sábado, 1 de outubro de 2022

Bolsonaro, a destruição como estratégia

Antes de chegar à presidência do Brasil em 2018, o atual presidente foi deputado por 27 anos; sua chegada ao poder não moderou suas explosões, nem seu caráter desconfiado, nem seu olhar maniqueísta sobre o mundo

Sciammarella

O acontecimento que provavelmente marcou a vida de Jair Messias Bolsonaro de forma mais intensa ocorreu em 1970 na pequena cidade onde morava com seus irmãos e seus pais, um dentista sem licença que, para ganhar a vida, aventurou-se como garimpeiro e dona de casa que teve uma gravidez tão ruim que ela quis batizá-lo como Messias porque ele considerava seu nascimento um milagre. O nome dado, Jair, é para um jogador de futebol.

Bolsonaro era um adolescente de 15 anos – e o Brasil uma ditadura – quando um enorme destacamento militar abalou a rotina tediosa de Eldorado, 180 quilômetros ao sul de São Paulo. Um contingente de soldados desembarcou ali em busca de Carlos Lamarca, capitão desertor que se juntou aos insurgentes, e em sua fuga se envolveram em um tiroteio com a polícia na praça. O desembarque de soldados, os bloqueios e buscas impressionaram aquele menino nascido em Glicério (São Paulo). Com o tempo, ingressou relutantemente no Exército, saiu da instituição pela porta dos fundos, teve uma longa e medíocre carreira como deputado e, para surpresa de muitos de seus compatriotas que durante anos o ignoraram ou desprezaram, tornou-se presidente da República . em 2018.

Como primeiro presidente, o extrema-direita - 67 anos e pai de cinco filhos com três esposas - quebrou muitas promessas econômicas, mas promoveu um pagamento aos pobres que chega a mais pessoas e com mais dinheiro do que o antigo programa Bolsa Família , fez a venda de armas e desmantelou a política ambiental do Brasil. Favorito dos eleitores mais conservadores graças à sua firme oposição à expansão do aborto ou direitos LGBT+ e ídolo do Brasil que abomina o “comunismo” e as políticas de igualdade de gênero, ele aspira a conquistar mais um mandato nas eleições de 2 de outubro contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, 76 anos.

Perfil de Jair Bolsonaro

Apesar da crise econômica e da gestão desastrosa da pandemia, Bolsonaro manteve o apoio inabalável de um terço do eleitorado durante esses quatro anos.

Há meses, Lula lidera algumas pesquisas cujas previsões o presidente e os bolsonaristas consideram manipuladas e mentirosas. Como se estivessem preparando o terreno para questionar o resultado eleitoral emulando seu admirado Donald Trump nos Estados Unidos. Seria o culminar de uma estratégia de ataques sustentados a instituições como o Supremo Tribunal Federal, seu principal contrapeso durante este mandato, embora também tenha sido acusado de cometer excessos nesse esforço. A erosão da democracia brasileira é evidente.

A jornalista Carol Pires, 36 anos, autora de um fascinante perfil sonoro de Bolsonaro intitulado Retrato Narrado , descobriu durante sua investigação o significado daquele episódio ocorrido há meio século em Eldorado. Para ela, a principal característica da personalidade de Bolsonaro é que "desde jovem foi um homem paranoico, dado a conspirações". Seus colaboradores defenestrados "dizem que passaram de aliados a inimigos em um piscar de olhos com explicações de conspiração". A mudança de ministros tem sido constante. Em plena pandemia, trocou de ministro da Saúde quatro vezes .

“Durante seus 27 anos como deputado federal, Bolsonaro contou essa história (da caça à guerrilha) de diferentes maneiras”, explica Pires, repórter e roteirista. Versão a versão, a participação deles cresceu. Ganhou destaque. Primeiro, que a batida o pegou na escola; então, que ele testemunhou o tiroteio; depois, que se juntou aos soldados na busca... Acrescenta o jornalista que, a partir de então, introduziu teorias da conspiração. Dizia, sem provas, que o guerrilheiro Lamarca estava na área financiada pelo prefeito de Eldorado, pai de Rubens Paiva, deputado desaparecido durante a ditadura. Décadas depois, Bolsonaro introduziu a ex-presidente Dilma Rousseff, que era guerrilheira, na história para implicá-la falsamente no desaparecimento daquela parlamentar. Puro Bolsonaro.

Em 2016, na tumultuada sessão em que os deputados tiveram que votar o impeachment da esquerdista Dilma Rousseff, a extrema-direita dedicou seu voto sim a um repressor que a torturou quando foi detida. O gesto assustou alguns brasileiros, mas para muitos foi mais uma das provocações e desabafos do deputado Bolsonaro. Como as fotos dos ditadores que governaram entre 1964 e 1985 penduradas em seu gabinete no Congresso. Eles ainda estão lá: um deputado bolsonarista os herdou.

Para o presidente Bolsonaro, esta eleição é um duelo entre o bem e o mal. Ele também recorre ao discurso messiânico para explicar sua chegada à presidência, cargo para o qual considera ter sido nomeado por Deus após sobreviver às facadas de um louco que quase o matou na campanha eleitoral anterior. Foi um divisor de águas. Isso desencadeou sua fama e o separou dos debates eleitorais.

Durante esses quatro anos no topo do poder, ele negou aqueles que previam que ele seria moderador no cargo. O presidente Bolsonaro é bastante parecido com o candidato ou deputado Bolsonaro. Sua absoluta falta de empatia com as vítimas do covid lhe custou caro, com comentários como "meu nome é Messias, mas não faço milagres" ou sua resposta de "e o que você me diz, estou não um agente funerário!". Essa insensibilidade e a demora na compra da vacina , com a consequente perda de vidas evitáveis, é um dos motivos mais citados pelos eleitores que apostam nele como a personificação da mudança e agora vão optar por candidatos da chamada terceira via ou mesmo por Lula.

Embora a pandemia tenha representado um desafio de calibre que seus antecessores não tiveram que enfrentar, a verdade é que a gestão do presidente se caracteriza mais pelo desejo de destruir do que pela determinação de construir. “Bolsonaro nunca teve um projeto político, nunca foi deputado com propostas de políticas públicas”, enfatiza o jornalista Pires. “Suas declarações mais conhecidas são invariavelmente agressivas contra mulheres, homossexuais, negros. Sempre focado na aniquilação do diferente. Sua lógica é que quem discorda dele é mau e deve ser destruído. O que você quer colocar em seu lugar? Ele nem mesmo sabe disso", diz. A tudo isso, os admiradores de Bolsonaro chamam de “franqueza”.

O capitão, como é conhecido na família, é o patriarca e líder de um clã político. Ele lidera um grupo compacto formado pelos três filhos mais velhos , estrategicamente colocados em diferentes centros de poder: Flávio, o primogênito, conhecido como 01, é senador; O vereador carioca Carlos, 02, é o cérebro da estratégia nas redes sociais e o deputado Eduardo, 03, o elo com a extrema direita iliberal do resto do mundo, de Trump aos espanhóis do Vox ou à italiana Giorgia Meloni.

Para quem o conhecia – minoria, quem acompanha de perto a política parlamentar – Bolsonaro era aquele deputado irrelevante, motivo de chacota que em três décadas não havia aprovado uma única lei. Lembrada por ter dito na década de 1990 que "o regime militar deveria ter terminado o trabalho matando cerca de 30 mil" ou dizendo a uma deputada de esquerda que ela era "feia demais para ser estuprada".

Bolsonaro soube ver seu momento após a vitória eleitoral de Trump nos Estados Unidos. Ele habilmente capitalizou o cansaço com a corrupção, a violência e o descontentamento com os políticos ao longo da vida, mesmo que ele fosse um deles. E seu filho Carlos, 02 anos, idealizou uma campanha nas redes sociais que foi extremamente eficaz.

O patriarca tirou 10 pontos do candidato do PT no segundo turno porque soube aproveitar a situação, além de forjar alianças com evangélicos, policiais e soldados. Dois em cada três brasileiros e sete em cada dez protestantes votaram nele. No interior do Brasil, seu discurso de priorizar o desenvolvimento econômico extrativista, desconsiderando os danos ao meio ambiente ou às comunidades indígenas, também foi entusiástico. Isso lhe deu o apoio do setor econômico mais próspero, a agroindústria, ao mesmo tempo em que apontava ONGs, povos indígenas, ambientalistas e outros setores como culpados de impedir o desenvolvimento econômico que beneficiaria os habitantes locais.

Quatro anos depois, se as previsões das pesquisas se confirmarem, ele será o primeiro presidente que o Brasil não reelegeu até agora neste século.

Impossível entender Bolsonaro sem ter em mente que ele foi formado na academia militar durante os anos de liderança da ditadura e que deixou a instituição justamente quando o Brasil voltava ao caminho da democracia, em 1988. Ele foi convidado a voltar à vida civil. vida após contar à revista Veja sobre seus planos de plantar uma bomba para protestar contra os baixos salários dos soldados. O autor do perfil sonoro de Bolsonaro sustenta que “ele traz para a política aquela mentalidade de exército golpista”. Sua conclusão, depois de muitos meses imerso nos cantos e recantos da vida do presidente, é que "ele foi um mau soldado, um mau deputado e um mau presidente".

O direitista e seus seguidores insistem que as pesquisas o subestimam novamente como em 2018. Eles sustentam que a mídia e as autoridades eleitorais estão em conluio para expulsá-lo e que Lula vença. A prova, dizem, é que basta dar uma olhada nas multidões que ele reúne em seus eventos —famílias tradicionais, entusiastas de motos e armas— para ter certeza de que a vitória do capitão está ao seu alcance, na primeira volta. A incógnita é o que acontecerá se as autoridades eleitorais certificarem que a maioria dos brasileiros prefere seu oponente.

Naiara Galarraga Gortazar, a autora deste artigo, é  correspondente do EL PAÍS no Brasil. Anteriormente, ela foi vice-chefe da seção Internacional, correspondente de migração e enviada especial. Trabalhou nas redações de Madri, Bilbao e México. Durante uma pausa em sua carreira no jornal, foi correspondente em Jerusalém da Cuatro/CNN+. É licenciada e mestre em Jornalismo (EL PAÍS/UAM). Publicado em 01.09.22.

Lula, uma ressurreição

O primeiro trabalhador a chegar à Presidência do Brasil, tirou milhões da pobreza e passou 20 meses na cadeia acaricia um terceiro mandato aos 76 anos nas eleições de domingo

Uma ilustração de Lula da Silva. (Sciammarella)

Poucas pessoas viajaram tanto pelo mundo e viram tão pouco fora de hotéis, palácios e escritórios como Luiz Inácio Lula da Silva (76 anos, Garanhuns, Pernambuco). Ele já era o ex-presidente do Brasil quando, em viagem oficial à Índia, não reservou um momento fora da agenda oficial, nem mesmo para fazer uma breve escapada e visitar um dos mais belos monumentos do mundo. “Nos últimos anos, Lula não fez nada além de política. Ele não aproveita nenhuma viagem para ver nada. Na Índia, ele nem viu o Taj Mahal. Ficou no hotel a receber políticos”, revela o seu biógrafo e amigo Fernando Morais, que há uma década segue os seus passos, por telefone.

A política é o combustível que alimenta esse homem pragmático e camaleônico que, após sua queda em desgraça, protagoniza a mais inesperada ressurreição política dos últimos tempos. Ele acaricia um terceiro mandato à frente da primeira potência da América Latina, que governou entre 2003 e 2010.

Imaginar o cenário atual soaria delirante há quatro anos, quando o metalúrgico que virou dirigente sindical que fundou o Partido dos Trabalhadores (PT) era praticamente um cadáver político. Preso por corrupção seis meses antes das eleições, não pôde nem votar nas eleições vencidas por um político de extrema direita nostálgico da ditadura, Jair Bolsonaro, 67 anos. Lula já havia conhecido a prisão durante o governo militar.

Agora, quatro anos depois, as pesquisas colocam o pernambucano 12 pontos à frente da extrema-direita antes das eleições de 2 de outubro, nas quais o Congresso, governadores e parlamentos estaduais também são eleitos. Se nenhum candidato obtiver metade mais um dos votos válidos, haverá um segundo turno quatro domingos depois. Os dois favoritos são velhos conhecidos do eleitorado. Para Lula —que significa lula em português— é sua sexta escolha porque, antes de ganhar duas vezes , perdeu três. Ele estava prestes a sair, mas o cubano Fidel Castro o convenceu com o argumento de que não poderia trair a classe trabalhadora.

Perfil de Lula da Silva


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Fidel Castro conversa com Luiz Inácio Lula da Silva durante manifestação em Havana (Cuba), em 27 de novembro de 2000. (Getty Images)

Lula entrou para a história em 2003, quando se tornou o primeiro – e até agora único – trabalhador a presidir este país classista e desigual como poucos. Para uma parte de seus compatriotas, ele é o herói que tirou milhões da pobreza e lhes deu oportunidades inimagináveis ​​para os mais velhos. Para outros, o líder de uma quadrilha de saqueadores de dinheiro público na petroleira Petrobras (embora as condenações por corrupção que levaram a 20 meses de prisão tenham sido anuladas ou arquivadas). Ele sempre proclamou sua inocência e sua confiança na justiça.

Por mais de três décadas, ele tem sido a figura central da política brasileira. Para melhor ou pior, quase tudo gira em torno dele. Dificilmente alguém contesta que ele é um hábil negociador, carismático, empático, astuto e um grande contador de histórias. Na escola já se destacava pela expressão oral e escrita, embora não fosse um bom aluno, segundo seu biógrafo.

O PT é o partido mais sólido do Brasil, mas não é mais a poderosa máquina eleitoral dos melhores anos de Lula. Seu poder territorial vem diminuindo desde o impeachment de Dilma Rousseff em 2016. Ele ou seus aliados governam cinco estados, todos no Brasil mais pobre, e desde os últimos municípios não administram uma única das capitais ; apenas um punhado de municípios totalizando quatro milhões em uma população de 210 milhões. A festa, afinal, é uma formação pessoal. Seu grupo parlamentar, um dos maiores com 56 cadeiras, não conseguiu se firmar como uma oposição poderosa ao bolsonarismo. Esse papel foi assumido por Lula quando foi solto.

Seus discursos incluem referências constantes a Dona Lindu, sua mãe. Aquela mulher analfabeta e severa que conseguiu criar seus sete filhos depois de deixar um marido abusivo se chamava Eurídice Ferreira de Melo. E quando os jornalistas lhe perguntam sobre o teto de gastos, Lula costuma fugir e diz que aprendeu a administrar o dinheiro graças a essa dona de casa em um lar pobre. Embora o poder econômico o temesse como radical, ele era bastante ortodoxo, embora implementasse políticas para uma distribuição de renda um pouco mais justa: com os governos progressistas, a renda média dos brasileiros subiu 38% mais que a inflação, mas a dos mais pobres aumentou muito mais, 84%, segundo o Partido dos Trabalhadores.


Cartaz de Lula da Silva na sede do PT (Partido dos Trabalhadores) em Brasília, em 20 de setembro de 2022. (Gustavo Minas / Getty Images)

Para muitos dos brasileiros mais necessitados, Lula é um deles porque conhece a miséria. Nascido no interior de Pernambuco, terra devastada pela pobreza e pela seca, ele tinha sete anos quando, em 1952, viajou com a mãe e os irmãos em uma van por 13 dias para chegar à pujante São Paulo em um êxodo de nordestinos para o sul. Eles se estabeleceram com a segunda família criada por seu pai, Aristides, um estivador que se esforçava para alimentar todos os seus filhos enquanto os tratava com uma crueldade que beirava o sadismo, conta Morais em Lula, Biografia Volume 1(Planeta em espanhol; Companhia das Letras, em português). A vida era dura, mas havia oportunidades. Lula se aproveitou deles. Ele trabalhou como engraxate e menino de recados antes de entrar em uma escola profissional, seu trampolim para o emprego de torneiro. Nessa tarefa, ele perdeu o dedo mindinho esquerdo. Bolsonaro costuma chamá-lo de “nove dedos” .

Ele gosta de ouvir inúmeras opiniões antes de decidir. Ele lida bem com a ambiguidade e é um político que se move entre pobres, banqueiros ou reis sem parecer um impostor. A sua é "uma personalidade múltipla", sublinha Morais, que também destaca a sua capacidade de não guardar rancor. Nem mesmo seu tempo na prisão azedou seu caráter. "Ele tem mais capacidade de fazer alianças com ex-inimigos do que a maioria das pessoas que conheço", diz ele sobre seu amigo.

Basta olhar para quem ele escolheu como seu companheiro de viagem . Seu candidato à vice-presidência é Geraldo Alckmin, ex-adversário na disputa presidencial de 2006, figura histórica da centro-direita, de 70 anos, que na campanha eleitoral anterior chegou a dizer dele: "Depois de arruinar o país, Lula quer voltar ao poder, ao local do crime”, frase que Bolsonaro usa agora para atacar a dupla.

Lula também é “teimoso”. Ele ainda estava preso quando disse: "Vou sair daqui para disputar a Presidência da República", lembra o jornalista que conversa com ele ainda nesta reta final da campanha.

Quando entrou na prisão em 2018, Lula pensou que seria uma questão de dias, mas foram 20 meses. Tempo suficiente para escrever centenas de cartas à namorada Rosángela Silva, Janja , 55 anos, com quem acabou de se casar . E para ler como nunca antes, com um dicionário de português e um atlas. Essas leituras que “deram consistência aos seus princípios e objetivos”, diz Morais, que acrescenta: “Saiu muito melhor do que entrou”. Ele não tinha medo de fazer perguntas a seus advogados como: "Diga-me uma coisa, que história é essa de política de identidade?" Tampouco digere bem outras questões da modernidade, como o uso de telefones celulares. E o irrita muito que no meio das reuniões os presentes consultem a tela do telefone.

Lula da Silva cumprimenta apoiadores durante comício de campanha no Rio de Janeiro, em 25 de setembro de 2022. (Buda Mendes / Getty Images)

Muito admirado no exterior, Obama disse dele reunido no G20: “Eu amo esse cara. Ele é o político mais popular do mundo!” No ano seguinte deixou o poder com 87% de popularidade, como adora recordar. Depois de percorrer o mundo como ex-presidente, acabou afundado no atoleiro por aquele furacão que foi o escândalo de corrupção da Lava Jato. Amados e odiados, o rancor contra Lula e o PT diminuiu um pouco após sua saída da prisão. Não faltam brasileiros assustados com Bolsonaro que votarão nele apesar de estarem convencidos de que ele não era um político íntegro.

Pai de cinco filhos, a vida lhe deu outros golpes. Sua primeira esposa faleceu junto com o bebê que esperavam. A segunda, Dona Marisa, em plena perseguição judicial. Ele superou o câncer de laringe.

Ele está animado com o calor dos comícios, o contato direto com as pessoas, que a pandemia, e agora a segurança, complicam. Mas ninguém se lembra dele em atividades terrenas como ir ao supermercado, ao cinema, a um restaurante ou ao estádio do Corinthians, time do lendário Sócrates do qual ele é torcedor.

Antes de entrar na prisão, em 2018, ainda jogava alguns jogos de futebol com os amigos (em um conheceu Janja) e alguns sábados organizava um churrasco em sua casa com antigos camaradas dos tempos em que lutavam contra a ditadura pela greve. Nem isso mais. Apenas política. Sempre acompanhado da esposa, ele tem a missão de derrotar Bolsonaro, salvar a democracia e voltar ao poder para "reincluir os pobres no orçamento e que todos os brasileiros comam três refeições por dia". Ele mesmo disse estar ciente da magnitude do desafio nestes tempos, que não são mais os da bonança gerada pelas matérias-primas. "É por isso que faço ginástica todos os dias." Para servir o Brasil. E reescrever sua história.

Naiara Galarraga Gortazar, a autora deste artigo, é  correspondente do EL PAÍS no Brasil. Anteriormente, ela foi vice-chefe da seção Internacional, correspondente de migração e enviada especial. Trabalhou nas redações de Madri, Bilbao e México. Durante uma pausa em sua carreira no jornal, foi correspondente em Jerusalém da Cuatro/CNN+. É licenciada e mestre em Jornalismo (EL PAÍS/UAM). Publicado originalmente em 01.09.22

sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Zelenski pede "adesão rápida" da Ucrânia à OTAN e garante que Kyiv não negociará com Moscou enquanto Putin estiver no comando

 O presidente russo proclama a anexação de Zaporizhia, Kherson, Donetsk e Lugansk: "Esta é a grande missão libertadora do nosso povo" | UE condena manobra da Rússia: "Nunca a reconheceremos"

Stoltenberg sobre o pedido de adesão da Ucrânia à OTAN: "Continuaremos a apoiar o direito da Ucrânia de escolher seu caminho"

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O presidente ucraniano, Volodímir Zelensky, anunciou esta sexta-feira que o país vai pedir uma "adesão rápida" à OTAN depois de anunciar a anexação russa das províncias ucranianas de Zaporizhia, Kherson (ambas no sul do país), Donetsk e Lugansk (leste). "Estamos dando nosso passo decisivo ao assinar o pedido da Ucrânia de adesão acelerada à OTAN", disse Zelensky. Além disso, o presidente ucraniano disse que Kyiv não está disposta a retomar as negociações com Moscou enquanto o presidente russo for Vladimir Putin. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, também condenou a "tentativa fraudulenta de anexação" e respondeu com novas sanções contra uma centena de funcionários e setores estratégicos (tecnológico e de defesa). Essas reações ocorrem após a cerimônia realizada no Kremlin nesta sexta-feira em que Putin assinou os tratados de anexação. “Esta é a grande missão libertadora de nosso povo”, disse Putin. A incorporação desses territórios à Federação Russa viola a legalidade internacional, uma vez que as consultas foram realizadas em plena guerra, quase sem margem, com parte de sua população exilada e outra mobilizada à força no front para lutar ao lado das tropas russas. A Rússia vetou uma resolução do Conselho de Segurança da ONU contra a anexação. China, Índia e Brasil se abstiveram. dado que as consultas foram realizadas em plena guerra, quase sem margem, com parte da sua população exilada e outra mobilizada à força na frente para combater ao lado das tropas russas. A Rússia vetou uma resolução do Conselho de Segurança da ONU contra a anexação. China, Índia e Brasil se abstiveram. dado que as consultas foram realizadas em plena guerra, quase sem margem, com parte da sua população exilada e outra mobilizada à força na frente para combater ao lado das tropas russas. A Rússia vetou uma resolução do Conselho de Segurança da ONU contra a anexação. China, Índia e Brasil se abstiveram.

Rússia convoca 120.000 recrutas, mas promete não enviá-los para a Ucrânia

A Rússia convocou nesta sexta-feira sua taxa de outono, na qual 120.000 russos são chamados a cumprir seu serviço militar de um ano. Segundo o Ministério da Defesa, a ligação, que é feita duas vezes por ano, "não tem nada a ver" com a invasão russa da Ucrânia, informa a agência pública russa Tass. Todos os russos entre 18 e 27 anos devem prestar serviço militar ou serviço equivalente se forem estudantes do ensino superior. 

As autoridades russas de recrutamento já reconheceram que o draft da primavera, que ocorreu em março imediatamente após a invasão da Ucrânia, foi mais difícil de concluir do que em outros anos. O recrutamento "parcial" de reservistas para lutar na Ucrânia, ordenado pelo presidente Vladimir Putin há uma semana, provocou reações violentas, especialmente em regiões onde mais soldados já estão participando da invasão. Alguns escritórios de recrutamento foram incendiados. (Reuters)

O Ocidente denuncia que a anexação russa dos territórios ucranianos representa a escalada mais grave desde o início da guerra

Por Maria R. Sahuquillo, de Bruxelas. O Ocidente se mobiliza para rejeitar o ataque imperialista do Kremlin. Os últimos movimentos do presidente Vladimir Putin, que abalou o mundo em fevereiro com sua guerra na Ucrânia e agora com a anexação ilegal de quatro províncias de seu vizinho, levantaram o alarme da UE e da OTAN. Jens Stoltenberg, secretário-geral da Aliança Atlântica, sublinhou esta sexta-feira que a campanha de recrutamento, juntamente com as ameaças nucleares e a absorção do território ucraniano, representam a "escalada mais grave da guerra" desde o início do conflito. "Esta é a maior tentativa de anexar território europeu pela força desde a Segunda Guerra Mundial", disse ele em entrevista coletiva em Bruxelas. “Outros 15% do território da Ucrânia [além da anexação da Crimeia], uma área aproximadamente do tamanho de Portugal,

Rússia veta uma declaração de condenação no Conselho de Segurança da ONU contra a anexação das províncias ucranianas

Como esperado, a Rússia usou seu direito de veto no Conselho de Segurança da ONU nesta sexta-feira para rejeitar uma declaração condenando a anexação pela Rússia, horas antes, de quatro províncias ucranianas parcialmente ocupadas pelas forças de segurança: Moscou.

China, Índia e Brasil também se abstiveram na resolução, apresentada pela Albânia e apoiada, entre outros, pelos EUA (Reuters)

Os EUA arrastam os pés sobre a candidatura da Ucrânia à OTAN e prometem mais armas

O conselheiro de segurança nacional Jake Sullivan disse sexta-feira em resposta ao pedido da Ucrânia de aderir à OTAN que "a melhor maneira de apoiar a Ucrânia é com apoio prático no terreno" e prometeu mais ajuda militar "imediata", que será finalizada na próxima semana.

Sullivan salientou que, além disso, os Estados Unidos punirão qualquer entidade ou indivíduo que apoie de alguma forma as tentativas de anexar as províncias ucranianas ocupadas pela Rússia, e que apoie a resolução apresentada ao Conselho de Segurança da ONU denunciando a proclamação desta Sexta-feira do presidente russo Vladimir Putin como um "golpe".

O conselheiro de Segurança Nacional também indicou que os EUA ainda não determinaram a responsabilidade pelas explosões nos gasodutos Nord Stream e apontou que os EUA e seus aliados ocidentais “devem se preocupar” com possíveis ataques russos à infraestrutura. Sullivan também reiterou que, embora os EUA levem "muito a sério" as ameaças de Moscou de usar armas nucleares, "por enquanto" eles não estão vendo uma ação ativa da Rússia nesse sentido. (Reuters)

Zelenski afirma que as forças ucranianas conseguiram resultados "significativos" no leste

O presidente ucraniano, Volodímir Zelenski, afirmou esta sexta-feira que as forças de Kiev conseguiram resultados "significativos" no leste do país, mencionando especificamente a cidade de Lyman, ocupada pelos russos, mas não deu mais detalhes. "Esses passos significam muito para nós", disse ele. 

Zelensky fez essas declarações em um vídeo postado em suas redes sociais. Horas antes, o Ministério da Defesa ucraniano havia informado que suas tropas haviam tomado uma cidade perto de Lyman, na província de Donetsk, na região de Donbas. (Reuters)

Biden a Putin: "Os aliados e os EUA não serão intimidados"

O presidente dos EUA, Joe Biden, dirigiu-se ao seu homólogo russo, Vladimir Putin, após o anúncio da anexação de vários territórios ucranianos. “Os aliados e os EUA não serão intimidados. Você não vai nos intimidar com suas ameaças. As ações de Putin são um sinal claro de que ele está passando por um momento difícil. (...) Não vamos reconhecer essa anexação ilegal. O mundo não a reconhecerá. Você não pode tomar o território de seus vizinhos e deixar que nada aconteça", disse Biden. "Os EUA estão preparados para defender cada centímetro de território com a OTAN." 

Biden também se referiu aos vazamentos nos gasodutos Nord Stream. “Houve um ato deliberado de sabotagem e agora os russos estão alimentando as redes com informações erradas. Mas sabemos perfeitamente o que aconteceu e por isso já começamos a ajudar nossos aliados a defender a infraestrutura crítica. (...) Vamos apurar o que aconteceu”, disse o presidente. 

O que aconteceu nas últimas horas

No 219º dia da guerra iniciada pela Rússia contra a Ucrânia, estes são os principais dados às 20h00 desta sexta-feira, 30 de setembro:

Putin assina a anexação dos territórios ucranianos. O presidente russo, Vladimir Putin, alertou que não há volta atrás na anexação dos territórios ocupados na Ucrânia e exigiu de Kyiv "um cessar-fogo imediato e um retorno à mesa de negociações". Da mesma forma, o presidente enfatizou que "a Rússia não abordará o retorno de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporizhia nas negociações". O presidente assinou na sala de San Jorge do Grande Palácio do Kremlin os tratados de anexação dos territórios que a Rússia ocupa parcialmente na Ucrânia. Estas são as províncias de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporizhia, cujas autoridades impostas por Moscou também selaram os documentos.

Ucrânia eleva para 30 os mortos no ataque a Zaporizhia.  O chefe da Polícia Nacional da Ucrânia, Ihor Klimenko, atualizou na tarde desta sexta-feira o número de mortos no ataque russo a civis em Zaporizhia. 30 pessoas morreram e 88 ficaram feridas. Entre os mortos estão dois menores: uma menina de 11 anos e um menino de 14 anos. "O exército russo sabia que sempre havia muita gente aqui. Especialmente de manhã. E eles miraram deliberadamente aqui. Este é um assassinato em massa direcionado", denunciou Klimenko.

A Ucrânia pede uma "adesão rápida" à OTAN. O presidente ucraniano, Volodímir Zelenski, anunciou em sua conta no Telegram que o país solicitará uma "adesão rápida" à OTAN após o anúncio russo de que quatro territórios ucranianos serão anexados após a realização de pseudo-referendos. "Estamos dando nosso passo decisivo ao assinar o pedido de adesão rápida da Ucrânia à OTAN", escreveu Zelensky.

Os EUA aprovam novas sanções. Os Estados Unidos impuseram novas sanções contra a Rússia como punição pela declaração de anexação de áreas ucranianas que somam 15% do território do país invadido. As medidas dos departamentos de Comércio e Tesouro afetam os setores de tecnologia e defesa e centenas de políticos russos.

As cargas produzidas pelos vazamentos nos gasodutos equivalem a "centenas de quilos" de explosivos.  Os governos da Suécia e da Dinamarca entregaram um relatório ao Conselho de Segurança das Nações Unidas no qual afirmam que as explosões que causaram os vazamentos nos gasodutos Nord Stream no Mar Báltico foram equivalentes a "centenas de quilos" de TNT. "A magnitude das explosões foi medida em 2,3 e 2,1, respectivamente, na escala Richter, provavelmente equivalente a uma carga explosiva de centenas de quilos", diz o documento. 

Stoltenberg: "Continuaremos a apoiar o direito da Ucrânia de escolher seu caminho." O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, apareceu em Bruxelas na sexta-feira após o pedido da Ucrânia para se juntar à Otan. “Toda democracia na Europa tem o direito de se candidatar à adesão à OTAN e os aliados mantêm esse direito e nossas portas permanecem abertas. Continuaremos apoiando o direito da Ucrânia de escolher seu caminho para o futuro e para que eles decidam quais opções desejam escolher para sua segurança", disse o secretário-geral.

À imagem de Maksim Blinov, celebração em Moscou da anexação dos territórios ucranianos.

Ucrânia aumenta para 30 o número de mortos em ataque em Zaporizhia

O chefe da Polícia Nacional da Ucrânia, Ihor Klimenko, atualizou na tarde desta sexta-feira o número de mortos no ataque russo a civis em Zaporizhia. 30 pessoas morreram e 88 ficaram feridas. Entre os mortos estão dois menores: uma menina de 11 anos e um menino de 14 anos. "O exército russo sabia que sempre havia muita gente aqui. Especialmente de manhã. E eles miraram deliberadamente aqui. Este é um assassinato em massa direcionado", denunciou Klimenko.

Noruega considera se juntar à Finlândia e fechar a fronteira para turistas russos

As autoridades norueguesas informaram esta sexta-feira que estão a ponderar a possibilidade de se juntar à Finlândia e fechar a sua fronteira a turistas russos no quadro da invasão russa da Ucrânia e pouco depois de o presidente, Vladimir Putin, anunciar a anexação de quatro regiões do leste. do país. "Se necessário, fecharemos rapidamente a fronteira. Essas mudanças podem entrar em vigor o mais rápido possível", alertou o Ministério da Justiça e Segurança Pública em comunicado.

No entanto, o Governo salientou que, em comparação com a Finlândia, “poucas pessoas vêm à Noruega, pelo que a situação é diferente no país”. "Há apenas uma passagem de fronteira com a Rússia, a de Storskog", esclareceu antes de esclarecer que "eles estão em contato com a polícia e funcionários da alfândega para resolver a situação na área de fronteira". Isso foi confirmado pela ministra da Justiça, Emily Enger Mehl, que indicou que a medida ocorre depois que Putin anunciou uma mobilização parcial, o que poderia aumentar o fluxo migratório e a entrada ilegal no país de cidadãos da Rússia. "A mobilização na Rússia e a possibilidade de cidadãos russos serem impedidos de sair aumentam esse risco", disse. indicou antes de anunciar o aumento das verificações e vigilância no distrito de Finnmark, implantando helicópteros com sensores. (EP)

Putin: “Somos mais fortes porque estamos juntos”

O presidente russo, Vladimir Putin, garantiu esta sexta-feira num grande concerto na Praça Vermelha que, com a anexação das quatro regiões ucranianas de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporizhia, a Rússia fica “mais forte”. “Somos mais fortes porque estamos juntos. A verdade está do nosso lado. E na verdade é a força. E isso significa que a vitória será nossa”, disse Putin do palco montado na Praça Vermelha para celebrar a anexação.

Putin assegurou que foi a Rússia que criou "a Ucrânia moderna, cedendo a ela grandes territórios, o território histórico da Rússia junto com sua população". “Hoje é um dia especial, festivo e, sem exageros, histórico. Um dia de verdade e justiça”, destacou junto com os líderes das quatro regiões separatistas. O líder russo prometeu que Moscou fará "todo o possível" para apoiar os "irmãos e irmãs" das quatro regiões ucranianas anexadas. “Faremos tudo o que pudermos para garantir a segurança deles. Faremos tudo para restaurar a economia e restaurar a infraestrutura", disse ele diante de dezenas de milhares de pessoas. (Ef)

Israel não reconhece anexação

Por  Antonio Pita  (Jerusalém). Israel - que não entrega armas à Ucrânia nem impõe sanções à Rússia para evitar alienar Moscou - não reconhecerá a anexação das províncias ucranianas de Zaporizhia, Kherson, Donetsk e Lugansk, assinada nesta sexta-feira por Vladimir Putin. “Israel apoia a soberania e a integridade territorial da Ucrânia. Não reconheceremos a anexação das quatro províncias pela Rússia. Israel repetiu essa posição clara muitas vezes, inclusive nos últimos dias", disse o Ministério das Relações Exteriores em comunicado.

Israel enviou apenas material de proteção individual para Kyiv para suas forças, como capacetes ou coletes à prova de balas, em uma política criticada em várias ocasiões pelo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. A última foi na semana passada, quando disse ao canal de televisão francês TV5Monde que não entendia por que não estava fornecendo mísseis antiaéreos. “Israel não nos forneceu nada. Algum. Zero", enfatizou. “Não culpo os líderes, exponho os fatos: houve debates. Você pode ver a influência da Rússia em Israel. Eu entendo que eles precisam proteger seu país, mas de acordo com meus serviços de inteligência eles continuam exportando armas para outros países.” A menção de "influência russa em Israel" está relacionada ao fato de Moscou permitir o bombardeio israelense de milícias pró-iranianas na Síria.

Os Negócios Estrangeiros também publicou uma nota na qual adverte os cidadãos israelenses que também têm nacionalidade russa e "entram, ficam ou vão ficar em território russo" que "serão sujeitos à lei e regulamentos russos, incluindo o alistamento no exército russo ". Após a queda da URSS, mais de um milhão de falantes de russo imigraram para Israel, embora nem todos tenham vindo da Rússia. Alguns voltaram mais tarde.

Além disso, 20.246 russos emigraram no primeiro semestre para Israel, o que automaticamente concede nacionalidade a quem provar ter pelo menos um avô judeu. As autoridades registraram um aumento de pedidos desde o anúncio da mobilização parcial dos reservistas, no dia 21.

Zelensky responde às anexações russas com um pedido de adesão à OTAN pela via urgente

O presidente da Ucrânia, Volodímir Zelenski, exigiu nesta sexta-feira que seu país se torne parte da OTAN pela via urgente. Fê-lo com os cadáveres ainda quentes de 25 civis mortos num bombardeamento da cidade de Zaporizhia e com a crescente ameaça de Moscovo anunciar a anexação de quatro regiões da Ucrânia. O presidente ucraniano também indicou que, neste momento da guerra, eles não pretendem retomar nenhum tipo de negociação com o Kremlin enquanto o presidente Vladimir Putin continuar liderando o país. Por  Luis de Vega  de Zaporizhia. 

Na imagem distribuída pela Reuters, o presidente ucraniano, Volodímir Zelensky, esta sexta-feira no Conselho Nacional de Defesa e Segurança

Stoltenberg sobre o pedido de adesão da Ucrânia à OTAN: "Continuaremos a apoiar o direito da Ucrânia de escolher seu caminho"

O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, apareceu em Bruxelas na sexta-feira após o pedido da Ucrânia para se juntar à Otan. “Toda democracia na Europa tem o direito de se candidatar à adesão à OTAN e os aliados mantêm esse direito e nossas portas permanecem abertas. Continuaremos a apoiar o direito da Ucrânia de escolher seu caminho para o futuro e de decidir quais opções desejam escolher para sua segurança. A possibilidade de sua adesão à OTAN é algo que deve ser decidido em consenso com todos os membros da OTAN. No momento, estamos focados em oferecer ajuda à Ucrânia para ajudar na defesa contra a brutal ameaça russa. Essa é a nossa abordagem fundamental agora”, disse o secretário-geral. 

Stoltenberg também condenou a anexação ilegal dos territórios ucranianos. “Essas anexações ilegais não mudam em nada a natureza da guerra que estamos enfrentando”, declarou. “Se a Rússia parar a luta, teremos paz. Se a Ucrânia parar de lutar, deixará de existir como país soberano e independente na Europa. A NATO reafirma o seu compromisso e apoio sem qualquer ambiguidade porque vamos apoiar a integridade territorial e a soberania da Ucrânia enquanto continua a defender o seu território contra a agressão russa”, insistiu. 

Os EUA aprovam novas sanções a funcionários e setores estratégicos da Rússia após o anúncio da anexação

Por Macarena Vidal Liy (Washington). Os Estados Unidos impuseram novas sanções contra a Rússia como punição pela declaração de anexação de áreas ucranianas que somam 15% do território do país invadido. As medidas dos departamentos de Comércio e Tesouro afetam os setores de tecnologia e defesa e centenas de políticos russos.

"Não vamos ficar de mãos dadas enquanto (o presidente russo Vladimir) Putin tenta fraudulentamente anexar partes da Ucrânia", disse a secretária do Tesouro, Janet Yellen, em um comunicado. Os Estados rejeitam inequivocamente a tentativa fraudulenta da Rússia de modificar as fronteiras internacionalmente reconhecidas da Ucrânia, incluindo a realização de referendos ilegítimos".

Especificamente, o Tesouro impôs sanções contra 14 representantes do complexo militar-industrial russo, dois altos membros do Banco Central, parentes de altos funcionários e 278 membros da legislatura russa. Os indivíduos afetados incluem o vice-primeiro-ministro Alexander Novak e a governadora do Banco Central da Rússia, Elvira Nabiúllina.

Além disso, o Departamento do Tesouro alertou para o risco de sanções para empresas e indivíduos fora da Rússia que possam fornecer assistência política ou econômica a Moscou. Entre as empresas punidas nesta sexta-feira está a chinesa Sinno Electronics, que Washington acusa de auxiliar a empresa Radioavtomatika Defense.

O Departamento de Comércio incluiu 57 outras entidades na Rússia e na península da Crimeia em sua lista de restrições à exportação. E o Departamento de Estado impôs restrições de visto a 910 indivíduos, incluindo membros das forças armadas russas e comandantes militares bielorrussos. "Vamos manter os esforços americanos fortes e coordenados para responsabilizar a Rússia, isolar os militares russos do comércio global e limitar severamente sua capacidade de sustentar a agressão e projetar poder", disse Blinken.

Kuleba: "Nada muda para a Ucrânia: continuamos a libertar nossa terra e nosso povo"

Ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmitro Kuleba. Ele assegurou esta sexta-feira em sua conta no Twitter que a anexação dos territórios ucranianos encenada pela Rússia nesta sexta-feira "não muda nada" e que o exército continuará trabalhando para restaurar a "integridade territorial". "Nada muda para a Ucrânia: continuamos a libertar nossa terra e nosso povo, restaurando nossa integridade territorial", escreveu Kuleba. “Ao tentar anexar as regiões de Donetsk, Luhansk, Zaporizhia e Kherson da Ucrânia, Putin está tentando tomar territórios que ele nem mesmo controla fisicamente no terreno”, acrescentou.

Biden condena "tentativa fraudulenta de anexação" de Moscou

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, condenou veementemente a "tentativa de anexação fraudulenta" realizada esta sexta-feira pela Rússia das regiões ucranianas de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporizhia, um gesto de "desprezo" pela paz a que Washington respondeu com novas sanções contra a Governadora do Banco Central da Rússia, Elvira Nabiullina, e membros das duas câmaras do Legislativo do país, entre outros.

"Que ninguém se engane", disse Biden. "Essas ações não têm legitimidade e os Estados Unidos sempre honrarão as fronteiras ucranianas reconhecidas pela comunidade internacional", acrescentou no comunicado divulgado esta tarde pela Casa Branca. Com esta "tentativa de anexação", Biden proclama que a Rússia "viola o direito internacional, atropela a Carta das Nações Unidas e mostra seu desprezo pelas nações pacíficas em todo o mundo".

Assim, e “em resposta às falsas declarações de anexação”, Biden anunciou novas sanções que congelam os bens no exterior, tanto da presidente do Banco Central, como de sua vice, bem como de 169 membros do Conselho da Federação Russa, o equivalente ao Senado, e mais uma centena da Câmara Baixa, a Duma. "Desde que se tornou governador do Banco Central em 2013, Nabiullina supervisionou os esforços para proteger o Kremlin das sanções ocidentais impostas em resposta à ocupação russa da Crimeia na Ucrânia em 2014 e à invasão da Ucrânia em 2022", segundo um relatório. Departamento do Tesouro. declaração que também sanciona a 'número dois' do banco, Olga Skorobogatova, responsável pela supervisão do Sistema Nacional de Pagamentos Mir da Rússia.

As sanções também punem parentes de altos funcionários russos já penalizados pelos Estados Unidos, como a esposa e duas filhas adultas do ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, ou a esposa e dois filhos mais velhos do primeiro-ministro do país, Mikhail Mishustin. “Vamos mobilizar a comunidade internacional para denunciar esses movimentos e responsabilizar a Rússia por eles”, assegurou Biden antes de garantir que seu país “continuará fornecendo à Ucrânia os equipamentos necessários para se defender, sem se intimidar com os descarados esforço da Rússia para redesenhar as fronteiras de seu vizinho." "Peço a todos os membros da comunidade internacional que rejeitem as tentativas de anexação ilegal da Rússia e apoiem o povo da Ucrânia pelo tempo que for necessário", conclui o comunicado.

Zelensky anuncia que enviará um pedido de "adesão rápida" da Ucrânia à OTAN 

O presidente ucraniano, Volodímir Zelenski, anunciou em sua conta no Telegram que o país solicitará uma "adesão rápida" à OTAN após o anúncio russo de que quatro territórios ucranianos serão anexados após a realização de pseudo-referendos. "Estamos dando nosso passo decisivo ao assinar o pedido de adesão rápida da Ucrânia à OTAN", escreveu Zelensky.

Além disso, o presidente ucraniano garantiu que Kyiv está disposto a retomar as negociações com Moscou, que estão paralisadas há meses, mas que não negociará com o presidente russo, Vladimir Putin. "A Ucrânia está pronta para negociações, mas com um presidente russo diferente", disse Zelensky. 

A UE condena a anexação ilegal dos territórios ocupados ucranianos pela Rússia: "Nunca a reconheceremos" 

Os membros do Conselho Europeu divulgaram uma declaração após o anúncio do presidente russo Vladimir Putin sobre a anexação de quatro territórios ucranianos (Donetsk, Luhansk, Zaporizhia e Kherson). "Rejeitamos firmemente e condenamos inequivocamente a anexação ilegal pela Rússia", apontam no texto, no qual acusam Putin de "minar deliberadamente" a ordem internacional e violar "descaradamente" os direitos fundamentais da Ucrânia "à independência, soberania e integridade territorial". ".

"A Rússia está colocando em risco a segurança mundial. Nós não reconhecemos e nunca reconheceremos os referendos ilegais que a Rússia desenhou como pretexto para esta nova violação da independência, soberania e integridade territorial da Ucrânia, nem seus resultados falsificados e ilegais. Nunca reconheceremos essa anexação. ilegal. Estas decisões são nulas e sem efeito e não podem produzir qualquer efeito jurídico."

"Pedimos a todos os Estados e organizações internacionais que rejeitem inequivocamente esta anexação ilegal. Diante da guerra de agressão da Rússia e da última escalada de Moscou, a União Europeia está com a Ucrânia e seu povo. soberania da Ucrânia", eles continuam. "A Ucrânia está exercendo seu direito legítimo de se defender da agressão russa para recuperar o controle total de seu território e tem o direito de libertar os territórios ocupados dentro de suas fronteiras internacionalmente reconhecidas".

"As ameaças nucleares feitas pelo Kremlin, a mobilização militar e a estratégia de tentar apresentar falsamente o território da Ucrânia como russo e fingir que a guerra pode estar ocorrendo agora em território russo não enfraquecerá nossa determinação. medidas contra as ações ilegais da Rússia", apontam os membros do Conselho Europeu, que prometem continuar oferecendo à Ucrânia seu apoio econômico, militar, social e financeiro "pelo tempo que for necessário". (O PAÍS)

Von der Leyen: “A anexação ilegal de Putin não mudará nada. São territórios ucranianos."

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, falou apenas alguns minutos depois que o presidente russo, Vladimir Putin, proclamou oficialmente a anexação dos quatro territórios ucranianos. Von der Leyen enfatizou que esta anexação é ilegal e que a proclamação "não mudará nada". "A anexação ilegal proclamada pelo [presidente russo Vladimir] Putin não mudará nada", disse a presidente em sua conta no Twitter. "Todos os territórios ocupados ilegalmente pelos invasores russos são terras ucranianas e sempre farão parte desta nação soberana", concluiu.

Dinamarca e Suécia revelam que cargas equivalentes a "centenas de quilos" de explosivos causaram vazamentos em gasodutos

Os governos da Suécia e da Dinamarca entregaram um relatório ao Conselho de Segurança das Nações Unidas no qual afirmam que as explosões que causaram os vazamentos nos gasodutos Nord Stream no Mar Báltico foram equivalentes a "centenas de quilos" de TNT. "A magnitude das explosões foi medida em 2,3 e 2,1, respectivamente, na escala Richter, provavelmente equivalente a uma carga explosiva de centenas de quilos", diz o documento. 

"Todas as informações disponíveis indicam que essas explosões são consequência de um ato deliberado", dizem Suécia e Dinamarca em carta endereçada ao secretário-geral da ONU, sem apontar um possível responsável. A fonte e o autor do boicote permanecem um mistério, Washington e Moscou negam responsabilidade. Os vazamentos foram descobertos na segunda-feira em águas internacionais a leste da ilha dinamarquesa de Bornholm. Dois dos vazamentos estão localizados em águas suecas e os outros dois em águas dinamarquesas. (AFP)

ALEXANDER NEMENOV (AFP) para o EL PAÍS, em 30.09.22

O que esperam os territórios ucranianos anexados pela Rússia

Com anexação ilegal de regiões no sudeste da Ucrânia após pseudorreferendos, Putin altera o destino de milhões. Lealdade a Kiev ou a Moscou, colaborar ou resistir: para os habitantes locais, uma escolha dramática.

Pseudorreferendo sobre anexação em Donetsk (Foto: Alexander Ermochenko/REUTERS)

"Para mim, o importante não são fronteiras e territórios estatais, mas o destino dos seres humanos." Esta é uma citação do presidente russo, Vladimir Putin, de uma entrevista ao jornal alemão Bild, de janeiro de 2016. Na época, tratava-se da anexação da península da Crimeia.

Por estes dias, o chefe do Kremlin volta a modificar de forma violenta as fronteiras da Ucrânia, tomando parte das regiões de Lugansk, Donetsk (ambas no Donbass), Kherson e Zaporíjia. Após seis meses de ocupação, ele agora vai anexá-las à Federação Russa, em violação do direito internacional.

Para defender seus novos territórios, Moscou ameaça empregar todo tipo de armas, inclusive nucleares. A Ucrânia e a maioria dos países declararam que não reconhecem nem a anexação, nem os "referendos" que as antecederam, nos quais uma maioria alegadamente manifestou-se a favor.

Quem são esses milhões de ucranianos do sudeste que vivem para além da frente de batalha, e o que mudará para eles?

Medo, colaboração, sentimentos pró-russos, protestos

Não se conhece o número exato de habitantes dos territórios ocupados no momento da anexação, mas se trata de vários milhões. Apesar da anexação transcorrer simultaneamente, as regiões são muito diversas. No Donbass realiza-se desde 2014 uma seleção forçada: centenas de milhares, a maioria jovens, deixaram as autodeclaradas "repúblicas populares", mudando-se ou para a Rússia ou para a Ucrânia sob controle de Kiev. Permaneceram os idosos e quem não pode partir ou apoia o separatismo.

"Para alguns vai se concretizar o que sempre desejaram. Há sempre determinadas parcelas da população que colaboram", comenta Andreas Umland, especialista do Stockholm Centre for Eastern European Studies (SCEEUS). Aparentemente esses simpatizantes são mais numerosos no leste do que no sul ucraniano, porém não há dados exatos a respeito.

No Donbass houve que apoiasse a anexação também pelo medo de ir a julgamento após um retorno do poder estatal ucraniano, sugere Serhiy Harmash, editor-chefe da revista online Ostrov. Natural de Donetsk, ele integrou o Grupo de Contanto Trilateral para a Implementação dos Acordos de Minsk.

"Esses indivíduos vão dizer que votaram 'sim', pois se o governo ucraniano retornar, precisarão fugir para alguma parte, provavelmente para a Rússia." Contudo ninguém sabe quantos eles seriam.

Também em parte das regiões de Kherson e Zaporíjia, no sul do país, houve transformações sociais nos seis meses de ocupação, embora não tão profundas. Centenas de milhares se refugiaram, porém entre os que permaneceram muitos seguem apoiando Kiev.

Prova disso foram os protestos com bandeiras ucranianas realizados nos primeiros meses meses após a invasão. "Em Kherson e Zaporíjia, muitos odeiam a Rússia. E em Donetsk e Lugansk, durante oito anos se encheram as cabeças com propaganda", relata Harmash.

Ao contrário da Crimeia, onde na época da anexação ilegal, em  2014, cerca de dois terços da população era de russos étnicos, no leste e no sul eles são menos da metade. Segundo o recenseamento mais recente, em Donetsk e Lugansk eles seriam 40%, contra 25% em Kherson e 15% em Zaporíjia.

Entre aceitar e resistir

À primeira vista, uma anexação em pouco vai alterar a vida nessas regiões, que há meio ano se encontram de fato sob administração russa. Tomando por parâmetro o procedimento na Crimeia, prevê-se que haverá uma mistura de castigo (para os dissidentes) e recompensa (para os leais).

Salários e pensões serão aumentados, e a Rússia tentará reconstruir a infraestrutura destruída. Em 29 de setembro, o diretor adjunto da administração presidencial do Kremlin, Sergeiy Kiriyenko, informou que seriam alocados 3,3 bilhões de rublos (R$ 294 milhões) para "projetos de apoio" nos novos territórios.

Tudo o que tenha a ver com a Ucrânia será gradualmente substituído por sucedâneos russos: leis, moeda, operadoras de telecomunicação, idioma, educação. Uma das metas principais é o retorno à "russificação" cultural das regiões que o Kremlin considera historicamente suas.

Os habitantes das regiões anexadas terão que decidir: ou aceitam as mudanças ou resistem a elas – sob risco de vida. "São decisões difíceis. Muitos estarão desesperados por não poder avaliar exatamente o que virá a seguir" – ou seja: quanto tempo os invasores permanecerão e quando o governo ucraniano reconquistará a área, avalia Andreas Umland, do SCEEUS. Desde já, há notícias de repressão, prisões e tortura de simpatizantes de Kiev. As vivências da Crimeia mostram que a perseguição aos dissidentes pode durar anos.

Os homens se defrontarão com uma prova especialmente difícil, pois deverão ser convocados para lutar contra a Ucrânia como parte do Exército russo. Com esse recurso, o Kremlin talvez também pretenda minorar o perigo de um movimento de resistência. Até agora ele se manifestou no sul com diversos atentados contra colaboradores das forças invasoras.

Contudo Serhiy Harmash crê que os serviços secretos ucranianos estejam por trás dos ataques, e não prevê movimentos de resistência em massa, como o ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial, também devido às atuais possibilidades tecnológicas de perseguição, como vigilância telefônica e por vídeo. "O que vemos é o trabalho de grupos organizados, liderados por serviços secretos", deduz.

Governo local ou enviados de Moscou?

No leste e no sul, se testará de diversos modos até que ponto a população é leal aos novos dirigentes. Por exemplo, na distribuição de passaportes russos – como foi o caso na Crimeia e no Donbass, onde esse processo já começou há anos. Ao contrário do que se viu na península no Mar Negro, entretanto, observadores não contam com grandes iniciativas de assentamento a partir da Rússia, pelo fato de os combates ainda estarem em curso.

"Tampouco haverá um retorno de antigos moradores de Donetsk atualmente vivendo na Rússia, onde são empregados como mão de obra. Até porque não há vagas de trabalho no Donbass, as principais empresas estão destruídas", explica Harmash. A atratividade desses territórios para a Rùssia será baixa, os russos terão medo de ter que ir embora de novo, "não vai funcionar", reforça Andreas Umland.

Em aberto está também quem poderá formar um novo poder estatal nos territórios anexados: ucranianos locais ou funcionários enviados por Moscou? Até agora, os ocupadores têm apostado em cidadãos locais, membros do pró-russo antigo Partido das Regiões, do ex-presidente Viktor Yanukovich, fugido para a Rússia em 2014.

Especula-se se agora ele, seu primeiro-ministro Mykola Azarov e outros representantes refugiados da antiga elite ucraniana do Donbass retornarão. Analistas não descartam essa possibilidade, mas não creem que esses indivíduos retomarão o poder.

Nesse ínterim formaram-se novas elites, que não estarão dispostas a renunciar, diz Harmash. Talvez a administração passe dos ucranianos para funcionários enviados pelo Kremlin, como já antecipou a imprensa russa. Em alguns níveis do governo, esse processo até já começou.

Roman Goncharenko para Deutsche Welle Brasil, em 30.09.22

Zelenski assina pedido de adesão acelerada da Ucrânia à Otan

Ato do presidente ucraniano ocorre horas após Rússia anexar ilegalmente quatro regiões da Ucrânia. Em geral, um pré-requisito para ingressar na Aliança é não estar envolvido em conflitos internacionais.


Zelenski assina um documento em um local ao ar livre. Ao lado, duas pessoas.

Pouco depois de a Rússia realizar uma cerimônia de anexação ilegal de territórios ucranianos, o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, assinou nesta sexta-feira (30/09) o pedido de adesão acelerada do país à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

"Estamos dando um passo decisivo ao assinar a candidatura da Ucrânia à adesão acelerada à Otan", disse Zelenski em um comunicado divulgado no site da Presidência ucraniana.

"Sabemos que é possível. Este ano, vimos a Finlândia e a Suécia começarem a aderir à Aliança sem um Plano de Ação para a Adesão", justificou.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, assinou nesta sexta-feira, em uma cerimônia no Kremlin, tratados para anexar quatro regiões ucranianas parcialmente ocupadas pelas forças russas. A medida – ilegal e duramente condenada pela comunidade internacional – marca uma escalada no conflito e dá início a uma fase imprevisível, sete meses após a invasão da Ucrânia por Moscou.

A anexação, que viola o direito internacional, ocorre dias depois da realização de pseudorreferendos organizados por Moscou nas regiões ucranianas de Zaporíjia, Kherson, Lugansk e Donetsk.

As autoridades pró-Rússia nesses territórios reivindicaram umavitória esmagadora do "sim" à anexação, mas o resultadonão é reconhecidopela comunidade internacional, que tachou os "referendos" de ilegais e fraudulentos. Há indícios de que eles ocorreram sob ameaça de violência e intimidação. 

Em 2014, a Rússia já havia usado o resultado de outro "referendo", realizado sob ocupação militar, para legitimar a anexação, também em violação do direito internacional, da península ucraniana da Crimeia, no Mar Negro.

Necessidade de consenso

Em geral, um pré-requisito para ingressar na Otan é que o país candidato não esteja envolvido em conflitos internacionais e disputas de fronteiras. A Ucrânia foi invadida pela Rússia em 24 de fevereiro e, desde então, vem se defendendo da guerra de agressão.

Segundo Zelenski, a Ucrânia já está, "de fato", a caminho de se tornar membro da Aliança Atlântica e demonstra compatibilidade com os padrões militares da Otan, tanto no campo de batalha quanto na interação com os aliados: "Há confiança mútua, nos ajudamos e protegemos mutuamente. Essa é a aliança."

Zelenski argumentou que a Rússia não teria parado nas fronteiras ucranianas se não tivesse sido travada por suas tropas. "Outros Estados estariam sob ataque. Os países bálticos, Polônia, Moldávia e Geórgia, Cazaquistão." O presidente disse estar ciente de que a adesão da Ucrânia, como a de qualquer outro candidato, exige o aval dos 30 Estados-membros da Otan.

"Compreendemos que é necessário chegar a esse consenso. Por conseguinte, oferecemos a implementação das nossas propostas relativas às garantias de segurança para a Ucrânia e toda a Europa, de acordo com o Pacto de Segurança de Kiev, que foi desenvolvido e apresentado aos nossos parceiros."

Zelenski assina um documento em um local ao ar livre. Ao lado, duas pessoas. Zelenski assina um documento em um local ao ar livre. Ao lado, duas pessoas. 

O chefe de Estado disse também que a Ucrânia não negociará com a Rússia enquanto Vladimir Putin estiver no poder: "Vamos negociar com o novo presidente." Nesta sexta-feira, o líder russo instou a Ucrânia a depor as armas.

Zelenski reafirmou que o "único caminho para paz" passa pelo reforço da Ucrânia e pela expulsão dos ocupantes russos de todo o seu território. "Vamos completar este caminho", prometeu.

Ele anunciou ainda que o Parlamento ucraniano vai discutir "um projeto de lei sobre a nacionalização de todos os bens russos", apelando para a sua aprovação. "Por favor, subscrevam este projeto de lei sem demora. Estamos concluindo o desmantelamento da influência russa na Ucrânia, na Europa e no mundo."

Otan condena anexação

O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, disse nesta sexta-feira que a anexação formal pela Rússia de quatro províncias ucranianas é a "escalada mais séria" desde o início da guerra na Ucrânia.

"Esta apropriação de terras é ilegal e ilegítima", disse, pedindo a todos os países do mundo que rejeitem a medida. "Donetsk é Ucrânia, Zaporíjia é Ucrânia, Lugansk é Ucrânia, Kherson é Ucrânia, assim como a Crimeia é Ucrânia. "A Otan não faz parte do conflito, mas damos apoio à Ucrânia."

Stoltenberg enfatizou que "a porta da Otan permanece aberta" e que qualquer país europeu tem o direito de se candidatar à aliança. "Nosso foco agora é fornecer apoio imediato à Ucrânia para ajudá-la a se defender contra a brutal invasão russa."

Em relação às ameaças de Putin de intensificar as ofensivas se a Ucrânia atacar os territórios que agora considera russos, o chefe da Otan rebateu que Kiev tem o direito de retomar seus territórios: "A anexação é ilegal, não muda a natureza deste conflito."

O secretário-geral acrescentou que a Otan não pode recuar após as chantagens nucleares de Moscou, caso contrário a mensagem será de que essa é uma arma viável.

Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 30.09.22 / le/av (AP, Reuters, Lusa)

Em "referendos", ucranianos votaram sob a mira de armas

Moscou alega participação recorde, observadores falam em resultados fraudados. À DW, moradores contam que sofreram ameaças para votar e que russos chegaram a levar urnas de porta em porta, ao lado de militares armados.

Pacientes foram forçados a votar até na cama do hospitalFoto: AFP/Getty Images

Os invasores russos na Ucrânia fizeram eleitores votarem nas ruas, em seções de votação improvisadas e até em suas próprias casas, levando urnas de porta em porta. Os relatos são de moradores das regiões ucranianas de Zaporíjia, Kherson, Lugansk e Donetsk, parcialmente ocupadas por Moscou.

Pseudorreferendos sobre a anexação desses territórios à Rússia foram realizados nos últimos dias nas quatro regiões. Recusar-se a participar da votação imposta era uma ameaça à vida, disseram os residentes locais, ressaltando que representantes dos chamados "comitês eleitorais" apareciam acompanhados de militares russos armados.

"Duas mulheres e três soldados russos com fuzis me perguntaram se eu votaria", contou a moradora de um vilarejo perto de Melitopol, em Zaporíjia. Ao questioná-los se ela tinha escolha, eles ficaram em silêncio. "Eu tive que fazer um xis onde eles apontaram [na cédula de votação] com o cano da arma."

Ela disse que, embora não quisesse votar, o fez porque temia que eles pudessem convocar seu filho de 35 anos para a guerra. "Foi bom que meu marido e meu filho estavam trabalhando no campo naquele momento. Não quero que eles levem meu filho, ele está na lista deles", afirmou, em lágrimas.

Coleta de dados sobre moradores

As listas representam uma ameaça para a população nos territórios ocupados, afirma Oleksiy Koschel, presidente da Associação de Eleitores da Ucrânia. Os invasores estão criando bases de dados porque, mesmo após seis meses de ocupação, "têm pouca informação sobre quem vive nos territórios ocupados", argumenta.

Segundo Koschel, durante os pseudorreferendos os russos também colheram dados sobre quem era pró-Ucrânia, que idioma falavam e quais homens estavam na idade de alistamento.

A população não apoia os invasores, afirma Koschel, ressaltando que é por isso que a distribuição de passaportes russos e a introdução do rublo nos territórios ocupados fracassaram.

Segundo o presidente da Associação de Eleitores da Ucrânia, os pseudorreferendos foram organizados às pressas e sem pessoal suficiente, o que tornou a votação caótica. Ele diz ainda que os russos recorreram a quaisquer métodos que pudessem inventar para falsificar o resultado.

Cidades vazias

As "votações" ocorreram durante cinco dias. Em apenas três dias, as chamadas "repúblicas populares" de Lugansk e Donetsk relataram uma participação recorde de até 87% – com mais de 1 milhão de votantes.

"Esses números são idiotas e irrealistas, porque a maioria dos moradores já deixou os territórios ocupados há muito tempo", escreveu Serhiy Haidai, chefe da administração militar de Lugansk, em mensagem no Telegram.

Ele observou que os russos chegaram a reivindicar um comparecimento às urnas de quase 50% em cidades que foram destruídas e quase completamente abandonadas no leste da Ucrânia, incluindo Lysychansk, Severodonetsk e Rubizhne.

"Os resultados foram falsificados", afirmou Haidai.

Em Kherson, no sul ucraniano, os invasores tinham a intenção de fornecer à mídia de propaganda imagens da população pró-Rússia indo em massa às urnas, disse uma moradora local que se identificou apenas como Hanna. Mas as coisas não saíram como planejado.

Às 8h da manhã, músicas soviéticas ecoaram, enquanto organizadores e militares russos esperavam pelos eleitores. "Mas nenhum eleitor apareceu, nenhuma fila se formou", conta ela. "Às 10h, eles fecharam os locais de votação e saíram batendo nas portas das casas  – "mas ninguém abriu".

Pacientes foram forçados a votar até na cama do hospitalFoto: AFP/Getty Images

Ali, os russos não conseguiram atrair a população a votar nem com ajuda humanitária. "Os únicos que vieram eram aqueles com mais de 70 anos que desejavam o retorno da União Soviética. Jovens e adultos de meia-idade ignoraram esse circo", afirma Hanna.

Segundo ela, apesar do terror e da perseguição, ainda restam na cidade moradores com mentalidade pró-ucraniana, à espera de serem libertados pelo exército de Kiev.

Uma residente de 82 anos de uma vila perto de Kherson contou que homens armados sugeriram que ela votasse "a favor de se juntar à Rússia". Quando ela recusou, eles disseram: "Vovó, você pode ganhar 10 mil rublos [cerca de 940 reais], incluindo caixas de comida. Você só precisa votar pela Rússia".

Em lágrimas, a ucraniana afirmou que não precisava nem da Rússia nem de esmolas. "Em fevereiro, eles mataram meu neto no campo de batalha."

Eleitores ameaçados

As tropas russas pressionaram e ameaçaram os eleitores durante os pseudorreferendos, garante Yaroslav Yanushevych, chefe da administração militar regional de Kherson. "Colaboradores, acompanhados de invasores armados, estão parando as pessoas nas ruas e usando ameaças para forçá-las a votar", escreveu ele no Telegram.

Em Lugansk, moradores disseram que "seções de votação" improvisadas foram instaladas em quintais de prédios residenciais e na entrada dos mercados. Um ônibus chegava, e uma urna transparente era colocada logo ao lado dele. "Não havia votação secreta, as pessoas marcavam as cédulas de joelhos", diz um residente de Lugansk.

O mesmo morador contou que colaboradores que trabalhavam para os conselhos locais eram obrigados a "votar" várias vezes em locais diferentes. "Disseram-nos que quanto mais vezes a mesma pessoa votar, melhor", afirmou uma mulher que trabalha em uma instituição educacional em Lugansk.

Ela disse ainda que todos os funcionários foram orientados a trazer cópias da carteira de identidade de estudantes que deixaram a cidade, para que pudessem votar no lugar deles. Isso foi fácil porque não havia listas de eleitores preexistentes no local da "votação", afirmou. Qualquer um que se recusasse a participar era ameaçado com cortes salariais ou com a perda total do emprego.

Isolando residentes

Segundo a Associação de Eleitores da Ucrânia e a ONG Opora, os invasores russos somente usaram listas nos pseudorreferendos que incluíam indivíduos que aceitaram voluntariamente ajuda russa, que ainda coletavam suas pensões pessoalmente nos correios, ou que eram empresários que pagavam impostos locais. Eles também usaram listas de eleitores retiradas de arquivos.

A pesidente da Opora, Olga Aivazovska, reiterou que a Rússia organizou uma votação falsa nos territórios ocupados da Ucrânia.

"Não houve expressão de vontade livre e legal", disse ela, acrescentando que o pseudorreferendo sob a mira de uma arma visa chantagear os parceiros ocidentais da Ucrânia.

Segundo Aivazovska, o primeiro a sofrer com o "voto" será o povo nos territórios ocupados – eles serão completamente isolados pela Rússia, sujeitos a uma mobilização total e forçados a aceitar passaportes russos. O terror que eles já estão vivendo só deverá aumentar, prevê ela.

Lilia Rzheutska e Anastasia Shepeleva para a Deutsche Welle,em 29.09.22

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

No fio do bigode

Lula não pode achar que está perdoado, se vencer no primeiro turno. Muitos votarão nele apenas para se livrar de Bolsonaro

Se vencer no primeiro turno, o ex-presidente Lula não pode cair na esparrela de que a maioria dos eleitores terá votado nele por sua história, por seu carisma. Assim como Bolsonaro nunca foi dono dos 58 milhões de votos que teve em 2018, também Lula não será eleito no primeiro turno, se for, porque o PT, ou mesmo ele, detém a preferência hegemônica dos cidadãos brasileiros.

Bolsonaro acabou perdendo boa parte de seu eleitorado, pelo menos 20%. Está cada vez mais próximo dos 30% que dos 40% dos votantes. O Brasil é um país cheio de paradoxos. Muitos dos que votaram em Bolsonaro em 2018 não são bolsonaristas, o escolheram para conter o petismo. Agora, buscam em Lula a saída para se livrar da tragédia que foi seu desgoverno.

Um exemplo é o jantar dos empresários com o ex-presidente. Lula foi ao PIB, que já queria há muito conversar com ele. Ele foi adiando um convite feito há muito tempo, queria deixar o encontro para o segundo turno, mas antecipou-o diante da possibilidade de ganhar no primeiro, porque quis colocar os empresários como mais um elemento indicativo de um governo de centro, sem radicalismos.

Foi um encontro de compromissos, ainda que “no fio do bigode”, não escritos, mas como um voto de confiança dos empresários, que não estão necessariamente convencidos de que a melhor solução seja a volta do PT ao governo. Simplesmente, a vitória de Lula parece estar precificada pelo mercado a esta altura. Vamos ver o que o ex-presidente fará com esse gesto dos representantes do dinheiro.

Todas as adesões que vem tendo do centro, inclusive de ex-ministros do STF que estiveram à frente do processo do mensalão, como Joaquim Barbosa, Celso de Mello ou Ayres Britto, ampliam o espectro político de que Lula precisa para ganhar a eleição. Lula terá muitos votos — os 30% que o PT sempre teve, com o acréscimo dos antibolsonaristas ou dos que se arrependeram de votar em Bolsonaro, fundamentais para sua vitória — no primeiro ou no segundo turno.

Se Lula acha que estará perdoado e que todos estarão felizes caso ganhe no primeiro turno, está enganado. Uma parcela muito grande dos que votarão nele estará no dia seguinte de olho no que fará, exigindo que cumpra o que está insinuando nesta campanha. Lula ainda não assumiu compromissos por escrito com seus eleitores, mas a esses basta seguir o líder. Os que levarão Lula eventualmente a vencer no primeiro turno ainda estão aguardando sinais mais claros que os já dados.

Geraldo Alckmin como vice, Meirelles se acercando, o voto útil atingindo boa parte da classe média por meio do apoio de intelectuais e artistas indicam que um terceiro governo Lula será mais parecido com o primeiro do que com o segundo mandato. Lula cita o que já fez nos governos anteriores para justificar que não precisa escrever nada, porque já sabemos o que fez. Sabemos, e pode ser bom ou ruim.

Um ganho imediato será no tocante ao meio ambiente. Uma vitória de Lula, com o apoio de Marina, muda imediatamente a percepção internacional a respeito do Brasil, e abrem-se caminhos para a volta de financiamentos internacionais. Pode ser ruim se, para se reaproximar do Centrão, Lula se utilizar do mesmo esquema de corrupção que marcou seus governos. O ministro Gilmar Mendes pode afirmar que Lula é inocente, a Justiça pode tecnicamente considerá-lo inocente, mas não é essa a percepção da população.

O entendimento é mais próximo do famoso “rouba, mas faz” que do “homem mais honesto do mundo”. No segundo governo, para eleger Dilma, o ex-presidente aprofundou uma política econômica heterodoxa, uma tal de “nova matriz econômica” com Guido Mantega, depois da saída de Antonio Palocci, responsável pela manutenção da política do governo Fernando Henrique. A era Mantega resultou em aumento artificial de 7,5% no PIB, mas abriu caminho para um rombo na economia que nunca foi consertado e levou o país para o buraco.

No segundo mandato, que quase perde para os tucanos, a então presidente Dilma ainda tentou dar um cavalo de pau na economia chamando para o ministério da Fazenda Joaquim Levy, mas a máquina petista colocou em seu lugar Nelson Barbosa, e a falta de apoio político no Congresso agravou o isolamento da presidente, que acabou impedida. Lula tem tentado se manter distante da gestão de Dilma, o que pode indicar que entendeu o que aconteceu.

A escolha de seu ministro da Fazenda será crucial para a manutenção de um apoio que apenas o petismo e a esquerda não lhe darão. Somente uma liderança política como Palocci poderia ter reagido às tentativas de sabotagem que os “tucanos” chamados para ajudar no governo Lula sofreram. Quem será o político que exercerá esse papel? O ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha é muito citado, mas não me parece uma liderança capaz de resistir à máquina petista.

Merval Pereira para O Globo, em 29.09.22 às 04h30

A eleição começa a se despolarizar

O movimento de Lula ao centro e do centro em direção a ele criou outra dinâmica nesta eleição, enquanto Jair Bolsonaro se isola em seu radicalismo

Os candidatos a presidente Lula (PT) e Bolsonaro (PL)Os candidatos a presidente Lula (PT) e Bolsonaro (PL) Arquivo

A eleição está se despolarizando. Não é mais apenas dois grupos opostos que se enfrentam. Formou-se uma onda de declarações de voto em favor de Lula que reúne ex-ministros do Supremo, economistas de diversas tendências, cientistas sociais, ex-ministros do governo Fernando Henrique, artistas que não votariam no PT, milhões de cidadãos e cidadãs. A natureza desse movimento, que não se viu em outras campanhas, vai além do próprio Lula. É o corpo da democracia reagindo aos ataques. Foram tantos, tão constantes, estão ainda presentes no ar que, mesmo sem articulação, formou-se esse arco de autoproteção nestes dias prévios da escolha coletiva.

Escrevi aqui algumas vezes que nesta eleição nunca houve dois extremos se enfrentando. Havia e há apenas um único extremista. Jair Bolsonaro, ao longo do tempo, só confirmou essa visão com seus atos e palavras. Lula, por seu lado, fez movimentos ao centro, e o centro caminhou em direção a ele.

Muitos dos que declaram apoio não deixam de lembrar que têm, eventualmente, divergências, como acontece com os economistas, mas todos afirmam que Lula reúne as melhores condições para derrotar o projeto autoritário encarnado por Bolsonaro. O presidente alimentou esse isolamento com os seus seguidores. Mesmo nestes tempos finais, seu partido, seu entorno, os militares a ele ligados permanecem afligindo a nação com problemas inexistentes no sistema eleitoral.

Ontem, o TSE abriu a sala da totalização dos votos à visitação, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, ciceroneou os fiscalizadores e observadores que quiseram entender todos os detalhes. A primeira evidência que saltava aos olhos era que a sala era clara e transparente. O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, circulavam entre os visitantes. O notório presidente do PL admitiu que realmente não há “sala escura”, para horas depois o seu partido colocar em dúvida de novo as urnas eletrônicas, recebendo de volta uma forte nota do TSE. O general não disse nada às claras, mas continua rondando o Tribunal, como uma sombra sinistra de outros tempos.

Hoje, os candidatos estarão frente a frente no debate da TV Globo, última chance de Bolsonaro levar a disputa para o segundo turno, e Lula garantir a vitória no primeiro turno. Um por cento que se mova para um lado ou para o outro, e o resultado será diferente. Por isso, todas as atenções do país estarão voltadas para o debate. Bolsonaro terá o auxílio de um suposto padre que a lei eleitoral permite que participe. Kelmon atuou como um ajudante de ordens de Bolsonaro no debate da semana passada. Bolsonaro pode ter também a ajuda de Ciro Gomes, se o pedetista insistir na sua estratégia de atacar mais a Lula.

Bolsonaro chega ao debate com uma intenção de votos menor do que sua votação em 2018, em 14 estados e no Distrito Federal, segundo levantamento do Pulso, publicado neste jornal no último domingo. Em 11 estados, manteve ou cresceu. Está atrás de Lula em estados mais populosos. Em São Paulo, perde por 11 pontos, em Minas, por 18 pontos, no Ipec.

Lula chega ao debate em um momento surpreendente nos últimos dias com a série de declarações de votos a seu favor, um movimento que transcende a ele mesmo. Há sempre ondas de última hora, e a que se formou nesses dias favorece Lula.

Ciro chega muito menor politicamente do que já foi. Ele encerrou o primeiro turno de 2018 tendo 12%dos votos, mas a última pesquisa Ipec deu 6%. Teve 40% dos votos no Ceará, agora tem 10% das intenções de votos em seu estado. Nesta quarta campanha presidencial da qual participa, Ciro acumula derrotas.

Simone chega ao debate com o mesmo percentual de votos de Ciro, mas em um momento inteiramente diferente. É a primeira vez que se candidata, é a primeira vez que seu partido lança uma mulher, e ela tem tido excelente desempenho nos debates.

No meu livro “Democracia na Armadilha”, coletânea de colunas aqui publicadas sobre o governo Bolsonaro, há um texto sobre o discurso de posse do atual presidente em que o título foi “Dividir até na hora de somar”. Bolsonaro optou desde o começo pelo conflito. A última coluna do livro tem o título “A democracia morre no fim desse enredo”. O que a sociedade brasileira está fazendo, em tempo real, é tecendo uma rede de proteção à democracia para evitar esse final trágico.

Miriam Leitão com Alvaro Gribel (de São Paulo) para O Globo, em 29.09.22 às 04h31  

Já passou da hora de cobrar que Lula detalhe suas promessas

Eleição é para Presidente da República, não para santo

Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa de ato com artistas e apoiadores em São PauloEx-presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa de ato com artistas e apoiadores em São Paulo Ricardo Stuckert

Estamos a poucos dias de um voto para presidente que pode até ser definitivo, dado que as pesquisas de opinião mostram haver chance de Luiz Inácio Lula da Silva ganhar a eleição já no primeiro turno. Nos bastidores da campanha bolsonarista, o desânimo é flagrante, e até os meninos da outrora olavista Brasil Paralelo foram dar uma pinta no jantar de Lula com os empresários.

Pode até ser que nos grotões esteja acontecendo algo diferente e que Bolsonaro esteja ganhando força para virar o jogo e vencer a eleição no segundo turno. Mas o visível, agora, é que as elites do país estão se rendendo a Lula sem dificuldade nem prurido.

Para aqueles que já tinham boas relações com o petismo, o momento é de glória. Nos bastidores do jantar com os empresários, penúltimo ato da campanha lulista (o último será o debate da TV Globo, hoje), o dono do BTG, André Esteves, e o presidente do conselho do Bradesco, Luiz Trabuco, foram tratados com carinho, como velhos amigos que são.

Outros registraram presença apenas para poder dizer no futuro que nunca foram de fato antilulistas — estavam só defendendo os próprios negócios. Como um integrante do Centrão que me ligou outro dia, às gargalhadas: "Será que você poderia registrar aí que, quando Lula estava preso, eu fui dez vezes a Curitiba, incógnito, gritar 'bom dia, Lula; boa noite, Lula'?".

Quem conhece a forma como as placas tectônicas do poder se arranjam conforme a necessidade não tem por que se espantar. Há quase dois anos, Arthur Lira definiu num artigo que o Centrão é uma “força moderadora”, a “quilha da nau da democracia”. Vai ver é isso mesmo, e talvez seja o caso de comemorarmos.

Não fosse o Centrão o que é, poderíamos ter uma crise de grandes proporções com a chegada de Lula ao Planalto, uma revolta da maioria parlamentar conservadora contra um esquerdista em minoria.

Como o Centrão é o que é, muito provavelmente o que se verá em Brasília, uma vez proclamado o resultado das urnas — agora ou no segundo turno —, será uma acomodação. Para que seja razoavelmente tranquila, dependerá apenas de que se acerte quanto custará.

Não é mais novidade, nem chega a ser escandaloso. Quem assiste aos debates e entrevistas com os candidatos fica com a impressão de que é a coisa mais normal do mundo Lula se defender de acusações a respeito do mensalão retrucando que “o orçamento secreto é muito pior”.

De outro lado, quem já não ouviu aí algum bolsonarista dizer que as rachadinhas dos Bolsonaros ou a propina do Ministério da Educação depositada em pneus não chegam a ser problema porque, no petrolão dos governos petistas, a corrupção ocorria em escala muito maior?

Desinformação na reta final: Grupos bolsonaristas disseminam fake news sobre urnas ‘abertas’ em sindicato de SP

"O povo está cansado de discutir corrupção", disse um analista que ouvi no rádio outro dia. "Isso não comove mais ninguém".

É compreensível que a corrupção tenha se tornado um problema menor diante do avanço da pobreza, da debacle educacional e da deterioração institucional que temos presenciado. A desorganização no tecido social produzida pelo bolsonarismo é tão grande que muitas coisas tomaram a frente na lista de prioridades.

O que deveria preocupar é essa mesma desorganização ter geraado em setores da sociedade certo espírito bovino, que impede qualquer debate mais profundo sobre o que se pode esperar de um eventual governo Lula.

Tensão na Polícia Federal: Reta final da eleição provoca fogo cruzado entre delegados

O PT divulgou um programa cheio de compromissos genéricos, como “colocar o povo no orçamento”, fazer uma “reforma do Estado” ou voltar a investir em educação. Prometeu depois trazer um texto mais detalhado. Contudo não trouxe.

O próprio Lula explicou que não precisa fazer promessas, porque todos já sabemos como foi seu governo e conhecemos o legado que deixou. Dizer que já passaram 20 anos de sua primeira eleição e que o Brasil já mudou muito é chover no molhado, mas nem por isso deixa de ser verdade.

Eleições 2022: Brasil tem recorde de pesquisas eleitorais, mostram registros do TSE

Ainda assim, virou lugar-comum dizer que não é hora de cobrar ou de criticar Lula, porque há algo maior em jogo — restabelecer a própria democracia. Em nome da democracia, estão combinando que o Brasil dará um cheque em branco ao petista, porque cobrar ao líder nas pesquisas que detalhe suas propostas é uma atitude antidemocrática.

É bom lembrar apenas que esta não é uma eleição para santo ou para escolher um novo mito. Os problemas continuam, e o dia seguinte será duro. A esta altura, já deveríamos ter aprendido que a luta do bem contra o mal só existe nas histórias em quadrinhos ou nos vídeos toscos da extrema direita.

Os empresários que foram ao jantar com Lula sabem muito bem disso. Mas sabem se defender. A nossa democracia, talvez não.

Malu Gaspar para O Globo, em 29.09.22 às 04h30  

Aperfeiçoando os privilégios

Militares têm participado de ‘cursos de aperfeiçoamento’ não para melhor servir ao País, mas para engordar seu holerite

Um levantamento do Estadão com base em dados do Ministério da Defesa mostrou que, entre 2019 e agosto deste ano, 4.349 militares, sobretudo da Marinha, concluíram o curso de aperfeiçoamento para “Assessoria em Estado-Maior para Suboficiais”, que dura, em média, oito semanas. Desse total, 1.932 militares (44%) já se aposentaram e outros 178 (4%) estão em processo de transição para a reserva. Ou seja, quase a metade desses oficiais e suboficiais, qualificados às expensas dos contribuintes, deixou de prestar serviços ao País pouco após obter a qualificação. É lícito inferir, portanto, que muitos militares possam ter frequentado esses cursos apenas como meio para melhorar a remuneração na aposentadoria. 

A manobra está assentada na reforma da previdência dos militares, aprovada em 2019 sob os auspícios do presidente Jair Bolsonaro, político que fez carreira na defesa dos interesses das Forças Armadas. Portanto, esse acréscimo de vencimentos às portas da aposentadoria não é ilegal, mas é claramente imoral. Trata-se de inaceitável privilégio, algo que não se coaduna com a ideia de República que este jornal defende.

A respeito desse tratamento especial que as Forças Armadas recebem do governo, o Ministério da Defesa argumenta que o destino de mais recursos públicos para os militares serve para que as Forças se capacitem para melhor servir ao País. É uma contradição: afinal, os recursos extraordinários – que representam até 66% de aumento nos rendimentos desses militares – não servirão para capacitar os oficiais para seu serviço ao País, e sim para lhes garantir uma aposentadoria mais confortável, já que, diferentemente da maioria absoluta dos brasileiros, recebem o salário integral quando deixam de trabalhar.

Não se trata de um benefício isolado. Ao contrário do que ocorreu com quase todas as categorias do serviço público – sem falar nas discrepâncias em relação aos trabalhadores da iniciativa privada –, as Forças Armadas têm sido amplamente agraciadas pelo atual governo.

Desde a já referida reforma da previdência específica para a categoria, extremamente benevolente em relação às normas previstas para os demais servidores públicos, até a criação de mecanismos para permitir o pagamento de salários muito acima do teto constitucional para alguns oficiais, foram muitos os instrumentos gestados no Palácio do Planalto para privilegiar os militares. Enquanto pastas cruciais para o desenvolvimento humano, como Educação e Saúde, perderam recursos para investimentos, por exemplo, o Ministério da Defesa viu seu orçamento crescer substancialmente em relação a governos anteriores.

A crítica a esse tratamento diferenciado dado aos militares pelo atual governo não significa, por óbvio, defender o contrário, ou seja, que os militares deveriam ser simplesmente negligenciados no Orçamento. Trata-se de enfatizar que um bom governante tem discernimento para fazer boas escolhas políticas diante da escassez de recursos. Mas sabedoria e espírito público são atributos que Bolsonaro jamais teve – ou terá. 

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 29.09.22às 03h05

A intolerável ameaça de Bolsonaro

A poucos dias da eleição, o presidente continua ameaçando descumprir a vontade do eleitor. O País não pode ser refém do golpismo. As instituições têm os instrumentos para puni-lo

   O presidente da República, Jair Bolsonaro, manifestou mais uma vez sua disposição de não respeitar a vontade do eleitor caso esta lhe seja desfavorável. Este jornal, que considera a alternância no poder e o respeito às instituições como algumas das mais preciosas bases da democracia, entende que é inaceitável que qualquer candidato, sobretudo na condição de presidente da República, lance suspeitas infundadas sobre o processo eleitoral e sobre a lisura da Justiça Eleitoral, tentando, assim, deslegitimar o resultado das urnas. 

No Jornal da Record, quando o repórter lhe perguntou se aceitará o resultado das eleições caso seja derrotado, Bolsonaro respondeu: “Olha, eu vou esperar os resultados”. Na sequência, ainda levantou suspeitas sobre a imparcialidade da Justiça Eleitoral. Escancaram-se, assim, suas pretensões golpistas. As instituições precisam estar em alerta máximo.

Seguindo a cartilha do mau perdedor, Bolsonaro começou já em 2020 suas agressões ao sistema eleitoral, afirmando que as urnas eletrônicas eram suscetíveis de fraude. Depois, foi além, e, sem nenhum indício digno de nota, muito menos prova, disse que as eleições de 2014 e as de 2018 foram fraudadas.

Bolsonaro afirma que as urnas não são auditáveis. Mentira: elas têm 10 camadas de auditoria e seu código-fonte é aberto à inspeção das instituições. Afirma que as urnas são vulneráveis a ataques de hackers. Mentira: elas não entram em rede nem são acessíveis remotamente.

Se é lamentável que as instituições e as inúmeras demonstrações de integridade das urnas não tenham contido a estratégia sediciosa do presidente da República, é também um sinal do fracasso do bolsonarismo que ele não tenha logrado arrastar o mundo-político institucional para suas teses – e práticas – conspiratórias. Nenhum ator político relevante – nem sequer seus asseclas do Centrão –, nenhum dos Poderes da República, nenhuma instituição da sociedade civil corrobora sua desconfiança. Ainda assim, o presidente incitou o Ministério da Defesa, na tentativa de implicar as Forças Armadas, a realizar uma “apuração paralela” e flagrantemente inconstitucional das urnas. Chegou ao absurdo de convocar embaixadores internacionais para declarar que nossa democracia é fraudulenta.

É paradigmático que em 2021, quando o coronavírus ainda dizimava a vida de milhares de brasileiros e fustigava a economia do País, Bolsonaro tenha sequestrado a agenda do Congresso para uma pauta natimorta e sem nenhum clamor popular: o voto impresso. “Vai ter voto impresso em 2022 e ponto final”, disse na ocasião em mais um arroubo autoritário. “Se não tiver voto impresso, é sinal de que não vai ter eleição.” Nada exprime melhor, quase que literalmente, a cortina de fumaça ininterruptamente regurgitada pelo Palácio do Planalto para disfarçar o seu desgoverno que a fuligem preta dos blindados mobilizados por Bolsonaro para intimidar o Parlamento no dia da votação sobre o voto impresso.

A ex-presidente Dilma Rousseff exprimiu os sentimentos de muitos políticos – incluindo o do próprio clã Bolsonaro – ao afirmar que “pode fazer o diabo quando é hora das eleições”. O presidente vai além, e se mostra disposto a fazer o diabo para subvertê-las. Bolsonaro, que encerrou sua carreira militar com ameaças de bombas a quarteis, agora ameaça implodir o resultado das urnas.

É inaceitável que paire, após três décadas de redemocratização, o fantasma do golpe sobre as eleições. Ainda que Bolsonaro reedite com estonteante frequência suas acusações fraudulentas, não é tolerável normalizar esta atmosfera de exceção. 

Mas só notas de repúdio não bastam. Há meios legais para punir eventuais atentados ao processo eleitoral. Há a legislação eleitoral, há a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito e há a Lei dos Crimes de Responsabilidade. Bolsonaro já é investigado pelo TSE por difundir informações falsas sobre o processo eleitoral. A Constituição legou ao Ministério Público, à Polícia Federal, ao Judiciário e ao Congresso todos os instrumentos necessários para impedir que as ameaças de Bolsonaro à liberdade política dos brasileiros e seus crimes contra a vontade do eleitor não fiquem impunes. 

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 29.09.22 às 03h00