quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Os negócios da família Bolsonaro

Se pretende ser visto pelo eleitor como campeão da luta contra a corrupção, Bolsonaro tem de explicar ao País de onde veio o dinheiro vivo com o qual ele e a família compraram 51 imóveis

Em 2018, Jair Bolsonaro elegeu-se prometendo combater a corrupção. Agora, tenta a reeleição com a mesma tática. Coloca-se como o candidato antipetista, cuja missão é impedir a volta da corrupção do PT. De fato, o partido de Lula da Silva tem muito a explicar ao País e, principalmente, a dizer sobre o que fará de diferente para não acontecer de novo tudo o que se viu nas gestões petistas. No entanto, enquanto não esclarecer as muitas questões obscuras envolvendo o patrimônio e as finanças de sua família, Bolsonaro não tem moral para cobrar transparência ou lisura de Lula. É literalmente o roto falando do esfarrapado.

No debate na Band, Bolsonaro chamou Lula de ex-presidiário. O líder petista esteve preso em razão de uma condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso do triplex do Guarujá. Lula foi solto depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) considerar que o juiz da primeira instância Sérgio Moro, além de ter atuado de forma parcial no caso, era incompetente para julgar a causa. Encaminhado depois à Justiça Federal de Brasília, o processo foi arquivado em razão do decurso do prazo prescricional.

Ou seja, os benefícios de uma empreiteira, entregues na modalidade de reforma de um imóvel na praia e reconhecidos numa delação, suscitaram a prisão de Lula, prisão esta que Bolsonaro faz questão de relembrar na campanha eleitoral. A ironia – ou a incrível desfaçatez – é que Jair Bolsonaro e sua família não têm problemas apenas com um único imóvel na praia. Levantamento realizado pelo site UOL, a partir de dados públicos, revelou que, desde os anos 90, o presidente, seus irmãos e seus filhos negociaram nada menos que 107 imóveis, dos quais pelo menos 51 foram adquiridos total ou parcialmente com uso de dinheiro vivo. Em valores corrigidos pelo IPCA, o montante pago em dinheiro vivo equivale a R$ 25,6 milhões.

Não é crime comprar imóveis usando dinheiro vivo, mas é muito estranho esse peculiar padrão de comportamento ao longo de tanto tempo, envolvendo quantias tão grandes. Além disso, há duas circunstâncias agravantes. Durante o período, Jair Bolsonaro sempre ocupou cargos políticos, recebendo seu salário em conta bancária. A princípio, não havia por que movimentar tanto dinheiro vivo.

Em segundo lugar, existem fundadas suspeitas de que, nos gabinetes parlamentares de Jair Bolsonaro e de seus filhos, foi corrente a prática da “rachadinha”, um sistema de apropriação pelo parlamentar dos salários de seus assessores. Revelado pelo Estadão, o assunto veio à tona depois das eleições de 2018, quando o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro investigava Flávio Bolsonaro por condutas suspeitas em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Um dos principais investigados era Fabrício Queiroz, amigo de Jair Bolsonaro e homem de confiança da família. Em 2020, Flávio foi denunciado por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Depois de muitas idas e vindas processuais – o filho mais velho do presidente obteve o foro privilegiado no caso –, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro rejeitou a denúncia.

Ao longo desses anos, as suspeitas de rachadinha e lavagem de dinheiro envolvendo a família Bolsonaro só ganharam novos indícios, em especial dois fatos: os cheques de Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro e a movimentação atípica de dinheiro vivo na loja de chocolate de Flávio no Rio de Janeiro. No entanto, Jair Bolsonaro nunca explicou essas suspeitas. Sempre que questionado, respondeu agredindo, ironizando ou simplesmente encerrando a entrevista.

Não é possível que, neste ano, Jair Bolsonaro peça o voto do eleitor falando em combate à corrupção do PT sem antes explicar essa combinação de dinheiro vivo na compra de imóveis, movimentações bancárias suspeitas e indícios de rachadinha nos gabinetes parlamentares. Não basta imitar Lula e dizer que a Justiça encerrou o processo contra seu filho ou se dizer perseguido pela imprensa que o questiona. É preciso explicar de onde veio tanto dinheiro vivo para comprar os numerosos imóveis da família.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 31.08.22

Patrimonialismo eleitoral

Financiamento público aos partidos drena recursos de políticas públicas e degrada a representação democrática

Historicamente, as eleições no Brasil estão entre as mais caras do mundo. Agora, conforme apurou o Estadão, os gastos em 2022 devem igualar ou até ultrapassar os de 2014, a disputa mais cara até então, com uma diferença: em 2014 a maior parte foi bancada por empresas; agora, será com dinheiro público.

A boa notícia, por sinalizar o engajamento dos cidadãos, é que as doações de pessoas físicas devem atingir um recorde. A péssima notícia é que os R$ 165 milhões arrecadados nos dez primeiros dias de campanha, que durará 45, são só uma fração irrisória dos R$ 6 bilhões em recursos públicos dos Fundos Eleitoral e Partidário.

Partidos políticos são entidades privadas, que devem ser sustentadas com dinheiro privado doado por seus simpatizantes.

Nos últimos anos houve avanços. Em 2015, a Suprema Corte proibiu a doação de empresas, que, afinal, não votam nem têm direitos políticos. A vinculação das campanhas aos interesses empresariais era uma distorção do processo político e abriu margem a casos vultosos de corrupção.

Mas não se corrige uma distorção com outra. Como mecanismo provisório, até que os partidos reorganizassem seu financiamento, o Fundo Eleitoral, criado em 2017, até poderia ser defensável. Mas desde então ele saltou de R$ 1,7 bilhão, em 2018, para quase R$ 5 bilhões, em 2022. Some-se a isso a escalada do Fundo Partidário, que, entre 1995 e 2018, descontada a inflação, cresceu 9.766%. 

Enquanto o financiamento aos partidos cresce, os investimentos em saúde, educação ou infraestrutura se contraem. Mas, mais do que drenar recursos do Tesouro, o financiamento aos partidos empobrece a representatividade democrática. A subvenção é injusta, por obrigar os cidadãos a custear legendas com as quais não raro discordam, e é corrosiva, por habituar os políticos a aliciar eleitores nas eleições e, depois, lhes darem as costas, entregando-se a administrar feudos controlados por poucos caciques.

Segundo a Transparência Partidária, entre 2008 e 2018, o porcentual de mudança da composição das Executivas Nacionais foi de ínfimos 24%. Não surpreende que o número de filiados esteja em queda.

Para piorar, como disse o diretor da Transparência Brasil, Manoel Galdino, “o Fundo Eleitoral ficou maior sem aumentar a transparência e a fiscalização”, ampliando a margem para candidaturas “laranjas”, gastos fictícios e enriquecimento ilícito.

Tudo isso contribui para a quantidade aberrante de legendas amorfas, que atuam exclusivamente como um balcão de negócios. A credibilidade dos partidos e do Legislativo entre a população diminui, abrindo margem a aventureiros populistas.

É difícil imaginar um mecanismo mais apto a perpetuar a crise de representatividade, que só se aprofundou desde 2013, do que o financiamento público aos partidos. O seu fim é crucial para que as legendas se obriguem a criar conteúdos programáticos aptos a cativar os corações e mentes dos cidadãos. Se, ao contrário, ele continuar a crescer, a distância entre os eleitores e os representantes eleitos também aumentará.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 31.08.22

Família Bolsonaro compra imóvel com dinheiro vivo, mas não tem prática de guardar valores em casa

Declarações de bens e renda da família Bolsonaro entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que o presidente e seus filhos não têm o costume de guardar dinheiro vivo em casa. 

De 1998 até as eleições deste ano, apenas o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos) informou à Corte ter guardado R$ 20 mil em espécie por ao menos oito anos.

A postura informada pela família ao TSE é diferente daquela adotada para fazer negócios imobiliários. Como revelou o portal UOL, o presidente Jair Bolsonaro (PL), duas ex-mulheres - Rogéria e Ana Cristina - e os três filhos mais velhos compraram 51 casas, apartamentos, salas comerciais e lotes de R$ 18,9 milhões, em valores corrigidos, com dinheiro vivo.

‘Qual é o problema?’ pergunta Bolsonaro sobre compra de imóveis com dinheiro ‘vivo’

O vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente da Republica Jair Bolsonaro, declarou ter R$ 20 mil em espécie guardados em casa  Foto: Dida Sampaio/Estadão

O TSE registra o patrimônio de candidatos a cada eleição. O Estadão identificou que Jair Bolsonaro e seus filhos Flávio e Eduardo nunca informaram ter dinheiro vivo em casa. A ex-mulher do presidente, Rogéria Bolsonaro, se candidatou a vereadora em 2020 e no ano 2000. Também não declarou valores em espécie à Corte Eleitoral.

Carlos Bolsonaro informou ter R$ 20 mil em espécie nas eleições de 2012, 2016 e 2020, quando concorreu ao cargo de vereador no Rio. Nas quatro declarações aparece: “Dinheiro em espécie guardado em casa”.

Na terça-feira, 30, após ser questionado sobre a compra de imóveis com dinheiro vivo, Bolsonaro minimizou: “Qual é o problema de comprar com dinheiro vivo algum imóvel, eu não sei o que está escrito na matéria... Qual é o problema?”, afirmou. O presidente e candidato à reeleição pelo PL também frisou que não se importaria com possíveis investigações. “Então tudo bem. Investiga, meu Deus do céu.”

Fazer pagamentos com dinheiro vivo ou andar com valores em espécie não é proibido no Brasil. Existem, no entanto, iniciativas para coibir a prática, muitas vezes usada para lavagem de dinheiro. Em agosto no ano passado, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovou a proposta para proibir transações com dinheiro em espécie em quatro formas distintas: operações acima de R$ 10 mil, pagamento de boletos acima de R$ 5 mil reais; circulação acima de R$ 100 mil (ressalvado o transporte por empresas de valores), e posse acima de R$ 300 mil, salvo em situações específicas. Até agora, porém, o presidente da comissão, Davi Alcolumbre (DEM-AP), não nomeou um senador para ser o relator.

Rachadinha

As compras de 25 dos imóveis viraram objeto de investigações do Ministério Público do Rio e do Distrito Federal, de acordo com a apuração do UOL. Esse numero abrange aquisições e vendas dos filhos e das ex-mulheres do presidente - não necessariamente com dinheiro vivo.

Entre as apurações abertas está o caso das rachadinhas (desvio de salário de assessores) do senador Flávio Bolsonaro. Em maio, o Tribunal de Justiça do Rio aceitou o pedido do Ministério Público e rejeitou a denúncia por peculato, organização criminosa e lavagem de dinheiro oferecida contra ele. No entanto, com a decisão, o MP diz que poderá recomeçar as investigações, com a coleta de novas provas, com base no primeiro relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Esse documento apontou movimentação atípica de R$ 1,2 milhão em uma conta no nome de um ex-assessor de Flávio, Fabrício Queiroz, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017. A movimentação atípica que deu origem à investigação sobre as rachadinhas foi revelada pelo Estadão.

Como também mostrou o Estadão, em março do ano passado, transações com imóveis foram alvos privilegiados do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) nas investigações envolvendo o parlamentar. Promotores suspeitavam que o filho Zero Um do presidente usava transações imobiliárias para lavar dinheiro ilegal repassado pelos funcionários “fantasmas”.

Julia Affonso para o Estado de S. Paulo. Publicado originalmente em 31.08.22

Morre Mikhail Gorbachev: 5 razões pelas quais a União Soviética entrou em colapso

Mikhail Gorbachev morreu nesta terça-feira (30/08), aos 91 anos, em Moscou. O russo foi o último líder da União Soviética (URSS) antes de sua dissolução.

A União Soviética chegou ao fim em dezembro de 1991

Gorbachev renunciou formalmente ao cargo de liderança da URSS em 25 de dezembro de 1991. No dia seguinte, em 26 de dezembro, o Parlamento do país — o Soviete Supremo — reconheceu formalmente a independência de 15 novos Estados, encerrando assim a existência da União Soviética.

Ele havia chegado ao poder em 1985, aos 54 anos. Iniciou uma série de reformas para dar um novo fôlego ao país, que estava estagnado.

Muitos argumentam que essas reformas, conhecidas como Perestroika (reconstrução e reestruturação) e Glasnost (abertura e liberdade de expressão), provocaram o fim do bloco soviético. Outros dizem que não havia salvação para a União Soviética, dada sua estrutura rígida.

Neste texto, a BBC examina as razões subjacentes a um colapso que teve efeitos profundos sobre como a Rússia hoje enxerga a si mesma e interage com o resto do mundo.

Nos últimos anos da União Soviética, as necessidades básicas eram escassas e as filas nas lojas eram comuns (Getty Images)

1. Economia

Uma economia em colapso era o maior de todos os problemas da União Soviética. O país tinha uma economia planificada, ao contrário da economia de mercado da maioria dos outros países.

Na URSS, o Estado decidia quanto iria produzir em cada setor (quantos carros ou pares de sapatos ou pães, por exemplo).

Também decidia o quanto desses produtos cada cidadão precisava, quanto tudo deveria custar e quanto deveria ser pago às pessoas.

A teoria era que esse sistema seria eficiente e justo, mas na realidade ele teve dificuldades para funcionar.

A oferta sempre ficou atrás da demanda, e o dinheiro não rendia na mão da população.

Muitas pessoas na União Soviética não eram exatamente pobres, mas simplesmente não conseguiam comprar itens básicos porque nunca havia dinheiro suficiente.

Para comprar um carro, era preciso ficar anos na lista de espera. Para comprar um casaco ou um par de botas de inverno, muitas vezes era preciso ficar por horas na frente das lojas.

Na União Soviética, as pessoas não falavam em comprar algo (kupit), mas em conseguir (dostat).

O que piorou a situação foram os gastos com a exploração espacial e a corrida armamentista entre a União Soviética e os Estados Unidos, que começou no final dos anos 1950.

A URSS foi o primeiro país do mundo a colocar um homem em órbita e possuía um arsenal de armas nucleares e mísseis balísticos altamente avançados, mas produzir tudo isso custou muito caro ao país.

A União Soviética dependia de seus recursos naturais, como petróleo e gás, para pagar por essa corrida, mas, no início da década de 1980, os preços do petróleo despencaram, atingindo duramente a economia já debilitada do bloco.

A política da Perestroika de Gorbachev introduziu alguns princípios de mercado, mas a gigantesca economia soviética era pesada demais para ser reformada rapidamente.

Os bens de consumo permaneceram escassos, e a inflação disparou.

Em 1990, as autoridades introduziram uma reforma monetária que eliminou as poupanças, por mais parcas que fossem, de milhões de pessoas.

A frustração com o governo cresceu.

Por que isso importa hoje?

A escassez de bens de consumo teve um efeito duradouro no pensamento da população depois da queda do bloco soviético.

Mesmo agora — uma geração depois —, o medo de ficar sem produtos básicos ainda persiste.

Esse é um temor poderoso que pode ser facilmente manipulado durante as campanhas eleitorais.

Mikhail Gorbachev foi muito festejado internacionalmente, mas tornou-se impopular em casa (Getty Images)

2. Ideologia

A política de Glasnost de Gorbachev visava permitir maior liberdade de expressão em um país que passou décadas sob um regime opressor, onde as pessoas tinham muito medo de dizer o que pensavam, fazer perguntas ou reclamar.

Gorbachev começou a abrir arquivos históricos que mostravam a verdadeira escala da repressão sob Joseph Stalin (líder soviético entre 1924 e 1953), que resultou na morte de milhões de pessoas.

Ele encorajou um debate sobre o futuro da União Soviética e suas estruturas de poder, sobre como elas deveriam ser reformadas para seguir em frente.

O político até contemplou a ideia de um sistema multipartidário, desafiando o domínio do Partido Comunista.

Em vez de apenas ajustar a ideia soviética, essas revelações levaram muitos na URSS a acreditar que o sistema governado pelo Partido Comunista — onde todos os funcionários do governo eram nomeados ou eleitos por meio de eleições não contestadas — era ineficaz, repressivo e aberto à corrupção.

O governo de Gorbachev tentou apressadamente introduzir alguns elementos de liberdade e justiça no processo eleitoral, mas era tarde demais.

Por que isso importa hoje?

O atual presidente da Rússia, Vladimir Putin, percebeu desde cedo a importância da ideia de uma nação forte, especialmente para um governo que não é totalmente transparente e democrático.

Ele utilizou um ideário de várias épocas do passado russo e soviético para promover um sentimento nacional de reverência ao seu governo: a riqueza e o glamour da Rússia Imperial, o heroísmo e o sacrifício da vitória na Segunda Guerra Mundial sob Stalin e a calma estabilidade dos anos 1970. A era soviética é ecleticamente misturada para inspirar orgulho e patriotismo, deixando em segundo plano os numerosos problemas da Rússia atual.

Sentimento nacionalista cresceu em toda União Soviética à medida que pessoas nas repúblicas fora da Rússia, como Ucrânia, descobriram sobre opressões do passado (Getty Images)

3. Nacionalismo

A União Soviética era um estado multinacional, sucessor do Império Russo.

Consistia em 15 repúblicas, cada uma teoricamente igual em seus direitos como nações irmãs.

Na realidade, a Rússia era de longe a maior e mais poderosa, e a língua e a cultura russas dominavam muitas áreas.

A Glasnost alertou muitas pessoas em outras repúblicas sobre a opressão étnica do passado, incluindo a fome ucraniana na década de 1930, a aquisição dos Estados Bálticos e da Ucrânia ocidental sob o pacto de amizade entre nazistas e soviéticos, além das deportações forçadas de vários grupos étnicos durante a Segunda Guerra Mundial.

Esses e muitos outros eventos trouxeram um surto de nacionalismo e demandas por libertação do bloco.

A ideia da União Soviética como uma família feliz de nações foi fatalmente minada e as tentativas precipitadas de reformá-la, oferecendo mais autonomia às repúblicas, foram vistas como atrasadas.

Por que isso importa hoje?

A tensão entre a Rússia, lutando para manter seu papel central e esfera de influência, e muitos países que faziam parte do bloco socialista permanece.

As relações tensas entre Moscou e os Estados Bálticos, a Geórgia e, mais recentemente, a Ucrânia (com trágicas consequências), continuam a moldar a paisagem geopolítica da Europa.

Mikhail Gorbachev, retratado aqui com o então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, em 1985, costumava ser creditado pelo fim da Guerra Fria (Getty Images)

4. Perdendo corações e mentes

Durante anos, o povo soviético foi informado de que o Ocidente estava "apodrecendo" e seu povo estava sofrendo com a pobreza e degradação sob governos capitalistas.

Essa ideia foi cada vez mais questionada a partir do final dos anos 1980, quando as viagens ao exterior e o contato direto com estrangeiros aumentaram.

Os cidadãos soviéticos puderam ver que em muitos outros países havia um padrão de vida melhor, mais liberdade individual e estado de bem-estar.

A população também conseguiu ver o que suas autoridades tentaram esconder durante anos, com a proibição de viagens internacionais, de estações de rádio estrangeiras (como o Serviço Mundial da BBC) e qualquer literatura e filmes estrangeiros.

Gorbachev foi creditado por encerrar a Guerra Fria e impedir a ameaça de um confronto nuclear ao melhorar as relações com o Ocidente, mas um resultado não intencional dessa estratégia foi que o povo soviético percebeu como a vida no país era precária em comparação com outros lugares.

Gorbachev tornou-se cada vez mais popular no exterior, enquanto enfrentava cada vez mais críticas em casa.

Por que isso é importante hoje?

O governo russo se tornou adepto da manipulação de informações divulgadas pela mídia em seu benefício.

Para evitar comparações desfavoráveis ​​com o resto do mundo, a Rússia é frequentemente apresentada como uma nação única, cultural e historicamente — uma espécie de "guerreiro solitário, cercado por malfeitores".

Realizações científicas, vitória na Segunda Guerra Mundial e herança cultural são continuamente usados ​​em narrativas da mídia para transmitir uma mensagem de excepcionalismo nacional e desviar a atenção dos problemas diários.

Mikhail Gorbachev, visto aqui levantando uma taça em 26 de dezembro de 1991 em sua festa de despedida, era um líder enérgico, mas indeciso (Getty Images)

5. Liderança

Gorbachev sabia que uma mudança radical era necessária para impedir uma maior deterioração da economia soviética e da moral pública, mas sua visão de como conseguir isso talvez carecesse de clareza.

Com o fim da Guerra Fria, ele se tornou um herói para o mundo exterior, mas em casa foi criticado por reformadores que achavam que ele não estava tomando a iniciativa. Também virou alvo de conservadores que o acusavam de ir longe demais.

Como resultado, ele perdeu ambos os campos.

Os conservadores lançaram um golpe de Estado fracassado em agosto de 1991 para tentar remover Gorbachev do poder.

Em vez de salvar a URSS, a tentativa malfadada precipitou seu fim. Menos de três dias depois, os líderes do golpe tentaram fugir do país, e Gorbachev voltou ao poder, mas por um breve período.

Boris Yeltsin na Rússia e líderes locais no restante da URSS vieram à baila.

Nos meses seguintes, muitas das repúblicas realizaram seus referendos de independência e, em dezembro, o destino final da URSS foi selado.

Por que isso é importante hoje?

Vladimir Putin é um dos governantes mais antigos da Rússia.

Um dos segredos de sua longevidade é colocar o país em primeiro lugar, ou pelo menos parecer fazê-lo.

Enquanto Mikhail Gorbachev foi criticado por desistir unilateralmente de muitas das posições de força duramente conquistadas pela União Soviética, como a retirada às pressas das tropas soviéticas da Alemanha Oriental, Vladimir Putin luta com unhas e dentes pelo que acredita serem interesses russos.

Putin havia sido oficial da KGB (serviço secreto soviético) na Alemanha Oriental quando o Muro de Berlim caiu, em 1989, e testemunhou em primeira mão o caos da retirada soviética.

Trinta anos depois, ele se opõe categoricamente à aproximação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), como demonstra a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022 e a decorrente guerra.

Kateryna Khinkulova e Olga Ivshina, da BBC Rússia, em 30.08.22 (Esta reportagem foi originalmente publicada pela BBC News Brasil em 26 de dezembro de 2021 e atualizada em 30 de agosto de 2022)

Transplante fecal é recomendado no Reino Unido para tratar infecções intestinais

O Instituto Nacional de Excelência em Saúde e Cuidados (Nice, na sigla em inglês) do Reino Unido acaba de recomendar o transplante de fezes como tratamento contra infecções intestinais.

A bactéria Clostridium difficile costuma resistir aos antibióticos disponíveis (Getty Images)

Por ora, o método está indicado para quem teve dois ou mais quadros provocados pela bactéria Clostridium difficile, um micro-organismo que não é facilmente derrotado pelos antibióticos disponíveis atualmente.

Essa bactéria também pode causar uma infecção quando ocorre um desequilíbrio da microbiota intestinal — o conjunto de seres microscópicos que habitam o sistema digestivo e são muito importantes para nossa saúde.

E um dos fatores que gera esse desbalanço intestinal vantajoso para a C. difficile é justamente o uso de antibióticos.

Em resumo, o transplante fecal consiste em transferir para o organismo de um paciente as bactérias intestinais "do bem" que são encontradas nas fezes de um doador saudável.

O transplante pode acontecer por meio de uma endoscopia (em que os equipamentos e a amostra bacteriana são introduzidos pelo nariz ou pela boca), pela colonoscopia (quando o processo se inicia pelo ânus) ou por meio de pílulas preparadas em laboratório.

Ensaios clínicos publicados nos últimos anos mostram que essa terapia contra a C. difficile é mais eficaz e barata em comparação com os antibióticos, aos quais essa "superbactéria" pode se tornar resistente.

Por ora, o transplante fecal ainda é encarado como um método experimental no Brasil, usado apenas quando as outras opções terapêuticas não funcionaram como o esperado.

Sintomas comuns de uma infecção causada pelo C. difficile

Diarreia

Febre

Perda de apetite

Náusea

Dor de estômago

O Nice estima que entre 450 e 500 pessoas poderiam receber os transplantes fecais na Inglaterra, economizando milhares de libras ao reduzir a prescrição de antibióticos.

Um estudo feito em 2018 no Brasil estimou que, nas regiões Sul e Sudeste, são detectados por dia três casos de infecção por C. difficile a cada mil pacientes hospitalizados.

Mark Chapman, diretor de tecnologia médica do Nice, disse que "o uso deste tratamento também ajudará a reduzir a dependência de antibióticos".

"E isso, por sua vez, permite diminuir os riscos de resistência antimicrobiana", declarou.

Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/geral-62736711, em 31.08.22

terça-feira, 30 de agosto de 2022

O primeiro debate, segundo Tom Cavalcanti

Como diziam os antigos romanos, ridendo castigat mores. O Millor traduziu propositadamente assim: é rindo que se castiga os mouros.

Gorbachev, último presidente da União Soviética, morre aos 91 anos


O pai da 'perestroika' morreu em Moscou após uma "doença longa e grave"

Mikhail Gorbachev em uma imagem de arquivo de 1984. (Bryn Colton, Getty Imagaes)

Mikhail Sergeyevich Gorbachev (Stavropol, 2 de março de 1931), o último líder soviético, morreu aos 91 anos. O primeiro e último presidente da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e pai da perestroika morreu após "uma doença grave e prolongada", conforme confirmado pelo Hospital Clínico Central de Moscou. Gorbachev, que chegou ao poder como chefe da URSS em 1985, recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1990.

Gorbachev, que assumiu o poder à frente da URSS como secretário-geral do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética em 1985, empreendeu então duas enormes reformas, glástnost (transparência, em russo) e perestroika (reestruturação) com o objetivo de acabar com a com a opacidade do regime soviético e a abertura da economia ao mercado, respectivamente. Por seu trabalho, ele recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1990.

Após a tentativa de golpe de agosto de 1991 , perpetrada pela liderança da KGB e do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), sua posição política foi bastante enfraquecida. Ele renunciou em dezembro daquele ano e dissolveu o comitê central. Um dia depois, em 25 de dezembro , a União Soviética deixou de existir.

Referência histórica do século 20, Gorbachev passou seus últimos anos de vida afastado por motivos de saúde. Segundo a agência de notícias Tass, ele foi hospitalizado no início da pandemia e permaneceu sob constante supervisão médica desde então. Fontes próximas à família informaram que ele será enterrado no cemitério Novodevichy, em Moscou, ao lado de sua esposa, Raisa Gorbachova, que morreu em 1999.

Publicado originalmente por EL PAÍS, em 30.08.22, às 17h58


Um debate muito útil

O debate entre os candidatos a presidente escancarou a baixa estatura moral de Lula e Bolsonaro; felizmente, mostrou também que a eleição não se limita aos líderes nas pesquisas

O debate entre os candidatos a presidente na TV Band, na noite de anteontem, escancarou uma realidade há muito denunciada neste espaço: como são ruins os dois primeiros colocados nas pesquisas de intenção de voto.

De forma incontestável, o petista Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro foram os piores no primeiro embate na televisão. O País entendeu perfeitamente por que os dois precisam tanto do cercadinho da polarização: sem propostas para os problemas do País e sem respostas para as acusações que pesam contra ambos, Lula e Bolsonaro limitaram-se a mentir e trocar acusações. Graças a essa miséria, os demais candidatos, com destaque para Ciro Gomes e Simone Tebet, pareciam estadistas.

O debate demonstrou a exata dimensão de Lula e Bolsonaro nesta eleição. Eles podem ser bastante conhecidos e contar com o apoio das respectivas militâncias, mas na realidade têm se mostrado nanicos em ideias e campeões de desrespeito ao voto e à inteligência do eleitor.

Sobre sua trajetória penal, o candidato petista distorceu uma vez mais a realidade. Tendo deixado a prisão e se tornado elegível em razão de nulidades processuais causadas por erros do Ministério Público e da Justiça, postulou o reconhecimento de uma inocência que nunca houve. Lula disse ter sido inocentado até pela ONU. Faltou só citar o Tribunal do Santo Ofício. E tudo isso quando foi questionado sobre a inegável corrupção do PT e o rombo das estatais. 

É realmente assustador. Depois de tudo o que foi revelado, depois dos bilhões de reais desviados, Lula é incapaz de reconhecer o problema e de dizer o que fará de diferente para evitar, em um eventual futuro governo, a reedição dos escândalos de corrupção que marcaram para sempre as gestões petistas.

Ao longo do debate, viu-se que Lula não mudou nada. Não pediu desculpas ao País pelo desastre econômico causado pelo PT, tampouco pelo mensalão e pelo petrolão. Repetiu a cantilena petista de que é perseguido injustamente e de que Dilma Rousseff sofreu um golpe.

O País também viu que Jair Bolsonaro não mudou nada. Foi grosseiro com as mulheres, lavou as mãos sobre a articulação política de sua base que resultou no escandaloso orçamento secreto, deu desculpas esfarrapadas sobre a decretação de sigilo de 100 anos até para informações triviais de sua administração, não esclareceu as denúncias de corrupção envolvendo a compra da vacina Covaxin, negou o vergonhoso escândalo do Ministério da Educação e, no geral, reafirmou seu profundo desconhecimento sobre os problemas nacionais. Isso ficou particularmente claro no bloco final, concedido ao candidato para dizer o que pretende fazer se for eleito: quando tomou a palavra, usou-a para falar exclusivamente dos riscos representados pela esquerda na América Latina. A mensagem foi cristalina: o candidato à reeleição não tem rigorosamente nada a propor ao eleitor.

Apesar dessa miséria, o debate não foi em vão. Ficou evidente que há outros candidatos à Presidência da República sérios, com propostas e com experiência. É absolutamente falsa a ideia de que o eleitor neste ano terá de decidir apenas entre Lula e Bolsonaro. O voto não é uma escolha, sob coação, entre dois destinos infelizes. É um exercício consciente e maduro de liberdade.

Em meio ao tumulto protagonizado por Lula e Bolsonaro, Ciro Gomes, por exemplo, encontrou maneiras de expor suas ideias e, de quebra, mostrar as contradições do PT. O candidato do PDT deixou claro que a pretensão de hegemonia de Lula sobre todo o campo da esquerda é antidemocrática, ainda mais quando o PT não quer real debate de ideias e propostas: exige um cheque em branco do eleitor para seu demiurgo.

Outra candidata que se destacou foi Simone Tebet. A senadora do MDB enfrentou com altivez os arreganhos desrespeitosos de Bolsonaro e rebateu com segurança as fabulações de Lula, apresentando-se ao País como alternativa racional e pacífica.

Se o alarido do debate teve alguma utilidade, foi a de mostrar que o País, se quiser, pode deixar de ser prisioneiro do passado corrupto e incompetente do lulopetismo e do presente indecoroso e reacionário do bolsonarismo.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 30.08.22

Simone Tebet e Soraya Thronicke não ameaçam liderança de Lula e Bolsonaro, mas deixam ambos nervosos

As fragilidades dos favoritos reabrem a expectativa de uma terceira via, mas, a esta altura, Ciro Gomes se debate para se manter à tona

A candidata presidencial Simone Tebet durante participação do debate entre os candidatos na Band  Foto: André Penner/AP - 28/08/2022

A eleição presidencial ganhou ritmo e novos protagonistas, com Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (União Brasil) subindo ao palco com Ciro Gomes (PDT) para disputar holofotes e a atenção e os votos de moderados, indecisos e arrependidos. O show não é mais exclusividade de Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL).

Debates e entrevistas tiram os candidatos favoritos da zona de conforto e desbotam as imagens coloridas e favoráveis de suas propagandas eleitorais, dando uma chance preciosa ao “segundo pelotão” das pesquisas: a de se tornarem conhecidos. A partir daí, depende deles.

Morna no Jornal Nacional da TV Globo, Simone Tebet esquentou no debate do pool liderado pelas TVs Bandeirantes e Cultura. Firme, contundente e corajosa, avisou para Bolsonaro que “não tem medo” dele e não caiu na lábia de Lula, chamado de “encantador de serpentes” por Ciro. Atacou a misoginia de um e a corrupção atribuída ao outro.

Numa dobradinha que não pareceu combinada, mas fazia sentido, Soraya Thronicke ilustrou as falas de Tebet com cores vivas, vibrantes, e ambas se tornaram a surpresa da noite, cresceram ao longo do debate e geraram frases marcantes. Tebet: “Candidato Bolsonaro, por que tanta raiva das mulheres?” Thronicke: “Tchutchuca com homens, tigrão com mulheres”.

Nada poderia ser pior para um candidato que precisa crescer e foca no eleitorado feminino e nos evangélicos e evangélicas. Um eleitor desses dois segmentos, se está em dúvida, não apenas recua da aproximação com Bolsonaro como pode desviar para Tebet. E Thronicke tem algo mais: é bolsonarista arrependida, fala a uma ampla faixa de eleitores que votaram no “mito”, mas se desiludiram.

O JN foi ruim para Bolsonaro e bom para Lula. O primeiro debate foi péssimo para ambos e deve ter consequência, dificultando o crescimento já lento e gradual de um e a vitória em primeiro turno do outro. As vísceras do governo Bolsonaro estão à mostra, o fantasma da corrupção volta com tudo para assombrar Lula.

A campanha bolsonarista acha que o chefe foi mal, mas Lula sofreu o maior dano. Por quê? Porque, na opinião dos assessores, Bolsonaro já apanha há anos por conta de pandemia e misoginia, mas nunca mais se falou da corrupção na era PT. Isso, segundo eles, volta com força e tira Lula do prumo nos debates.

As fragilidades dos favoritos reabrem a expectativa de uma terceira via, mas, a esta altura, Ciro se debate para se manter à tona e a dupla Tebet-Thronicke tem mais fôlego para bagunçar o coreto de Lula e Bolsonaro do que para chegar ao segundo turno. O que, aliás, não é pouco.

Eliane Cantanhêde, a autora deste artigo, é Comentarista da Rádio Eldorado, Rádio Jornal (PE) e do telejornal GloboNews em Pauta. Publicado originalmente em 30.08.22.

Chile convoca embaixador do Brasil após fala de Bolsonaro

Em debate, presidente acusou líder chileno de "tocar fogo em metrôs" durante os protestos de 2019. Governo em Santiago diz que declaração é gravíssima e afeta relação bilateral: "Desinformação corrói a democracia."

Ex-líder estudantil, Gabriel Boric assumiu a presidência do Chile em março (Foto: ORF)

O governo do Chile convocou nesta segunda-feira (29/08) o embaixador do Brasil em Santiago, Paulo Soares Pacheco, em protesto contra uma declaração do presidente Jair Bolsonaro sobre o líder chileno, Gabriel Boric, na véspera.

Durante o primeiro debate televisivo entre os candidatos à Presidência no domingo, Bolsonaro acusou Boric de incendiar metrôs durante os protestos de 2019 no Chile.

A fala veio durante as considerações finais do presidente no debate, que foi organizado pelo jornal Folha de S. Paulo, o portal UOL e as emissoras Bandeirantes e Cultura. Assim como seus adversários, Bolsonaro tinha dois minutos para fazer suas últimas declarações.

Em vez de promover suas propostas de governo, o candidato à reeleição usou o tempo para listar alguns líderes latino-americanos que teriam ligações com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas de intenção de voto ao Planalto.

"Quem o ex-presidiário apoiou no passado? Apoiou o [Hugo] Chávez, apoiou o [Nicolás] Maduro", disse Bolsonaro. "Lula apoiou o presidente do Chile também. O mesmo que praticava atos de tocar fogo em metrôs lá no Chile. Para onde está indo o nosso Chile?"

A declaração provocou repúdio no governo chileno, que negou as acusações contra Boric e enviou uma citação ao embaixador brasileiro, informou o jornal chileno La Tercera. Na diplomacia, convocar um embaixador para esclarecimentos é um jeito simbólico de demonstrar descontentamento.

"A desinformação corrói a democracia"

"Quero declarar diante das afirmações do presidente Bolsonaro do Brasil, ontem em um debate eleitoral, em que ele acusou diretamente o presidente Gabriel Boric de ter queimado o metrô: como governo, consideramos tais declarações gravíssimas, obviamente são absolutamente falsas", disse a ministra chilena das Relações Exteriores, Antonia Urrejola, citada pelo jornal.

Ela acrescentou que o governo em Santiago lamenta que, "em um contexto eleitoral, se aproveitem e polarizem as relações bilaterais através da desinformação e das notícias falsas".

"A desinformação e as notícias falsas corroem a democracia, mas também nesse caso corroem a relação bilateral. Estamos absolutamente convencidos de que essa não é a forma de fazer política", completou Urrejola.

Em comunicado à imprensa, o Ministério das Relações Exteriores do Chile disse ainda que as declarações de Bolsonaro "são inaceitáveis e não condizem com o tratamento respeitoso que se devem os chefes de Estado, nem com as relações fraternas entre dois países latino-americanos".

Apesar de tudo, a ministra ressaltou que "a relação com o Brasil, um povo irmão, com uma história comum, com desafios comuns, deve continuar se fortalecendo, e esperamos continuar enfrentando os desafios como povos irmãos que somos, para além dessas declarações".

Hostilidades de Bolsonaro

Segundo o La Tercera, a reação do governo chileno veio após conversas entre Urrejola e o presidente Boric a fim de encontrar uma saída que lhes permitisse confrontar as declarações de Bolsonaro, especialmente em meio à relação tensa entre os dois países desde a posse do chefe de Estado chileno, um ex-líder estudantil de esquerda, em março.

Segundo o governo do Chile, a hostilidade de Bolsonaro vai além de suas declarações polêmicas. Mais de cinco meses após Santiago ter indicado o nome de Sebastián Depolo para embaixador no Brasil, a proposta ainda não foi respondida pelo governo brasileiro. O gesto, segundo o La Tercera, foi interpretado a nível diplomático como uma recusa do líder brasileiro.

Assim, a mais recente acusação de Bolsonaro contra Boric foi considerada pelo governo chileno uma nova afronta ao país, e tanto a chanceler quanto o presidente entenderam que era preciso "elevar o tom" e dar um sinal mais concreto, escreveu o jornal.

Não é a primeira vez que Bolsonaro ataca o governo do Chile, usando o país como exemplo para criticar governos vizinhos de esquerda. Em 18 de agosto, durante um ato de campanha no interior de São Paulo, ele proferiu uma fala semelhante: "Olha para onde estão indo esses países. Olha o nosso Chile para onde está indo. Vocês querem isso para o Brasil?"

Publicado originalmente em https://www.dw.com/pt-br/chile-convoca-embaixador-do-brasil-ap%C3%B3s-fala-de-bolsonaro/a-62965319 / Deutsche Welle Brasil, em 29.08.22. ek (ots)

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Debate marca bom início de campanha para Simone Tebet; Bolsonaro perde a mão, e Lula falha

Campanha começa enfraquecendo o apelo para o voto útil no ex ou no atual presidente, dando condições para que os candidatos do pelotão de baixo comecem a subir nas pesquisas; entrevistas no Jornal Nacional e o inicio da propaganda eleitoral contribuem para isso.

A senadora Simone Tebet (MDB) participa do debate promovido na TV Bandeirantes (Band) em parceria com a TV Cultura, UOL e Folha; a emedebista se destacou na defesa das mulheres. Foto: Thiago Queiroz/Estadão

Bolsonaro e Lula fizeram suspense durante toda a semana sobre ir ou não ao debate deste domingo. Talvez tenham se arrependido depois de uma noite ruim. Sorte dos outros candidatos, especialmente Simone Tebet, que tiveram uma ótima chance de aparecer. Quem não tinha nada a perder foi justamente quem aproveitou melhor o debate.

Bolsonaro até começou bem, pressionando Lula sobre corrupção. Era uma bola cantada, mas Lula não bateu de volta com a mesma intensidade. Preferiu enfatizar os feitos de seu governo, e não mencionou acusações contra o atual presidente. Mas Bolsonaro perdeu a mão ao atacar a jornalista Vera Magalhães. Tentou consertar perguntando a Ciro Gomes sobre políticas para mulheres, e tudo que conseguiu foi manter o foco no tema que é seu calcanhar de Aquiles.

A senadora Simone Tebet (MDB) participa do debate promovido na TV Bandeirantes (Band) em parceria com a TV Cultura, UOL e Folha; a emedebista se destacou na defesa das mulheres. Foto: Thiago Queiroz/Estadão

Lula também não foi bem, por razões diferentes. Foi uma noite sem brilho, com respostas prontas e sem muita assertividade. Seu melhor momento, quando falou a Soraya Thronicke sobre a vida dos mais pobres nos anos de PT, veio muito tarde e passou rápido. Outros candidatos mostraram mais eloquência e aproveitaram melhor as oportunidades para confrontar Bolsonaro.

A campanha começa, portanto, enfraquecendo o apelo do voto útil em Lula e Bolsonaro, e dando condições para que os candidatos do pelotão de baixo comecem a subir nas pesquisas. Não apenas o debate, mas também as entrevistas do Jornal Nacional e o início da propaganda eleitoral contribuem para isso, ao apresentar candidatos desconhecidos ao eleitorado.

Embora Bolsonaro tenha ido mal, talvez o crescimento de Simone e Ciro se dê mais às custas de Lula do que do atual presidente porque o eleitorado de Bolsonaro parece mais firme. Nesse sentido, é possível que as pesquisas comecem a mostrar um estreitamento maior entre Lula e Bolsonaro no início de setembro.

Mas a campanha de Lula, apelando com força para a mensagem de combate à desigualdade e atenção aos mais pobres, continua bem posicionada. Por ora, um eventual crescimento de Simone e Ciro serviria apenas para diminuir a expectativa de decisão em primeiro turno, e não para mudar o quadro como um todo, em que Lula segue como favorito à vitória.

Silvio Cascione, o autor deste artigo, é Mestre em ciência política pela UNB e diretor da consultoria Eurasia Group. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 29.08.22

Debate Band: Com Bolsonaro e Lula fora de foco, Simone Tebet e Soraya Thronicke roubaram a cena

O que fica da participação do presidente é o ataque grosseiro, absurdo, à adversária Tebet e à jornalista Vera Magalhães


Simone Tebet e Soraya Thronicke atraíram os holofotes no debate Band. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O presidente Jair Bolsonaro apareceu muito no primeiro debate entre presidenciáveis, mas agressivo, descontrolado, inconsequente. Já o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, líder das pesquisas, não aconteceu, passou praticamente em branco. Quem chegasse de Marte teria a sensação de que a eleição está polarizada entre duas mulheres, Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (União Brasil), que atraíram bem os holofotes.

Principal alvo de todos os demais, Bolsonaro referia-se a Lula como “ex-presidiário”, enalteceu a “responsabilidade fiscal”, que nunca foi uma prioridade para ele, e jogou luzes em sua mulher, Michele, isca para mulheres e evangélicos. O que fica da sua participação, porém, é o ataque grosseiro, absurdo, à adversária Tebet e à jornalista Vera Magalhães. Para um candidato que lidera os índices de rejeição e sofre tanta resistência do eleitorado feminino, foi um destempero que vai lhe custar caro.

Incisiva, clara, Tebet usou praticamente todas as suas participações, desde a primeira até a última, para criticar e atacar Bolsonaro e seu governo. E foram ela e Thronicke – ambas senadoras de Mato Grosso do Sul e ativas na CPI da Covid — as que assumiram uma defesa contundente da jornalista e ratificaram duas marcas do presidente, a misoginia e os ataques às mulheres.

Num dos principais momentos, Tebet tascou: “candidato Bolsonaro, por que tanta raiva das mulheres?” E Thronicke cresceu no debate ao provocar “quem é tchutchuca com os homens e tigrão com as mulheres”, avisar que pode virar “uma onça” e dramatizar: “Vou pedir para reforçar minha segurança”. A força dessa manifestação é ainda maior porque ela é a cara e a voz dos bolsonaristas arrependidos.

Lula, porém, interpretou os ataques de Tebet e Thronicke a Bolsonaro como apoio indireto a ele e enganou-se redondamente. Quando ele tentou uma dobradinha, sobretudo com Tebet, deu um tiro n’água. Ela reagiu cobrando a corrupção nos governos petistas e Thronicke foi na mesma linha. A corrupção foi, aliás, uma palavra constante nas perguntas a Lula.

Assim como Luiz Felipe d’Avila foi exceção ao evitar ataques aos demais,

Ciro Gomes (PDT) foi o único a lançar propostas, focar no futuro, mas pesou a mão ao atacar Lula. Quando o petista tentou uma abordagem simpática, acenando com uma aliança com o PDT e cobrando que Ciro “não viajasse a Paris desta vez”, Ciro subiu o tom: “Lula se deixou corromper mesmo”, “Bolsonaro não veio de Marte, mas da devastadora crise econômica que Lula e o PT deixaram”. E Ciro também não amenizou para Bolsonaro, “uma pessoas sem coração, que corrompeu todas as suas mulheres e os filhos”.

Fora do ar, dois momentos merecem, mais do que atenção, reflexão. Um foi a troca de desaforos entre o bolsonarista Ricardo Salles e o neolulista Janones, que tiveram de ser contidos para não trocarem também sopapos nos bastidores. O outro foi logo na chegada de Bolsonaro, quando ele disse que “não apertava a mão de ladrão” e automaticamente remeteu à frase do general e seu ministro Augusto Heleno na campanha de 2018: “Se gritar pega Centrão (no lugar de ladrão), não fica um, meu irmão”. O Centrão não está apenas no governo, mas no coração do governo Bolsonaro.

Eliane Cantanhêde, a autora deste artigo, é Comentarista da Rádio Eldorado, Rádio Jornal (PE) e do telejornal GloboNews em Pauta. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 29.08.22

O eleitorado no pântano

 Presidente e ex-presidente tentam se limpar, um na sujeira do outro

A resposta de Lula no Jornal Nacional sobre a compra de apoio parlamentar em seu governo, com R$ 101,6 milhões em dinheiro sujo, é ilustrativa da corrida eleitoral em que ex-presidente e presidente tentam se limpar um na sujeira do outro. “Você acha que o mensalão é mais grave que o orçamento secreto?”

Grave é que a corrupção tradicional ou institucionalizada tenha se tornado no Brasil uma questão relativa e comparativa, não absoluta e eliminatória. Do “rouba, mas faz” para a disputa de “quem rouba menos”, agravou-se de tal modo a transigência moral com a rapinagem dos cofres públicos que o resultado só pode ser o conformismo perverso do raciocínio “roubar, todos roubam, mas quem me representa?”.

Jair Bolsonaro deu discurso a Lula não apenas com ataques ao processo eleitoral e negacionismo da pandemia e da fome, mas também com o histórico familiar de funcionários fantasmas e a busca de evitar o impeachment com essa versão moderna de um mensalão pretensamente limpo – um esquema gestado no Palácio do Planalto, como revelou o Estadão, em que os recursos (R$ 72,9 bilhões, entre 2020 e 2023) saem direto do cofre da União para irrigar redutos indicados por parlamentares não identificados.

“Esse caminho de presidencialismo de coalização, de contemporização com o orçamento secreto, com roubalheira, transformou a Presidência da República em uma testa de ferro do pacto cleptocrata, fisiológico e clientelista que destruiu a vida brasileira”, disse Ciro Gomes, prometendo acabar com o esquema no primeiro dia de seu eventual governo. “Emendas de relator, tenha a santa paciência... Você simplesmente institucionalizou a roubalheira ou, na menor hipótese, a distribuição fisiológica clientelista de tostões prá cá e prá lá sem dar consistência nenhuma.”

Para Simone Tebet, “a partir do momento que a gente abre essas contas, a gente basicamente coloca os órgãos de fiscalização de controle”, como Ministério Público e Tribunal de Contas da União, para acompanhar a destinação das verbas “e o orçamento secreto acaba rapidinho”. A candidata explicou a terceirização do Executivo: “Por que o Congresso controla o Orçamento? Porque temos um governo que não planeja nada.”

Na verdade, temos em disputa um presidente que planeja exclusivamente permanecer no poder, distribuindo dinheiro dos outros sem equidade e transparência; e o dono do partido que planejava se perpetuar no poder com mensalão e petrolão. Eles só se limpam na sujeira um do outro, porque o eleitorado se diverte no pântano.

Felipe Moura Brasil, o autor deste artigo, é colunista d'O Estado de S. Paulo. Publicado originalmente em29.08.22

No 1º debate, Bolsonaro vira alvo por ofensa às mulheres; Lula, por corrupção

Líderes nas pesquisas protagonizaram confrontos agressivos na TV; Ciro foi crítico à polarização, Simone e Soraya ressaltaram a questão feminina e Felipe d’Avila, a economia

Lula e Bolsonaro no debate Band deste domingo, 28 de agosto de 2022. Foto: Reprodução/Band TV

No primeiro debate na TV, na noite de ontem, o presidente Jair Bolsonaro (PL) entrou na mira dos concorrentes na disputa pelo Palácio do Planalto em razão de ataques às mulheres, da condução da pandemia da covid-19 e da deterioração da economia brasileira. Em outra frente, a artilharia dos candidatos se voltou também para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no quesito corrupção. O petista se esquivou do tema e tergiversou nas respostas.

Os presidenciáveis não pouparam adjetivos entre si – em sua maioria ofensivos –, no encontro promovido pela Band, em parceria com a TV Cultura, o portal UOL e o jornal Folha de S.Paulo, com a presença, ainda, de Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB), Soraya Thronicke (União Brasil) e Luiz Felipe d’Avila (Novo). Houve tensão. Bolsonaro atacou a jornalista Vera Magalhães, da Cultura.

Logo no início, Bolsonaro questionou Lula sobre os escândalos de corrupção na Petrobras. Segundo o presidente, o esquema prejudicou o povo do Nordeste, um reduto petista. “Era preciso ser ele para me perguntar”, disse Lula. “Inverdades não valem a pena na TV.”

Bolsonaro rebateu: “Todo mundo fazia malfeitos, só o presidente é que não sabia”. O presidente chamou Lula de “presidiário” e citou a delação do ex-ministro Antonio Palocci, segundo o qual “tudo foi aparelhado no governo de Lula”. O petista optou por lembrar de seu governo, que, segundo ele, foi marcado por crescimento. “Meu governo deveria ser reconhecido exatamente por isso.” No bastidor, petistas minimizaram a estratégia do ex-presidente.

Fome

Já Bolsonaro foi questionado por ter dito que não há “fome para valer” no Brasil e pela relação conflituosa com o Judiciário. Ciro, que criticou a polarização, afirmou que “qualquer pessoa que não tenha trocado o coração por uma pedra sabe o que existe fome”. O presidente lembrou que trocou o Bolsa Família pelo Auxílio Brasil, e elevou o benefício médio de R$ 190 para R$ 400, além de prometer manter o valor atual, de R$ 600, no próximo ano. “O meu governo que tem um olhar todo especial para os mais pobres, pagando três vezes que o PT lá atrás no Bolsa Família”, disse Bolsonaro, para quem a economia “está bombando”.

Simone e Soraya lembraram da pandemia e focaram em Bolsonaro. “No momento em que o Brasil mais precisou, o presidente negou vacina no braço dos brasileiros. Não vi o presidente pegar a moto dele e entrar num hospital para abraçar uma mãe que perdeu o filho”, afirmou Simone. A senadora ainda criticou Bolsonaro ao responder pergunta de jornalista sobre a harmonia entre os Poderes. “Sabe como se resolve isso? Trocando o presidente.”

Mulheres

O uso político da religião também foi tema, assim como a pauta feminina. As duas candidatas defenderam a liberdade religiosa, o Estado laico e a busca por equidade salarial entre homens e mulheres. “Quando homens são tchutchuca com outros homens, mas vem para cima da gente sendo tigrão, eu fico extremamente incomodada”, afirmou Soraya sobre Bolsonaro.

A defesa de pautas liberais ficou a cargo de D’Avila e Simone. O candidato do Novo defendeu a entrada de “gente competente e com caráter” em cargos públicos, em oposição aos profissionais da política. “A economia brasileira jamais vai voltar a crescer com o Estado sendo gerido do jeito que é”, disse. “A única forma de crescer é tirar esse Estado pesado das costas de quem produz a trabalha.”

Por Beatriz Bulla, Adriana Ferraz, Eduardo Gayer, Rubens Anater e Renato Vasconcelos para O Estado de S. Paulo, 29.08.22 / Atualização: 29/08/2022 | 01h13

domingo, 28 de agosto de 2022

Fórum dos Leitores

Cartas de leitores selecionadas pelo jornal O Estado de S. Paulo

Eleições 2022

A opção Bolsonaro

As eleições se aproximam e, ao final de seu governo, Bolsonaro não tem obras a mostrar. Não controlou a economia e estamos saboreando desemprego, fome e inflação. Isso é fato, não são alegações vazias de adversários. Os preços nos supermercados não param de subir e estão sufocando a classe média. Enquanto isso, o que temos são motociatas e bravatas contra a esquerda, além do uso obsceno da religião como pauta de campanha e escora para tentar fazer o que mais sabe: difamar por meio da propagação de mentiras. Bolsonaro não fala uma vírgula sobre educação, saúde, habitação, segurança, saneamento, obras rodoviárias, ferroviárias ou de qualquer natureza. Votar nele de novo é colocar o País definitivamente no rumo do caos, sem volta.

Rafael Moia Filho, rmoiaf@uol.com.br, Bauru - SP

Triste círculo vicioso

Em agosto de 2018, Lula, preso, liderava pesquisas de intenção de voto para a Presidência. Não foi solto e o povo falido foi atrás do “mito”, que hoje tem o apoio só de seus cúmplices. Agora, Lula pode vencer em primeiro turno, não tem projeto para o País, mas voltou a agradar aos bancos e ao mercado. Ciro Gomes tem projeto, ficha limpa, mas desagrada aos que lucram com o nosso atraso político e social. Lula e Bolsonaro, triste círculo vicioso.

João Bosco Egas Carlucho, boscocarlucho@gmail.com, Garibaldi (RS)

Culpa da Dilma

Nada mais machista do que considerar as mulheres como as verdadeiras culpadas. Lembram-se de Rosinete Melanias, a secretária de PC Farias, que assinava cheques de contas fantasmas que eram usados para pagar despesas pessoais do presidente Fernando Collor? No fim, ele foi considerado inocente, mas a vilã Rosinete teve de pagar por sua participação no esquema. Lula anda por todo o País exibindo a sua inocência. No máximo, se houve alguma culpa no triplex, foi de dona Marisa Letícia (que descanse em paz). E quanto à tragédia da gestão econômica de Dilma Rousseff? Ora, deve ser creditada exclusivamente a ela, conforme Lula declarou no Jornal Nacional. E a coitada só colheu o que Lula plantou – e que ele deixou para que ela colhesse. Inclusive quanto às questões da lisura no trato da coisa pública que brotaram na gestão Dilma. Lula, fica feio jogar tanta pedra na Geni.

Jorge Alberto Nurkin, jorge.nurkin@gmail.com , São Paulo - SP

Lula ‘satisfeito’

Lula, segundo Janja, sua mulher, não necessitaria de jantar após a sabatina no Jornal Nacional, porque já tinha jantado os entrevistadores. O semideus petista, em 40 minutos, falou para quem ainda janta, a classe média, em cujas mãos está o veredicto eleitoral, ignorando os milhões de famélicos que não jantam, não almoçam nem tomam café da manhã. Convém, assim, lembrar as palavras de Marilena Chauí, filósofa e ideóloga petista, ditas em 2013, num evento que levou Lula a dar gargalhadas e a bater palmas de aprovação: “Eu odeio a classe média. A classe média é o atraso de vida. A classe média é estupidez. É o que tem de reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista. A classe média é uma abominação política, porque ela é fascista, uma abominação ética, porque ela é violenta, e ela é uma abominação cognitiva, porque ela é ignorante”. O reavivamento dessas cáusticas palavras, chanceladas por Lula, valerá uma eleição presidencial.

Túllio Marco Soares Carvalho, tulliocarvalho.advocacia@gmail.com, Belo Horizonte - MG

Segurança

Farmácias reféns do crime

Realidade triste a do Rio de Janeiro, em que boa parte do Estado é dominada pelo crime. Matéria do Estadão de 25/8 (página A18) mostrou que Milícias dominam 1,2 mil farmácias no Rio e ameaçam fiscais. As informações se baseiam num levantamento feito pelo Conselho Regional de Farmácia (CRF). Os milicianos – quadrilhas de policiais, bombeiros e criminosos comuns, com cobertura política, que se fortaleceram a partir dos anos 90 no Rio – extorquem esses estabelecimentos, com a promessa fajuta de garantia de proteção, e, para lavar dinheiro, obrigam seus proprietários a comprar mercadoria roubada. Por fim, quando fiscais do CRF-RJ aparecem, são ameaçados de toda forma. É como se o Estado do Rio fosse terra de ninguém. E, enquanto isso, o governador finge que está preocupado e o Planalto lava as mãos. Os empresários e a população dessas regiões, na realidade, vivem abandonados pelas nossas instituições. Uma vergonha!

Paulo Panossian, paulopanossian@hotmail.com, São Carlos - SP

QUE ALTERNATIVA?

Em editorial (O voto é exercício de liberdade, 24/8, A3), o Estadão ameaçou incentivar o eleitor a dar alguma atenção aos demais candidatos à Presidência além de Lula da Silva e Jair Bolsonaro. Realmente, os dois majoritários possuem características e passados não recomendáveis. O povo do País estaria em irremediável desgraça caso, como parece ser o caso, qualquer dos dois viesse a ser reeleito. Mas quem resta? O nome que teria alguma chance, desde que se esqueça o passado de profundas idiotices nas atitudes, respostas, palavras e sinais de autoritarismo coronelista, é Ciro Gomes. O próprio candidato alterou muito suas características passadas ao perceber que confirmaria mais uma derrota caso mantivesse a mesma atitude ofensiva do passado. Continua em baixa, mas pode até surpreender.

Ademir Valezi, valezi@uol.com.br, São Paulo - SP

CONTRA O VOTO ÚTIL

Temos muito tempo ainda para decidirmos em quem votar. Temos obrigação de conhecer os candidatos, suas propostas e suas equipes. De Bolsonaro e seu Centrão, sabemos o suficiente, assim como sabemos de Lula, seu PT e seu mais novo amigo de infância, Geraldo Alckmin. Vamos ouvir o que tem a dizer Ciro, que foi um bom governador e prefeito no Ceará, e Simone Tebet, que brilhou na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid e também é aprovada como prefeita na sua cidade (pena que não estejam juntos). É inacreditável que se vote em Bolsonaro para se livrar de Lula ou em Lula para se livrar de Bolsonaro. Temos tempo para virar o jogo, é o destino de mais de 220 milhões de brasileiros. No primeiro turno, voto útil não é solução.

Cecilia Centurion, ceciliacenturion.g@gmail.com, São Paulo - SP

HORÁRIO ELEITORAL

Desde a última sexta-feira, 26/8, os candidatos às próximas eleições estão no rádio e na televisão pedindo o nosso voto. É interessante que, em vez de desligar o aparelho, o ouvinte ou telespectador preste atenção no que ali é falado. É possível que alguma coisa dita possa definir a sua decisão de votar ou de não votar em determinado candidato. É para isso que existe a campanha em suas diferentes formas. O jogo do poder é bruto e a maioria dos concorrentes usa artifícios para benefício próprio e prejuízo dos concorrentes. Vem daí a radical afirmativa popular de que todo político é mentiroso, ou até de que seriam ladrões. Mas não é bem assim. Existem os mentirosos e até os desonestos comprovados, e também há muita gente boa e bem-intencionada. Daí é a conveniência do eleitor – para não perder a única oportunidade que tem de mudar o destino – de conhecer os candidatos, informar-se sobre o que já fizeram na vida, se são honestos e quais as propostas que apresentam para o caso de serem eleitos. É a única forma de não jogar fora o voto. Em vez de protestar se abstendo ou votando branco ou nulo, o eleitor insatisfeito será muito útil se conseguir encontrar o candidato de sua confiança ou, na falta deste, votar no “menos pior”. Agindo dessa forma, em vez de omisso, poderá ser o pêndulo positivo para decidir a eleição.    

Dirceu Cardoso Gonçalves, aspomilpm@terra.com.br, São Paulo - SP

DEBATE NA BAND

Segundo se especula nos bastidores, Bolsonaro e Lula podem não participar do debate entre presidenciáveis realizado na Band no domingo, 28/8. Mais pela desistência – e covardia – do primeiro, que já se acostumou às mentiras, às manifestações dos apoiadores nas motociatas e aos "tapinhas" nas costas dos bajuladores, bem como aos elogios de parte da imprensa considerada poliana de plantão – ou aluguel – quando tenta colocar o presidente num pedestal e num lugar nas pesquisas que não merece. E, pelo que parece, num púlpito que deve recusar enquanto puder. Quanto a Lula, que acaba de dar "um banho" no Jornal Nacional, por estratégia de campanha também ficaria em casa assistindo aos outros candidatos falando dele e de propostas difíceis de serem colocadas em prática. Uma pena se isso se confirmar, uma vez que o Brasil perderá uma grande chance de saber quem é o melhor preparado e o que errou menos.

João Di Renna, joao__direnna@hotmail.com, Quissamã (RJ)

MEIA CORRUPÇÃO

Gostaria de avisar o candidato petista que, assim como gravidez, não existe meia corrupção. Não importa o valor, é ou não é. Não existe nenhum capítulo na Constituição afirmando que corrupção até um determinado valor é permitido e não é crime.

Vital Romaneli Penha, vitalromaneli@gmail.com, Jacareí - SP

EX-PRESIDENTE

Num país desenvolvido, com um verdadeiro regime democrático e um Poder Judiciário isento/apolítico, quer dizer, não aparelhado, a candidatura de Lula não seria possível.

Harald Hellmuth, hhellmuth@uol.com.br, São Paulo - SP

FRUSTRAÇÃO

A trajetória do PT na Presidência do Brasil frustrou a esperança do País dos nossos sonhos. Fernando Henrique Cardoso (FHC) entregou a Lula o Brasil pronto para alçar voo de águia, mas o resultado foi, com muitos deslizes, um voo de galinha durante 13 anos. A cobertura em Guarujá com elevador privativo. Constantes duvidosas palestras bem-remuneradas no exterior. Ao acobertar invasões e destruições em propriedade urbana e rural, inclusive de importantes pesquisas agrícolas, causou insegurança e desassossego às pessoas de bem. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) priorizou ditaduras africanas e americanas com empréstimos subsidiados, impagáveis, em detrimento de empresas brasileiras, foi um fiasco. O Foro de São Paulo, para avermelhar a América do Sul, foi um retrocesso democrático imperdoável e o Brasil quase venezuelou. A Petrobras não só foi vítima da maior corrupção da face da Terra abalando a sua estrutura, mas também a petroleira foi induzida a praticamente doar duas refinarias à Bolívia, além da aquisição da refinaria Pasadena, sucata que não funcionou após a compra, causou prejuízo de US$ 1 bilhão e ninguém foi responsabilizado. O inchaço da máquina pública inviabilizou investimentos. Obras importantes inacabadas, mas sorvedouros de recursos, a exemplo da transposição do Rio São Francisco para o Nordeste e a Refinaria Abreu e Lima, fruto do insucesso da parceria Lula/Hugo Chávez. Internamente se incentivou a discórdia de “nós contra eles”. Empresário, base do emprego, sempre considerado vilão. A Lei Rouanet, beneficiando muitos artistas apaniguados sem trabalhar. O presidente Lula chegou a Brasília com uma modesta bagagem e na saída levou 11 caminhões baú, sendo um deles climatizado para os vinhos (abrigados na adega em Atibaia, no famoso sítio dos pedalinhos com nomes dos netos). O crucifixo no gabinete presidencial desde Itamar Franco desapareceu com a saída de Lula. Apesar de duas condenações em três instâncias, estranhamente está livre, inclusive da Lei da Ficha Limpa, e lidera a pesquisa de intenção de voto, com real chances de se eleger – o que será o fim da picada, é um fake news ambulante piorado em relação à sua gestão anterior. Destaco: prometeu desrespeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal, fazer o controle da mídia e venezuelarmos. Foram algumas das “heranças”, mas aos poucos o Brasil, apesar da covid-19 acrescida do palanque político e da agressão russa à Ucrânia, causadores de inflação e desestruturação mundial, além de boa parte da mídia ser contra e as inconvenientes interferências do Supremo Tribunal Federal (STF), graças a Deus e à patriótica direção, o nosso país sobrevive galhardamente e é destaque econômico e administrativo até no cenário internacional.

Humberto Schuwartz Soares, hs-soares@uol.com.br, Vila Velha (ES)

PLANO COLLOR

É surreal, triste e incrível a crueldade que vem fazendo o STF com os credores dos bancos em relação aos processos dos Planos Collor e Bresser. Estão suspensos há muitos anos, através de liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes. Muitos credores já partiram sem receber a devolução da diferença dos índices da poupança. O Supremo desconhece as agruras do povo que necessita da verba que por direito ao povo pertence e impede a tramitação dos processos lançando a plebe rude aos ricos e poderosos banqueiros. Os credores que recebam, se quiserem, as migalhas que o banco oferece, num acordo leonino, de no máximo 20% do que os mesmos teriam direito, enquanto isso legislam em causa própria aumentando seus proventos em 18% fora os penduricalhos e com lagostas e vinhos premiados em quatro concursos, conforme exigido pelo ministro Dias Toffoli quando presidiu o STF. O povo ainda tem pele de frango e um restinho de carne nos ossos bovinos. E triste vida que segue.

Carlos da Costa Coelho, ccoelho1@uol.com.br, São Paulo - SP

IMPOSTO DE RENDA

É de uma covardia e canalhice sem limites o que os vários governos vêm fazendo com a correção da tabela do imposto de renda.

Albino Bonomi, acbonomi@yahoo.com.br, Ribeirão Preto - SP

BICO BRASIL

O instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec), em parceria com o Instituto Cidades Sustentáveis, revelou que devido ao encarecimento do custo de vida, sobretudo dos alimentos, e à elevada inflação, quase metade da população brasileira – impressionantes 45% – não consegue se sustentar com o salário recebido, sendo obrigada a fazer algum tipo de bico. Entre as atividades citadas, estão faxina, manutenção, transporte de aplicativo, serviços gerais, produção de marmitas, venda de roupas e artigos usados. Com efeito, quando mais de 90 milhões de pessoas se veem obrigadas a fazer qualquer trabalho extra para complementar os baixos salários e garantir um mínimo padrão aceitável de sobrevivência, é hora de parar e repensar o País, antes que haja ruptura do tecido social e seja tarde demais.

J. S. Decol, decoljs@gmail.com, São Paulo - SP

SANEAMENTO BÁSICO

Em junho de 2020 foi aprovado no Brasil o novo marco regulatório do saneamento básico. O acontecimento despertou então a esperança de que um aumento substancial de investimentos na referida área suavizasse o tremendo déficit que faz do País um dos de pior situação no mundo civilizado no que diz respeito à capacidade de propiciar em larga escala o tratamento de esgoto e a distribuição de água potável. Esperava-se que uma considerável melhoria na qualidade de tais serviços atingisse um maior porcentual da população e permitisse a evolução para um quadro mais favorável da situação da saúde pública, o que certamente aumentaria o nível de qualidade das atividades ligadas à assistência médica pública, mal-avaliadas em quase todo o território nacional. Era natural também a expectativa de que as ações decorrentes diminuíssem o tamanho dos abismos das desigualdades sociais Brasil afora. Como está o panorama do setor hoje? Com a palavra, os políticos no poder que recorrentemente usaram a questão como bandeira em suas campanhas.

Paulo Roberto Gotac, pgotac@gmail.com, Rio de Janeiro - RJ

LEI DE MURPHY

Estranho que o candidato a governador de São Paulo Tarcísio de Freitas, do partido Republicanos, afirmou em sabatina que vai acabar com a vacinação obrigatória dos servidores estaduais (Estado, 25/8, A14). Entende que a opção vacinal é de cada um. Como não sou médico, mas engenheiro, prefiro adotar a Lei de Murphy, quando afirma que se algo poderá dar errado, certamente dará. Com a pandemia da covid -19 ainda não erradicada, segundo os infectologistas, a vacina é a melhor defesa que podemos ter, não só individualmente, mas inclusive para não contaminar outras pessoas e propagar o vírus. O ex-ministro também afirmou que na vacinação da poliomielite sempre teve liberdade de escolha, e as mães vacinaram seus filhos. Se o ministro tivesse pego a pólio como eu, acredito que não pensaria assim. Na minha época, ainda não existia a vacina contra essa doença e a mudança na minha vida foi radical devido a isso. O Estado não pode deixar ao livre arbítrio dos pais escolherem se vacinam ou não seus filhos. Eles podem agir assim, inclusive por ignorar o perigo e, no caso, é dever do Estado defendê-los da negligência ou ignorância dos seus genitores. Aliás, se a pólio ressurgiu no Brasil, depois de controlada, é porque os pais estão negligenciando em vacinar seus filhos.

Gilberto Pacini, benetazzogp38@gmail.com, São Paulo - SP

FARMÁCIAS DO RIO

Num país onde já se viu de tudo em matéria de bandidagem, é estarrecedor o que revela a matéria Milícias dominam 1,2 mil farmácias no Rio e ameaçam fiscais, diz conselho (Estado, 25/8, A18). Como podem agir livremente as quadrilhas de policiais, de bombeiros e de criminosos comuns, com a cobertura de políticos, denominadas milícias, achacando algo como mil farmácias, sem contar o comando da distribuição de cargas roubadas? Depois do assalto à Petrobras com apoio de políticos, está aí mais um assalto milionário a ser esclarecido, uma vez que uma leva de poderosos milionários fardados vem se formando.

José Elias Laier, joseeliaslaier@gmail.com, São Carlos - SP

ENIGMA DO FORTE FANIQUITO

Só tenho um adjetivo para definir o artigo de Eugênio Bucci, Tchutchuca: ontologia ou faniquito (25/9, A8): magistral. Com uma qualidade literária refinada e muito senso de humor, me fez dar muito boas risadas. Que bom o brilhante jornalista ter-nos proporcionado uma leitura tão agradável mesmo em se tratando de uma tremenda confusão entre um frágil youtuber e o presidente cercado de fortes seguranças mas que no empurra-empurra ainda conseguiu carimbar e reduzir o chefe da Nação a um mero “tchutchuca do Centrão". Foi um feito e tanto e lavou a alma de muita gente. E o autor do artigo decifrou o enigma do forte faniquito como poucos. 

Eliana França Leme, efleme@gmail.com, Campinas - SP

CORAÇÃO IMPERIAL

Há tempos, com a situação econômica adversa, uma lanchonete na Avenida Paulista, em São Paulo, pela franqueza ostensiva do proprietário, tinha o sugestivo nome O Engenheiro que Virou Suco. Agora, nas comemorações da data-pátria, num arroubo nonsense e ridículo do Itamaraty, coadjuvado pela chancelaria portuguesa, temos mais que patrioticamente O Imperador que Virou Picles. Definitivamente, o Brasil e d. Pedro I não mereciam isso.

A. Fernandes, standyball@hotmail.com, São Paulo - SP

Publicadas originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 28.08.22 

Paradoxo democrático

No cenário da eleição, perdida entre polos agudos, a razão democrática poderá ser chamada ao dilema das escolhas trágicas.

Vivemos importante desencanto com a política institucionalizada, trazendo consigo nuvens de preocupação sobre o futuro da democracia. Objetivamente, as instituições democráticas não mais conseguem atender aos justos anseios de uma cidadania ativa e pulsante que, antes de solenidades imperiais, apenas quer – e exige – melhores e efetivas entregas políticas.

Palavras e discursos já não bastam; é preciso fazer, descer ao chão da vida e impactar a vida das pessoas. A sociedade em redes mudou a lógica do jogo; num mundo de informação instantânea, a política não mais dispõe de tempo para retardar fatos inconvenientes; a pressão é imediata e os danos, automáticos, podendo, em questão de instantes, levantar um maremoto de indignação popular. Nas urgências do hoje, a edição do jornal de amanhã perdeu a possibilidade de amaciar a narrativa para apaziguar ânimos. Tudo está mais frontal, alterando a dinâmica de funcionamento do sistema de freios e contrapesos republicano.

Sem cortinas, a democracia – como experiência humana que é – mudou. Podemos, aqui, adotar um tom romântico, lembrar exemplos de alta erudição política do passado e, assim, concluirmos que estamos em rota de retrocesso. Todavia, antes de juízos qualitativos, o fundamental é compreendermos o fenômeno em si que, em sua materialidade objetiva, apresentará virtudes e defeitos como toda e qualquer obra humana de dimensão política.

No tabuleiro do presente, o advento das redes sociais recriou assistemática forma de participação democrática direta. Aqueles que pareciam não ter voz tiveram acesso a um meio fácil e livre para o exercício da crítica política. Aliás, não se trata de mera crítica escrita, mas de uma expressão que permite o uso da própria voz com gravação de imagens, em cores e alta resolução, revolucionando, difusa e tantas vezes confusa, os instrumentos de pressão sobre a política constituída.

No caso brasileiro, uma classe política frágil e desguarnecida pela erosão partidária ficou ainda mais exposta a dramas, insuficiências e inconstitucionalidades. A decadência do universo político (essencial à democracia) gerou a ascensão da litigiosidade constitucional, outorgando ao Supremo Tribunal Federal (STF) poderes que, originariamente, não seriam seus. Por mais incrível que possa parecer, uma suprema caneta monocrática passou a valer mais que maiorias absolutas conquistadas democraticamente no Parlamento. É lógico que o Congresso não pode tudo. Em tempo, lembrando o grande Otávio Mangabeira, “ninguém pode tudo; sobretudo, ninguém pode sempre”. O fato é que, numa democracia autêntica, as decisões políticas do Parlamento e a presunção de constitucionalidade delas decorrente somente poderiam ser relativizadas em situações geneticamente extraordinárias, por meio de pronunciamentos colegiados e dialéticos da Corte Constitucional, diante de inarredável urgência circunstancial.

Ora, não é o que estamos vendo. E não será o banalizar da alta jurisdição constitucional que elevará o sentimento de justiça no Brasil.

Ato contínuo, o cenário da eleição presidencial confirma o grave ocaso da democracia nacional. Por motivos políticos desencontrados, nenhuma alternativa superior surgiu no horizonte da Nação. E não se diga que não houve tempo; tempo havia, mas as lideranças capazes e competentes, salvo exceções pontuais, repousam no comodismo da apatia. Perdida entre polos agudos, a razão democrática poderá ser chamada ao dilema das escolhas trágicas. Sobre o ponto, com larga experiência nos difíceis domínios do poder, a sabedoria de Henry Kissinger ensina que há situações de extraordinária ambiguidade que impõem ao statesman o dever de encontrar a vontade de agir e correr riscos em situações que apenas permitem “choice among evils”. Eis, aí, o paradoxo trágico que a democracia pode impor aos cidadãos: uma eleição entre candidatos péssimos, sem opções competitivas razoáveis.

O que fazer, então? Simplesmente desistir e não ir votar? Tal fenômeno – como bem revelam a eleição chilena passada e o recente pleito colombiano – está longe de ser desprezível, sublinhando profundo desinteresse popular no exercício cívico do voto. Estruturalmente, a falência moral dos partidos políticos é um tumor violento para a saúde da democracia. Afinal, não há como ter política democrática alta com partidos baixos. E onde há baixeza é difícil de surgir altura de procedimentos.

Agora, a culpa da decadência democrática é dos partidos, mas não só deles. Enquanto os cidadãos mais capazes e preparados abdicarem do dever de colaborar com a vida pública responsável, seguiremos a viver sob o império dos medíocres. As mudanças necessárias, definitivamente, não são fáceis e não acontecerão por milagres dos céus. Mais do que votar, democracia é prática diária, é participar da política, é ir além da crítica, é assumir a responsabilidade de ser brasileiro, é contribuir ativamente para a dignidade e a decência do Brasil. Do contrário, iremos de mal a pior. Ou já estamos lá?

Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr., o autor deste artigo, é advogado e conselheiro do Instituto Milenium. Publicado original n'O Estado de S.Paulo, em 28.08.22

Dois inconsequentes e uma eleição

Nem Lula nem Bolsonaro estão preocupados com responsáveis políticas para acabar com a extrema pobreza. Ambos posam de garantidores de dívida bilionária que não será paga por eles

O presidente Jair Bolsonaro e o Congresso Nacional, com honrosas exceções, achincalharam a Constituição e a Lei Eleitoral para forjar um “estado de emergência” e criar um punhado de benefícios sociais às vésperas da eleição. O objetivo era óbvio. Desde a origem, saltava aos olhos a natureza oportunista desse derrame de recursos públicos em ano eleitoral, principalmente o aumento temporário de R$ 200 nas parcelas do Auxílio Brasil.

Ninguém de boa-fé contesta a necessidade de o Estado prover condições mínimas de subsistência para nossos concidadãos que foram lançados na pobreza extrema nos últimos anos. Milhões de brasileiros passam fome todos os dias e isso é absolutamente inaceitável em qualquer país decente. A questão central sempre foi a definição das políticas públicas para acabar com a miséria de forma responsável e, sobretudo, sustentada.

O improviso do pacote de benesses no ano eleitoral, combinado com indecência e pouco-caso com a ordem jurídica do País, fica ainda mais explícito às vésperas do encaminhamento da Proposta de Lei Orçamentária Anual (Ploa) 2023 pelo Poder Executivo.

A poucos dias do fim do prazo para envio da Ploa 2023 ao Congresso Nacional, o Palácio do Planalto ainda não faz ideia de como bancar o Auxílio Brasil no valor de R$ 600 a partir de janeiro. A lei que instituiu o benefício permanente (Lei n.º 14.342/2022) estabelece o valor de R$ 400. O pagamento das parcelas adicionais de R$ 200, autorizado pela promulgação da chamada PEC Kamikaze – também conhecida como PEC Eleitoral –, só está garantido até o fim deste ano. A Ploa 2023, portanto, prevê que o Auxílio Brasil será pago no valor de R$ 400 a partir do dia 1.º de janeiro.

Com aquela desfaçatez característica, Bolsonaro qualifica como fake news as justas ponderações sobre a incerteza da manutenção do pagamento do Auxílio Brasil no valor atual. Mas, de fato, nada garante que os beneficiários continuarão a receber R$ 600 no ano que vem. A menos que se tome como garantia apenas a palavra do ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira.

Há poucos dias, o ministro afirmou no Twitter que os que “torcem pelo pior” tomarão um “banho de água fria”, pois, “no dia seguinte à vitória do presidente Jair Bolsonaro nas eleições”, Ciro Nogueira estará “com o Congresso tratando das medidas” que o governo “pretende aprovar” para garantir o pagamento dos R$ 600 do Auxílio Brasil em 2023.

Ora, não se trata de “torcer pelo pior”. É uma questão aritmética: até este momento não há recursos para cumprir as promessas de Bolsonaro e Ciro Nogueira. Já se viu do que o atual governo e seus operadores políticos são capazes para aprovar benefícios populistas, em detrimento da saúde das contas públicas; logo, não se descarta que o “banho de água fria” nos realistas, prometido pelo ministro da Casa Civil, venha na forma de uma nova manobra orçamentária contrária às regras fiscais e à Constituição. Para quem dá calote em precatórios e admite que o teto de gastos é “retrátil”, como fez este governo, limites fiscais não existem.

Já o petista Lula da Silva, líder das pesquisas de intenção de voto, garantiu que o Auxílio Brasil de R$ 600 vai continuar no ano que vem, caso ele seja eleito, mas tampouco indicou de onde pretende tirar o dinheiro para isso. Sempre que fala do assunto, diz que esse tipo de gasto é “investimento”.

Sem uma nesga de compromisso com a transparência e com a responsabilidade, atributos de um bom administrador público, Lula anda pedindo que os eleitores simplesmente “olhem para o passado” e confiem que, do futuro, cuida ele. Dado o histórico do petista, isso soa quase como uma ameaça.

Em recente entrevista à imprensa estrangeira, Lula voltou a afirmar que “o teto de gastos parece coisa para garantir os interesses do sistema financeiro”. Em encontro com empresários do setor de construção civil, o petista disse também que “não tem medo de dívida do Estado” e que “dinheiro público bom é dinheiro em obra”. 

E assim, com dois inconsequentes na liderança da corrida presidencial, o País flerta perigosamente com mais um desastre.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de S.Paulo, em 28.08.22