quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Campanhas de Lula e de Bolsonaro preveem aperto financeiro no segundo turno

Enquanto PL procura doações de empresários e do agronegócio para bancar campanha, o PT trabalha com economia de gastos para dar conta de candidaturas nos estados

Presidenciáveis precisam dividir valores restantes com candidatos de seus partidos a governos estaduais, e buscam renovar doaçõesPresidenciáveis precisam dividir valores restantes com candidatos de seus partidos a governos estaduais, e buscam renovar doações (Arte O Globo)

Com o avanço da disputa presidencial ao segundo turno, as campanhas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de Jair Bolsonaro (PL) têm feito contas para conseguir bancar os gastos nas próximas três semanas e meia. Do lado do presidente, com o fundo eleitoral do PL zerado na primeira etapa das eleições, a prioridade é intensificar a busca por doações de empresários e, principalmente, do agronegócio. No PT, mesmo com um caixa remanescente de R$ 51,3 milhões, o discurso também é de que será necessário um aperto, pois esse valor terá de ser dividido com os quatro candidatos da sigla a governos estaduais que se mantêm no páreo.

(Bela Megale: Empresários que integraram campanha de Simone Tebet apoiam voto de candidata em Lula)

Eleições 2022: Partidos ignoram uma a cada três mulheres na distribuição de verbas para a campanha

Segundo as prestações de contas divulgadas ao Tribunal de Superior Eleitoral (TSE), Lula já recebeu R$ 91,5 milhões para sua campanha, mais que o dobro do que Bolsonaro, que arrecadou R$ 42,4 milhões — incluindo doações. Mas o petista também gastou mais no primeiro turno: R$ 67 milhões, ante R$ 15 milhões em despesas declaradas pelo presidente.

A campanha de Bolsonaro, porém, ainda terá que devolver aos cofres públicos gastos com viagens eleitorais do presidente nos aviões da Força Aérea Brasileira (FAB), que só devem ser contabilizadas na prestação de contas final.

Com R$ 268 milhões do fundão para todas as campanhas eleitorais do PL, o presidente do partido, Valdemar Costa Neto, decidiu priorizar as candidaturas ao Legislativo, o que ajudou a legenda a conquistar uma superbancada na Câmara, com 99 deputados. O resultado, porém, é que não sobraram recursos para o segundo turno. Além da corrida presidencial, o PL ainda está na disputa pelo governo de Santa Catarina, com Jorginho Mello, e pelo do Rio Grande do Sul, com Onyx Lorenzoni.

Preocupados com a dificuldade financeira, interlocutores do PL passaram a se concentrar na arrecadação junto ao agronegócio. Empresários do ramo, como os agropecuaristas Oscar Luiz Servi e Hugo de Carvalho Ribeiro, foram os maiores doadores da campanha de Bolsonaro até agora.

— Noventa e cinco por cento do agronegócio está fechado e mobilizado com o Bolsonaro. São 5,5 milhões de produtores no Brasil — disse Nabhan Garcia, secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura.

Integrantes do PL reclamam, sob a condição de anonimato, que esperavam uma contribuição maior do PP e do Republicanos, que integram a coligação. Apenas o PP repassou R$ 1 milhão em setembro.

O sinal amarelo na campanha de Bolsonaro foi aceso antes mesmo do segundo turno. Ao GLOBO, o senador Flávio Bolsonaro, coordenador do projeto de reeleição do pai, declarou, em setembro, que estava “muito preocupado porque o dinheiro do partido acabou”.

Disputas nos estados

A campanha de Lula, por sua vez, tinha a estimativa de gastar R$ 44,5 milhões no segundo turno, mas, se esse valor for custeado apenas com o fundão, as candidaturas a governador do partido ficarão asfixiadas. Isso porque o fundo eleitoral de R$ 51,3 milhões ainda disponível terá que bancar também as disputas do segundo turno de Fernando Haddad (São Paulo), Jerônimo Rodrigues (Bahia), Décio Lima (Santa Catarina) e Rogério Carvalho (Sergipe).

O partido ainda não definiu quanto destinará para cada um, mas, segundo o tesoureiro da campanha de Lula, Márcio Macedo, a previsão é que o candidato a presidente receba um pouco mais da metade dos R$ 44,5 milhões previstos inicialmente. O restante terá de ser arrecadado em outras fontes, como doações.

(Ipec: Diferença entre reprovação e aprovação ao governo Bolsonaro cai para 7 pontos, a menor desde o início da campanha)

Integrantes da equipe petista dizem que, de qualquer forma, será necessário apertar os cintos. O ideal, dizem, seria ter segurado as despesas no primeiro turno para ter uma reserva agora.

Aliados do ex-presidente lembram que no segundo turno as campanhas costumam ter mais gastos, porque os programas do horário eleitoral são maiores e, em muitos estados, não é possível contar com a estrutura de candidatos a governador.

Uma das ideias discutidas internamente para diminuir os gastos seria trocar os tradicionais comícios por caminhadas encerradas com discursos do ex-presidente.

Eduardo Gonçalves, Daniel Gullino e Sérgio Roxo, de Brasília e São Paulo para O GLOBO, em 06.10.22, às 04h30

Defensores da democracia também precisam assimilar recado das urnas

Votação expressiva de candidatos que exaltam a ditadura ou defendem o fechamento do STF frustrou centro político e a esquerda

Lula e Bolsonaro se enfrentam no dia 30 após primeiro turno mais acirrado desde 1989Lula e Bolsonaro se enfrentam no dia 30 após primeiro turno mais acirrado desde 1989 Miguel Schincariol/AFP e Evaristo Sá/AFP

Os resultados do primeiro turno causaram perplexidade pelas discrepâncias entre os números das pesquisas e o resultado final, pelo tamanho da votação de Bolsonaro e pelo crescimento da direita bolsonarista no Congresso. Esses temas vêm sendo discutidos à exaustão, mas uma pergunta ainda paira aqui e ali. Afinal, o brasileiro não dá importância à democracia?

A votação estrondosa de candidatos que exaltam a ditadura militar ou defendem o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) — além, é claro, do próprio Jair Bolsonaro — causou frustração nos intelectuais, na esquerda e no centro.

Parte dos apoiadores de Lula concluiu que faltou ao petista gritar mais alto para “mostrar ao povo” o risco autoritário que o Brasil corre com uma hipotética vitória de Bolsonaro. Outra ala, mais pragmática, chegou à conclusão de que grande parte do eleitorado, no fundo, não está nem aí para a democracia. Quer saber é de comer, trabalhar, pagar as contas.

"Para o eleitor, fascista é aquele que faz as coisas, e genocida é o irmão do Emicida", ironiza um apoiador de Lula de primeira hora que vive da política. "Não adianta fazer assembleia com o pessoal do todes, tem de gastar sola de sapato e falar com o povo".

A pesquisadora Esther Solano, que estuda o comportamento de eleitores como evangélicos e integrantes das classes C e D, expressou a mesma ideia de forma bem mais elaborada ao dizer, em entrevista ao GLOBO, que “o conceito de democracia é mobilizador para uma classe média e alta, mas está distante demais da realidade concreta de eleitores em situação econômica emergencial”. Para ela, parte do eleitorado também está aflita com questões morais como o aborto e a “ideologia de gênero”.

O mesmo aliado de Lula acha que o risco à democracia será um não assunto no segundo turno. Primeiro, porque Bolsonaro não teria forças para dar um golpe. Depois, porque ele acha que ganhará. Evidente que a situação é bem mais complexa, e nada disso impede o presidente da República de tumultuar o ambiente político se lhe for conveniente. Mas a noção de que o risco à democracia será um não assunto nesta eleição vem se consolidando entre os políticos.

Apesar da baixaria virtual dos últimos dias — com bolsonaristas acusando Lula de ser ligado ao satanismo, enquanto os lulistas disseminam vídeos de Bolsonaro na maçonaria para assustar os evangélicos —, fora das redes sociais a eleição nunca pareceu tão “normal”.

O que se vê nas duas campanhas são cenas de tradicional disputa democrática, com cada lado tentando enfileirar o maior número possível de apoios institucionais. Bolsonaro vestiu um terno bem passado, penteou os cabelos e saiu pelo Brasil negociando em gabinetes, fazendo promessas e prestando contas de seus apoios diante de microfones.

De seu lado, Lula reuniu a tropa nos bastidores para avaliar os erros e corrigir o rumo, enquanto diante das câmeras era cobrado a assumir compromissos.

Essa movimentação é consequência direta do primeiro turno. O fato de ter se tornado imperativo a qualquer político com algum projeto futuro assumir posição é, em si, um ganho para a democracia. Tirou das sombras quem andava escondido e será cobrado por seus atos.

Isso não quer dizer que o risco de degradação democrática tenha desaparecido. Como já constataram Steven Levitsky e outros autores, o autocrata 3.0 mina a democracia por dentro, enfraquecendo as instituições.

Bolsonaro já demonstrou inúmeras vezes que segue a cartilha. Agora mesmo, enquanto ele se apresenta como governante preocupado, seus aliados propõem uma CPI no Senado para investigar as pesquisas eleitorais.

Não se trata, portanto, de dourar a pílula, pelo contrário. Mas a história do segundo turno ainda está por ser escrita. Embora seja inevitável termos novos momentos de baixaria e jogo sujo, também é verdade que Lula e Bolsonaro agora estão sozinhos sob os holofotes, sem o escudo do candidato-laranja, da ameaça comunista, do voto útil ou do sigilo de cem anos.

Com tempo de sobra na TV e debates pela frente, terão de se enfrentar de verdade a respeito do orçamento secreto, da corrupção do PT, dos planos para a economia e para a educação.

Não que estejam loucos para fazê-lo. Mas o recado das urnas também deveria ser compreendido por aqueles que estão genuinamente preocupados com nossa democracia. A tarefa começa por cobrar de Lula e de Bolsonaro propostas coerentes, sem passar pano para populismo, autoritarismo e demagogia. Mais do que gritar pela democracia, é preciso praticá-la. Pode parecer pouco para quem está diante do abismo. Mas não se apresentou ainda uma alternativa melhor.

Malu Gaspar, a autora deste artigo, é Jornalista. Publicado originalmente n'O Globo, em 06.10.22, às 04h30

Nem social, nem democrata

A ascensão e queda dos tucanos é um retrato em miniatura da tragédia política nacional. O PSDB se putrefaz quando a República mais precisa de uma social-democracia responsável

Parte considerável do eleitorado irá às urnas constrangida a escolher o mal menor entre o que há de mais retrógrado na direita e na esquerda. A guerra entre os populismos lulopetista e bolsonarista estava contratada desde 2018. Nunca como nesses quatro anos e nos próximos quatro foi tão importante mobilizar uma coalizão centrista, agregando o melhor à esquerda e à direita em nome da defesa da democracia; da descentralização política e administrativa; do Estado a serviço do povo e não de privilegiados; e do crescimento sustentável com distribuição de renda e educação de qualidade. Com essas premissas, nascia com a Constituição, em 88, um partido, o PSDB, voltado a concretizar seu ideário, invocando uma luta por “mudanças com energia redobrada, através da via democrática e não do populismo personalista”. Sua ascensão e queda é um retrato da tragédia política contemporânea.

O Partido da Social Democracia Brasileira nasceu de dissidências progressistas do PMDB insatisfeitas com o reacionarismo, o fisiologismo e a corrupção. 

Renegando o sectarismo classista de partidos trabalhistas como o PT ou PDT e a amorfia ideológica das oligarquias do Centrão, os tucanos abrigaram sob a social-democracia influxos ideológicos como o liberalismo econômico e a democracia cristã. 

Assimilando dos trabalhistas a primazia do trabalho sobre o capital, e dos personalistas católicos a ética e a participação comunitária, ele conquistou massas de eleitores, de progressistas a liberais e conservadores.

Em oposição responsável ao governo Collor, apoiou a modernização econômica, mas se engajou em seu impeachment. No governo Itamar Franco, engendrou o fim de 20 anos de crise inflacionária. A gestão FHC promoveu privatizações, programas sociais e marcos de governança pioneiros, elevando o País na vitrine global.

Mas já nos anos de ouro do partido estavam entranhados os vermes que hoje o devoram. Quadros inteiros repudiaram o Plano Real e apoiaram a candidatura de Lula em 1994. Candidatos pós-FHC trataram seu legado como a vergonha da família. Quem dera sua mácula maior fosse estar sempre “em cima do muro”. O partido que nasceu para destruir os muros que separam esquerda e direita, ricos e pobres, frequentemente se pôs do lado errado. Quando no certo, foi errático: na oposição ao PT, foi complacente com seus desmandos, e no governo Temer, recalcitrante com suas reformas. Caciques regionais traíram e foram traídos, preferindo ceder o poder a adversários a dividi-lo com correligionários.

Na “oposição” ao governo Bolsonaro, a crise de identidade virou esquizofrenia: seus parlamentares se alinharam a 8 em 10 pautas do governo, inclusive as que violentaram a ordem constitucional, fiscal e judicial. Muitos se refestelaram com migalhas do mercadão de emendas. O partido que se prestava a ser espantalho do PT agora se reduziu a fantoche de Bolsonaro.

As bandeiras se esgarçaram, e os laços com a população também. Nas eleições de domingo passado, virou nanico. São Paulo é paradigmático. Após 28 anos de governo do PSDB, esse bastião da responsabilidade fiscal e social está à mercê do saque bolsolulista. Dos ex-governadores tucanos – todos digladiaram entre si –, Geraldo Alckmin compõe a chapa petista, José Serra não se elegeu à Câmara, João Doria abandonou a vida pública. O atual, o tucano neófito Rodrigo Garcia, não passou para o segundo turno. Se o PSDB seguir sua rota suicida, o vergonhoso apoio “incondicional” de Garcia a Bolsonaro, que passou quatro anos a demonizar o governo paulista, passará à história como um epitáfio infame. 

Convém lembrar que o PSDB foi formado por quadros do MDB que consideravam que o partido havia se tornado uma máquina eleitoreira amoral e carcomida a serviço de enclaves paroquiais. Foi exatamente no que se tornou o PSDB – que, entre a derrota e a desonra, escolheu a desonra, e ainda foi estrepitosamente derrotado. Mas em política não há determinismos. A Nação precisa de uma social-democracia responsável e se arranjará com ou sem o PSDB. Cabe ao que restou do partido decidir: ou se regenera bebendo de suas fontes ou vagará como um morto-vivo, mais um dos vermes políticos que degeneram a sociedade e a democracia. 

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 06.10.22, às 03h00

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

"A iniquidade fez curvar a esperança", proclama Simone Tebet

"Há um Brasil a ser, imediatamente, reconstruído. Há um povo a ser, novamente, reunido. Reunido na diversidade, antes (e sempre) a nossa maior riqueza, agora esmigalhada por todos os tipos de discriminação."

"Aprendi, ao longo de minha vida política, que não se luta apenas para vencer, mas para defender projetos, disseminar ideias, iluminar caminhos, plantar boas sementes para uma colheita coletiva."

Leia a íntegra do discurso no qual Simone Tebet manifesta seu apoio a Lula:

"Apresentei minha candidatura à Presidência da República diante de um país dividido pelo discurso do ódio, da polarização ideológica e de uma disputa pelo poder que não apresentava soluções concretas para os problemas reais do povo brasileiro. Minha intenção foi construir uma alternativa a essa situação de confronto, que não reflete a alma e o caráter da nossa gente.

As urnas falaram. O povo brasileiro fez sua voz ser ouvida. Cumpriu-se o rito da Constituição, que hoje completa 34 anos. Venceu a democracia. Tive 4.915.423 votos, pelo que agradeço, do mais fundo do coração, por cada um deles.

Aprendi, ao longo de minha vida política, que não se luta apenas para vencer, mas para defender projetos, disseminar ideias, iluminar caminhos, plantar boas sementes para uma colheita coletiva.

O eleitor optou por dois turnos.

Em face de tudo o que testemunhamos no Brasil dos últimos tempos e do clima de polarização e de conflito que marcou o primeiro turno, não estou autorizada a abandonar as ruas e praças, enquanto a decisão soberana do eleitor não se concretizar.

A verdade sempre me foi companheira, não será agora que irei abandoná-la. Critiquei os dois candidatos que disputarão o segundo turno e continuo a reiterar as minhas críticas. Mas, pelo meu amor ao Brasil, à democracia e à Constituição, pela coragem que nunca me abandonou, peço desculpas aos amigos e companheiros que imploraram pela neutralidade neste segundo turno, preocupados que estão com a eventual perda de algum capital político, para dizer que o que está em jogo é muito maior que cada um de nós. 

Votarei com minha razão de democrata e com minha consciência de brasileira. E a minha consciência me diz que, neste momento tão grave da nossa história, omitir-me seria trair minha trajetória de vida pública, desde quando, aos 14 anos, pedi autorização à minha mãe para ir às ruas lutar pelas Diretas Já. Seria desonrar a história de vida pública de meu pai e de homens históricos do meu partido e da minha coligação. Não anularei meu voto, não votarei em branco. Não cabe a omissão da neutralidade.

Há um Brasil a ser, imediatamente, reconstruído. Há um povo a ser, novamente, reunido. Reunido na diversidade, antes (e sempre) a nossa maior riqueza, agora esmigalhada por todos os tipos de discriminação.

Neste ponto, um desabafo: de que vale irmos às nossas igrejas, proclamar a nossa fé, se não somos capazes de pregar o evangelho e respeitar o nosso próximo nos nossos lares, no nosso trabalho, nas ruas de nossa pátria?

Nos últimos quatro anos, o Brasil foi abandonado na fogueira do ódio e das desavenças. A negação atrasou a vacina. A arma ocupou o lugar do livro. A iniquidade fez curvar a esperança. A mentira feriu a verdade. O ouvido conciliador deu lugar à voz esbravejada. O conceito de humanidade foi substituído pelo de desamor. O Brasil voltou ao mapa da fome. O orçamento, antes público, necessário para servir ao povo, tornou-se secreto e privado.

Por tudo isso, ainda que mantenha as críticas que fiz ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva, em especial nos últimos dias de campanha, quando cometeu o erro de chamar para si o voto útil, o que é legítimo, mas sem apresentar suas propostas para os reais problemas do Brasil, depositarei nele o meu voto, porque reconheço seu compromisso com a Democracia e a Constituição, o que desconheço no atual presidente.

Meu apoio não é por adesão. Meu apoio é por um Brasil que sonho ser de todos, inclusivo, generoso, sem fome e sem miséria, com educação e saúde de qualidade, com desenvolvimento sustentável. Um Brasil com reformas estruturantes, que respeite a livre iniciativa, o agronegócio e o meio ambiente, com comida mais barata, emprego e renda.

Meu apoio é por projetos que defendo e ideias que espero ver acolhidas. Dentre tantas que julgo importantes, destaco cinco, tendo sempre a responsabilidade fiscal (âncora fiscal) como meio para alcançar o social:

Educação: ajudar municípios a zerar filas na educação infantil para crianças de três a cinco anos e implantar, em parceria com os estados, o ensino médio técnico, com período integral e conectividade, garantindo uma poupança de R$ 5 mil ao jovem que concluir o ensino médio, como incentivo para que os nossos jovens voltem à escola;

Saúde: zerar as filas de cirurgias, consultas e exames não realizados no período da pandemia, com repasse de recursos ao SUS;

Resolver o problema do endividamento das famílias, em especial das que ganham até três salários mínimos mensais;

Sancionar lei que iguale salários entre homens e mulheres que desempenham, com currículo equivalente, as mesmas funções. Esse projeto já foi aprovado no Senado Federal e encontra-se parado na Câmara dos Deputados;

Um ministério plural, com homens, mulheres e negros, todos tendo como requisitos a competência, a ética e a vontade de servir ao povo brasileiro.

Até o dia 30 de outubro, estarei nas ruas, vigilante; meu grito será pela defesa da democracia e por justiça social; minhas preces, por uma campanha de paz."

E o Brasil consagra a vilanocracia

O fenômeno político de votar nos piores sabendo que são piores é representado no Brasil pelos milhões de pessoas que votaram contra si mesmos

Jair Bolsonaro durante evento de campanha para as eleições no Brasil. (André Borges / Bloomberg)

Às vésperas do primeiro turno das eleições presidenciais no Brasil , pairava no ar a esperança de que Jair Bolsonaro e tudo o que o atual presidente representa foi apenas um acidente histórico. A ilusão foi desfeita na própria noite de domingo, quando as urnas eletrônicas deram a notícia de que alguns dos brasileiros que haviam prestado o pior serviço público tinham assento garantido na Câmara dos Deputados e no Senado. A expectativa de que Luiz Inácio Lula da Silva pudesse ser eleito no primeiro turno também foi frustrada , conforme indicam as últimas pesquisas. Com 48,43% dos votos, contra 43,20% para Bolsonaro-diferença de mais de seis milhões de eleitores-, a disputa vai para o segundo turno com um cenário muito difícil para o ex-presidente: Lula venceu em 14 estados, enquanto Bolsonaro venceu em 12 e no Distrito Federal, mas perdeu para o atual presidente em dois dos mais importantes colégios eleitorais do país, São Paulo e Rio de Janeiro. Há quem afirme que, no Brasil, a onda conservadora veio para ficar, aninhada na extrema direita, como acontece em outros países do mundo. Eu não vejo assim. O que existe não é conservadorismo, mas algo que ainda não podemos nomear e que talvez pudéssemos chamar de vilanocracia. Chamar conservadores aqueles que votam no pior sabendo que são piores é como chamar uma cadeira de três pernas de antiguidade.

Veja: General Eduardo Pazuello, o ministro da Saúde tão incompetente que mandou oxigênio para o estado errado e deixou pacientes de covid-19 morrendo de asfixia em Manaus, mesmo tendo sido avisado que isso iria acontecer, foi o segundo deputado mais votado de Rio de Janeiro. Luiz Henrique Mandetta, seu antecessor, destituído por defender que a covid-19 deveria ser tratada com ciência, foi derrotado. Ricardo Salles, o ministro do Meio Ambiente que causou o recorde de desmatamento na Amazônia nos últimos 15 anose que defendeu em reunião ministerial que o Governo e os seus aliados deveriam aproveitar o facto de a imprensa estar ocupada na cobertura da pandemia para “deixar passar todo o gado”, o que significava enfraquecer a legislação ambiental e aprovar leis que permitissem a depredação da selva e de outros biomas, obteve quase três vezes mais votos que a ambientalista de renome mundial Marina Silva. Conhecida como a “musa do veneno”, Tereza Cristina liderou o Ministério da Agricultura até concorrer às eleições para o Senado, período em que foram aprovados mais de 1.600 agrotóxicos. Ela foi escolhida. Damares Alves, Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos que defende que meninos usem azul e meninas usem rosa, mentiu sobre seu currículo e adotou irregularmente uma índia, ele também conquistou sua vaga no Senado. O astronauta Marcos Pontes, que verificou com os próprios olhos que a Terra é redonda, mas foi ministro da Ciência de um governo de terraplanistas, garantiu sua vaga no Senado. E o general Hamilton Mourão, vice-presidente de Bolsonaro, notável por defender a ditadura, é outro que atormentará a câmara alta.

A lista de vilões notórios escolhidos é longa. Chamar os eleitores que fazem esse tipo de escolha de conservadores não faz sentido. Conservadores legítimos devem repudiar esse equívoco. Eleger uma Ministra do Meio Ambiente que destrói o meio ambiente, uma Ministra da Saúde que destrói a saúde, uma Ministra da Mulher que chama os direitos das mulheres de "ideologia de gênero", uma Ministra da Agricultura que envenena a terra, o ar e o solo, a uma Ministra da Ciência que nega a ciência não é conservadorismo. Quando esses tipos de eleitores são chamados de conservadores, eles são legitimados. Não há nada de imoral ou antiético em ser conservador. O próprio verbo “conservar” é carregado de positividade.

O fenômeno político de votar nos piores sabendo que são piores é representado no Brasil pelas 51.072.234 pessoas que votaram contra si mesmas, que querem reeleger um presidente que imitou pessoas que morreram sufocadas pela covid-19 por pelo menos duas vezes , que quase quintuplicou o número de armas no país, que elevou o número de famintos para 33 milhões e que está levando a Amazônia a um ponto sem volta. Este é o drama do dia seguinte vivido pelos 57.259.405 brasileiros e brasileiras que votaram em Lula e os quase 10 milhões que votaram em outros candidatos. Não se trata de aprender a viver em um país com um grande contingente de conservadores, mas de descobrir como conviver com um grande contingente de pessoas que elegem vilões para governar o país. Esse é o desafio do Brasil,

Eliane Brum, a autora deste artigo, é escritora, repórter e documentarista. Autora de oito livros, incluindo "Brasil, construtor de ruínas: um olhar sobre el país, from Lula to Bolsonaro and Banzeiro òkòtó", uma viagem à Amazônia Centro do Mundo. Web: elianebrum. com. E-mail: elianebrum.coluna@gmail.com. Twitter, Instagram e Facebook: @brumelianebrum. Publicado originalmente no EL PAÍS, em 05.10.22, às 00h:00

A preocupação de Lula

O que surpreendeu a todos foi a capacidade de Bolsonaro de impor seus candidatos mais extremistas em estados-chave

Adesivo de Luiz Inácio Lula da Silva na praia de Copacabana, Rio de Janeiro, em 3 de outubro. (Pilar Olivares / Reuters)

Que as eleições no Brasil tenham sido uma surpresa é indiscutível. As inúmeras pesquisas que previam a vitória de Lula no primeiro turno estão terrivelmente erradas , assim como aqueles que criticaram a tática de Bolsonaro de centrar seus ataques ao Partido dos Trabalhadores (PT) na questão da corrupção ao invés de insistir em questões econômicas, na fome dos mais pobres ou na tragédia da pandemia.

Lula errou ao pensar que o que lhe daria a vitória no primeiro turno seria a questão da economia e a memória de seus governos anteriores com a luta contra a pobreza. Ele tinha tanta certeza que nem mesmo apresentou um programa de governo apelando para o fato de que os triunfos de seu passado bastavam para que acreditassem nele.

E Bolsonaro estava certo, contra todas as probabilidades, quando concentrou seus ataques a Lula na questão da corrupção, que lhe rendeu um ano e meio de prisão e o fato de o Supremo ter anulado suas sentenças pouco fez por ele. Isso foi demonstrado pelo fato totalmente inesperado de que os dois grandes protagonistas da Lava Jato , o mítico ex-juiz Sérgio Moro, que havia sido ministro da Justiça de Bolsonaro, e Deltan Dallagnol, o jovem e temível promotor da República, que se consideravam acabados e que o sonho de Lula com sua possível vitória era poder vê-los julgados e presos, ambos entraram na política e foram eleitos. Moro como senador da República, sua esposa como deputada paulista e Dallagnol como o deputado mais votado em seu estado.

Essa notícia da ressurreição de alguma forma da Lava Jato com a entrada de seus grandes protagonistas no Congresso, que os blinda judicialmente e agora os torna dois grandes inimigos de Lula dentro da política, é de um ponto de vista até psicológico, a pior coisa que poderia ter acontecido com o PT e isso dará munição a Bolsonaro para continuar sua tática de tirar a poeira dos casos de corrupção de governos anteriores de esquerda.

Tudo isso vai obrigar Lula e o PT, pressionados pelos outros 9 partidos que o apoiam, a rever toda a sua estratégia para a nova batalha que se avizinha, ao mesmo tempo em que servirá ao governo de extrema-direita para continuar tentando reviver os pecados de corrupção atribuídos aos governos de Lula, que agora terão mais dificuldade em tentar negar ou minimizar.

Ao mesmo tempo, servirá para Bolsonaro em casos de corrupção em seu governo insistir na questão de escândalos de corrupção passados ​​de seus adversários políticos, que ele tentará manter vivo nas novas eleições que se avizinham.

Diante da vitória de Bolsonaro em tantos estados com sua tática de atacar impiedosamente a oposição por seus pecados de corrupção, seja Lula que seu partido, o PT, terá neste segundo turno, que se apresenta como uma nova eleição com novas incógnitas , rever seu posicionamento perante a sociedade sobre a questão da corrupção que as eleições mostraram ainda ser um assunto vivo na opinião pública. É um nervo em carne viva que a esquerda não soube enfrentar corajosamente, reconhecendo seus pecados sem tentar negá-los usando a tábua de salvação que o STF lhe lançou e que permitiu a Lula retornar com força à arena da política.

Embora possa parecer um paradoxo, apesar de Lula e os partidos que o apóiam terem conquistado o número de votos nas eleições, na realidade o que surpreendeu a todos foi a capacidade de Bolsonaro de impor seus candidatos mais extremistas nos governos de então muitos estados-chave com a possibilidade de ganhar também em São Paulo, o coração econômico e financeiro do país.

Lula fez bem em minimizar a vitória política e inesperada de seu adversário e continuar insistindo que vai acabar vencendo a batalha para voltar ao governoe tentar agora no segundo turno conquistar alguns milhões de votos dos desiludidos com a política, oferecendo-lhes dias melhores, especialmente para os mais pobres. E ao mesmo tempo, dada a realidade dos fatos, terá que apresentar um novo e concreto programa do que pretende enfrentar diante de uma realidade inesperada que surpreendeu a todos. O argumento de que ele não precisa apresentar um programa concreto sob a desculpa de que já demonstrou sua capacidade política em seus governos anteriores não lhe servirá mais. Estamos, de fato, em nível mundial, diante de uma mudança política inesperada que não pode ser ignorada e que exige uma revisão profunda do próprio conceito de democracia e dos clichês da esquerda e da direita.

Este segundo turno das eleições brasileiras, que na realidade será uma nova eleição, não deixará de revelar quão profunda é a crise política que abala o mundo globalmente e que torna difícil e perigoso descansar sobre os louros de um passado que já foi desmantelada e superada pelos novos e perigosos desafios agravados pelas garras de uma nova guerra que ninguém ainda é capaz de profetizar como ela pode terminar e que profundas mudanças pode ter na crise política que a globalização atravessa.

As velhas prescrições políticas parecem ter perdido força e as novas são apresentadas como um mistério obscuro que nem mesmo os melhores adivinhos são capazes de decifrar hoje.

João Árias, o autor deste artigo, é Jornalista. Publicado originalmente no EL PAÍS, em 04.10.22, às 07h15

Um ritual moderno

Apesar de tudo, o rito eleitoral, como a lâmpada de Aladim, tem suas surpresas

O primeiro turno das eleições aconteceram no último domingo, 2, e teve como resultado a continuação do pleito. Foto: Nelson Almeida Evaristo Sá/AFP

Rituais são âncoras de tradições. Como descobriu Van Gennep, eles são as marcas dos encontros e despedidas. Novos tempos são legitimados nas democracias representativas por eleições obrigatórias (com voto secreto), cujo sentido profundo seria a de impedir a permanência dos mesmos governantes que, em alguns lugares ou - quem sabe? - em todos os lugares, desejam permanecer. O “moderno”, derivado de um evolucionismo constitutivo do mundo ocidental, supõe que mudar, fabricar ou desfazer “tradições” é progredir e que progresso é sinônimo de felicidade.

As tecnologias confirmam com dúvida a tese, mas é um erro crasso considerar que um novo aparelho implica num avanço moral ou ético (pense na bomba atômica). Prova disso são os milhões de iPhone espalhados pelo mundo dando voz a essa multidão de boçais. Falamos mais das mesmas coisas e tagarelamos com gosto sobre o que não podemos prever (como o resultado eleitoral) porque, como dizia um herói esquecido, o Sombra: “Ninguém sabe o mal que se esconde nos corações humanos, só o Sombra sabe”.

Na realeza, não há eleição. Seria um golpe que põe no poder um imbecil, como já experimentamos, e não tenho nenhuma certeza de que tais regimes não voltem porque, como diziam alguns observadores, “o Brasil não tem povo” e, como remarca o historiador José Murilo de Carvalho, quando “proclamamos” a República, o povo a tudo assistiu “bestificado”.

A beatificação faz parte de nosso esqueleto autoritário messiânico que ainda acredita que, mudando o Chefe, muda-se o filhotismo, o compadrio, a sagrada reciprocidade dos favores - essas marcas que dinamizam o nosso sistema político. Um sistema de dupla face, pois nele há o formalismo jurídico do Estado Democrático de Direito, lamentavelmente usado para legitimar o seu lado oculto: o que não honra a lei da ficha limpa e livra corruptos condenados...

O resultado é uma tradição eleitoral reacionária. Muito mais chegada a repor o passado dos reis, que sempre serão majestade, do que um ritual de renovação e de esperança porque a cada eleição surgiriam novas caras e propostas.

Mas, apesar de tudo, o rito eleitoral, como a lâmpada de Aladim, tem suas surpresas. É o que parece ter acontecido neste domingo, 2 de outubro de 2022. Houve uma “onda de direita” ou uma revelação de que o povo não esquece de pronto o roubo da boa-fé pública? Eu pensava que a cultura e os valores - honra, honestidade, coerência e humildade - estavam esquecidos. Hoje, vemos comentaristas sem saber o que dizer porque eles não sabem o que é cultura, matriz ideológica e valores.

Roberto DaMatta, o autor deste artigo, é antropólogo social, escritor e autor de 'Fila e Democracia'. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 05.10.22 às 03h00

terça-feira, 4 de outubro de 2022

A onda reacionária

O relativo sucesso do bolsonarismo nas urnas nada tem de conservador, é só reacionário. Esquerda e direita republicanas têm o desafio de articular antídotos com mais democracia

Romeu Zema, reeleito em MG, acorreu ao Palácio da Alvorada para emprestar apoio a Bolsonaro. O Novo, partido de Zema, não ultrapassou a cláusula de barreira e agora integra à divisão dos nanicos.

A reação ao risco da volta do lulopetismo ao poder brotou forte das urnas na eleição de domingo passado. Mas não nas formas sadias do liberalismo e do conservadorismo, e sim na sua deformação: o reacionarismo. Conservadores e liberais buscam conservar liberdades fundamentais e valores universais, materializando-os progressivamente com base na estabilidade das instituições e reformas articuladas e pactuadas na arena política. O revolucionarismo progressista se opõe a esses princípios. Mas o reacionarismo também: em nome de um passado idealizado, busca autoritariamente girar a roda da História para trás, arruinando as instituições democráticas.

A democracia só é funcional quando esquerda e direita, no debate mais livre possível, encontram algum ponto em comum ao negociar políticas públicas, vencendo impasses em nome do atendimento ao conjunto da sociedade. Mas o reacionarismo opera não na dialética entre a disputa e o consenso, e sim na lógica da aniquilação. Para os extremistas à direita, assim como os à esquerda, o campo adversário é visto não como um agrupamento político que busca realizar acordos constitucionais com métodos diferentes, mas como um inimigo a ser abatido. Por isso, o bolsonarismo reacionário tem especial predileção por desqualificados – quem se notabiliza por seu total despreparo para a vida pública, como é o caso dos ex-ministros Eduardo Pazuello e Ricardo Salles, ganha lugar de destaque no palanque bolsonarista.

Desde que Jair Bolsonaro encerrou sua carreira militar ameaçando explodir bombas em quartéis, sua vida política foi pautada pela destruição e a ruptura. O saudosismo da ditadura e o revanchismo em relação à Constituição de 88 são explícitos. Nada há de conservador na desmoralização sistemática e truculenta da comunidade acadêmica, do sistema partidário ou da Suprema Corte. Como organizações humanas, estas comportam defeitos, e devem ser aprimoradas para melhor representar a vontade e a consciência populares. Mas os populistas só projetam nelas cadeias de opressão a serem rompidas por meio de mais concentração de poder nas mãos do líder que supostamente encarna o “povo”.

Como se chegou a essa situação? Como remediá-la?

O PT praticou o populismo autoritário à sua maneira: sua obsessão pela hegemonia política e sua pretensão ao monopólio moral se traduziram na sua aversão às composições, na demonização dos adversários à direita e na desmoralização de dissidentes à esquerda. A impaciência da população com o PT se desfraldou em manifestações multitudinárias que foram capitalizadas pela ferocidade antipetista de Bolsonaro em 2018.

No entanto, se a onda disruptiva não arrefeceu, mas cresceu, é pelos desmazelos da própria direita. A população conservadora nunca teve problemas em confiar seu voto a partidos formados na redemocratização que muitas vezes nem sequer propunham as pautas mais caras à direita, como o PSDB, desde que se comprometessem a conter a “república sindicalista” e outras utopias petistas. Mas, à medida que esses partidos perderam identidade, transigindo com retrocessos petistas e entregando-se ao tráfico fisiológico ou disputas fratricidas, criou-se um vácuo de poder.

Para muito além dessas eleições, a direita e a esquerda republicanas têm um imenso desafio. A esquerda terá de fazer brotar e cultivar novas lideranças no deserto de alternativas deixado pelo culto lulopetista. A direita precisará não tanto se renovar, mas se inventar. A ditadura legou seu próprio deserto, e inexistem no Brasil partidos conservadores liberais (como o centenário Republicano, nos EUA, ou os Tories, no Reino Unido) ou sociais (como as democracias cristãs que reconstruíram a Europa no pós-guerra), ou meramente liberais.

Como dizia Nelson Rodrigues, “o subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos”. O neorreacionarismo brasileiro é, no mínimo, obra de décadas. As eleições mostram que chegou para ficar. A reconstrução da República também não se dará no improviso. Ela exigirá composições das forças republicanas conservadoras e progressistas. Não se pode dizer de antemão se serão logradas nem em quais termos. O certo é que só há um meio para tanto: mais democracia, não menos.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 04.10.22, às 03h00

Putin está tentando enlouquecer o Ocidente

Objetivo de Putin é dividir a aliança ocidental e sair com uma ‘vitória’ que possa preservá-lo


Na Praça Vermelha, nacionalistas russos assistem ao discurso de Vladimir Putin sobre anexação de regiões da Ucrânia na sexta-feira, 30. Foto: Alexander Nemenov/ AFP

Com a anexação de partes da Ucrânia na sexta-feira, Vladimir Putin colocou em movimento forças que estão transformando a Rússia em uma gigante Coreia do Norte. Será um estado paranoico, raivoso e isolado, mas, ao contrário da Coreia do Norte, a versão russa estará espalhada por 11 fusos horários – do Oceano Ártico ao Mar Negro e da extremidade da Europa livre à extremidade do Alasca – com milhares de ogivas nucleares.

Conheci uma Rússia que era forte, ameaçadora, mas estável – chamada União Soviética. Conheci uma Rússia que era esperançosa, potencialmente em transição para a democracia com Mikhail Gorbachev, Boris Yeltsin e até com o jovem Putin. Conheci uma Rússia que era um “bad boy” com um Putin mais velho, hackeando a América, envenenando figuras da oposição, mas ainda um exportador de petróleo estável e confiável e parceiro de segurança ocasional dos EUA quando precisávamos da ajuda de Moscou em caso de aperto.

Mas nenhum de nós jamais conheceu a Rússia que um Putin agora desesperado e contra a parede parece decidido a mostrar – uma Rússia pária; uma grande e humilhada Rússia; uma Rússia que fez com que muitos de seus engenheiros, programadores e cientistas mais talentosos fugissem por qualquer saída que pudessem encontrar. Esta seria uma Rússia que já perdeu tantos parceiros comerciais que só pode sobreviver como uma colônia de petróleo e gás natural da China, uma Rússia que é um estado falido, expelindo instabilidade por todos os poros.

Tal Rússia não seria apenas uma ameaça geopolítica. Seria uma tragédia humana de proporções gigantescas. A transformação da Rússia em uma Coreia do Norte por Putin está convertendo um país que uma vez deu ao mundo alguns de seus escritores, compositores, músicos e cientistas mais renomados em uma nação mais hábil em fazer batatas fritas do que microchips, mais famosa por suas roupas íntimas envenenadas do que por sua alta costura e mais focada em desbloquear seus reservatórios subterrâneos de gás e petróleo do que em seus reservatórios acima do solo de gênios e criatividade humanos. O mundo inteiro está diminuído pela diminuição da Rússia por Putin.

Mas com a anexação de sexta-feira, é difícil ver qualquer outro resultado enquanto Putin estiver no poder. Por quê? O teórico de jogos Thomas Schelling sugeriu que, se você estiver no chamado jogo da galinha com outro motorista, a melhor maneira de ganhar - a melhor forma de fazer o outro motorista desviar primeiro - é se antes do jogo você visivelmente desparafusar seu volante e então jogá-lo pela janela. Mensagem para o outro motorista: adoraria sair do caminho, mas não consigo mais controlar meu carro. É melhor você desviar!

Ficar tentando enlouquecer seu oponente é uma especialidade norte-coreana. Agora, Putin a adotou, anunciando com grande alarde que a Rússia está anexando quatro regiões ucranianas: Luhansk e Donetsk, as duas regiões apoiadas pela Rússia onde as forças pró-Putin lutam contra Kiev desde 2014, e Kherson e Zaporizhzhia, que foram ocupadas logo após a invasão de Putin em fevereiro. Em um grande salão do Kremlin, Putin declarou na sexta-feira que os moradores dessas quatro regiões se tornariam cidadãos da Rússia para sempre.

O que Putin está tramando? Só se pode especular. Comece com sua política doméstica. A base de Putin não são os estudantes da Universidade Estatal de Moscovo. Sua base são os nacionalistas de direita, que estão cada vez mais irritados com a humilhação militar da Rússia na Ucrânia. Para manter seu apoio, Putin pode ter sentido a necessidade de mostrar que, com sua convocação da reserva e anexação, ele está travando uma guerra real pela Mãe Rússia, não apenas uma vaga operação militar especial.

(A Rússia pode anexar um pedaço da Ucrânia? Como funciona uma anexação de território?)

(Carta da ONU proíbe anexação e conquista territorial, considerando invasão da Ucrânia por tropas russas como uma ação ilegítima)

No entanto, isso também pode ser Putin tentando manobrar um acordo favorável. Eu não ficaria surpreso se ele logo anunciasse sua disposição de um cessar-fogo – e a disposição de consertar gasodutos e retomar os carregamentos de gás para qualquer país pronto para reconhecer a anexação da Rússia.

Putin poderia então alegar à sua base nacionalista que ele conseguiu algo para sua guerra, mesmo que tenha sido extremamente caro, e que agora ele está pronto para parar. Há apenas um problema: Putin na verdade não controla todo o território que está anexando.

Isso significa que ele não pode se contentar com nenhum acordo, a menos e até que expulse os ucranianos de todo o território que agora reivindica; caso contrário, estaria entregando o que acabou de transformar em território soberano russo. Este poderia ser um desenvolvimento muito sinistro. O maltratado exército de Putin não parece capaz de conquistar mais território e, de fato, parece estar perdendo mais a cada dia.

Ao reivindicar um território que ele não controla totalmente, temo que Putin esteja se encurralando em um canto do qual um dia possa sentir que só pode escapar com uma arma nuclear.

De qualquer forma, Putin parece estar desafiando Kiev e seus aliados ocidentais a continuar a guerra no inverno - quando o fornecimento de gás natural na Europa será restrito e os preços poderão ser astronômicos - para recuperar territórios, alguns dos quais seus representantes ucranianos têm mantido sob a influência da Rússia desde 2014.

A Ucrânia e o Ocidente vão desviar? Eles taparão os narizes e farão um acordo sujo com Putin para parar sua guerra imunda? Ou a Ucrânia e o Ocidente vão enfrentá-lo, insistindo que Putin não obtenha conquistas territoriais com esta guerra, para então defendermos o princípio da inadmissibilidade de tomar territórios pela força?

Não se deixe enganar: haverá pressão dentro da Europa para desviar e aceitar tal oferta de Putin. Esse é certamente o objetivo de Putin – dividir a aliança ocidental e sair com uma “vitória” que possa preservá-lo.

Mas há outro risco de curto prazo para Putin. Se o Ocidente não desviar, não optar por um acordo com ele, mas em vez disso apostar em mais armas e ajuda financeira para a Ucrânia, há uma chance de que o exército de Putin entre em colapso.

Isso é imprevisível. Mas aqui está o que é totalmente previsível: está agora em vigor uma dinâmica que empurrará a Rússia de Putin ainda mais para o modelo da Coreia do Norte. Isso começa com a decisão de Putin de cortar a maior parte do fornecimento de gás natural para a Europa Ocidental.

Há apenas um pecado capital no negócio de energia: nunca, jamais, torne-se um fornecedor não confiável. Ninguém nunca mais vai confiar em você. Putin tornou-se um fornecedor não confiável para alguns de seus clientes mais antigos e melhores, começando pela Alemanha e grande parte da União Europeia. Todos eles agora estão procurando por suprimentos alternativos de longo prazo de gás natural e construindo mais energia renovável.

Levará de dois a três anos para que as novas redes de gasodutos provenientes do Mediterrâneo Oriental e gás natural liquefeito proveniente dos Estados Unidos e do norte da África comecem a substituir de forma sustentável o gás russo em escala. Mas quando isso acontecer, e quando a oferta mundial de gás natural aumentar para compensar a perda de gás da Rússia – e à medida que mais energias renováveis entrarem em operação – Putin poderá enfrentar um verdadeiro desafio econômico. Seus antigos clientes ainda podem comprar alguma energia da Rússia, mas nunca mais confiarão tão totalmente na Rússia. E a China irá pressioná-lo por grandes descontos.

Em suma, Putin está corroendo a maior fonte – talvez sua única fonte – de renda sustentável de longo prazo. Ao mesmo tempo, sua anexação ilegal de regiões da Ucrânia garante que as sanções ocidentais contra a Rússia permanecerão em vigor, ou podem até acelerar, o que apenas acelerará a migração da Rússia para o status de estado falido, já que mais e mais russos com habilidades globalmente comercializáveis certamente irão embora.

Eu não comemoro nada disso. Este é um momento para os líderes ocidentais serem duros e inteligentes. Eles precisam saber quando desviar e quando fazer o outro desviar, e quando deixar alguma dignidade para o outro motorista, mesmo que ele esteja se comportando com total desrespeito por qualquer outra pessoa. Pode ser que Putin não nos tenha deixado escolha a não ser aprender a viver com uma Coreia do Norte russa – pelo menos enquanto ele estiver no comando. Se esse for o caso, teremos que fazer o melhor com isso, mas o melhor será um mundo muito mais instável. 

Thomas L. Friedman é colunista do The New York Times. Publicado originalente no Brasil pelo O Estado de S. Paulo, em 03.10.22 às 10h00. Tradução de Lívia Bueloni Gonçalves.

Ucrânia rompe linhas defensivas russas no leste e sul

Os militares da Ucrânia recuperaram o controle sobre grandes extensões de terra no leste e sul do país nos últimos dois dias. O avanço das tropas de Kiev foi documentado tanto ao redor da cidade oriental de Liman, um entroncamento ferroviário crucial para a ocupação russa, quanto na região sul de Kherson.

Control ruso

Avance ruso

Recuperado por Ucrania



Em azul, os territórios da Ucrânia recuperados da invasão russa

Em Liman, as forças ucranianas continuam seu avanço para o leste, em direção à fronteira da província de Lugansk, uma das quatro províncias anexadas ilegalmente na semana passada pela Rússia, segundo o Instituto para o Estudo da Guerra (ISW). . As tropas de Moscou se retiraram de Liman na semana passada depois de serem cercadas , e os vídeos publicados nos últimos dias permitem que os ucranianos sejam colocados no mapa e vejam que eles estão atacando a população de Kreminna.


Arredores do mosteiro de Sviatohirsk , em Donetsk, recuperado pelos ucranianos. Yevgen Honcharenko (EFE).

A organização dos EUA explica que as tropas russas implantadas em Liman eram em grande parte compostas por unidades consideradas de elite do exército do Kremlin antes do início da guerra. Sua aparente incapacidade de manter linhas defensivas diante da força ucraniana parece indicar que mesmo as unidades mais selecionadas estão sofrendo o desgaste do conflito. Imagens coletadas pela ISW mostram forças de Kyiv em pelo menos seis cidades que estavam sob controle russo ao longo da linha de frente oriental.

Otra de las regiones en las que el ISW considera que estaban desplegadas unidades de élite del ejército ruso y que ha sufrido un revés a manos de las tropas de Ucrania es Jersón, bajo control de Moscú desde prácticamente el inicio de la invasión y también anexionada ilegalmente sexta-feira. O Ministério da Defesa russo indicou que nesta área os ucranianos conseguiram penetrar nas linhas de defesa do Kremlin em direção ao rio Dnieper e que suas tropas se retiraram para implantar uma nova linha. Fontes ucranianas permanecem em silêncio sobre suas operações na área, observa o ISW.

Dias anteriores | 01 de outubro

As tropas do Kremlin posicionadas em Liman, um entroncamento ferroviário estratégico para o exército russo localizado na região de Donetsk, estão perto de ser cercados pelas forças de Kiev: em três dias a Ucrânia irá capturá-lo ou cercá-lo completamente, estima o Instituto para o Estudo da a Guerra (ISW), tendo em vista o avanço dos últimos dias. A cidade, localizada a cerca de 175 quilômetros ao sul de Kharkov, é palco de batalhas há semanas, no contexto de uma contra-ofensiva ucraniana lançada no início de setembro que forçou a retirada das tropas russas.

Perder o controle dessa população é um duro golpe para Moscou, que na sexta-feira encenou a anexação de quatro novas províncias da Ucrânia . O porta-voz do Kremlin, Dimitri Peskov, não conseguiu estabelecer perante os jornalistas os limites fronteiriços dos territórios anexados pela Rússia, além de indicar que as repúblicas populares independentes de Lugansk e Donetsk foram proclamadas em 2014.

Para a Rússia, o papel de Liman como centro ferroviário tem sido fundamental no transporte de suprimentos para as tropas destacadas no leste da Ucrânia. A pinça ucraniana fecha no sudeste e noroeste da cidade: o Ministério da Defesa publicou vídeos com suas tropas em Drobysheve, uma pequena cidade a apenas 10 quilômetros de Liman. O autoproclamado líder da região de Donetsk, Denis Pushilin, disse na sexta-feira que a cidade estava "meia cercada".

Assumir o controle da população significaria para as tropas de Kyiv recuperar um centro de comunicações para usar como base para lançar ataques a cidades em outra das províncias anexadas por Moscou, Lugansk.

No sul do país, nas províncias de Kherson e Zaporizhia, também ilegalmente anexadas pela Rússia, a linha de frente pouco mudou nos últimos dias, apesar dos constantes combates. Em Zaporizhia, pelo menos 30 pessoas foram mortas e outras 88 ficaram feridas em um ataque com mísseis a um comboio de civis. Kyiv aponta para Moscou. A partir daí afirmam o contrário . Este é o episódio com mais vítimas civis desde o massacre na estação de trem de Kramatorsk, em 8 de abril, que deixou mais de 50 mortos na cidade de Donetsk.

21 de setembro

Tropas de Kyiv mantêm ataques a cidades controladas por forças russas no leste da Ucrânia. A luta entre os dois contendores aconteceu nos últimos dias, em uma disputa pelo controle de territórios que ficam nas fronteiras de Donetsk e Lugansk, as duas regiões do leste onde separatistas pró-Rússia, com o apoio de Moscou, proclamaram repúblicas em 2014. . independente popular.

Tropas ucranianas assumiram o controle de Bilohorivka, uma pequena cidade localizada na região de Lugansk, de acordo com o Instituto para o Estudo da Guerra (ISW) depois de assistir a vídeos mostrando soldados ucranianos. A área é palco de combates há dias, mas as imagens permitem que a organização confirme as informações de ambos os contendores sobre o controle ucraniano da população.

A perda de controle do território por Moscou desde que a Ucrânia iniciou uma contra-ofensiva há duas semanas levou o presidente russo, Vladimir Putin, a anunciar nesta quarta-feira uma mobilização parcial no país, uma medida tremendamente impopular entre os cidadãos .

As tropas russas na frente de Donbass tentam garantir posições defensivas contra o avanço ucraniano, para o qual também mantêm ataques terrestres. Especialmente nos arredores das cidades de Donetsk e Bakhmut, cidades da região de Donetsk por onde passa a linha que separa os territórios controlados por ambos os contendores.

A outra área do país onde os combates estão ocorrendo é a região de Kherson, ao sul, em mãos russas desde as primeiras semanas da ofensiva.

15 de setembro

O exército ucraniano pretende estender a contra-ofensiva lançada há quase 10 dias a cidades das regiões de Donetsk e Lugansk, as duas regiões onde separatistas pró-Rússia, com o apoio de Moscou, proclamaram repúblicas populares independentes em 2014, segundo Oleksii Arestovych, um dos assessores do presidente Volodímir Zelenski. O conselheiro disse em um vídeo na quarta-feira que as tropas ucranianas estavam tentando retomar a cidade de Lyman em Donetsk, cerca de 175 quilômetros ao sul de Kharkiv. “Há um ataque a Lyman acontecendo agora”, disse Arestovych. O colaborador do presidente ucraniano anunciou que suas tropas "estão tentando conquistar território" também na vizinha Lugansk, ambas sob controle russo. Vários blogueiros militares após a guerra relataram que as forças russas se defenderam de ataques ucranianos em Lyman, de acordo com o Instituto para o Estudo da Guerra (ISW).

A bem-sucedida contra-ofensiva realizada no nordeste do país na última semana permitiu ao exército ucraniano reconquistar quase 8.500 quilômetros quadrados , segundo Kiev, desde 6 de setembro passado. Por sua vez, as tropas continuam trabalhando para consolidar o controle das áreas recuperadas nos últimos dias na província de Kharkov, no nordeste do país, segundo a Inteligência do Reino Unido na quinta-feira.

A ISW considera que a reconquista de Izium, na região de Kharkov, foi um duro golpe para a capacidade russa de realizar ataques de artilharia na área, já que serviu de base para manter a linha de defesa na fronteira de Donbas. A organização dos EUA estima que as forças do Kremlin não conseguiram construir uma nova linha de defesa para manter suas posições na área, e as unidades restantes se retiraram para outros flancos.

O noroeste, no entanto, não é a única zona de batalha entre os dois contendores. Ao sul, na região de Kherson, sob controle do Kremlin desde o início do conflito, os combates também ocorreram nos últimos dias. A contra-ofensiva sustentada pelas forças ucranianas em Kherson está prejudicando as capacidades de combate russas na área, diz o ISW.


12 de setembro  

A contra-ofensiva lançada pela Ucrânia nos últimos dias, que deu a maior e mais inesperada reviravolta desde a invasão russa ao país em 24 de fevereiro , obrigou as forças do Kremlin a abandonar suas posições na região oriental de Kharkov, que faz fronteira com a Rússia e é o porta de entrada para o cobiçado Donbas de língua russa. A Ucrânia infligiu uma "derrota significativa" às tropas russas com esta operação de contra-ataque, de acordo com o Instituto para o Estudo da Guerra (ISW). Diante do avanço ucraniano, Moscou ordenou a retirada de suas forças de toda a região de Kharkov a leste do rio Oskil, de acordo com a inteligência britânica, de modo que a retirada devolveu as tropas invasoras a Donbas.

A ordem de retirada emitida pela Rússia nos últimos dias - a maior desde a retirada de suas tropas dos arredores de Kiev em março— em vários pontos estratégicos da orla oriental, traz sucesso militar sem paralelo na contra-ofensiva ucraniana. A recuperação do controle do enclave essencial de Izium representa um duro golpe para as aspirações de Moscou de controlar Donetsk, uma das duas regiões separatistas que compõem Donbas. A Rússia usou Izium como o local mais ocidental para lançar ataques a Donetsk, de acordo com a ISW. A organização americana ecoa a última atualização do mapa do conflito mantido pelo Ministério da Defesa russo, que reflete a retirada das tropas. O anúncio de Kyiv de que pretendia enfrentar o invasor em Kherson, no sul do país, levou o exército russo a afastar tropas dos locais onde os ucranianos atingiram neste fim de semana.


Russia perdeu posição em Kharkiv . AFP.


Um civil em frente a uma casa destruída em Kramatorsk . AFP.


Veículos blindados ucranianos em Kharkiv . Reuters.


Um soldado ucraniano em um tanque russo, em Kharkov . Reuters.

As forças russas retiraram-se precipitadamente, abunda o ISW, que menciona imagens partilhadas nas redes sociais em que se observam tanques e equipamentos militares abandonados nas proximidades de Izium, indicando que as forças do Kremlin não conseguiram organizar uma retirada coordenada. O Estado-Maior ucraniano afirma que recuperou mais de 20 cidades e aldeias no último dia, aumentando a falta de controle da retirada. A linha de controle russo há apenas uma semana, marcada com uma linha vermelha no mapa que encabeça este texto, dá uma ideia da magnitude da retirada do invasor da Ucrânia.

A iniciativa ucraniana permite que o exército de Kyiv escolha onde as próximas batalhas ocorrerão, a menos que Moscou encontre uma maneira de recuperar a vantagem, arrisca o ISW. La contraofensiva, sin embargo, no acabará con la invasión, alerta la organización, pues Rusia terminará por levantar una nueva línea defensiva desde la que atacar de nuevo, con lo que la guerra es probable que se prolongue hasta el próximo año, según la organización estadunidense.

JAVIER GALAN JOSÉ A. ALVAREZ, de Madrid (Reino de Espanha) para o EL PAÍS, em 01.10.22. Atualizado em 04.10.22 às 06h13. Publicado originalmente em 04.10.22

O apagão duplo da esquerda e dos institutos de pesquisa

A nova onda da ultradireita mostra que o bolsonarismo veio para ficar. E o clima de "já ganhou" cegou a esquerda, que precisa urgentemente se renovar.

Apoiadores de Lula apreensivos durante apuração dos resultados após o primeiro turno (Foto: Amanda Perobelli/REUTERS)

Os golpes vieram de surpresa e acertaram a esquerda brasileira em cheio: notícias ruins após notícias ruins chegavam em intervalos curtos ao centro de São Paulo, onde a campanha do PT estava reunida. Rapidamente se desfez o clima de "já ganhou" nos arredores e dentro do Novotel Jaraguá.

Logo após o encerramento da votação, a perplexidade, ao invés da felicidade, tomou conta do lugar. Primeiro, chegaram os resultados do Senado, com Damares Alves e Tereza Cristina, duas ex-ministras de Bolsonaro, eleitas. E aí vieram notícias preocupantes de Minas Gerais, onde o presidente aparentemente estava indo bem.

Depois, as dores de cabeça do PT só aumentaram, com o ex-juiz Sérgio Moro sendo eleito para o Senado, um tapa na cara do PT, assim como o resultado do ex-lavajatista Deltan Dallagnol, deputado federal mais votado no Paraná. O que era para ser a noite carimbada pelo triunfo petista sobre a Lava Jato virou o contrário.

Aos poucos, ficou evidente o apagão das pesquisas eleitorais. A vitória de Claudio Castro, aliado de Bolsonaro reeleito governador no Rio de Janeiro com quase 60% dos votos, veio do nada. Castro conseguiu quase o dobro de Marcelo Freixo, a grande esperança da esquerda no Rio.

Tal estado ainda elegeu Romário, aliado de Bolsonaro, como senador, apresentando a conta pelos arranjos malfeitos no Rio, que deixaram Alexandro Molon, do PSB, de fora, para apostar no petista André Ceciliano. Mais um exemplo da tradicional pulverização da esquerda no Rio. Ainda por cima, Bolsonaro ganhou o estado com mais de dez pontos percentuais de diferença.

Ainda mais dolorido foi o fracasso petista em São Paulo, seu berço histórico. Contrariando as pesquisas, Fernando Haddad levou um baile de Tarcísio de Freitas, aliado de Bolsonaro. Enquanto isso, Bolsonaro abriu uma vantagem de sete pontos no estado.

Aparentemente, fracassou por completo a ideia de ganhar votos em São Paulo com a escolha de Geraldo Alckmin, ex-governador do estado, como vice de Lula. O PSDB, partido que governou o estado por décadas, afundou de forma dramática, passando seus votos não para o PT, mas diretamente para a ultradireita bolsonarista.

Ultradireita que, ainda por cima, elegeu o astronauta Marcos Pontes para o Senado e Ricardo Salles para deputado federal. O ex-ministro do Meio Ambiente, conhecido no mundo inteiro pela não proteção da Floresta Amazônica, obteve quase o triplo de votos de Marina Silva, ícone global do movimento ambientalista! Eis, ao meu ver, o resultado mais impressionante de toda a eleição, mostrando que o mundo está de cabeça para baixo.

Nesse tsunami da ultradireita, restaram poucos alicerces da esquerda: estados do Nordeste, como a Bahia, com um resultado esmagador a favor do PT. E o próprio Lula, que, no dia 30 de outubro, ainda terá grandes chances de ser eleito presidente pela terceira vez. Mas, como ele vai governar com um Congresso dominado pela ultradireita?

Uma ultradireita que veio para ficar. Acabou uma dúvida crucial: as vitórias da direita, em 2018, teriam sido um engano histórico, criado pelas circunstâncias peculiares daquele momento? Não! O Brasil de hoje é isso mesmo: passando de uma direita moderada para uma direita mais extrema.

E a esquerda? Se perdeu com os protestos de junho de 2013, que não soube entender. E até hoje não encontrou a chave para se renovar e se adaptar às novas realidades brasileiras. Precisa fazer isso urgentemente. Pois está chegando o momento de não poder mais contar com Lula, o salvador do Brasil e, principalmente, da esquerda brasileira.

Thomas Milz, o autor deste artigo, jornalista e fotógrafo, saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos. Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 03.10.22.

Com reeleição, Bolsonaro terá força para pedir impeachment de ministros do STF

 Caso o presidente Jair Bolsonaro (PL) se reeleja no dia 30, nos próximos quatro anos ele terá poder para criar muitos problemas para o Supremo Tribunal Federal, um dos alvos preferenciais de seus ataques, inclusive pedindo impeachment de ministros. 

As eleições deste domingo (2/10) deram grande impulso ao bolsonarismo no Congresso Nacional, sobretudo no Senado. 


Partido de Bolsonaro, PL terá amaior bancada do Senado em 2023

Levar adiante o projeto de destituição de um ministro do Supremo, porém, é algo bastante complicado mesmo para um Bolsonaro forte no Congresso. Entre outras coisas, porque é fundamental para isso conseguir a eleição de um aliado como presidente do Senado, que é quem tem o poder de dar andamento ou "engavetar" um pedido de impeachment de ministro do STF. 

Dos 27 senadores eleitos neste domingo (2/10), 20 apoiam Bolsonaro ou têm alguma ligação com ele. Cinco ex-chefes de ministérios do atual governo conquistaram uma cadeira no Senado: a ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Alves (Republicanos-DF); o ex-ministro da Ciência e Tecnologia Marcos Pontes (PL-SP); a ex-ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Tereza Cristina (PP-MS); o ex-ministro do Desenvolvimento Social Rogério Marinho (PL-RN); e o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro (União Brasil-PR) — que rompeu com o presidente, mas voltou a afagá-lo na campanha eleitoral. Também foram eleitos senadores o vice-presidente, Hamilton Mourão (Republicanos-RS), e o ex-secretário da Pesca Jorge Seif Jr. (PL-SC).

Além dos ex-integrantes do governo, terão assento na casa os aliados Cleitinho (PSC-MG), Romário (PL-RJ), Magno Malta (PL-ES), Wilder Morais (PL-GO), Wellington Fagundes (PL-MT), Jaime Bagattoli (PL-RO), Dr. Hiran (PP-RR) e Dorinha (União Brasil-TO).

Outros aliados do presidente que continuarão no Senado são seu filho Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Carlos Portinho (PL-RJ), Eduardo Girão (Podemos-CE), Luiz Carlos Heinze (PP-RS), Jayme Campos (União Brasil-MT), Eliane Nogueira (PP-PI), Lasier Martins (Podemos-RS) e Marcos Rogério (PL-RO) — este caso não se eleja governador.

Com oito dos 27 senadores eleitos, o PL, partido de Bolsonaro, terá 14 parlamentares na casa em 2023 — a maior bancada. O União Brasil elegeu cinco representantes e terá dez membros no Senado. Outras legendas aliadas ao governo terão representação expressiva na casa, como PP (seis senadores) e Republicanos (três). Contando o PSD (11) e o Podemos (seis) — que têm apoiadores de Bolsonaro —, o presidente deve ter maioria no Senado se for reeleito.

Segundo o colunista do portal UOL José Roberto de Toledo, se Bolsonaro tiver mais um mandato, vai dispor de apoio para promover o impeachment de ministros do STF.

"O que me preocupa é o cenário do que emerge da eleição para o Senado e para a Câmara dos Deputados. Esse Congresso que foi eleito, no Senado, por exemplo, dá maioria suficiente para impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal."

Jair Bolsonaro fez dos ataques ao STF uma estratégia para galvanizar seus apoiadores. As investidas têm duas origens. A primeira está nas decisões que declararam que estados e municípios têm competência para impor medidas sanitárias contra a Covid-19, como as de isolamento social. A segunda está nos inquéritos que apuram a propagação de fake news e atos antidemocráticos, bem como o financiamento dessas atividades por bolsonaristas. Há ainda um terceiro foco de ataques contra o Judiciário, mais especificamente, em face do Tribunal Superior Eleitoral e seus magistrados, relativo ao descrédito das urnas eletrônicas.

Em 2021, Bolsonaro pediu ao Senado o impeachment do ministro Alexandre de Moraes. A medida foi repudiada pelo Supremo Tribunal Federal e pela OAB, e rejeitada pelo presidente da casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para quem não existem fundamentos para impeachment contra ministros do STF.

Rito do impeachment

Ministros do Supremo Tribunal Federal podem ser alvos de pedidos de impeachment pelos seguintes crimes de responsabilidade (artigo 39 da Lei 1.079/1950): alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do tribunal; proferir julgamento quando, por lei, seja suspeito na causa; exercer atividade político-partidária; ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo; e proceder de modo incompatível com a honra, a dignidade e o decoro de suas funções.

Além disso, o presidente do STF ou seu substituto no exercício do cargo podem responder por crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária.

O pedido de impeachment de ministro do Supremo deve ser apresentado ao presidente do Senado. Caso ele seja aceito, será instalada uma comissão especial de 21 senadores para emitir um parecer em até dez dias. O Plenário da casa vai avaliar o parecer. Se a maioria dos integrantes da casa (41 senadores) o aprovar, o processo é aberto.

O ministro denunciado passa a ter acesso a todos os documentos e tem dez dias para apresentar defesa à acusação. Caso o magistrado não esteja no Brasil ou não seja localizado, o prazo pode ser estendido por mais 60 dias.

Ao fim do período, com ou sem manifestação do magistrado, a comissão terá mais dez dias para decidir se a acusação é procedente. Um novo parecer vai para votação no Plenário e, novamente, precisa de maioria simples dos senadores para ser aprovado. Caso isso ocorra, o magistrado será suspenso do cargo até decisão final e perderá um terço dos vencimentos.

O processo então é remetido ao STF. Se o presidente da corte for o acusado, um substituto presidirá a sessão de julgamento no Senado, que contará com o ministro acusado, o denunciante e testemunhas. Ao final, os senadores deverão responder à seguinte pergunta: "Cometeu o acusado o crime que lhe é imputado e deve ser condenado à perda do seu cargo?". Se dois terços dos parlamentares (54) responderem "sim", o ministro é destituído imediatamente do cargo.

Em seguida, os parlamentares ainda devem analisar se o magistrado deve ficar inabilitado para exercer função pública pelo tempo máximo de cinco anos. O quórum para importar tal medida é o mesmo — de dois terços dos senadores.

Obstáculos ao impeachment

Ainda que Jair Bolsonaro seja reeleito e tenha maioria no Senado, não será fácil aprovar o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal.

Primeiro que diversos aliados de Bolsonaro não embarcam nos ataques ao STF porque temem uma postura mais dura dos ministros quando forem julgar processos relativos a seus interesses — que, muitas vezes, são ações penais contra tais políticos.

O presidente do Senado também teria de ser favorável à medida, pois depende dele o prosseguimento de pedido de impeachment contra ministro do Supremo. O atual presidente da casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), pode tentar a reeleição no começo de 2023. Ele já deixou claro que não concorda com a destituição de integrantes do STF.

Além disso, o quórum para condenar um ministro a perder o cargo é alto. É preciso que 54 senadores, o equivalente a dois terços da casa, votem nesse sentido.

De qualquer forma, com Bolsonaro mais forte no Congresso — o PL também terá a maior bancada da Câmara dos Deputados —, o STF pode passar apuros. Por exemplo, nas hipóteses de restrições orçamentárias, comissões parlamentares de inquérito e propostas de emenda à Constituição.

O presidente e seus aliados têm o plano de apoiar, em um novo mandato, proposta de emenda à Constituição para aumentar o número de ministros da corte, conforme informam os jornalistas Elio Gaspari, dos jornais Folha de S.Paulo e O Globo; Andréia Sadi, da GloboNews; Guilherme Amado, do portal Metrópoles; e Lauro Jardim, de O Globo.

Apresentada pela deputada Luiza Erundina (Psol-SP), a PEC 275/2013 transforma o STF na Corte Constitucional. A competência do tribunal seria restrita a processos relativos à interpretação e aplicação da Constituição. As demais atribuições atuais do Supremo, como as de julgar ações penais de autoridades com foro privilegiado, Habeas Corpus, mandados de segurança e pedidos de extradição de estrangeiros, iriam para o Superior Tribunal de Justiça.

A Corte Constitucional manteria os 11 ministros do STF e adicionaria quatro integrantes, totalizando 15 julgadores. O processo de escolha seria diferente do atual. Hoje, o presidente da República indica um nome e ele é submetido a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, composta por 27 parlamentares. Se for aprovado por maioria simples, o parecer da CCJ é encaminhado ao Plenário da casa legislativa. O candidato preciso do aval de 41 dos 81 senadores para se tornar ministro do Supremo.

De acordo com a PEC 275/2013, os postulantes a uma vaga na Corte Constitucional seriam selecionados a partir de listas tríplices elaboradas pela magistratura (feita pelo Conselho Nacional de Justiça), pelo Ministério Público (feita pelo Conselho Nacional do Ministério Público) e pela advocacia (feita pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil). Os candidatos precisariam da aprovação pela maioria absoluta dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado para ser nomeados para o tribunal pelo presidente do Congresso.

Em 2017, a PEC 275/2013 recebeu parecer favorável da relatora, a então deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), filha de Roberto Jefferson, mas não chegou a ser votada pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara.

Embora fosse perder o poder de indicar diretamente os ministros da corte, Bolsonaro, com a manutenção da maioria governista no Parlamento que detém hoje, conseguiria emplacar nomes de seu agrado. Caso a proposta fosse aprovada, o presidente controlaria seis nomeações em um segundo mandato — duas decorrentes das aposentadorias dos ministros Ricardo Lewandowski (em maio de 2023) e Rosa Weber (em outubro de 2023) e quatro geradas pela ampliação de integrantes do tribunal.

Dessa maneira, Bolsonaro poderia indicar oito dos 15 magistrados da Corte Constitucional, incluindo os ministros Nunes Marques e André Mendonça, que indicou para o STF em seu primeiro mandato.

Sérgio Rodas, oo autor deste artigo, é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro. Publicado originalmente em 03.10.22 às 17h26

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Empresários querem definição clara de Lula sobre política econômica antes de declarar apoio

Grupo do PIB que apoiou Simone Tebet (PMDB) agora tende para o candidato do PT, desde que ele migre para o centro, tanto na política quanto na economia; uma minoria deve priorizar Bolsonaro

Para conquistar apoio de parte do empresariado brasileiro, candidato do PT terá que 'migrar' rumo ao centro em relação à economia.  Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Uma parcela do Produto Interno Bruto (PIB) que apostou até o fim as suas fichas na “terceira via”, representada pela candidata Simone Tebet (MDB), percebeu que agora terá de escolher um lado da polarização, já que os votos dos eleitores se concentraram nos candidatos do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, e do PL, Jair Bolsonaro. A resistência maior nesse grupo a Bolsonaro, especialmente pela condução da crise da pandemia de covid-19, não quer dizer, porém, apoio automático a Lula no segundo turno, conforme apurou o Estadão com várias fontes do empresariado e do mercado financeiro nesta segunda-feira, 3. E isso apesar das expectativas de que a própria Tebet anuncie apoio a Lula nos próximos dias.

A posição de João Nogueira, conselheiro de diversas empresas, entre elas a petroquímica Braskem e a Wiz (de soluções para seguros), resume bem o humor dos apoiadores de Tebet. “Antes de mais nada, Lula precisa explicitar e construir um programa negociado com o centro democrático. Precisa ter uma âncora fiscal clara (para conter os gastos públicos), apoio à reforma tributária que está no Senado e quais são os programas sociais e educacionais que serão levados adiante”, diz Nogueira. “O que a gente quer ver é um programa moderno e direcionado para combater as desigualdades, mas com responsabilidade.”

Antes de qualquer declaração favorável definitiva ao petista, eles devem exigir do candidato algo que ele não deu até agora nem ao mercado financeiro nem aos eleitores: clareza na condução de sua política econômica. Apesar de apoios importantes – como o de Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do BC –, Lula tem evitado mostrar as cartas de como conduzirá a economia daqui em diante. A leitura, agora, é de que não basta só ter o ex-tucano Geraldo Alckmin como vice em sua chapa para atrair o mercado financeiro.

Em geral, os empresários do “time Tebet” resistiram à tentação do voto útil no primeiro turno e se comprometeram até o fim com a candidata escolhida. Entre os nomes que formaram o “pelotão de choque” e advogaram pela escolha da emedebista estão Candido Bracher (ex-presidente do Itaú Unibanco), Walter Schalka (presidente da Suzano), Fábio Barbosa (presidente da Natura & Co), Pedro Passos (um dos fundadores da Natura) e Horácio Lafer Piva (sócio e conselheiro da gigante de papel e celulose Klabin).

A sinalização mais aguardada seria o anúncio de um nome para o comando da Economia a partir de 2023, em uma eventual eleição. “O bolsonarismo é uma força política que veio pra ficar. Elegeu quem quis. O PL tem 20% da Câmara agora. Lula terá de buscar apoios de Tebet e Ciro se quiser ganhar. Não se pode subestimar a força do Bolsonaro”, diz um executivo do alto escalão de uma grande instituição financeira.

Parte do mercado vê presença da ex-presidente Dilma e de Gleise Hoffman como um problema para declarar apoio a candidatura de Lula no segundo turno.  

Segundo um dos empresários, a ida ao segundo turno não é necessariamente um fator negativo, pois dará mais chances para Lula ser mais transparente sobre suas propostas para a economia – pressão que não existia antes, já que os institutos de pesquisa apontavam boa chance de vitória de Lula ainda no domingo. Uma maior clareza, agora, seria uma forma de atrair os pouco mais de 7% de votos que se dividiram entre Tebet e Ciro Gomes (PDT).

Política econômica

Outra questão que tem assustado os empresários é o “vai” e “vem” das declarações de Lula sobre a política econômica: para cada apoio de Meirelles há uma demonização do teto de gastos, o que deixa a sinalização turva para quem quer entender o que vai acontecer mais à frente. Por isso, o banqueiro Ricardo Lacerda, do BR Partners, afirma que, se quiser angariar os votos de empresários e da classe média, Lula terá de se comprometer com nomes e políticas. “Lula passou a campanha toda sem se comprometer”, afirma o empresário, que no primeiro turno apoiou Luiz Felipe d’Avila, do Novo.

Outro fator que incomoda parte do empresariado, e é destacada por Lacerda, é o fato de o candidato aparecer constantemente ao lado de nomes a que o mercado tem resistência, como a ex-presidente Dilma Rousseff, Gleisi Hoffmann (presidente do PT) e Aloizio Mercadante (coordenador de seu programa de governo). “Ele vai ter de abandonar os ícones do petismo que o acompanharam recentemente”, diz o banqueiro.

Fernanda Guimarães e Fernando Scheller para O Estado de S. Paulo, em 03.10.22, às 17h44

Mulheres são as mais ansiosas para tirar Bolsonaro do poder

O eleitor de Bolsonaro é o típico homem brasileiro: homens sedentos de poder e com medo de perder os privilégios de uma herança colonial patriarcal

Apoiadores de Lula da Silva aguardam os resultados das eleições no Brasil.

Haverá um segundo turno nas eleições presidenciais brasileiras . Ainda estou esperando que institutos de pesquisa expliquem o crescimento de Bolsonaro nas pesquisas, principalmente em estados decisivos como Rio de Janeiro ou São Paulo. Lula chegou onde as pesquisas indicavam, a surpresa foi Bolsonaro. Uma explicação possível é que eleitores indecisos ou sem chance de vencer no segundo turno transferiram seu voto para Bolsonaro . Se essa hipótese for razoável, quem seriam essas pessoas?

O eleitor de Bolsonaro é o típico homem brasileiro. São homens que se projetaram como chefes na família e chefes no trabalho. Homens ávidos de poder e temerosos de perder os privilégios de uma herança colonial patriarcal. Bolsonaro se apresenta como um arquétipo de masculinidade robusta: sua política é de homens para homens. É verdade que Bolsonaro elegeu mulheres como deputadas e senadoras, o que mostra que não basta haver mulheres na política, mas que são necessárias mulheres com consciência crítica dos efeitos do patriarcado na democracia.

Cadê os eleitores de Bolsonaro? Há uma distribuição regional óbvia que se cruza com outros sistemas históricos de opressão, como a desigualdade de classes e o racismo. O Brasil que se acredita branco e educado no sul votou massivamente em Bolsonaro, enquanto o Brasil do nordeste, herdeiro da escravidão, votou em Lula. É o homem branco e alvejado das classes média e alta que impulsiona Bolsonaro como força política.

Como esse quadro sombrio pode ser revertido? Lula não tem escolha a não ser se dirigir a jovens, mulheres e pessoas de diferentes gêneros. Somos nós que, em 2018, ocupamos as ruas e gritamos “#EleNão” contra Bolsonaro, em um dos maiores movimentos de consenso da história política brasileira. Somos nós, as mulheres, que mais uma vez rejeitamos Bolsonaro nas urnas. Não somos o típico eleitor de Bolsonaro. É verdade que para muitos de nós talvez Lula não fosse o candidato para a necessária transformação democrática no país, mas é o candidato possível para conter a consolidação do bolsonarismo no país.

Lula não deve ter medo de responder a perguntas simples como se haverá paridade de gênero em seus ministérios ou se ele nomeará mulheres negras para o Supremo. Não deve se esquivar de questões prementes que afetam a vida das mulheres, como a violência doméstica ou a criminalização do aborto, a fome ou o desemprego. Há um eleitorado feminino que não votou em Lula no primeiro turno, mas que, como eu, teme Bolsonaro. É urgente encarnar a política: as mulheres são as mais impactadas pelo governo Bolsonaro e nós somos as mais ansiosas para tirá-lo do poder.

Debora Diniz, a autora deste artigo, é professora da Universidade de Brasília. Publicado originalmente no EL PAÍS, em 02.10.22 às 23h:06