exército russo nas fronteiras de Kherson", disse ele. O primeiro vice-presidente do Comitê de Segurança da Duma do Estado, Yuri Afonin, disse à agência Tass.

O ataque no coração da Crimeia coincidiu com uma nomeação muito significativa no alto comando russo. O ministro da Defesa, Sergei Shoigu, promoveu o chefe das Forças Aeroespaciais, Sergei Surovikin, a comandante do grupo conjunto de forças que realiza a campanha na Ucrânia. Sua eleição vem além de outras grandes mudanças nas últimas semanas, incluindo vários chefes de distritos militares russos e o chefe de logística desde 1997. Surovikin é mais conhecido por seu papel na repressão dos protestos em 21 de agosto de 1991 contra o golpe comunista. Liderança. Seu batalhão de fuzileiros foi responsável pelas únicas mortes naquele dia, as de três civis que mais tarde foram reconhecidos como heróis da União Soviética. Surovikin,

Sepultura em massa em Donetsk

A nordeste desta província, à medida que o exército ucraniano avança pela frente oriental, novos horrores da invasão russa continuam a surgir. Pavlo Kirilenko, governador de Donetsk, anunciou este sábado a descoberta de 200 sepulturas e uma vala comum nas proximidades de Liman, um dos municípios de Donbas reconquistados pela Ucrânia nas últimas semanas, após meses de ocupação por tropas do Kremlin.

Kirilenko compartilhou imagens das 200 sepulturas e do poço, em uma área de campo. As sepulturas estão marcadas com cruzes, e o governador de Donetsk adiantou que são corpos civis. Na vala comum, segundo Kirilenko, haveria um número indeterminado de cadáveres, tanto civis quanto soldados. Nas ruas e parques da vizinha Sviatohirsk, também foram exumados cerca de vinte corpos que não puderam ser enterrados no cemitério devido ao perigo causado pelas operações militares dos últimos meses.

A descoberta de Liman ocorre apenas três semanas depois que em Izium, outro município libertado no leste do país, cerca de 400 corpos não identificados foram encontrados em uma área arborizada , alguns com sinais de tortura. A província de Kharkov, onde fica Izium, foi reconquistada em setembro pelas tropas ucranianas. Até agora, 534 corpos civis foram recuperados na região, segundo as autoridades locais. Uma investigação das Nações Unidas descobriu no mês passado que as forças russas cometeram crimes de guerra em pelo menos 16 municípios nas províncias de Kiev, Chernihiv, Kharkov e Sumi.

CRISTIAN SEGURA e JAVIER G. CUESTA, de Kyiv e Moscou para O EL PAÍS, em 08.10.22, às 11:37hs 

Como "Deus, Pátria e Família" entrou na política do Brasil

Manifesto divulgado 90 anos atrás pelo autor Plínio Salgado lançou o integralismo. Movimento de extrema direita é antecessor de discursos ultraconservadores da atual política nacional.


Plinio Salgado (o magrelo ao centro na foto) inspirou-se em Mussolini, o criador do fascismo na Itália, para lançar a sua Ação Integralista Brasileira (AIB). A farda, no entanto, em cor esverdeada, remete aos camisas pardas de Hitler, na Alemanha. O lema "Deus, Pátria e Familia" foi tirado do fascismo italiano, o qual nunca quis confronto com a Igreja Católica, poderosamente majoritária entre os italianos. Naquele tempo, muitos religiosos se aliaram aos fascistas.

Eram princípios conservadores, de inspiração cristã e fortemente influenciados pelo fascismo italiano e pelo integralismo português, os formulados pelo escritor e jornalista Plínio Salgado (1895-1975). Ele chamou seu arrazoado de Teoria do Estado Integral, e em 7 de outubro de 1932 lançou o Manifesto de Outubro. Ali nascia a Ação Integralista Brasileira (AIB), a versão nacional da extrema-direita que ganhava corpo na Europa.

Dividido em dez partes, o manifesto trazia já em seu primeiro item a importância da valorização de Deus, da Pátria e da Família – os três termos com inicial maiúscula. Salgado tinha a companhia de outros intelectuais na elaboração dessa doutrina, entre eles o escritor e advogado Gustavo Barroso (1888-1959) e o advogado, filósofo e professor Miguel Reale (1910-2006).

Com seus símbolos ultranacionalistas, os trajes verdes e o discurso de oposição ao comunismo, o movimento cresceu. Estimativas publicadas pela imprensa dão conta de que, em 1936, eram quase 1 milhão os adeptos e simpatizantes. "Os integralistas alçaram cargos políticos, com vários prefeitos e vereadores integralistas pelo país", enfatiza o historiador Leandro Pereira Gonçalves, professor na Universidade Federal de Juiz de Fora e autor de O fascismo em camisas verdes: Do integralismo ao neointegralismo.

Manifestações públicas eram organizadas e havia um interesse claro de Salgado em cada vez mais influenciar os rumos da nação. "Fazia parte do cotidiano do brasileiro. É considerado o primeiro movimento de massa da história do Brasil, a primeira grande organização política do século 20", sublinha Gonçalves.

Trajetória de Plínio Salgado

Salgado se apresentou como pré-candidato à presidência para as eleições de 1938 – mas a disputa não ocorreu porque Vargas deu o autogolpe que criaria o Estado Novo – e chegou a pleitear o posto de ministro da Educação no governo Getúlio Vargas (1882-1954).

Como não conseguiu seus objetivos e ainda viu Vargas decretar a proibição dos partidos políticos, deixando a AIB na clandestinidade, Salgado e outros integralistas organizaram um levante. Em 11 de maio de 1938, atacaram o Palácio da Guanabara, cerca de 1.500 foram presos. Salgado exilou-se em Portugal.

"Oficialmente, o ataque representa o fim do integralismo, que já havia sido encerrado com o decreto do Estado Novo, quando passou para a ilegalidade", diz Gonçalves. Mas é claro que a ideologia não desapareceu.

"Milhares de seguidores e simpatizantes permaneceram ativos e ocuparam cargos fundamentais no Estado", ressalta o historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coautor do livro Passageiros da tempestade: fascistas e negacionistas no tempo presente. "Nas Forças Armadas, a Marinha, seu oficialato era dominantemente integralista. Muitos integralistas, com seu ideário, permaneceram ativos na magistratura, nas academias militares e na política."

Apoiadores de Bolsonaro festejam na rua com bandeiras brasileiras e camisas verde-amareloApoiadores de Bolsonaro festejam na rua com bandeiras brasileiras e camisas verde-amarelo

Historiadores traçam analogia entre farda verde dos integralistas e apropriação do verde-amarelo pelo bolsonarismoFoto: Bruna Prado/AP/picture alliance

Em Portugal, Salgado aprofundou sua doutrina, num intercâmbio com a intelectualidade católica conservadora. Quando, em 1945, partidos tornaram a ser permitidos no Brasil, o integralismo voltou, mas com outra roupagem.

"No pós-Segunda Guerra, um partido fascista não teria sucesso no Brasil. Então eles formam o PRP [Partido de Representação Popular], com formação fascista, com grupos fascistas, mas sem dizer que era fascista. Foi um fascismo legalizado, mas no discurso se dizia democracia cristã", relata Gonçalves. Pela legenda, Salgado candidatou-se à presidência em 1955. Depois acabaria eleito deputado federal.

O idealizador do integralismo foi um dos oradores da famosa Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em 1964, e apoiador do golpe militar que instauraria a ditadura naquele mesmo ano.

"Na ditadura, o destino político dos integralistas foi a Arena [partido da Aliança Renovadora Nacional]. Com a morte de Salgado [em 1975], há o fim do integralismo, já que os adeptos ficam sem o chefe, a referência", explica Gonçalves.

Neointegralismo e Bolsonaro

Segundo o historiador, os anos 1980 assistem ao início de um movimento que pode ser qualificado de neointegralismo, quando os simpatizantes das ideias se relacionando com skinheads neonazistas nas grandes cidades brasileiras. "Na década de 1990, eles voltam a participar de partidos políticos existentes, como o Prona [Partido da Reedificação da Ordem Nacional], de Enéas Carneiro e também o PRTB [Partido Renovador Trabalhista Brasileiro], de Levy Fidelix. Eles tentam, sem sucesso, fundar um partido político próprio", contextualiza Leandro Pereira Gonçalves.

Nessa época, grupos integralistas passam a utilizar a ainda incipiente internet para divulgar suas ideias e congregar os simpatizantes. No início do século 21, com o advento das redes sociais, eles também ingressam nessas plataformas.

De acordo com o pesquisador, em 2022 há três grupos integralistas relevantes em atividade: a Frente Integralista Brasileira (FIB), o Movimento Integralista e Linearista Brasileiro (Milb) e a Associação Cívica e Cultural Arcy Lopes Estrella (Accale).

"Nas eleições deste ano, o legado integralista está presente no PTB [Partido Trabalhista Brasileiro]. Padre Kelmon, que foi candidato do partido, participou de reuniões integralistas e possui relações [com o movimento]", destaca Gonçalves.

Em texto publicado em seu site em setembro, a FIB recomendou nominalmente o voto nos candidatos "que demonstram compromisso de lutar por Deus, pela Pátria, pela Família" e citou nominalmente a pastora e ex-ministra Damares Alves, eleita senadora pelo Distrito Federal, entre outros nomes.

Da farda verde à camisa da Seleção

Gonçalves lembra que essa ética integralista é enfatizada de forma recorrente nos discursos do presidente e candidato a reeleição Jair Bolsonaro. "'Deus, Pátria e Família' é o slogan fascista mais repetido ao longo deste governo. Foi naturalizado dentro da política. O integralismo representa a extrema direita mais ideologicamente consistente da história do Brasil."

Para o historiador e sociólogo Wesley Espinosa Santana, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, é possível fazer uma analogia com o uso do uniforme da seleção brasileira em manifestações políticas de direita hoje com a farda verde dos integralistas de Plínio Salgado.

"Temos uma situação muito parecida: o Bolsonaro dizendo que é o dono do verde-amarelo, que quem é adepto dele é Brasil e quem é contra não é Brasil. Isso é integralismo puro, psicológico e simbólico. O discurso é :'Ou você está ao meu lado ou é contra a pátria'. O fascio italiano e a AIB previam isso, em meio à tríade Deus, pátria, família."

Na visão de Teixeira da Silva, "o fascismo à brasileira é um amálgama complexo de fatores culturais de longa duração". "A extrema direita e o bolso-fascismo brasileiro hoje possuem várias fontes doutrinárias", comenta, citando o integralismo, suas inspirações portuguesa e italiana, e o nazismo alemão. "Mas possui também bases puramente nacionais, como o racismo anti negros e pardos."

Santana vê, nas pautas de Bolsonaro, o legado do integralismo, expresso no conservadorismo, do militarismo, da defesa das armas e do que ele chama de "cristianismo enviesado". Além, é claro, do ultranacionalismo.

Edison Veiga, o autor deste artigo é jornalista. Publicado originalmente pela Deutsche Welle Brasil, em 07.10.22 / |A legenda da foto é da autoria do editor do blog.

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Tebet é aplaudida em restaurante reduto da elite paulistana

Senadora foi ovacionada no Parigi durante encontro com economistas de seu programa de governo

A senadora Simone Tebet, ao lado da economista Laura Muller Machado, que participou da redação de seu programa de governo, no restaurante Parigi, em SP - Acervo pessoal

A senadora Simone Tebet (MS), que disputou a Presidência da República pelo MDB, foi aplaudida de pé na quarta-feira (5) no restaurante Parigi, reduto da elite no Itaim Bibi, em São Paulo.

Ela foi ao local para encontrar integrantes da comissão que fez seu programa de governo, que se reuniam para uma confraternização.

Tebet chegou para a sobremesa, após ter almoçado na casa da ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy com Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a quem manifestou apoio. Ao entrar no restaurante, recebeu aplausos de clientes que estavam no local.

Tebet divulgou na campanha ideias liberais na economia, defendidas por empresários e agentes do mercado financeiro.

Texto do Painel, coluna da Folha de S. Paulo, em 07.10.22, às 12h50. Editado por Fábio Zanini, espaço traz notícias e bastidores da política. Com Guilherme Seto e Juliana Braga.

Antibolsonarismo X Antipetismo

Lula e Bolsonaro não deveriam ignorar a ojeriza que despertam em alguns cidadãos

À esquerda, o ex-presidente Lula participa de evento do PT, à direita, o presidente Jair Bolsonaro participa do Dia do Soldado na Concha Acústica do Exército, em Brasília (DF) - Pedro Ladeira e Gabriela Biló/Folhapress

Jair Bolsonaro tem um adversário maior do que Lula, ele mesmo. Na última pesquisa Ipec, 50% dos entrevistados disseram que não votariam nele de jeito nenhum. A rejeição enfrentada pelo candidato do PT bate nos 40%.

Você pode estar desconfiado dos institutos, mas essa eleição é tão atípica que parece evidente que os votos têm mudado de destino por variáveis difíceis de serem detectadas. Uma coisa é certa: a força do antibolsonarismo e do antipetismo. Os dois candidatos não deveriam ignorar a ojeriza que despertam num punhado importante de cidadãos.

Bolsonaro sabe o quanto é odiado e se movimentou rapidamente. Adotou de imediato uma fala mansa, mesmo ao criticar os institutos de pesquisa, o STF e a imprensa. Acenou aos eleitores que não votaram nele. De lá pra cá, elogiou a mídia, chamou nordestinos de "irmãos", depois de relacioná-los ao analfabetismo.

Sua rejeição cai quando ele diminui o tom. Tivesse dito as atrocidades que perfilou nos últimos anos em voz baixa e com sorriso no rosto, estaria eleito. É difícil entender o que passa na cabeça de quem vota num sujeito desse. Por outro lado, o antipetismo é uma realidade que o partido e seus apoiadores precisam encarar e a essa altura ainda parecem não saber como lidar.

O anúncio de tentar mobilizar a militância para bater de porta em porta na periferia é uma boa estratégia. Maravilha, mas os voluntários estarão preparados para responder questões sobre corrupção, sobre o desastre econômico do governo Dilma? Vão chamar de golpe o impeachment apoiado por potenciais novos eleitores? É sobre isso.

Vídeo de artista fazendo L, foto com 13 livros empilhados, Dilma no palanque funcionam para deixar quentinho o coração do convertido. O eleitor que não sabe se odeia mais Bolsonaro do que Lula precisa ser ouvido, orientado, convencido. Pergunto novamente, querem ganhar a eleição ou ter razão?

Mariliz Pereira Jorge, a autora deste artigo, é Jornalista e roteirista de TV. Publicado originalmente na  Folha de S. Paulo, em 06.10.22, às 21h30

A urna e o cofre

Bolsonaro compromete o erário por reeleição e realimenta teorias conspiratórias


Jair Bolsonaro (PL), em entrevista após o primeiro turno da eleição  (Ueslei Marcelino/Reuters)

A tentativa desesperada de reeleger o presidente Jair Bolsonaro (PL), que terminou o primeiro turno em desvantagem inédita para um incumbente, compromete cada vez mais o futuro das contas públicas. O Planalto empilha promessas que não cabem no Orçamento.

Não bastassem os múltiplos furos já produzidos no teto de gastos federais e as carências de recursos para despesas humanitárias básicas —inexiste, por exemplo, previsão de receitas para manter o Auxílio Brasil de R$ 600 a partir de janeiro de 2023—, o mandatário flerta com mais irresponsabilidades na sanha de arrebatar o pleito.

Se o problema imediato do candidato situacionista é a rejeição das mulheres e do eleitorado mais pobre, ele não hesita em financiar a sua resposta no Tesouro Nacional. Promete um 13º pagamento do auxílio que substituiu o Bolsa Família, mas direcionado apenas às beneficiárias do programa.

Uma ação mais descaradamente eleitoreira seria possível apenas caso se exigisse da receptora do pagamento extraordinário uma comprovação de voto no presidente.

O ciclo eleitoral de 2022 terá sido um marco do enfraquecimento das instituições fiscais e políticas que refreiam o uso da máquina e dos dinheiros públicos para finalidades eleitorais. As chamadas emendas de relator, o fundo partidário recorde, as soberbas reduções de impostos e a abrupta elevação de gastos desequilibram a disputa a favor de quem tem mandato e dos oligarcas que controlam as siglas.

Às favas também foram mandadas as preocupações com a manutenção dos programas e das organizações federais. Corta-se sem pestanejar verba para fármacos e educação, e semeiam-se descontinuidades de políticas públicas para os meses vindouros, a fim de alimentar o vórtice da caça ao voto.

Mesmo com toda a vantagem extraída do erário, o presidente não parece contentar-se com a hipótese de vencer ou perder a reeleição nas urnas no próximo dia 30.

Voltou a ventilar a ideia estapafúrdia de que teria sido vítima de fraude na apuração dos votos no primeiro turno, como se uma conspiração implantada no mecanismo de divulgação da Justiça Eleitoral lhe tivesse tirado a vitória à medida que a contagem avançava.

A pilhéria não resiste à constatação de que as regiões mais bolsonaristas do país tiveram a sua votação divulgada antes das mais petistas. O resultado de uma eleição é o mesmo independentemente da ordem em que se contam os votos.

A maluquice propagada pelo presidente da República se presta a manter acesa a centelha da baderna em caso de derrota nas urnas. Arrombar seja o cofre, seja a institucionalidade democrática, continua em seus planos delirantes.

Editorial da Folha de S. Paulo, em 07.10.22 / e-mail: editoriais@grupofolha.com.br

Eduardo Leite decide por neutralidade e diz que não vai declarar seu voto

O petista Tarso Genro afirmou que as negociações com Leite não avançaram, mas declarou voto no tucano para o governo do RS

O ex-governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB)O ex-governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB) Reprodução/Facebook

As investidas do PT e da campanha de Lula sobre o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, não avançaram e o tucano decidiu pela neutralidade.

— Não vou abrir o meu voto para presidente para não contaminar o debate, para que não se discuta o Rio Grande do Sul, apenas o Brasil (…). Nem o Lula nem o Bolsonaro vão vir aqui resolver os problemas do Rio Grande. Vou continuar no lado onde sempre estive, no centro — disse Leite em entrevista nesta manhã na sede do comitê da campanha, em Porto Alegre. Ele afirmou que não se trata de “ficar em cima do muro”, mas de não permitir que se “ergam muros para dividir os gaúchos”.

Nesta sexta-feira, o ex-governador gaúcho Tarso Genro, uma das lideranças petistas que vinha conversando com Leite, disse no Twitter que as negociações não avançaram. Mesmo assim, declarou que votará no tucano, que disputa o segundo turno com o bolsonarista Onyx Lorenzoni (PL).

— Governador Leite me ligou ontem, como fará com todos os ex-governadores, para avaliação do quadro político no Estado. Não avançamos, é óbvio, para nenhuma "negociação", pois não tenho mandato do PT para isso. Agradeci a sua gentileza e confirmei que meu voto será dele, pois sustento que os tempos que atravessamos recomenda que devemos compor uma Frente Eleitoral em defesa do Estado de Direito, contra os radicais extremistas e neofascistas, que querem acabar com a democracia de 88, já sob ataque do bolsonarismo.

No primeiro turno, Lorenzoni teve 37% dos votos e o governador 26,81%. Nos bastidores, a avaliação feita pelo tucano e seus aliados é que o posicionamento a favor de Lula teria mais potencial de lhe tirar votos do que dar, já que a maioria de seus eleitores é de centro-direita. Além disso, Bolsonaro teve uma votação mais expressiva do que Lula no estado, com 48,89% dos votos, contra 42,28% do petista.

Mesmo sem a declaração de voto em Lula, uma associação regional de prefeitos do estado do PT irá manifestar apoio a Leite. O PSB e PDT já anunciaram que estão com o governador no segundo turno.

Bela Megale para O Globo, em 07.10.22, às 10h27

A guerra da Rússia na Ucrânia ilumina um novo projeto europeu

44 líderes europeus lançam as bases de uma comunidade política que simboliza o isolamento de Putin e a rejeição da disputa do Kremlin

Chefes de Estado e de Governo de 44 países no Castelo de Praga, numa cimeira da nova Comunidade Política Europeia, esta quinta-feira. (Crédito foto: Felipe Singer / EFE)

Com a guerra da Rússia na Ucrânia , as ameaças nucleares e o apetite imperialista de Vladimir Putin como catalisador, a Europa está lançando as bases para uma nova comunidade política. Com um encontro simbólico para tornar visível uma frente unida contra a agressão do Kremlin, 44 líderes reuniram-se esta quinta-feira em Praga para lançar uma constelação europeia destinada a encontrar soluções para as profundas divisões no continente em matéria de migração, segurança ou energia.

O líder russo, encurralado por suas derrotasna Ucrânia e com frentes cada vez mais abertas em casa, conseguiu o que há apenas um ano parecia impensável: unir, apesar das diferenças, os 27 parceiros da UE com um país que decidiu abandoná-los, o Reino Unido; com outro, a Turquia, que não tem clareza sobre querer entrar no clube comunitário apesar de seu status de candidato e aproveitou uma cúpula em um momento crítico para a segurança da Europa para tornar visível sua fratura com a Grécia às custas de Chipre ; e ao lado de vários países que têm a adesão à UE em sua lista de tarefas – como Ucrânia, Macedônia do Norte ou Geórgia – mas não têm data de entrada à vista. A Rússia e sua aliada Bielorrússia, governada por outro autocrata que justificou a invasão e que praticamente se tornou um satélite de Moscou,

“Esta reunião, a Comunidade Política Europeia, tem uma possibilidade real de se tornar uma Comunidade Europeia de Paz”, disse o presidente ucraniano, Volodímir Zelenski, que, novamente simbolicamente, abriu a sessão com um discurso por videoconferência. "Membros de todos os formatos de cooperação existentes na Europa, baseados em nossos valores comuns, participam da reunião", observou o líder ucraniano, "e não há representantes da Rússia, um Estado que geograficamente parece pertencer à Europa, mas que desde o início ponto de vista de seus valores e comportamento, é o estado mais anti-europeu do mundo”.

"Isso não significa que queremos excluir a Rússia para sempre", enfatizou o Alto Representante da UE para Política Externa, Josep Borrell, "mas esta Rússia, a Rússia de Putin, não tem assento". O presidente russo provavelmente se orgulhará da exclusão de um grupo que pode simbolizar aquele Ocidente que, em sua opinião, é o culpado por todos os males. Mas o chefe do Kremlin, que sempre descartou a UE como interlocutor e optou pelas relações bilaterais, para fragmentar e desestabilizar, pode encarar como desafio a presença no novo projeto de países que considera parte de sua esfera de influência , da Moldávia e da Armênia à Geórgia, passando pelo Azerbaijão.

O novo projeto, ainda borbulhante, incipiente, carece de linhas claras de prospecção além da cola russa que os une e da crise energética. Tanto a sua magnitude como a sua variedade - também de certa forma a componente geográfica - levantam a questão de saber se a chamada Comunidade Política Europeia avançará para uma comunidade de valores ou interesses, com incertezas como as provocadas pela presença de O Azerbaijão, com sérios problemas de direitos humanos, mas com grandes reservas de gás e interesse em novos acordos de fornecimento com os Vinte e Sete, ansioso por encontrar novos fornecedores para se desvincular do gás do Kremlin.

Turquia e um começo difícil

Uma dualidade encenada nesta quinta-feira pelo presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que depois de receber o toque de países como a França por ajudar a Rússia a pular as sanções, acrescentou que "uma paz justa não tem perdedores". Erdogan protagonizou um duro discurso contra a Grécia em Chipre —onde mantém a chamada República Turca de Chipre do Norte, ocupada em 1974 pela Turquia , e reconhecida apenas por Ancara— durante o jantar oficial, que foi respondido pelo primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis, numa intervenção que não foi planeada e que irritou o líder turco, que aproveitou a conferência de imprensa após o jantar para sublinhar que a Turquia se opõe à entrada da Suécia na NATOe acusar a Grécia de “basear suas políticas em mentiras” e emitir uma ameaça velada ao apontar que Atenas entendeu a mensagem de Ancara quando seus funcionários disseram que “poderíamos chegar de repente uma noite”. Erdogan coroou assim um início nada pacífico para o novo projeto europeu.

A Comunidade Política Europeia, que começou em Praga – capital da presidência rotativa da UE, mas também da Tchecoslováquia, que era um país ocupado pela URSS, que viu como os tanques soviéticos ceifaram sua primavera reformista em 1968 – e que continuará na Moldávia em seis meses e na Espanha em um ano, foi ideia do presidente francês, Emmanuel Macron, em maio passado. O chefe do Eliseu propôs então uma nova estrutura política que permitiria aos países que estão a décadas de cumprir os requisitos de entrada na UE em um quadro de cooperação sem precedentes. "É um passo muito importante reforçar esta cooperação solidária muito além da UE, com países com os quais a União mantém relações muito intensas e muito importantes há muitos anos", disse o presidente espanhol, Pedro Sánchez, que listou: "A Balcãs, Turquia, Reino Unido agora desde a sua partida e também todos os países da frente oriental".

O resultado ainda está para ser visto. Por enquanto, apesar de muitos terem visto isso como um prêmio de consolação para, por exemplo, os Balcãs Ocidentais ou a Geórgia, esses mesmos países apoiam a iniciativa que lhes permitiu um vínculo tangível e mais imediato e outro fórum de encontro. É, disse o presidente lituano, Gitanas Nauseda, como as “Nações Unidas na Europa”. Um "evento histórico", disse sua contraparte islandesa, Katrin Jakobsdóttir. Uma ágora que servirá, salientou Macron, para se defender contra ameaças e encontrar potenciais projetos - comuns e bilaterais - e avançar noutras linhas, como a que reuniu esta quinta-feira os líderes do Azerbaijão e da Arménia,

A participação na cimeira da primeira-ministra britânica, Liz Truss, que falou de "unidade e determinação" face à "maior crise na Europa desde a Segunda Guerra Mundial", foi também um sinal das perspetivas do novo projeto. E é visto como um sinal de que Londres pode estar aberta a fazer concessões em acordos comerciais na Irlanda do Norte. A Truss, que propôs o Reino Unido como uma das próximas sedes do novo projeto europeu, enfrenta sérios problemas internos, buscando manter seus pactos energéticos com a UE e a Noruega, e também um quadro de cooperação com a França em matéria de migração.

Crise de energia

Apesar do simbolismo do evento, a crise energética também marcou profundamente a agenda da cúpula às portas de um inverno que se espera complicado e no qual muitos líderes temem que acenda a chama do descontentamento que acabará por fragmentar não só a unidade demonstrada até agora, e que se cristalizou na reunião desta quinta-feira, mas também a sua posição na política interna. O primeiro-ministro polonês Mateusz Morawiecki criticou a injeção da Alemanha em sua economia para combater o aumento dos preços da energia, que pode estar colocando em risco o mercado único. Chove muito, aliás, segundo várias capitais revoltadas porque há cada vez mais evidências de que Berlim dita parte da política energética comunitária.

E nessa dualidade da nova constelação europeia, entre uma união de valores e outra de interesses, Macron, que já fez um mantra de criticar o gasoduto trans-Pireneus Midcat —desta vez, como outros, com dados tendenciosos, posteriormente refutado da Espanha pela Ministra da Transição Ecológica, Teresa Ribera —, falou da prioridade de construir mais conexões elétricas na Europa e reduzir os preços do gás. “Partilhamos o mesmo espaço, a mesma história. Estamos destinados a escrever nosso futuro juntos”, disse ele. "Espero que consigamos projetos comuns", lançou. Projetos como a caixa de “ferramentas conjuntas” que Noruega e Bruxelas assinaram esta quinta-feira para enfrentar a crise do gás na Europa.

A Comunidade Política Europeia, especificou o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, não pretende substituir a UE nem ser um fórum dos Vinte e sete com satélites. Mas com 44 líderes, os formatos de discussão não são fáceis. Na cúpula desta quinta-feira, os chefes de Estado e de governo se reuniram por tema em duas mesas. Uma dedicada à energia, clima e economia, na qual participou o espanhol Pedro Sánchez, e outra à paz e segurança no continente europeu.

Maria R. Sahuquillo, de Praga para o EL PAÍS, em 06.10.22, às 17h:49. Maria é chefe da sucural do EL PAÍS em Bruxelas. Antes, trabalhou em Moscou, de onde lidava com Rússia, Ucrânia, Bielorrússia e o resto do espaço pós-soviético. Ela cobre a guerra na Ucrânia, desde o início. Desenvolveu quase toda a sua carreira no EL PAÍS. Além de questões internacionais, é especialista em igualdade e saúde.

A realidade não é o que você vê

O mundo é uma construção do nosso cérebro. E não há dois cérebros


Uma mulher trabalha com óculos de realidade virtual.

Como lemos a palavra inconstitucionalidade? O i com o n, in, o c com o, co e assim por diante por 10 minutos? Não, pelo amor de Deus. Isso só é feito por crianças que estão aprendendo a ler. O resto de nós, que somos leitores experientes, reconhecemos a palavra de relance. E se diz inconstitucionalidade , o mais provável é que continuemos a reconhecê-la, mesmo que falte uma sílaba. Os corretores automáticos percebem o erro imediatamente, mas nós, humanos, não somos muito bons nisso. O cérebro usa massivamente o processo de preenchimento,que pode ser visto muito bem com o exemplo do ponto cego. Em todo o centro do campo visual não vemos nada, porque a retina tem um orifício por onde sai o nervo óptico. Mas nossa consciência não percebe o buraco, porque os processadores cerebrais de nível superior o preenchem com o que eles acham que deveria estar lá. O preenchimento não é uma peculiaridade do ponto cego da retina. Funciona em todos os níveis de percepção e pensamento.

Um corolário desses fatos é que nosso modelo interno do mundo não é o mundo, mas uma construção ativa do cérebro, baseada em experiências anteriores, cultura recebida e conhecimento adquirido. Como não há dois cérebros iguais, nem duas biografias iguais, isso implica que cada pessoa tem um modelo de mundo diferente. Cada um chama isso de realidade, mas nenhum está certo. Não conhecemos a realidade diretamente, apenas suas sombras projetadas em uma parede, como na alegoria da caverna de Platão.

As ideias atuais sobre a percepção talvez tenham origem em Hermann von Helmholtz , o grande físico e filósofo alemão do século XIX. O cara era uma aberração que fez contribuições essenciais à ótica, meteorologia, matemática e eletrodinâmica, além de formular a lei da conservação da energia, mas também era um fisiologista talentoso que recebeu o melhor treinamento em Berlim em troca de servir como Médico do Exército por oito anos. Agora isso é um milhão. Helmholtz propôs que a percepção é na verdade um processo de inferência inconsciente. Ninguém prestou muita atenção a ele, mas sua ideia foi adotada por neurocientistas e cientistas da computação em nosso tempo. Eles chamam isso de processamento preditivo e consiste no seguinte.

A função do cérebro não é perceber o mundo, mas predizê-lo. O córtex cerebral, onde residem nossa percepção e mente, usa informações dos sentidos para atualizar seu modelo de mundo e, portanto, suas previsões. Mas esse modelo já havia sido formado antes, por experiências anteriores. Sem ela não podíamos ver nada nem pensar nada. Seríamos como a criança que demora 10 minutos para ler a inconstitucionalidade.

A ciência, aliás, é a melhor estratégia que temos para conhecer a realidade. Uma teoria científica não só explica de forma compacta os milhões de fatos que já eram conhecidos, mas também prevê aspectos do mundo que ninguém imaginava, como aconteceu com Einstein com os buracos negros. Elas emergiam de suas equações, mas ele não conseguia acreditar nelas. Uma teoria vê mais longe do que seu criador.

Xavier Sampedro para o EL PAÍS, em 07.10.22, às 00:00hs

Lula precisa fazer jus a tanto apoio

Pedro Malan, Arminio Fraga, Persio Arida e Edmar Bacha cedem valor de seu legado à candidatura do petista, o que não é endosso à desconhecida política econômica de sua campanha

A candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu um apoio de peso do mundo econômico nos últimos dias. Os economistas Pedro Malan, Arminio Fraga, Persio Arida e Edmar Bacha, que tiveram papel-chave na implantação do Plano Real, declararam voto no petista por meio de uma nota pública tão sucinta quanto simbólica. “Votaremos em Lula no 2.º turno; nossa expectativa é de condução responsável da economia”, afirmam.

A nota diz tudo sobre o posicionamento do grupo – e, a despeito de seu tamanho, não é pouco. Não há imposição de condições para o anúncio de apoio à candidatura de Lula. Não há sugestão sobre a âncora a ser adotada em substituição ao teto de gastos. Não há críticas à heterodoxia que marcou o segundo mandato do petista e que foi extrapolada por sua sucessora, a ex-presidente Dilma Rousseff. Esses são conceitos que estão implícitos no pensamento liberal que norteou a atuação desses economistas, e que foram deixados de lado pelo retrocesso civilizatório e pela ameaça democrática que o grupo vê na reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Logo, é dever de Lula e sua equipe de campanha fazerem jus a esse inestimável voto de confiança e apresentarem compromissos claros e críveis que conduzam o País a uma rota de desenvolvimento econômico sustentável.

O Plano Real – que, convém lembrar, foi hostilizado pelo PT – foi um divisor de águas na história brasileira. Domar a hiperinflação proporcionou a estabilidade que a sociedade desconhecia e almejava. Foi a maior conquista do plano econômico, mas ele não se limitou a isso. Além de devolver o poder de compra à moeda brasileira, ele deu início a um período de aumento de receitas e redução de despesas e de uma política fiscal alinhada à política monetária, sem gastança desenfreada e marretadas artificiais nos preços dos combustíveis. Reduzir a inflação teria sido impossível sem o compromisso de atingir, também, o equilíbrio fiscal – o oposto do que o governo de Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes promoveram nos últimos anos.

O sucesso do Plano Real não rendeu apenas frutos econômicos, mas também políticos – o líder da equipe do Real, Fernando Henrique Cardoso, elegeu-se e reelegeu-se presidente, sempre no primeiro turno. Mas nem tudo foram flores. Logo após a reeleição, o País teve que fazer ajustes para enfrentar crises internacionais, mas a adoção do tripé macroeconômico, composto por câmbio flutuante, metas de inflação e metas fiscais, deu sustentação ao crescimento que se seguiu nos anos posteriores.

Foi somente depois do Plano Real que o País aprendeu que o equilíbrio das contas públicas não é um dogma, mas uma premissa para a execução de qualquer política econômica, independentemente da linha defendida pelo governante de plantão. É esse o significado de uma “condução responsável da economia”, e é em nome disso que Pedro Malan, Arminio Fraga, Persio Arida e Edmar Bacha emprestam agora seu legado à candidatura de Lula – o que evidentemente não se traduz em endosso à política econômica da campanha, que, por sinal, nem sequer é conhecida.

Como mostrou o Estadão, a equipe de campanha do petista tem sido incapaz de se entender em relação ao rumo da política fiscal que seu governo seguirá caso seja eleito. Enquanto a ala política defende o retorno dos superávits primários e a fixação de bandas, a ala econômica é favorável a um mecanismo de controle de gastos que permita aumentar as despesas acima da inflação. Em ambos os casos, o diabo mora nos detalhes e, como Arminio Fraga disse ao Estadão, no escuro da irresponsabilidade fiscal, os pobres são os mais prejudicados.

É preciso mais do que a vaga sinalização do ex-ministro Guido Mantega sobre o acolhimento de propostas dos ex-candidatos Ciro Gomes e Simone Tebet no programa do partido, e bem mais do que o silêncio do coordenador da campanha, Aloizio Mercadante. É preciso que Luiz Inácio Lula da Silva apresente um programa econômico crível. Como não o fez até agora, das duas, uma: ou não o tem ou não quer mostrar. Em qualquer dos casos, é péssimo.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 07.10.22

Simone Tebet: ‘Ao olhar para o retrovisor, Lula menosprezou o eleitor’

Senadora diz que petista tinha de apresentar programa de governo quando passou a pedir voto útil

A senadora Simone Tebet (MDB), terceira colocada na eleição presidencial, durante evento em que declarou apoio a Lula na quarta-feira, 5 (Foto: Sebastião Moreira/EFE)

Terceira colocada no 1° turno da eleição presidencial, quando recebeu 4,9 milhões de votos (4,16%) a senadora Simone Tebet (MDB), de 52 anos, declarou apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na segunda etapa, mas não deixou de fazer críticas ao petista e se colocou contra a hipótese do partido ingressar em um eventual governo. “Ao olhar apenas para o retrovisor e falar dos possíveis acertos do passado, Lula menosprezou e não deu conforto para o eleitor”, disse Simone nesta entrevista ao Estadão. A seguir, os principais trechos:

A sra. defende que o MDB esteja em um eventual governo Lula?

Não defendo. Acho que o MDB tem que manter sua autonomia como um grande partido de centro democrático no Brasil. É fundamental que o MDB se fortaleça como o fiel da balança. Quando falamos do centro democrático temos que incluir o PSDB, por mais machucado que tenha saído do processo, além do Cidadania e o Podemos. Isso não significa que o partido não possa dar apoio ao próximo presidente nas pautas construtivas. Há um país a ser reconstruído, mas sempre critiquei o fisiologismo do partido. Não vejo dificuldade de composição, mas não pode ser na velha tradição do toma lá, dá cá, da troca de cargos por apoio.

O ex-presidente indicou que a sra. pode estar em um eventual ministério. Cogita essa hipótese?

Nada me foi oferecido. O Lula tem a experiência de saber lidar com a classe política. Ele sabe muito bem com quem fala e com quem trata. A conversa foi muito clara. Meu manifesto estava pronto e eu ia declarar o meu voto à favor da democracia e da Constituição por amor ao Brasil. Eu não vejo uma escolha difícil porque não há dois lados. Um eu reconheço como democrata apesar de todos os defeitos, o outro não. Há um lado só. Mas meu apoio não será por adesão, mas por propostas. Se eles tivessem com intuito de aceitar minhas propostas, o apoio seria maior.

Lula sinalizou que deve aceitar as suas sugestões?

Apresentei sugestões palatáveis, mas decisivas. Coloquei todas no mesmo guarda chuva. Não estou falando de teto de gastos, mas seja qual for a âncora fiscal ela precisa existir como um meio para alcançar a responsabilidade social. As propostas a princípio foram bem aceitas. Amanhã (sexta-feira, 6) eles devem acatar essas sugestões. Provavelmente vai haver um encontro meu com o ex-presidente Lula.

A sra. falou em âncoras fiscais. Não falta clareza no programa econômico do Lula?

Total. Todos nós erramos na campanha. Foi isso que tirou a vitória do Lula no 1° turno. Ao mesmo tempo que pregava o voto útil, que é legítimo, e eu faria a mesma coisa, ele não apresentou ao Brasil as propostas que ele vai fazer se for eleito. Ao olhar apenas para o retrovisor e falar dos possíveis acertos do passado, Lula menosprezou e não deu conforto para o eleitor. O eleitor ficou desconfiado e concluiu que precisava de mais tempo.

Ao olhar apenas para o retrovisor e falar dos possíveis acertos do passado, Lula menosprezou e não deu conforto para o eleitor. O eleitor ficou desconfiado e concluiu que precisava de mais tempo.”

Isso prejudicou a 3° via...

Foi aí que eu e Ciro desidratamos. Cheguei a bater em 11% nos trackings em São Paulo. Na reta final, o eleitor migrou mais para o Bolsonaro. Agora será diferente. Será uma nova eleição. É muito difícil o Bolsonaro conseguir desidratar os votos do Lula.

A sra. falou que o respeito à democracia pesou na sua decisão. Não falta o ex-presidente se posicionar de maneira mais crítica em relação aos regime antidemocráticos latino-americanos? E tem também a ideia de regulamentar a mídia...

Sem dúvida. Nesse aspecto da mídia ele recuou, mas precisa deixar isso mais claro. O editorial do Estadão foi brilhante. Não é que o eleitor escolheu um Congresso mais conservador. Isso é do jogo e faz parte da democracia. O problema é que junto com esse conservadorismo vieram pessoas com pautas reacionárias e que representam o extremismo. Houve um aumento da bancada da bala. Não dá para desconsiderar que no caso de uma possível reeleição do Bolsonaro ele terá uma hegemonia de poder que há muito tempo não se via. Teria o controle do Congresso Nacional para se assenhorar do único poder que não é político, que é o Judiciário. Quando a gente fala de ditaduras de esquerda, não tem como apagar a história do PT. Temos que olhar para frente e para o Brasil de hoje. Eventual vitória de Bolsonaro pode dar a ele o controle do STF.

Temos que olhar para frente e para o Brasil de hoje. Eventual vitória de Bolsonaro pode dar a ele o controle do STF.”

Como foi tomar a decisão de apoiar Lula?

Foram as 48 horas mais difíceis da minha carreira política. O maior risco político que eu já corri foi tomar uma decisão, mas não havia outro caminho. Conhecidos, correligionários e parentes me imploraram por minha neutralidade no 2° turno.

Por que fez a declaração de apoio ao Lula sozinha sendo que muitos emedebistas estavam em São Paulo?

Muitos não estiveram comigo na campanha. E quem estava precisava manter a imparcialidade.

Pretende participar dos programas de TV e subir no palanque do Lula?

Tudo que for necessário fazer para garantir a democracia como pilar estou disposta a fazer, mas como defesa do Brasil."

Pedro Venceslau, repórter, para O Estado de S. Paulo. Publicado originalmente em 06.10.22, às 21h03

Biden alerta para "Armagedom" se Putin usar arma nuclear

Presidente dos EUA diz que risco de catástrofe atômica é o maior desde a crise dos mísseis cubanos, no auge da Guerra Fria, em 1962. Zelenski afirma que Ucrânia recuperou mais de 500 km2 de território em sete dias.


Joe Biden - o risco que corre o pau, corre o machado

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, disse que a ameaça russa de utilizar armas atômicas no conflito da Ucrânia coloca o mundo no maior risco de "Armagedom" nuclear desde a crise dos mísseis cubanos no auge da Guerra Fria, em 1962.

"Não enfrentamos a perspectiva do Armagedom desde Kennedy e a crise dos mísseis cubanos", disse ele nesta quinta-feira (06/10), durante um evento de arrecadação de fundos do Partido Democrata.

O presidente americano alertou que Putin "não está brincando quando fala sobre o uso potencial de armas nucleares táticas ou armas biológicas ou químicas, porque suas forças armadas têm um desempenho significativamente abaixo do esperado".

Biden disse acreditar que o uso de uma arma tática de baixo rendimento pode sair do controle e levar à destruição global. "Não existe a capacidade de usar facilmente uma arma tática e não acabar em um Armagedom", alertou.

Há meses que autoridades americanas alertam para a possibilidade de a Rússia utilizar armas de destruição maciça na Ucrânia, após uma série de reveses estratégicos no campo de batalha. No entanto, ainda esta semana disseram não ter visto qualquer mudança nas forças nucleares russas que exigisse uma mudança na postura de alerta das forças nucleares dos EUA.

"Não vimos qualquer razão para ajustar a nossa própria postura nuclear estratégica, nem temos indicação de que a Rússia se está se preparando para utilizar iminentemente armas nucleares", disse na terça-feira a secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre.

Saída diplomática

O presidente americano também disse que Washington ainda busca uma saída diplomática. "Estamos tentando descobrir qual é a saída de Putin. Onde ele encontra uma saída? Onde ele se encontra em uma posição que não, não apenas perde prestígio, mas perde poder significativo na Rússia", acrescentou.

Putin aludiu repetidamente à utilização do vasto arsenal nuclear, incluindo no mês passado, quando anunciou os planos de mobilização parcial. "Quero lembrar que o nosso país também tem vários meios de destruição", ameaçou. "E quando a integridade territorial do nosso país for ameaçada, para proteger a Rússia e o nosso povo, usaremos certamente todos os meios à nossa disposição", disse Putin em 21 de setembro, acrescentando, com um olhar fixo na câmera: "Isto não é um blefe".

O conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, disse na semana passada que os EUA têm sido "claros" para a Rússia sobre quais seriam as "consequências" da utilização de uma arma nuclear na Ucrânia.

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, disse que Putin compreendeu que o "mundo nunca perdoará" um ataque nuclear russo. "Ele compreende que após o uso de armas nucleares não seria mais capaz de preservar, por assim dizer, a sua vida, e estou confiante nisso", afirmou.

Ucrânia segue recuperando terreno

Apesar das ameaças de Moscou, as tropas ucranianas mantêm sua contraofensiva, recuperando quase toda a região de Kharkiv e importantes centros logísticos como Izium, Kupiansk e Lyman no leste.

"Somente desde 1º de outubro e na região de Kherson, mais de 500 quilômetros quadrados de território e dezenas de cidades foram liberados", declarou na noite de quinta-feira o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski.

Horas antes, Zelenski havia pedido aos líderes europeus reunidos em uma cúpula em Praga que continuem com a ajuda militar a Kiev para que "tanques russos não avancem sobre Varsóvia ou Praga".

Os fornecimentos de armas dos EUA e da Europa indignaram as autoridades russas, que convocaram o embaixador francês em Moscou na quinta-feira precisamente por causa da ajuda militar oferecida por Paris a Kiev.

Putin, por sua vez, assegurou que a situação militar iria se "estabilizar", apesar das derrotas e fracassos na mobilização de centenas de milhares de reservistas, o que fez com que muitos homens em idade de lutar fugissem. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, assegurou que os territórios perdidos serão "recuperados".

Dias antes, Putin assinou a anexação de quatro regiões da Ucrânia sob controle parcial de suas tropas, o que abriria caminho para o uso de armas nucleares pois a doutrina de Moscou permitiria a utilização desse arsenal para proteger território russo. A anexação viola o direito internacional e foi duramente criticada por vários países.

Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 07.10.22, às 05h:22

Lucro líquido dos bancos cresceu 49% em 2021

O crescimento da margem de juros, a redução das despesas com provisões e os ganhos de eficiência explicam a melhora dos resultados

O economista sócio diretor da OpenInvest, César Bergo, explicou como a redução de despesas provocou um ganho de escala para os bancos. (Crédito da foto: Ed Alves/CB)

O lucro líquido das instituições financeiras somou R$ 132 bilhões no ano passado, uma alta de 49% em comparação ao registrado em 2020. Segundo o Relatório de Economia Bancária (REB) de 2021, divulgado pelo Banco Central, a rentabilidade dos bancos retornou a níveis próximos dos observados antes da pandemia. De acordo com o documento, o crescimento da margem de juros, a redução das despesas com provisões e os ganhos de eficiência explicam a melhora dos resultados.

O economista sócio diretor da OpenInvest, César Bergo, explicou como a redução de despesas provocou um ganho de escala para os bancos. "Durante a pandemia, a implantação do home office e a revisão de seus quadros com relação ao tamanho da estrutura fizeram com que os bancos ganhassem eficiência, e isso resulta no ganho de lucratividade. A tendência é que isso continue, sobretudo com as taxas de juro altas que estamos vivendo", disse.

Bergo também ressaltou que o sistema financeiro talvez tenha sido o menos afetado pela crise sanitária, em função do alto nível de tecnologia. "O impacto com relação ao isolamento social não foi tão importante, porque as pessoas utilizavam o sistema eletrônico para fazer as suas transações. Além do que a chegada do Pix também ajudou que as transações não sofressem e tivessem continuidade", acrescentou.

O relatório apontou que as despesas com provisões, que já são contabilizadas como ocorridas mesmo que ainda não pagas, retornaram aos níveis pré-pandemia. "Dado o cenário econômico menos favorável previsto para 2022, a expectativa é de alta moderada na inadimplência (em direção aos níveis pré-pandemia). Esse movimento da inadimplência e a migração das carteiras para um mix de maior risco podem aumentar o nível de ativos problemáticos ao longo do ano", projetou a autoridade monetária.

As cinco maiores instituições financeiras do país concentravam 78,7% do mercado de crédito no segmento bancário em 2021, uma queda de 0,5 ponto percentual em relação ao ano anterior, conforme descreve o relatório. O percentual mostra trajetória de redução desde 2018. Incluindo o segmento não bancário, que engloba cooperativas, fintechs e financeiras, por exemplo, os maiores representavam 67,9% de operações de crédito, 0,6 ponto a menos do observado em 2020.

"A queda da concentração é observada em todos os agregados contábeis e, de forma mais intensa, nos depósitos totais", ressalta o relatório. Em relação aos depósitos, o grupo concentrava 75,9% no segmento bancário e 70% no não bancário. Os ativos totais das cinco maiores instituições, por sua vez, equivalem a 74,9% do total do segmento bancário e 65,2% do não bancário.

Outra novidade foi a mudança na metodologia para medir a concentração do sistema financeiro, que acabou tirando o Santander do grupo das maiores instituições financeiras brasileiras. Para se igualar aos padrões internacionais, o BC passou a considerar agora os quatro maiores bancos e não mais cinco, como antes.

As quatro maiores instituições, segundo o relatório, são Caixa, Banco do Brasil, Bradesco e Itaú. "A RC4 (quatro maiores bancos) mede o grau de concentração por meio da soma das participações das quatro maiores instituições financeiras em um dado mercado".

Concessão de crédito

No ano passado, as concessões de crédito no Sistema Financeiro Nacional (SFN) aumentaram 18,2%, a maior alta na comparação anual da série iniciada em 2011. Segundo o BC, com o avanço da vacinação e a retomada da atividade econômica, observou-se expansão significativa das operações de crédito às pessoas físicas, tanto nas linhas de crédito livre quanto nas de crédito direcionado.

Rafaela Gonçalves para o Correio Braziliense. Publicado originalmente em 07.10.22, às 03h:55

Vladimir Putin faz 70 anos: 7 momentos-chave que marcaram sua carreira

Vladimir Putin completa 70 anos nesta sexta-feira (7/10). Como ele se tornou o autocrata isolado pelo Ocidente que comanda a invasão da Ucrânia?

Putin, cara de malvado desde criancinha (Getty Images)

Sete momentos cruciais em sua vida ajudaram a moldar seu pensamento e explicar seu crescente distanciamento com o Ocidente.

Judoca na juventude (1964)

Nascido em uma Leningrado (atual São Petersburgo) ainda marcada por seu cerco de 872 dias na Segunda Guerra Mundial, o jovem Vladimir era um menino mal-humorado e combativo na escola — seu melhor amigo lembrou que "ele podia brigar com qualquer um" porque "não tinha medo".

No entanto, em uma cidade invadida por gangues de rua, um menino franzino, mas briguento, precisava estar preparado. Aos 12 anos, começou a praticar o sambo, uma arte marcial russa, e depois o judô. Ele era determinado e disciplinado: aos 18 anos, era faixa preta de judô e tinha o terceiro lugar em uma competição nacional júnior.

Essa parte da biografia foi usada para ressaltar o lado "machão" da persona do atual presidente russo. Mas também confirmou sua crença inicial de que, em um mundo perigoso, você precisa ter confiança e também perceber, segundo suas próprias palavras, que quando uma briga é inevitável "você deve bater primeiro e bater com tanta força que seu oponente não se levantará".

Tentando entrar na KGB (1968)

Em geral, as pessoas evitavam ir ao 4 Liteyny Prospekt, endereço do quartel-general da KGB (a polícia política soviética) em Leningrado. Tantos haviam passado por suas celas e seus interrogatórios para seguir depois para os campos de trabalho do gulag siberiano na era Stálin que costumava-se contar uma piada ácida. O chamado Bolshoi Dom, a "Casa Grande" onde ficava a sede da KGB na cidade, era o edifício mais alto de Leningrado porque era possível ver a Sibéria mesmo de seu porão.

Mas Putin, quando tinha 16 anos, foi até a recepção com tapete vermelho da KGB e perguntou a um oficial atrás de uma mesa como ele poderia tomar parte na corporação. Surpreso e confuso, o oficial disse que ele precisava completar o serviço militar ou ter um diploma. Putin então perguntou qual seria a melhor graduação.

"Direito" foi a resposta e, a partir desse ponto, Putin ficou determinado em conseguir esse diploma. E foi assim que ele foi recrutado pela corporação soviética. Para Putin, o malandro das ruas, a KGB era a maior gangue da cidade: oferecia segurança e chance de progredir mesmo para alguém sem conexões com o Partido Comunista.

E também representou uma oportunidade de se tornar alguém que faz acontecer. Como o líder russo contou sobre a inspiração que veio dos filmes de espionagem na adolescência, "um espião pode decidir o destino de milhares de pessoas".

Cercado por uma multidão (1989)

Apesar de depositar tantas esperanças, a carreira de Putin nunca decolou na KGB. Ele tinha um bom desempenho nas suas funções, mas os voos altos nunca aconteceram. De qualquer forma, ele se empenhou em aprender alemão e isso lhe rendeu uma nomeação em 1985 para os escritórios da KGB em Dresden, na antiga Alemanha Oriental.

Lá ele conseguiu ter uma vida confortável. Mas, em novembro de 1989, o comunismo alemão começou a entrar em colapso com extrema velocidade.

Em 5 de dezembro, uma multidão cercou o prédio da KGB de Dresden. Putin ligou desesperado para o posto mais próximo do Exército Vermelho para pedir proteção. A resposta: "Não podemos fazer nada sem ordens de Moscou. E Moscou está em silêncio".

Putin aprendeu a temer o súbito colapso do poder central — e determinado a nunca repetir o que achava ser um erro do líder soviético Mikhail Gorbachev: não responder com rapidez e determinação quando confrontado com a oposição.

Putin aprende o significado da influência política (1992)

Putin mais tarde deixaria a KGB, quando a União Soviética implodiu. Mas logo garantiu uma posição como intermediário do novo prefeito de sua Leningrado, já com seu antigo nome de volta: São Petersburgo.

A economia estava em queda livre e Putin foi encarregado de administrar um acordo para tentar ajudar a população da cidade com a troca do equivalente a US$ 100 milhões em petróleo e metal por alimentos.

Na prática, ninguém viu comida. Segundo uma investigação — rapidamente abafada —, Putin, seus amigos e os gângsteres da cidade, embolsaram o dinheiro.

Nos "selvagens anos 1990", Putin aprendeu rapidamente que a influência política era uma mercadoria monetizável — e que os gângsteres poderiam ser aliados úteis. Quando todos ao seu redor estavam lucrando com suas posições, sua lógica foi: por que ele não deveria?

Invasão da Geórgia (2008)

Quando Putin se tornou presidente da Rússia, em 2000, ele esperava poder construir um bom relacionamento com o Ocidente — sob suas próprias condições, incluindo uma esfera de influência em toda a antiga União Soviética. Logo ele ficou desapontado, depois com raiva, acreditando que o Ocidente tentava isolar e diminuir a Rússia.

Quando o presidente georgiano Mikheil Saakashvili colocou seu país na rota da adesão da Otan (Aliança do Tratado do Atlântico Norte), o alarme soou para Putin. Uma tentativa da Geórgia de recuperar o controle sobre a região separatista da Ossétia do Sul, apoiada pela Rússia, tornou-se uma desculpa para uma operação de guerra.

Em cinco dias, as forças russas não deram chance aos militares georgianos e forçaram o presidente Saakashvili a aceitar um tratado de paz humilhante.

O Ocidente demonstrou indignação, mas, em um ano, o presidente Barack Obama se ofereceu para "redefinir" as relações com a Rússia. E Moscou recebeu até o direito de sediar a Copa do Mundo de 2018.

Para Putin, estava claro que o uso da força funcionava — e que um Ocidente fraco e sem direção bufaria de raiva, mas, no final, recuaria diante de uma vontade determinada.

Protestos em Moscou (2011-2013)

A suspeita — com evidências — de que as eleições parlamentares de 2011 foram fraudadas provocou protestos populares. A proporção deles cresceu quando Putin anunciou que se candidataria à reeleição em 2012.

Conhecidos como os "Protestos Bolotnaya", em homenagem à praça de Moscou que serviu de palco para as manifestações, isso representou a maior expressão de oposição pública a Putin.

O líder russo disse que os atos foram incentivados e dirigidos por Washington e apontou a culpa para a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton.

Para Putin, era uma evidência de que o Ocidente flexionava seus músculos e que vinha em sua direção. Na prática, significava que agora era guerra.

A pandemia da covid (2020)

Quando a covid-19 varreu o mundo, Putin entrou em um isolamento incomum até mesmo para autocratas. Qualquer um que fosse encontrar o presidente russo, teria que se isolar por 15 dias sob vigilância e depois passar por um corredor banhado em luz ultravioleta e desinfetante.

Nesse período, o número de aliados e conselheiros que conseguiam encontrar Putin diminuiu drasticamente — apenas algumas figuras mais próximas.

Exposto a poucas opiniões contrárias e quase sem contato com seu próprio país, Putin parece ter se convencido de que todas as suas crenças estavam certas e justificadas, e assim as sementes da invasão da Ucrânia foram plantadas.

Professor Mark Galeotti, o autor deste artigo, é um pesquiador e escritor, autor de livros como We Need To Talk About Putin (Nós Precisamos Falar sobre Putin) e Putin's Wars (As Guerras de Putin), ainda a ser lançado. Publicado originalmente por BBC News, em 06.10.22

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Enquanto isso lá fora, Andorra bloqueia 37 milhões em propinas da Odebrecht

O país europeu congela cerca de trinta contas na ABP de líderes, empresários e altos funcionários da América Latina comprados pela construtora brasileira

O ex-presidente do Peru Alan García, na sede da Promotoria de Lima, em 2017. (Guadalupe Pardo / Reuters)

Os dirigentes, empresários e altos funcionários subornados pela Odebrecht, a gigante da construção brasileira que esteve envolvida no maior complô corrupto da América Latina , não poderão usufruir de parte de seu saque escondido em Andorra. Um juiz do Principado ordenou em março passado o bloqueio de 30 contas na Banca Privada d'Andorra (BPA) e uma no Credit Andorrà, com um saldo total de 52,2 milhões de euros (US$ 51 milhões), segundo os documentos. teve acesso.

Os recursos pertencem a ex-dirigentes, funcionários públicos e figuras de proa que arrecadaram da empresa de infraestrutura em troca da adjudicação de obras públicas. E entre as fortunas bloqueadas, há três milhões de euros (2,9 dólares) em depósitos e contas opacas vinculadas a empresários e altos funcionários que serviram durante o segundo mandato do falecido ex-presidente peruano Alan García (2006-2011). Além disso, 34 milhões de euros (33,5 milhões de dólares) ligados a ex-acusações e espantalhos do ex-chefe de governo do Panamá, Ricardo Martinelli (2009-2014).

O embargo afeta 282.701 euros (US$ 279.393) de Alecksey Mosquera, ex-ministro da Eletricidade durante o mandato de Rafael Correa (2007-2017) e 1,4 milhão de euros (US$ 1,3) de dois ex-executivos da Odebrecht.

O saldo retido (52 milhões) representa um quarto dos 200 milhões que a construtora brasileira desembolsou em Andorra —país protegido até 2017 pelo sigilo bancário— para comprar os testamentos de 145 políticos e altos funcionários do Equador, Peru, Panamá , Chile, Uruguai, Colômbia, Brasil e Argentina.

Os três milhões que perseguem Alan García

O bloqueio, ordenado pela juíza andorrana Stephanie García, contempla sete contas com um saldo total de três milhões de euros (2,9 dólares) vinculadas a ex-altos funcionários e supostas figuras de proa que atuaram durante o segundo mandato presidencial do peruano Alan García ( 2006-2011 ), que se matou em 2019 antes de ser preso em sua casa em Lima por sua ligação com a Odebrecht.

Assim, o advogado e ex-deputado do Congresso pelo Partido Cristão Popular (PPC), Jorge Horacio Canepa Torre , não poderá repatriar, por imperativo judicial, o milhão de euros que escondia na sua conta BPA quando foi apreendida. Esse advogado arrecadou 1,2 milhão de euros da Odebrecht em um depósito do Principado em nome de sua empresa instrumental Maxcrane Finance e depois desviou parte de sua fortuna offshore para Nova York e Hong Kong.

O bloqueio também se estende a Edwin Martin Luyo Barrientos , ex-presidente da Comissão de Licitações dos trechos 1 e 2 do metrô de Lima, entidade que concedeu à Odebrecht uma obra no valor de mais de 340 milhões de euros (336 dólares) durante o segundo mandato presidencial de Garcia. Luyo Barrientos tem 1,2 milhões de euros (1,1 dólares) congelados no Credit Andorrà, numa conta em seu nome.

O ex-funcionário do Ministério dos Transportes e Comunicações (MTC) do Peru, Santiago Chau Novoa , também não poderá usufruir dos 446.346 euros (442.280 dólares) que sua conta registrou no BPA em julho de 2018. Chau Novoa, que também pertencia à Comissão de Licitação da Linha 1 do Metrô de Lima, escondeu os fundos que arrecadou da gigante da construção brasileira em uma conta em nome da empresa opaca Ultone Finance Limited.

A conta na BPA de Miguel Atala Herrera, vice-presidente da estatal Petróleos del Perú entre 2008 e 2011, também aparece entre os congelados. Apesar de este ex-diretor ter arrecadado 1,1 milhão de euros (um dólar) da construtora brasileira através da opaca Amarin Investment in the European Principado, as autoridades andorranas só conseguiram reter o valor registrado pelo seu depósito em dezembro de 2015: € 18.191 ($ 17.929). Atala Herrera compartilhou uma conta com seu filho, Samir Atala.

O magistrado também ordenou a apreensão da conta do BPA administrada pela Odebrecht de Gabriel Prado Ramos, ex-diretor de Segurança Cidadã de Lima e ex-chefe da empresa municipal de pedágio Emape. Seu depósito andorrano acumula 171 euros (168 dólares).

O bloqueio também afeta Juan Carlos Zevallos Ugarte, ex-diretor da Ositram, órgão público peruano dedicado à coordenação da infraestrutura de transporte. Zevallos Ugarte tem 115.399 euros (113.737 dólares) retidos em Andorra. Trata-se de um valor mínimo em relação aos 660 mil euros (591.360 dólares) recebidos no Principado por esse funcionário que administrou a Rodovia Interoceânica Sul no Peru, obra realizada pela Odebrecht com um investimento de mais de 1.184 milhões de euros (1.166 dólares). ) ligando Peru e Brasil.

Rómulo Jorge Peñaranda Castañeda, presidente da consultoria Alpha Consult, "uma das maiores vencedoras" do Peru, segundo a polícia andorrana, é outro dos afetados pelo bloqueio judicial. Ele tem 202.678 euros retidos (US$ 199.759).

Os 34 milhões do universo Martinelli

A justiça andorrana bloqueou oito contas com um saldo total de 34 milhões de euros (33,5 milhões de dólares) ligadas a ex-líderes e figuras próximas ao ex-presidente panamenho Ricardo Martinelli (2009-2014).

O bloqueio afeta quatro depósitos na BPA dos pais de Demetrio Papadimitriu, Ministro da Presidência do Panamá sob o mandato de Martinelli. As contas têm um saldo de 208.557 euros (205.741 euros). Um valor minúsculo em relação aos 13 milhões de euros (12,8 dólares) que os pais do político, Diamantis e María Bagatelas Papadimitriu, movimentaram entre 2010 e 2014 através de um conjunto de 45 contas no BPA e no Credit Andorrà.

O clã do ex-presidente Martinelli irrompe ligado a outro dos clientes do BPA afectados pelo bloqueio, Roberto Brin Azcárraga, que aparece numa conta com 16,8 milhões de euros (15 milhões de dólares) em nome da opaca empresa Pachira Limited. Brin Azcárraga trabalhou como diretor da rede de supermercados da família do político, Super 99, segundo o jornal La Prensa . Um tribunal federal de Nova York condenou em maio passado por lavagem de dinheiro a três anos de prisão por suas relações com a Odebrecht aos filhos do ex-presidente Luis Enrique e Ricardo Alberto Martinelli Linares. Um empresário ligado a este último, Gabriel Elias Alvarado Far, tem 12,8 milhões de euros (US$ 11) retidos por ordem judicial na ABP.

José Luis Saiz Villanueva, empresário que confessou ter atuado como figura de proa de Frank de Lima, ministro da Economia durante o mandato de Martinelli, tem 2,3 milhões de euros (2,2 dólares) bloqueados na conta que geriu na BPA em nome da empresa Herzone Overseas Limited. Outro dos envolvidos no derivado panamenho da trama da Odebrecht , Olmedo Augusto Méndez Tribaldos, acumula dois milhões na entidade do Principado dos Pirineus que não poderá repatriar devido ao jugo judicial. A Promotoria Anticorrupção do Panamá recentemente apontou este último como um espantalho para o ex-ministro De Lima.

Um ministro Correa, preso em Andorra

Alecksey Mosquera, que foi Ministro da Eletricidade do Equador no governo Rafael Correa (2007-2017), tem 282.701 euros (US$ 279.138) retidos na ABP. O depósito aparece em nome da empresa instrumental (sem atividade) Percy Trading INC que compartilha com o empresário Marcelo Raúl Endara Montenegro, que também controla outra conta congelada com 80.152 euros (79.142 dólares). O ex-membro do gabinete de Correa, que arrecadou um milhão da Odebrecht no banco andorrano, foi condenado em 2018 a cinco anos de prisão por lavagem de dinheiro e por sua ligação com a rede corrupta.

Junto com os líderes subornados, o embargo atinge os próprios ex-executivos da Odebrecht. Os ex-administradores Luiz Eduardo Da Rocha e Olivio Rodrigues Junior têm 1,2 milhão e 307.543 euros, respectivamente, paralisados ​​no BPA. Rodrigues Junior era o homem de maior confiança do presidente da empresa, Marcelo Odebrecht, e administrava mais de 200 milhões no Principado.

Além disso, o contador da construtora brasileira OAS, Roberto Trombeta, processado no caso Lava Jato , embrião da trama da Odebrecht, não poderá sacar os 7,5 milhões de euros (7,4 dólares) de sua conta no BPA em nome da empresa instrumental Kingsfield Consulting Corp.

Um paradoxo que afeta as contas do economista angolano Edson N'Dalo Leite de Morais (173.339 euros) e Rosa Paulo Francisco Bento (29.449 euros), que foram usadas para subornar dirigentes deste país africano. Eles também sofrem da tenaza andorrana.

JOSÉ MARIA IRUJO JOAQUIN GIL, de Madrid para o EL PAÍS, em 06.10.22, às 07:15hs

Partidos deram R$ 51 milhões para candidatos com menos de 300 votos cada um

Emprego de altas verbas em candidatos com baixíssima votação pode indicar candidatura laranja, como o ocorrido em 2018

Urna eletrônica em cerimônia de carregamento e lacração, antes da eleição - Rivaldo Gomes/Folhapress

Partidos políticos destinaram nestas eleições R$ 50,6 milhões para 1.430 candidatos a deputado federal que não conseguiram nem 300 votos cada um. O alto emprego de dinheiro público em campanhas "sem voto" pode indicar candidaturas laranjas, como ocorrido em 2018.

Cruzamento feito pela Folha com base nos resultados das eleições e na distribuição pelas legendas dos fundos eleitoral e partidário mostra que vários desses casos envolvem mulheres e pessoas que se declararam negras —pelas regras, os partidos têm o dever de direcionar verba pública a mulheres e negros na proporção dos candidatos lançados.

O esquema de candidatura laranja consiste em inscrever nomes de fachada, ou seja, que não realizam ou simulam atos de campanha.

O objetivo é aparentar o cumprimento da cota de gênero (todos os partidos devem ter, ao menos, 30% de candidatas) e racial (divisão de verbas de forma equânime entre negros e brancos), ao passo em que, na prática, o dinheiro é desviado para outras campanhas ou outros fins.

Em 2018, a Folha revelou que o então partido de Jair Bolsonaro, o PSL, havia organizado um esquema de candidatas laranjas para desviar dinheiro público de campanha.

Na ocasião, apesar de figurar entre os 20 candidatos do PSL no país que mais receberam dinheiro público, 4 mulheres tiveram desempenho insignificante.

Juntas, receberam pouco mais de 2.000 votos, em um indicativo de candidaturas de fachada, em que há simulação de alguns atos reais de campanha, mas não empenho efetivo na busca de votos.

Agora, em 2022, o custo médio do voto dado em candidatos à Câmara dos Deputados, eleitos e não eleitos, ficou em R$ 21,78 —resultado da divisão dos fundos eleitoral e partidário repassados pelo número de votos.

Em relação a um grupo de 100 candidatos com baixíssima votação, porém, cada sufrágio recebido "custou" R$ 1.000 ou mais aos cofres públicos. Para 29 desses, o custo foi superior a R$ 2.000 por voto.

Sebastião Silva se candidatou a deputado federal em Rondônia pelo PP. Ele recebeu R$ 2,2 milhões do fundo eleitoral e teve só 570 votos. Até o momento, ele declarou R$ 1,8 milhão em gastos contratados.

O maior custo foi de R$ 600 mil com uma empresa de assessoria e consultoria de marketing eleitoral. Outros R$ 200 mil foram declarados como gasto para confecção de materiais de campanha.

Silva disse que não sabe explicar a sua baixa votação. "Infelizmente essa campanha está tão polarizada em extremismos que o resultado para mim foi uma surpresa. Inclusive candidatos no país inteiro que tiveram milhões de votos em 2018 nesta eleição não fizeram quase nada de votos", disse.

Questionado sobre os altos valores que recebeu, Silva respondeu que não pediu para ser escolhido e que a ideia principal do fundo eleitoral é "dar condições de participação a todos, independentemente de ter um sobrenome de peso, de ser rico ou não, de todos terem igualdade na disputa".

Em Roraima, Henrique Matos (Rede), candidato a deputado federal, recebeu R$ 550 mil de seu partido. Ele se autodeclarou pardo.

Nos dados disponíveis no TSE constam mais de R$ 160 mil pagos diretamente para 59 pessoas físicas diferentes, a maioria com valores de, no máximo, R$ 6.000.

No total dos gastos já declarados, Matos afirma que gastou R$ 41 mil com "atividades de militância e mobilização de rua", quase R$ 140 mil gastos com aluguel de carros e combustível e quase R$ 30 mil com publicidade.

Mesmo assim, as urnas contabilizaram apenas 130 votos. A Folha o procurou por meio de mensagens e ligações, mas não conseguiu estabelecer contato.

O PSC do Tocantins cadastrou Gleyci Cosméticos como deputada federal há poucos dias do prazo final para oficializar candidaturas. No site do TSE, não há o endereço de nenhuma rede social. Ela recebeu R$ 550 mil de seu partido, mas conquistou pouco mais de 100 votos.

Em sua prestação de contas, não informou nenhum gasto, por enquanto. À Folha ela disse que usou a verba para serviços de divulgação e advocacia, por exemplo, e prometeu enviar à reportagem os comprovantes, mas não o fez até a publicação deste texto.

Quando questionada por que sua candidatura foi oficializada poucos dias antes do prazo final, afirmou que tinha problemas de documentação para resolver, mas interrompeu a ligação sem responder quais seriam.

A candidata Talita Laila Canal (PL-RR) recebeu R$ 200 mil do fundo partidário do partido de Jair Bolsonaro e só teve 11 votos. Poucos dias antes da eleição, protocolou na Justiça renúncia à sua candidatura.

Ela declarou gasto de R$ 50 mil com um escritório de advocacia e outros R$ 102 mil com materiais e outros itens de campanha. Procurada, Talita não quis se manifestar.

O Pros teve dois candidatos no topo do ranking dos votos mais caros do país.

Raimundo Nonato da Silva se candidatou a deputado federal pelo Maranhão, recebeu R$ 300 mil do Fundo Eleitoral e teve apenas 10 votos —um custo de R$ 30 mil por voto.

À Folha ele afirmou ter feito campanha normalmente, mas que a partir do momento em que sua candidatura foi indeferida pela Justiça Eleitoral, no final de setembro, passou a orientar seus eleitores a votar em outro candidato.

"Uma parte, entre 40% e 50% [do valor recebido], foi repassada a outros candidatos do Pros [durante a campanha]. O restante foi advogado, contador, produção de programas de áudio e vídeo e alguma coisa de material gráfico", afirmou.

Já Adriana Moura de Mendonça recebeu R$ 3 milhões do fundo eleitoral do Pros e teve apenas 240 votos, um custo de R$ 12.500 por cada um deles. Ela é ex-mulher do ex-deputado e ex-governador do Amazonas Henrique Oliveira (Podemos), que disputou o governo neste ano, mas não se elegeu.

A Folha não conseguiu contato com Adriana. Henrique Oliveira negou que o dinheiro tenha sido utilizado em sua campanha ao governo.

"Não houve uso algum do recurso destinado à [campanha da] deputada federal Adriana Mendonça na campanha majoritária do Henrique Oliveira", disse ele, afirmando que a baixíssima votação da ex-mulher teve origem no racha interno do Pros nacional.

O partido passou os meses anteriores à eleição em uma disputa judicial, incluindo suspeita de tentativa de compra de sentença, o que resultou em um revezamento dos grupos no comando da legenda.

"O Pros ficou totalmente desestabilizado. Houve uma fuga enorme de deputados federais de lá, uma saída em massa. Infelizmente, nessa briga, o nome dela ficou sub judice e acredito que as pessoas não quiseram votar nela, que fez uma belíssima campanha."

O Pros nacional disse que assumiu o partido às vésperas da eleição já com o planejamento de distribuição de verbas montado pela gestão anterior e que, a partir daí, fez adequações, reduziu valores e priorizou estados em que avaliou haver candidatos com maior potencial.

João Gabriel e Ranier Bragon, de Brasília-DF para a Folha de S. Paulo, em 06.10.22, às 4h00