segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

STF tem 377 julgamentos parados por pedidos de vista

Regimento interno da corte prevê prazo de duas sessões, mas devolução ao plenário pode demorar anos

Ministro Luiz Fux, do STF, preside sessão plenária por videoconferência Foto: Nelson Jr./SCO/STF/10-02-2021

Em meio à iniciativa do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, de pregar contra as decisões monocráticas de ministros, o julgamento da suspeição do ex-juiz Sergio Moro na condenação do ex-presidente Lula expôs outro mecanismo que concentra poder nas mãos de um magistrado: os pedidos de vista. Neste momento, o expediente paralisa 377 processos na Corte, em desrespeito, na maioria das vezes, ao regimento interno do colegiado, que prevê a obrigatoriedade de retorno do caso ao plenário duas sessões depois para que a tramitação seja retomada.

O mais comum é que os ministros levem meses e até anos para devolver os casos para julgamento. No caso da suspeição de Moro, o ministro Gilmar Mendes pediu vista do julgamento em dezembro de 2018, na Segunda Turma. Até agora, Cármen Lúcia e Edson Fachin votaram a favor de Moro. Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski ainda não votaram, mas deram a entender nos debates que consideram exacerbada a atuação do ex-juiz na condução da Lava-Jato.

OS ALIADOS DO PRESIDENTE: INVESTIGADOS E RÉUS GANHAM ESPAÇO E INFLUÊNCIA NO GOVERNO BOLSONARO

Arthur Lira (PP-AL) - O novo presidente da Câmara dos deputados, eleito com apoio do Planalto, é réu no STF em duas ações: o quadrilhão do PP e uma acusão de recebimento de propina da CBTU. Em sua função à frente da Câmara define o que vai a voto no Congresso e articula nomeações no governo Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

Ciro Nogueira (PP-PI) - O senador, que teve voz na escolha do primeiro ministro do STF indicado por Bolsonaro, Kassio Nunes Marques, é réu no Supremo em ação do quadrilhão do PP e foi alvo de denúncia (ainda não recebida pela Justiça) de corrupção passiva e lavagem de dinheiro Foto: Agência Senado

O senador Fernando Collor de Mello (PROS-AL), que tem acompanhado Bolsonaro em eventos e viagens, é reú na Lava-Jato sob acusação de receber propina desviada da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras. Caso está pronto para ser julgado. PGR pediu condenação do senador a 22 anos de prisão Foto: Jorge William / Agência O Globo

Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) foi alvo da PF em 2019 sob suspeita de recebimento de propina quando era ministro de Dilma — caso está sob investigação. Também foi acusado de receber propina desviada de obras da Petrobras, mas denúncia foi rejeitada pelo STF Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

Líder do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros (PP-PR) foi alvo de operação do Gaeco do Paraná sob suspeita de ter recebido propina da Galvão Engenharia, que fechou acordo de delação premiada na Lava-Jato. Foi cotado para Ministro da Saúde Foto: Jorge William / Agência O Globo

Valdemar Costa Neto (PL-DF) - Maior cacique do PL e quem convidou Bolsonaro para se filiar à legenda, foi condenado pelo STF a sete anos de prisão no mensalão. Também foi alvo de investigação sobre propina na Ferrovia Norte-Sul.

Em outubro do ano passado, o ministro Celso de Mello, que também votaria, se aposentou e foi substituído por Nunes Marques. Com a nova configuração do colegiado, Mendes cogita retomar o julgamento ainda neste semestre, na esperança de seu ponto de vista sair vitorioso. Isso porque o voto de Celso de Mello era uma incógnita e, no STF, ministros acreditam que Nunes Marques votará contra Moro, por ser visto como garantista.

O constitucionalista Mamede Said, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), avalia que a demora em devolver os casos para julgamento contribui para a morosidade da Justiça, que já está congestionada com muitos processos:

— O pedido de vista é um direito do magistrado em qualquer tribunal, em geral, para firmar uma ideia mais precisa sobre matéria. Mas muitas vezes (em que) ele é utilizado, acaba surtindo efeito de procrastinar, retardar o julgamento do feito.

Temas polêmicos

Atualmente, entre os pedidos de vista no STF, 207 são do plenário. Nesses casos, os 11 ministros participam do julgamento. Outros 90 são da Primeira Turma, formada por cinco ministros; e 80, da Segunda Turma, constituída por outros cinco magistrados. Dos 377 pedidos de vista no STF, 152 já foram devolvidos e, em tese, a votação pode ser retomada a qualquer momento, dependendo apenas de o presidente da Corte, Luiz Fux, incluir os processos na pauta.

Entre os processos que aguardam reposição na agenda está o que versa sobre a criminalização do porte de drogas para consumo próprio. Em setembro de 2015, o ministro Teori Zavascki pediu vista no julgamento. Com a morte dele, em janeiro de 2017, o seu substituto, o ministro Alexandre de Moraes, herdou o processo e em novembro de 2018, devolveu o caso para ser analisado em plenário. O então presidente do STF, Dias Toffoli, chegou a marcar o julgamento por duas vezes no ano seguinte, mas o retirou de pauta. Até agora, três ministros votaram: o relator Gilmar Mendes, que defendeu a descriminalização do porte para uso de todo tipo de droga; e Fachin e Luís Roberto Barroso, que votaram pela descriminalização, mas só para o porte de maconha.

(Leia: Armamento em poder de civis aumenta 65% em dois anos e ultrapassa 1 milhão)

Num outro caso, em maio de 2012, o ministro Luiz Fux pediu vista no julgamento de uma ação da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra uma lei do Estado do Rio de Janeiro que trata da organização do Tribunal de Justiça local e prevê, entre outros itens, algumas gratificações, como o auxílio pré-escolar. Em dezembro de 2017, Fux devolveu o caso para julgamento. Um ano depois, Toffoli, então presidente a Corte, marcou o julgamento para março de 2019, mas, logo depois, o retirou da pauta.

Na Suprema Corte dos Estados Unidos, os ministros podem rejeitar o julgamento de uma causa em razão de a questão envolver valores que não estão maduros socialmente para serem julgados. A Constituição brasileira não permite isso. A válvula de escape para esse filtro, muitas vezes, acaba sendo o pedido de vista.

O pedido de vista mais antigo aguardando julgamento no plenário é do ministro Carlos Ayres Britto, que se aposentou em 2012. A interrupção do julgamento foi em agosto de 2006. Ele devolveu o caso para a pauta em fevereiro de 2012, mas a ação jamais voltou a julgamento. O processo trata do quorum necessário para o Legislativo deliberar sobre acusação contra governador por crime de responsabilidade.

Também no plenário, Gilmar Mendes pediu vista de um processo em agosto de 2011 e ainda não o devolveu. É o caso mais antigo do plenário sem devolução do ministro. O caso trata de execução extrajudicial no Sistema Financeiro de Habitação.

Na Primeira Turma, o caso mais antigo de pedido de vista é de um processo de uma empresa de energia elétrica do Espírito Santo que questiona o cálculo de alguns impostos federais. Fux interrompeu o julgamento em outubro de 2016. O ministro não integra mais o colegiado desde setembro do ano passado, quando assumiu a presidência do STF. Na Segunda Turma, o recorde é de um processo com pedido de vista também de Ayres Britto em agosto de 2010 e jamais devolvido para julgamento. É um processo em que uma empresa aérea tentou anular uma multa aplicada pela Justiça.

A assessoria de comunicação do STF divulgou nota defendendo o direito dos ministros de pedirem vista e ponderando sobre as dificuldades de elaborar a pauta de julgamentos. “É prerrogativa dos ministros pedirem vista para estudarem melhor os processos em andamento na Corte. Em relação à pauta do plenário, que é elaborada pelo presidente da Corte, a definição dos julgamentos é feita em interlocução com os relatores dos casos, respeitando sempre que possível a prioridade por eles solicitada, e levando em conta casos que demandam solução em prol da segurança jurídica do país”, diz o texto.

Outros tribunais

O pedido de vista não é um mecanismo apenas do STF; ele existe também nos outros tribunais brasileiros. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, pedidos de vista vêm retardando a análise, pela Quinta Turma da Corte, de habeas corpus do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no caso da “rachadinha” na Alerj. Em novembro do ano passado, o relator, ministro Felix Fischer, votou para negar os pedidos da defesa, mas o ministro João Otávio de Noronha pediu vista.

O regimento interno do STJ prevê que a vista deve ser devolvida em até 60 dias, prazo que fica suspenso durante o recesso e as férias. Noronha fez isso dentro o prazo e, na última terça-feira, votou a favor de parte dos pedidos da defesa. Mas o julgamento não foi concluído porque o próprio relator pediu nova vista.

Carolina Brígido e André de Souza, O Globo, em 15/02/2021 

A qualidade dos serviços públicos

Maioria dos cidadãos não está satisfeita, segundo pesquisa do Instituto Idea Big Data

Há não muito tempo, era comum ver na entrada das chamadas repartições públicas uma placa onde se lia que “desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela” é crime que pode levar à pena de detenção de seis meses a dois anos ou multa, de acordo com o art. 331 do Código Penal. Não é improvável que a advertência ainda possa estar nas paredes de algumas dessas agências de atendimento ao público.

Uma advertência nesses termos logo na entrada de um local onde se prestam serviços públicos dá uma boa ideia da qualidade do atendimento que o cidadão está prestes a receber, que pode ser tão ruim a ponto de exasperá-lo.

Evidentemente, casos extremos de má prestação de serviços públicos que levam o contribuinte a cometer o crime de desacato são raros, mas a percepção geral da população é que à alta carga tributária não há uma contrapartida do Estado em bons serviços.

Pesquisa realizada pelo Instituto Idea Big Data, a pedido do movimento Livres, apurou que a maioria da população apoia uma política de avaliação de desempenho dos servidores públicos, além de mudanças nas regras de estabilidade no cargo, inclusive para os que estão em serviço.

Nada menos do que 70% dos entrevistados pelo Idea Big Data disseram ser favoráveis à avaliação de desempenho dos servidores como meio indicado para proporcionar progressões na carreira. Hoje, são comuns casos de aumento de salário e promoções por tempo de serviço, de forma automática. Sem dúvida, isso é um grande fator de acomodação dos servidores, que não têm qualquer estímulo para melhorar suas qualificações e desempenhos, como ocorre corriqueiramente na iniciativa privada.

Em setembro do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro enviou ao Congresso um simulacro de reforma administrativa que mal tangencia a questão da avaliação de desempenho e a estabilidade dos atuais servidores da ativa. Se tudo der certo, o plano do governo federal poderá surtir efeitos daqui a 30 anos. Não atende à premente necessidade do País.

As pressões que as corporações de servidores públicos exercem sobre os Três Poderes são tão fortes que até hoje nenhuma reforma administrativa que representasse real avanço para o Brasil conseguiu ser aprovada. Houve ganhos pontuais aqui e ali ao longo do tempo, mas nada capaz de transformar a mentalidade dos servidores que, a bem da verdade, se servem do Estado.

Para qualquer presidente da República seria difícil, mas não impossível, mexer nesse vespeiro. O histórico de Bolsonaro indica que não será ele quem vai conseguir. Não porque seja difícil e ele não está à altura do desafio – e não está mesmo –, mas porque nem sequer passa por sua cabeça adotar medidas duras, porém vitais para o País, que possam lhe causar quaisquer embaraços eleitorais na campanha pela reeleição.

Perderá o País se uma reforma administrativa digna do nome não vingar mais uma vez, seja pela tibieza de Bolsonaro, seja pela baixa resistência dos parlamentares às pressões das corporações de servidores.

Em sua coluna no Estado, a economista Ana Carla Abrão lembrou muito bem que “a qualidade do serviço público é o principal instrumento de geração de oportunidades e de mobilidade social”. Para uma massa de cidadãos que nascem na pobreza, escreveu a colunista, não há alternativa, senão no Estado, para que esses cidadãos reduzam o abismo que os separa dos que podem pagar por serviços de educação e de saúde de qualidade.

Um projeto de reforma administrativa sério tem de ter como norte indesviável o aumento da eficiência dos servidores e da qualidade na prestação de serviços aos cidadãos. Mexer no chamado “RH do Estado” não se presta apenas a gerar economia para o Tesouro. Sem dúvida, com uma administração mais enxuta, o Estado terá dinheiro para investir mais em áreas essenciais do serviço público, como saúde, educação e infraestrutura, alimentando um círculo virtuoso. Mas o principal objetivo da reforma é diminuir a brutal desigualdade que há séculos mantém o Brasil aferrado ao atraso.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em 15 de fevereiro de 2021 

Denis Lerrer Rosenfield: Representação truncada

A vida dos cidadãos não é levada em conta. A sociedade clama por mudanças

 A pandemia invadiu a vida das pessoas de forma nunca vista, introduzindo a doença e o medo da morte no seio de cada família. Diante de tão aterrorizante realidade, a população vê os países mais avançados se vacinando e abrindo caminho para o futuro, enquanto os responsáveis pelo governo federal se comprazem com malabarismos da pior qualidade, num cenário que, não fosse trágico, seria cômico. Os discursos são tão disparatados e anacrônicos que sua mera listagem, além de longa, seria enfadonha.

Em todo caso, da “gripezinha” à luta contra a vacina “chinesa”, passando pelo dito “tratamento precoce”, uma espécie de poção mágica para incautos, o espetáculo oferecido à Nação é de completa irresponsabilidade. Pessoas adoecendo e morrendo, e a única preocupação dos políticos parece ser a eleição presidencial de 2022. E até lá quantos padecerão?

A crise fiscal se avoluma, os gastos não são cortados, os privilegiados de sempre guardam os seus benefícios e os estamentos estatais defendem os “seus” direitos – aliás, só os deles. Enquanto isso, o País definha economicamente, com alto desemprego, milhões na miséria, à beira da sobrevivência, e a expectativa de vida cai.

O atual governo foi eleito com uma agenda liberal, que, dizia-se, seria conduzida com rigor. No primeiro ano de mandato, nada foi feito, salvo uma reforma da Previdência amplamente preparada pelo governo anterior. No segundo ano, a desculpa foi a pandemia, contra a qual nada foi levado a cabo. E neste começo do terceiro volta o palavrório usual com a reforma da economia e do Estado.

Curiosamente, temos uma situação paradoxal, pois a esquerda retoma a luta contra o “neoliberalismo”, contra a responsabilidade fiscal, sem que liberalismo nem contenção de gastos se tenham realizado. O pior serviço do atual governo consiste em ter matado a ideia liberal sem que ela tenha sequer existido praticamente.

Os partidos e os políticos, por sua vez, em vez de vocalizarem os anseios da sociedade, estão mais preocupados com suas brigas intestinas, como se estas fossem o mais importante problema da República. Talvez o sejam em sua conotação negativa, ao expressarem o desmonte da representação política. A sociedade não se reconhece em seus representantes. É como se os parlamentares e os partidos vivessem num mundo à parte, só deles, povoado por emendas, cargos e interesses particulares dos mais diferentes tipos, dotados de vida própria. A vida dos cidadãos não é levada em consideração, enquanto esses seres inanimados guardam toda a sua vitalidade. Raras, infelizmente, são as exceções.

As disputas pela presidência da Câmara dos Deputados e do Senado, com suas intrigas e traições, exibiram uma cena parlamentar e partidária desconectada da realidade. O governo procurou eleger os seus e desestruturar as oposições, os parlamentares negociavam individualmente ou coletivamente os seus votos, enquanto o País seguia à deriva. A sociedade, alarmada, observou um processo longínquo, distante dos seus afazeres cotidianos de sobrevivência e de luta pela vida. Há um crescente estranhamento entre a sociedade e a sua representação, tendo como resultado o enfraquecimento das instituições representativas.

A democracia vive na medida em que suas instituições sejam fortes. No momento em que os parlamentares e os eleitos em geral, no Executivo e no Legislativo, apresentam, sem nenhum pudor, o jogo do “toma lá dá cá”, sem que dele se siga nenhum projeto ou realização coletiva, numa espécie de tributo que o vício poderia pagar à virtude, ocorre a debacle da representação política. A política esgotar-se-ia nessa negociação, à qual se seguiriam outras, num jogo sem fim.

Os partidos perdem o seu valor, o seu significado. A sociedade não se vê naqueles que deveriam ser os seus representantes. A “velha política”, tão abominada nas últimas eleições presidenciais, bandeira do então candidato Bolsonaro, é agora conduzida por “novos” e “velhos” políticos, incluídos militares que se apresentavam como avessos a tais práticas. A contradição é manifesta.

Se o divórcio entre a representação política e a sociedade se acentua, se a política renuncia a valores morais e a noções de bem coletivo, se instituições e estamentos do Estado não tornam viável o bem público, se os interesses mais comezinhos tomam a cena pública, o caminho está aberto para soluções demagógicas e autoritárias. Se os partidos e as instituições nada valem, líderes procurarão estabelecer contato direto com uma sociedade aflita e desamparada.

Cria-se um caldo de cultura propício à emergência de “salvadores” da pátria, daqueles mesmos que tudo fazem para corroer e desestruturar a democracia. O discurso passa a ser sem mediações entre o líder e a sociedade, vendendo qualquer narrativa, contanto que ela pegue, suscitando a adesão, por mais mentirosa que seja. E aí de nada adianta dizer que foi o resultado das urnas, pois eleições sozinhas, sem instituições democráticas, podem ser também a via para o autoritarismo.

Denis Lerrer Rosenfield, o autor deste artigo,  é Professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Publicado originalmente n'O Estado de São Paulo, em 15.02.2021.

Aviso aos navegantes: Após se livrar do impeachment, Trump enfrenta tentativas de levá-lo à prisão

Sugestão para que a Justiça seja acionada e responsabilize o ex-presidente pelo ataque ao Congresso dos EUA é de um ex-aliado, senador Mitch McConnell, e foi citada até por um dos advogados do republicano

 Absolvido no julgamento de impeachment graças ao voto da maioria dos senadores de seu partido, Donald Trump ainda poderá responder pela incitação à invasão ao Capitólio no dia 6 de janeiro, mas na Justiça. A sugestão de responsabilizá-lo nos tribunais pelo ataque ao Congresso partiu de um dos principais líderes do Partido Republicano, senador Mitch McConnell, e foi mencionada até por um dos advogados do presidente, como estratégia para livrá-lo do juízo político que poderia torná-lo inelegível.

Ex-presidente Donald Trump joga golfe em Mar-a-Lago, seu resort na Flórida Foto: Divulgação

“Não há possibilidade de que o presidente dos EUA possa correr solto em janeiro no final de seu mandato e simplesmente ir embora impune”, disse Bruce Castor, um dos advogados do ex-presidente no processo de impeachment. “O Departamento de Justiça sabe o que fazer com essas pessoas”, afirmou o defensor de Trump. O ex-presidente se irritou com a menção de seu próprio advogado a uma possível condenação judicial.

No impeachment, democratas sustentavam que absolver o republicano seria o equivalente a criar uma permissão para presidentes em fim de mandato cometerem crimes, diante da ausência de punição para os que estão fora do cargo. A defesa do republicano contra-argumentava ao dizer que os tribunais comuns podem condenar um ex-presidente e não há uma “exceção de janeiro”, como sugerem os democratas. 

No sábado, após votar pela absolvição do ex-presidente, o líder do Partido Republicano no Senado, Mitch McConnell, defendeu que o ex-presidente respondesse na Justiça por seus atos. Ele afirmou que Trump é responsável pelo ataque ao Capitólio, mas argumentou que o impeachment não é cabível contra ex-presidentes. 

“Apesar de ex-presidentes não estarem elegíveis para sofrer impeachment, eles ainda podem ser – e isso é extremamente importante – responsabilizados nos tribunais de Justiça ordinários”, disse McConnell. “O presidente Trump ainda é responsável por tudo o que ele fez durante o mandato, como um cidadão normal. Ele não se livrou de nada ainda. Ainda. Temos um sistema de Justiça criminal nesse país, temos litígio civil.”

O FBI investiga os envolvidos no ataque ao Capitólio. Mais de 125 pessoas foram presas nas duas semanas após o episódio e cerca de 200 já foram acusadas criminalmente. Trump não é investigado no caso. Em uma das acusações feitas na quinta-feira, procuradores informaram que uma das invasoras esperava as orientações do então presidente, a primeira menção direta ao possível envolvimento dele. O caso pode ser investigado também na esfera local, pelo procurador-geral do Distrito de Columbia, Karl Racine. 

Na semana passada, procuradores da Geórgia anunciaram que investigam a tentativa de Trump de interferir no resultado da eleição do Estado, onde Joe Biden teve maioria dos votos. Os investigadores se debruçam sobre duas ligações feitas pelo ex-presidente. Em uma delas, Trump pediu ao Secretário de Estado da Geórgia, Brad Raffensperger, para encontrar votos para reverter a eleição.

As apurações na Geórgia se somam a outras já em andamento.

Procuradores de Nova York apuram as finanças do ex-presidente e possível fraude em seus negócios. No passado, advogados de Trump se recusaram a colaborar com o caso e entregar declarações de imposto de renda do republicano com o argumento de que ele era um presidente no exercício. Agora não é mais.

Condenar e prender o ex-presidente, no entanto, não é um cenário provável, escreveu o jornalista do Washington Post Philip Bump. “A discussão da responsabilidade de Trump na Justiça Criminal serve como um lembrete de que esta ainda é uma ameaça não teórica que o ex-presidente enfrenta”, afirma Bump. 

Beatriz Bulla / Correspondente / Washington, O Estado de São Paulo, em 15 de fevereiro de 2021

domingo, 14 de fevereiro de 2021

Há reação política contra a Lava Jato e apatia com volta ao poder de envolvidos em corrupção, afirma Deltan

O ex-coordenador da Lava Jato no Paraná Deltan Dallagnol diz que partidos e políticos alvos da operação paulatinamente recuperaram o espaço perdido e que, como resultado, há “uma certa apatia ou mesmo cinismo” no país hoje

A força-tarefa que ele comandou em Curitiba de 2014 a 2020 foi dissolvida neste mês e incorporada a um Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), em iniciativa que acabou gerando pouca repercussão política ou mobilização de apoiadores.

À Folha ele comparou o contato que mantinha com o então juiz Sergio Moro ao relacionamento de advogados com ministros de cortes superiores e negou que tenha havia conluio.

A entrevista foi feita por email, a pedido do procurador.

Fora da Lava Jato desde setembro, o ex-coordenador da operação sofreu outros reveses recentemente.

A defesa do ex-presidente Lula conseguiu acesso em janeiro a mensagens trocadas pelo procurador no aplicativo Telegram, hackeadas em 2019, e tem trazido a público mais conversas da época das investigações. O STF (Supremo Tribunal Federal) confirmou na terça (9) o direito de Lula de manusear os arquivos.

A defesa ainda tenta anular na corte as condenações impostas a ele em Curitiba

O procurador da República Deltan Dallagnol

Como viu a decisão do STF sobre as mensagens? O sr. considera que há como reverter o abalo na credibilidade sofrido pelas autoridades da Lava Jato com essa exposição? 

- O STF ainda não apreciou a questão de ser um material ilegal, não autenticado e não reconhecido. Há quem veja nele uma base para acusar a Lava Jato de excessos na investigação, o que é um equívoco.

Em direito muito pode ser debatido, mas jamais houve afrontas à lei. Se tivessem ocorrido violações à lei na obtenção de dados fiscais ou de provas no exterior, ou a indevida investigação de pessoas com foro privilegiado, tudo isso seria facilmente comprovável, afinal o histórico de todos os atos probatórios, desde a suspeita inicial até a prova resultante, está nos processos.

Passados dois anos da exposição sensacionalista do material, nada de ilegal foi de fato identificado pelas centenas de advogados porque não houve.

Pesquisa divulgada nesta semana mostrou que 80% da população apoia a Lava Jato, o que demonstra que a sociedade confia na solidez do trabalho. Contudo, não sei como se verá essa questão no futuro porque seu debate está muito poluído por narrativas que têm compromissos com interesses e não com a verdade.

Mas até um nome de votos historicamente a favor da operação, como Cármen Lúcia, se posicionou de maneira crítica agora. 

- A ministra ressalvou no seu voto que não estava apreciando as questões referentes à legalidade, eficácia probatória ou conteúdo do material. Apenas concedeu acesso à defesa do ex-presidente em atenção ao princípio da ampla defesa, o que é algo muito mais limitado.

Não é necessário, ao menos, fazer autocrítica em relação à proximidade com o juiz? Se o juiz mantivesse contatos com as defesas da mesma maneira, o sr. também não consideraria problemático? 

- Advogados têm contatos com juízes diariamente em todo o Brasil, e isso é legal. Figurões vão ao STF de bermuda. Não temos um décimo do acesso a certos ministros das cortes superiores que muitos advogados ou mesmo réus têm.

Com o juiz da Lava Jato, é evidente que tínhamos um contato mais frequente. Quando um advogado tem cinco casos criminais sob a responsabilidade do juiz, ele marca uma reunião. Quando você tem mil casos, trocar mensagens é mais eficiente.

Ninguém alega que exista prova da inocência de alguém nas mensagens, mas que o juiz teria se excedido na proatividade. Ora, no sistema brasileiro, o juiz pode produzir provas e buscar os valores da Justiça como verdade e agilidade. Fazer isso não é favorecer o Ministério Púbico, e sim a Justiça. Se o juiz fala para o advogado ou réu que, se quer provar seu álibi, precisa trazer provas do que diz, não há nada de errado nisso.

A tese do comando pelo ex-juiz ou de conluio com o Ministério Público é desmontada pelo fato de que o ex-juiz absolveu mais de 20% dos réus e indeferiu centenas de pedidos da força-tarefa.

No caso envolvendo o ex-presidente Lula, mais de uma dezena de pedidos do Ministério Público foram indeferidos e mais de 60 da defesa foram deferidos. O caso foi rejulgado completamente e confirmado por três julgadores independentes e depois pelo STJ [Superior Tribunal de Justiça].

Não há no material, que não é reconhecido por nós por várias razões que vão de indicativos de sua edição e deturpação até a impossibilidade de lembrar e resgatar o contexto de milhares de mensagens trocadas há anos, qualquer predefinição de resultados, ações contrárias a fatos e provas, supressão de provas de inocência, fraudes processuais ou prática de crimes.

Sempre pautamos nosso trabalho pela lei. Sempre há, contudo, discordâncias legítimas em matéria de direito e tem também, claro, muita gente que quer ver erros e anular condenações.

A força-tarefa errou ao intervir em assuntos que não eram de sua atribuição, como a eleição no Senado, a apresentação de propostas legislativas ou a gestão de recursos pagos pela Petrobras? Também não avalia que houve exposição em demasia de autoridades da operação? Em que medida esses fatores colaboraram para o enfraquecimento da investigação? 

O enfraquecimento da operação decorre principalmente da proibição da prisão após o julgamento da segunda instância, de amarras legislativas colocadas na colaboração premiada e em prisões, da transferência para a Justiça Eleitoral dos casos de corrupção política, da cisão e redistribuição pelo Brasil de casos com íntima relação que estavam concentrados em Curitiba e do desmonte das forças-tarefas.

Há, ainda, uma reação política às investigações. Se o sistema de Justiça criminal propicia a impunidade, é legítimo que seus atores, que conhecem suas amarras, proponham e defendam mudanças. As iniciativas que mencionou tinham por objetivo justamente aumentar a integridade na política, mudar leis no Congresso e fortalecer a atuação da sociedade civil em matéria anticorrupção.

O sr. não participa mais da equipe, mas a Procuradoria já trabalha com a hipótese de anulação de muitos dos atos e processos da operação devido ao caso Telegram? Como seria esse cenário?  

- Esse cenário não é trabalhado porque não vai se concretizar.

Tenho absoluta segurança no trabalho feito, sempre lastreado em fatos e provas colhidos dentro da lei. Embora a interpretação do direito sempre possa ser debatida, aplicamos a lei de modo coerente nos diferentes casos em que atuamos e sempre defendemos e respeitamos padrões internacionais de proteção a direitos fundamentais.

A título de exemplo, criticou-se a troca de mensagens com autoridades estrangeiras em matéria de cooperação internacional. Contudo, esqueceram de dizer que isso é legal e recomendado por manuais de organismos nacionais e internacionais. Conversar sobre provas que estão sendo remetidas pelos canais oficiais é não só correto como recomendável.

Porém a sentença do caso tríplex parece seriamente ameaçada. Ao menos dois ministros já sinalizaram que votarão por considerar que o juiz foi parcial no processo. Isso tende a gerar um efeito cascata. Em entrevista recente, um desses ministros sinalizou que não seria usado o material dos hackers no julgamento.

- É difícil prever o resultado do julgamento, mas, se for reconhecida a suspeição, isso provavelmente ocorrerá com base na discussão de decisões específicas proferidas pelo ex-juiz federal ao longo das investigações e processos envolvendo o ex-presidente. Nesse caso seria uma decisão com efeitos apenas nesse caso em particular.

​A gestão de Augusto Aras certamente ficará marcada pela iniciativa de mudar a dinâmica dos trabalhos de investigação da Lava Jato. Como avalia o trabalho do procurador-geral até o momento? 

- O procurador-geral tem atribuições relevantes em diferentes áreas em que não trabalho e deve exercer sua função com absoluta independência em relação aos demais Poderes.

Na área anticorrupção, entendo que as forças-tarefas da Lava Jato, agora Gaecos, precisariam ter uma estrutura muito maior do que têm, o que é uma questão de priorização. O modelo de trabalho anticorrupção precisa ainda assegurar a plena independência dos procuradores.

Quase não houve comoção com o fim simbólico da força-tarefa. A que atribui essa falta de mobilização?

- Houve um enfraquecimento progressivo do combate à corrupção, o que diminuiu os resultados e a visibilidade do trabalhoAlém disso, a pauta anticorrupção cedeu lugar para questões mais urgentes, como a pandemia e seus efeitos sobre a saúde pública e a economia.

Não houve mudanças sistêmicas e estruturais necessárias para fortalecer a integridade no país e, paulatinamente, agentes e partidos políticos envolvidos com a corrupção retomaram espaços de poder.

Como resultado, há uma certa apatia ou mesmo cinismo, que não nos levarão a lugar algum que seja bom. É preciso sermos realistas, mas mantermos a esperança e o bom combate.

O apoio de 80% da sociedade à Lava Jato mostra que existe uma demanda clara por mais justiça e integridade, que deve ser canalizada de algum modo para transformação. Em muitos lugares, a grande corrupção reduziu como fruto de um amadurecimento geracional e civilizatório. É um trabalho permanente.

​​Quais perspectivas de trabalho há para o MPF diante dessa nova realidade e quais as pendências da operação? 

- Quando saí da força-tarefa, ainda havia muito trabalho por fazer, muitos casos envolvendo corrupção multimilionária.

Embora os acordos de colaboração premida tenham se reduzido drasticamente desde a decisão que proibiu a prisão em segunda instância, ainda havia a perspectiva de acordos com empresas que recuperariam centenas de milhões de reais.

Contudo, são investigações e negociações complexas e, para serem feitas, é necessário suporte da administração em termos de procuradores com dedicação exclusiva e assessores. Na falta disso, é difícil falar em perspectivas. Só quem está hoje na equipe tem condições de dizer o que poderá ou não ser feito.

O presidente Jair Bolsonaro disse em outubro: "Acabei com a Lava Jato porque não tem mais corrupção no governo". Como o sr. e colegas receberam essa declaração? Qual a avaliação sobre o desempenho de Bolsonaro em ações contra a corrupção? 

- Se não houver mudanças sistêmicas na política e na Justiça, reduzindo o apelo do dinheiro nas campanhas, a impunidade e a ineficiência do foro privilegiado, a grande corrupção política continuará aí, independentemente do presidente ou partido da vez.

A intensidade dessa corrupção poderá variar, assim como a prioridade dada a seu combate, mas continuará a ser uma realidade. As mudanças sistêmicas dependem da atuação dos três Poderes. Enquanto não ocorrem, a corrupção continua e com toda força. Pesquisa recente mostrou que a maior parte da população credita o fim da Lava Jato à reação política. Isso é um sinal de que a sociedade espera mais contra a corrupção.

Diferentes entidades e nomes como ex-procuradores-gerais e ex-ministros do STF dizem que a democracia está em risco no país hoje com a incitação a atos antidemocráticos e declarações pondo em dúvida a lisura das eleições. O sr. concorda com esse posicionamento? 

- Não há qualquer evidência da falta de lisura das eleições. As manifestações autoritárias preocupam, mas acredito na força da nossa democracia, regime que tem o apoio da grande maioria da população, segundo pesquisas.

Um dos principais objetivos do combate à corrupção, aliás, é o fortalecimento do Estado de Direito e da democracia, evitando que propinas bilionárias dobrem a lei e influenciem eleições. Quem rouba mais tem mais dinheiro e consequentemente maiores chances de se reeleger.

Como tem sido a sua atuação no MPF fora da Lava Jato? O sr. admite a hipótese de disputar eleição para cargos públicos ou a descarta?​ 

- A Lava Jato ocupava a maior parte dos meus dias, inclusive fins de semana. Desde minha saída para dar atenção à saúde de minha filha mais nova, pude fazer um curso no Mind Institute sobre essa questão e participar ativamente do tratamento.

Então, eu foquei nisso e no trabalho ordinário. Atuo ainda no combate à corrupção, pois acredito que há muito a fazer para melhorarmos a situação no Brasil. Não tenho hoje planos de candidatura, mas sim de contribuir como procurador e como cidadão para o fortalecimento da integridade e da cidadania.

DELTAN DALLAGNOL, 41, é procurador da República desde 2003. Graduado em direito pela Universidade Federal do Paraná, tem mestrado na Universidade Harvard (EUA). Chefiou a força-tarefa de Curitiba de abril de 2014 até setembro de 2020

Entrevista a Felipe Bächtold, publicada originalmente pela Folha de São Paulo, edição de 14.02.2021.

Tasso Jereissati: 'Partidos foram triturados no Congresso'

Tucano atribui o racha em sua legenda às eleições na Câmara e no Senado, marcadas, segundo ele, pela ‘captação individual de votos’

O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) em seu gabinete de trabalho Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo

O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) afirmou, em entrevista ao GLOBO, que seu partido, assim como os demais, foi “triturado” durante a eleição para as presidências da Câmara e do Senado e agora tem a oportunidade de se reconstruir.

Para ele, o melhor nome para disputar a eleição de 2022 será aquele que conseguir unir as legendas de centro, da esquerda à direita, a fim de evitar a polarização como a que ocorreu no segundo turno do último pleito, entre Jair Bolsonaro e petista Fernando Haddad.

Como o senhor avalia o cenário atual do PSDB? O partido está rachado?

O PSDB está num momento de transição, de reconstrução, procurando manter os seus princípios iniciais e fundamentais. Ao mesmo tempo, esse período agora é diferente, em que todos os partidos, todos, foram triturados ou tratorados pelo processo eleitoral de Senado e Câmara. Em uma olhada panorâmica, o DEM rachou, PSDB trincou, PSD teve problemas... Isso porque o processo que se instalou nas duas Casas do Congresso foi na base da captação de votos individual.

Sempre teve isso, mas os partidos também tinham um grande peso. Agora os partidos foram ignorados como se não existissem. Isso fez com que pessoas, de bolsonaristas a petistas, votassem nos mesmos candidatos. Essa questão de não haver uma coesão absurda não é privilégio do PSDB, todos os partidos estão vivendo problemas.

É possível encontrar uma saída?

É um bom momento para o PSDB se reconstruir, estávamos vivendo isso... Tínhamos uma candidatura natural (à Presidência da República) do governador de São Paulo (João Doria), que só pelo fato de ser governador de São Paulo já o torna presidenciável, e se abre uma nova perspectiva trazendo ao cenário mais um outro candidato de uma parcela do PSDB, o Eduardo Leite (RS), que traz uma perspectiva extremamente democrática para voltarmos às discussões dos nossos ideais, dos nossos princípios. E vai prevalecer aquele que se identificar mais com esses princípios. Tem que ser um princípio que junte mais os partidos de centro.

Considerando os nomes de Doria e Leite, qual deles tem o melhor perfil hoje para unificar o centro? Avalia que Doria tenderia mais para a direita do que para o centro?

Eu acho que antes de definirmos o nome, temos que definir o que queremos. Estamos vivendo um momento que, além dos partidos, vivemos uma crise de valores, uma crise sanitária, econômica e social. Então, eu acho que aquele que tiver capacidade de unir desde o centro mais à direita até o mais à esquerda, com o propósito de acabar a polarização em que (entre) a extremíssima esquerda e a extremíssima direita, o ódio é que está prevalecendo... Esse que tiver mais capacidade de fazer essa união será o candidato ideal.

Mas ainda não está na hora de definir (um nome), e sim o que queremos e conversar com outros partidos, inclusive com a possibilidade de aparecer outro nome com poder de agregação.

O senhor vê Luciano Huck com uma dessas alternativas?

Tem essa possibilidade. Não estou dizendo que seja ele, estou colocando. É um rapaz novo, não vejo problema no fato de não ser político, existem vantagens e desvantagens. Ele tem feito um esforço enorme de aprender, captar soluções e ideias que estão pairando pelo mundo. É um rapaz de centro.

A situação na Câmara e no Senado mostrou a bancada dividida e em parte apoiando o nome de Bolsonaro à presidência das Casas. Não é um sinal de que é difícil unir o partido e fazer oposição?

Essa definição de oposição em relação ao governo está tomada. É uma definição que está sendo reforçada com a ratificação do nome de Bruno Araújo (ao comando do PSDB). A diferença que houve durante as eleições não é um desafio só nosso, e sim de todos os partidos e democratas. Houve uma manipulação profunda que dizimou a unidade dos partidos.

O PSDB tem um alinhamento na área econômica com o governo. Como fazer essa diferenciação em relação a outras pautas?

Olhando em uma visão geral nós temos, sim, uma identidade muito grande, não total, na área econômica, mas nas outras questões temos uma distância enorme. Se for para falar de política externa, é o oposto da apresentada pelo ministro de Relações Exteriores, que é incompreensível. Se formos falar de tendência ao autoritarismo, somos um partido que nasceu da redemocratização. Enfrentamento da pandemia, coronavírus e Ministério da Saúde... É um desastre que chega a ser quase criminoso. As coisas que aconteceram e estão acontecendo beiram a irresponsabilidade total.

A nossa identidade é nessa questão da pauta econômica mais liberal, porém não é 100%. Nada nos impede quando as pautas econômicas chegam no Congresso de apoiarmos o governo. Fomos oposição ao (ex-presidente) Lula e à (ex-presidente) Dilma e nunca fizemos o quanto pior melhor. Se vier, por exemplo, uma proposta muito boa para a Saúde vamos aprovar.

Pensando em 2022, o senhor teme um cenário como o da última eleição, com Bolsonaro e o candidato do PT no segundo turno? Isso colocaria o PSDB numa situação difícil?

O Bolsonaro ganhou as eleições porque havia um forte sentimento antipetista na população brasileira. Eu costumo dizer que o Bolsonaro nasceu do PT. Quando o PT começou a dividir o Brasil entre nós e eles, dividiu o Brasil e acabou levando para a radicalização. Isso se transformou na extrema direita. Isso (cenário de 2018) só vai se repetir se nós, do centro, centro-direita, centro-esquerda, formos muito divididos novamente para a eleição. Porque você tem um nicho certo de eleitores na extrema esquerda e na extrema direita.

Se esse centro que é a maioria ficar todo subdividido, pode ser, como aconteceu, que a subdivisão leve a uma reedição de uma maneira piorada dessa polarização que só gerou ódio, dividiu a população. As pessoas não querem saber de argumentos. Tenho grande esperança de que possamos construir uma candidatura de centro mais sólida.

Como o senhor vê a sinalização, por exemplo, do ACM Neto não descartar um apoio a Bolsonaro lá na frente?

Eu acredito que o Neto disse isso mais como uma figura de linguagem, tipo “não estou descartando algum cenário”. Porque todas as vezes em que eu conversei com ele, além de negar de maneira muito veemente qualquer aproximação com Bolsonaro, não é da índole dele, da criação dele, qualquer aliança maior com um governo com esses defeitos.

O senhor falou do antipetismo. Avalia que a oposição do PSDB ao PT e especialmente a postura na eleição de 2014 de questionar o resultado contribuiu para esse ambiente?

Não foi nem a oposição do PSDB ao PT. Quando o PT fez o ‘nós e eles’ visou principalmente o PSDB, demonizou os nossos governos, neoliberalistas, os nossos candidatos, todo o primeiro governo do Lula tinha o negócio da herança maldita. Tudo era feito para demonizar o PSDB. Isso fez com que os eleitores do PSDB acabassem nas mãos da extrema direita, que criou o Bolsonaro.

Aécio Neves (MG) influênciou na eleição da Câmara no apoio ao candidato de Bolsonaro. A permanência dele atrapalha a imagem do PSDB?

Esse assunto está morto. O Aécio não está influindo, está calado lá. Ele não é mais uma liderança do partido, não tem relevância dentro das discussões. É um assunto morto e não tem por que abrir essa ferida. Temos outros assuntos tão importantes agora que isso seria sair do foco.

O que achou das explicações de Eduardo Pazuello ao Congresso? Ainda vê necessidade da CPI da Covid?

A grande maioria do PSDB assinou a CPI da Pandemia e estamos defendendo principalmente depois do depoimento do ministro da Saúde, que não respondeu as questões fundamentais. Alguém de governo tem que ser responsabilizado para que isso não volte a se repetir.

A situação em Manaus evidenciou mais a crítica que se faz ao governo na pandemia?

Claro. Aquilo foi um caos, um conjunto de crimes em relação à total falta de sensibilidade com o que estava acontecendo em Manaus, pessoas morrendo asfixiadas no meio da rua e o governo distribuindo cloroquina. E não só em Manaus. Cidades estão parando de vacinar por falta de vacina. É um conjunto de crimes, e alguém precisa ser responsável por isso. Não é possível que centenas de milhares venham a falecer e essa negligência fique impune. Até para que não volte a acontecer.

Entrevista a Julia Lindner, publicada originalmente em O Globo, edição de 14/02/2021 

Vice da Câmara diz que Bolsonaro invadiu competência do Congresso ao editar decretos sobre armas

Para Marcelo Ramos (PL-AM), cabe exclusivamente ao Legislativo a análise de regras de flexibilização do acesso a armas no país. Presidente afirma estar regulamentando Estatuto

O vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM) — Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

O vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), criticou em uma rede social neste domingo (14) a atitude do presidente Jair Bolsonaro de editar decretos que flexibilizam o uso e a compra de armas de fogo no país. Para o parlamentar, o assunto deveria ser tratado no Congresso e Bolsonaro invadiu uma competência exclusiva do Legislativo.

Na última sexta-feira (12), o presidente da República assinou quatro decretos que modificam decretos anteriores editados pelo próprio Bolsonaro. A flexibilização no uso e na compra de armas foi uma das principais promessas de campanha do presidente e uma das principais causas defendidas por ele nestes dois anos de mandato.

Na rede social, Marcelo Ramos disse que "mais grave do que o conteúdo dos decretos" é o fato de Bolsonaro, na avaliação do deputado, "exacerbar do seu poder regulamentar e adentrar numa competência que é exclusiva do Pode Legislativo".

"O presidente pode discutir sua pretensão, mas encaminhando projeto de lei à Câmara", declarou Ramos.

Decretos são atos do presidente da República que devem regulamentar leis. Por isso, não passam pela aprovação do Congresso. No caso, Bolsonaro afirma que está regulamentando o Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003. As novas regras passam a valer em 60 dias.

Entre outros pontos, os decretos aumentam o número de armas que um cidadão comum pode adquirir; ampliam o número de categorias profissionais que têm direito a comprar armas e munições controladas pelo Exército; flexibilizam a comprovação de aptidão psicológica para colecionadores, atiradores e caçadores (CACs); e mudam as regras de munição e armas para os CACs.

Os novos decretos de Bolsonaro sobre armas também foram alvos de críticas de entidades da área de segurança pública.

O Instituto Igarapé classificou os novos atos como "continuação do desmonte da política de controle de armas e munições do Brasil", o que "não só tem efeitos letais para o país que mais mata com armas de fogo no mundo, como reforça possíveis ameaças à democracia e à segurança da coletividade".

O Instituto Sou da Paz expressou "indignação" em relação às mudanças. "Com esses decretos, já são mais de 30 atos normativos publicados nos últimos dois anos que levaram ao aumento recorde de armas em circulação no ano passado – contrariando todos os cientistas que dizem que mais armas em circulação no Brasil nos levarão a uma tragédia em perda de vidas e deterioração democrática", afirma a entidade.

Para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública , inexistem argumentos válidos em favor "da liberação da compra de até 60 armas por um único colecionador, 30 armas por caçadores ou até 6 armas para cidadãos".

Em nota, a entidade afirmou ainda ser "inaceitável o desmonte dos mecanismos de fiscalização, sobretudo do trabalho do Exército brasileiro, seja pela liberação de produtos controlados ou mesmo pelo rastreamento de munição e concessão do porte".

Por G1 — Brasília, em 14/02/2021 19h47  Atualizado há 2 minutos

Trump continua tendo os republicanos nas mãos

Embora previsível, é uma vergonha: o resultado do processo de impeachment, que poderia ter sido um momento de libertação, termina sedimentando a divisão política dos EUA, opina Ines Pohl, correspondente da Deutsche Welle em Washington, DC.

Homem na escadaria do Capitólio porta bandeira Trump é meu presidente

Imagens chocantes do Capitólio em 6 de janeiro de 2021 não impediram senadores de colocar manutenção do cargo acima do direito

A liberdade de expressão é um bem precioso, para pessoas privadas, jornalistas e, obviamente, também para políticos. Numa sociedade livre, deve ser possível ter uma opinião que não agrade, argumentar contra a visão das autoridades sem perigo de ser punido por isso. Também procede que muitos assentos parlamentares estariam vazios se se destituísse do cargo todo político que fosse apanhado mentindo.

Contudo, ao contrário do que argumentaram os defensores do ex-presidente americano Donald Trump, esse processo de impeachment não girava em torno da livre expressão, mas sim de nada menos do que o futuro da democracia dos Estados Unidos.

Impunemente, Trump destruiu durante anos a credibilidade das instituições americanas, minando a confiança nas eleições livres e, com isso, o cerne de qualquer democracia. Por pura sede de poder, seguiu difundindo a mentira de que as eleições presidenciais de novembro de 2020 teriam sido "roubadas", quando mais de 60 juízes, entre os quais vários que ele próprio colocara no cargo, confirmaram sem sombra de dúvida que ele havia perdido o pleito contra o democrata Joe Biden por mais de 7 milhões de votos.

Perigo de vida no Capitólio

Essa campanha de incitação populista chegou a um triste clímax em 6 de janeiro de 2021, quando Trump conclamou seus adeptos a obstruírem a última verificação da eleição presidencial e a invadirem a sede do Congresso, o Capitólio de Washington.

Embora desde o início estivesse claro que seria difícil condenar Donald Trump de fato, os políticos do Partido Democrata não tiveram alternativa senão abrir um processo de impeachment. O mais tardar as provas em vídeo apresentadas nos últimos dias no Senado mostraram o perigo real que foi essa invasão do Capitólio.

Elas mostraram que, no fim das contas, só a coragem de alguns agentes policiais impediu que líderes políticos, entre os quais o então vice-presidente Mike Pence, fossem literalmente sacrificados. Cinco vidas se perderam nesse dia: poderiam ter sido muitas mais, e o então presidente dos EUA seria o responsável.

Vergonha para os EUA

É uma vergonha que ele não seja penalizado por isso. E é motivo de preocupação para todos o fato de essas imagens terem até forçado uma parte do eleitorado republicano a repensar, porém não a maioria esmagadora dos senadores e senadoras americanos.

A sentença desse processo deixa claro até que ponto Donald Trump tem o Partido Republicano em suas mãos; quão grande é a preocupação dos deputados de serem castigados pelo eleitorado trumpista, caso tivessem colocado o direito acima da manutenção do próprio poder.

O que poderia ter sido um momento de libertação termina com a sedimentação da divisão deste país. Para a comunidade internacional, trata-se de um claro sinal de quanto os Estados Unidos estarão ocupados consigo mesmos nos próximos anos.

Ines Pohl foi editora-chefe da DW e atualmente é correspondente em Washington. O texto reflete a opinião pessoal da autora, não necessariamente da DW. Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 14.02.2021

Morre ex-presidente argentino Carlos Menem

Peronista foi quem por mais tempo permaneceu na presidência da Argentina, de 1989 a 1999. Seu governo foi marcado por privatizações e forte abertura às importações.

Menem ocupava o cargo de senador desde 2005

O ex-presidente da Argentina e senador Carlos Saúl Menem morreu neste domingo (14/02), aos 90 anos. O político peronista estava internado no hospital Los Arcos, em Buenos Aires, desde 15 de dezembro do ano passado. Menem viu seus problemas de saúde se agravarem após contrair uma forte pneumonia em junho de 2020. Recentemente, uma infecção urinária complicou seus problemas cardíacos.

Filho de imigrantes sírios e advogado de profissão, Menem foi o presidente argentino a ficar mais tempo no cargo, de 1989 a 1999. Desde 2005, era senador e se manteve ativo na política quase até o fim da vida, chegando a participar das primeiras sessões virtuais do Senado argentino em meio à pandemia de covid-19.

Antes de ocupar a Casa Rosada, Menem foi governador de La Rioja, sua província natal, duas vezes, entre 1973 e 1976 e novamente de 1983 até o início da sua campanha para as eleições presidenciais de 1989, que venceu com 47,5% dos votos. Depois de reformar a Constituição, foi reeleito presidente em 1995, com 49,94% dos votos.

Privatizações e abertura comercial

Seu governo foi marcado por escândalos de corrupção, mas também pela transformação da economia, com uma grande abertura comercial a importações e um intenso processo de privatização de empresas públicas.

Para vencer a inflação, no começo dos anos 1990, implementou o sistema "um a um", que manteve o dólar e o peso argentino em paridade. O modelo funcionou no primeiro mandato, mas, após sua reeleição, começou a apresentar desequilíbrios e acabou explodindo e lançando as bases, segundo alguns analistas, para a crise do "corralito", desencadeada em 2001.

Sua forma de governar foi questionada dentro do heterogêneo partido fundado pelo ex-presidente Juan Perón, por vozes como os ex-presidentes Néstor Kirchner (2003-2007) e Cristina Kirchner (2007-2015), que o acusavam de promover o neoliberalismo, que não consideravam típico do peronismo. Nos últimos tempos, porém, Menem superou suas diferenças com o kirchnerismo, tornando-se aliado dessa corrente peronista.

Entre as polêmicas de seu governo, estão os indultos que Menem assinou em favor tanto dos militares que participaram da ditadura  (1976-1983) quanto dos líderes da guerrilha.

Com grandes divisões no peronismo, Menem concorreu pela última vez à presidência nas eleições de 2003. Embora tenha vencido o primeiro turno, desistiu de disputar o segundo, que deu a vitória automática a Néstor Kirchner, que era favorito.

Venda de armas e desvio de verbas

Menem foi detido em 2001 preventivamente por seis meses pela suposta venda ilegal de armas para a Croácia e o Equador, pela qual foi inicialmente condenado, mas, depois, absolvido.

Em 2019, foi condenado a três anos e nove meses de prisão por fraude na venda de um imóvel na década de 1990, o qual teria comprado com recursos públicos desviados. No entanto, por ocupar o cargo de senador, ele tinha imunidade parlamentar e só seria preso caso o Senado aprovasse a sua detenção, o que não ocorreu.

Além disso, o ex-presidente também foi absolvido da acusação de encobrimento dos autores do atentado contra o centro judaico AMIA, em Buenos Aires, em 1994, que deixou 85 mortos e 300 feridos.

O ex-presidente tinha três filhos: os dois mais velhos, Zulemita e Carlitos (que morreu em um acidente de helicóptero em 1995), com sua primeira esposa, Zulema Yoma, e o mais novo, Máximo, com a modelo chilena e ex-miss universo Cecilia Bolocco, com quem foi casado de 2001 a 2007.

Deustche Welle Brasil, em 14.02.2021

Brasil registra mais 713 mortes por covid-19

Com mais de 24 mil novos casos confirmados em um dia, total de infectados supera 9,8 milhões. Ao todo, mais de 239 mil pessoas morreram no país em decorrência do coronavírus.

Profissionais da saúde percorrem o rio Solimões para aplicar vacinas em populações ribeirinhas

O Brasil registrou oficialmente 24.759 casos confirmados de covid-19 e 713 mortes ligadas à doença neste domingo (14/02), segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Com isso, o total de infecções identificadas no país desde o início da epidemia subiu para 9.834.513 casos, enquanto os óbitos somam 239.245.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que as cifras reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação. Os números divulgados no domingo também costumam ser mais baixos, já que equipes responsáveis pela notificação trabalham em escala reduzida.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde,  8.710.840 pacientes haviam se recuperado da doença até a noite de sábado.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes é de 113,8 no Brasil.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 27,6 milhões de casos, e da Índia, com 10,9 milhões. Mas é o segundo em número absoluto de mortos, atrás apenas dos EUA, que já contabilizam mais de 485 mil óbitos.

Ao todo, mais de 108,7 milhões de pessoas já contraíram o coronavírus no mundo, e 2,39 milhões de pacientes morreram.

Deutsche Welle Brasil, em 14.02.2021

sábado, 13 de fevereiro de 2021

Brasil registra 1.043 mortes por covid-19 em 24 horas

Com mais de 44 mil novos casos confirmados em um dia, total de infectados passa de 9,8 milhões. Ao todo, mais de 238 mil morreram no país em decorrência do coronavírus.

Paciente é transferido de hospital no Pará

O Brasil registrou oficialmente 44.299 casos confirmados de covid-19 e 1.043 mortes ligadas à doença neste sábado (13/02), segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Com isso, o total de infecções identificadas no país subiu para 9.809.754, enquanto os óbitos chegam a 238.532. A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 113,5 no Brasil.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 8.710.840 pacientes haviam se recuperado da doença até este sábado.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 27,5 milhões de casos, e da Índia, com 10,8 milhões, segundo dados da Universidade Johns Hopkins. Mas é o segundo em número absoluto de mortos, atrás apenas dos EUA, que já registraram mais de 483 mil óbitos.

Ao todo, mais de 108 milhões já contraíram o coronavírus no mundo, e mais de 2,38 milhões de pacientes morreram.

Deutsche Welle Brasil, em 13.02.2021

Senado dos EUA absolve Trump em processo de impeachment

Votação terminou em 57 votos a favor e 43 contra, mas eram necessários 67 votos para que ex-presidente fosse condenado. Trump era acusado de "incitação a insurreição", pelo episódio que culminou na invasão ao Capitólio.

O Senado dos Estados Unidos absolveu neste sábado (13/02) o ex-presidente republicano Donald Trump de seu segundo processo de impeachment, dessa vez por "incitação a insurreição", no episódio que culminou com a invasão ao Capitólio, sede do Congresso americano.

Foram 57 votos a favor e 43 contra – eram necessários 67 votos para aprovar o impeachment. A maioria dos republicanos votou contra, mas ocorreram sete dissidências.

O julgamento havia começado na terça-feira, quando a maioria dos senadores considerou o processo de impeachment constitucional, por 56 votos a favor e 44 contra.

O resultado deste sábado já era esperado, pois em nenhum momento do processo de impeachment houve indicativos de que a maioria dos 50 senadores republicanos se voltaria contra Trump.

Como o mandato do republicano já havia terminado, o objetivo maior dos democratas era abrir caminho para a cassação dos direitos políticos de Trump, impedindo-o de concorrer novamente à presidência no futuro, já que, se condenado, ele poderia ficar impedido de se candidatar novamente a cargos políticos. 

Neste sábado, os democratas tiveram a oportunidade de estender o processo, com a decisão de aprovar a convocação de testemunhas. No entanto, após um acordo com a defesa de Trump, a medida foi revogada.

Com nenhum indicativo de condenação de Trump, também era de interesse dos democratas encerrar o julgamento, já que um processo de impeachment trava a pauta do Congresso -  e prioridade do governo de Joe Biden agora é a aprovação de outras medidas, como o pacote econômico.

Votação na Câmara

Há exatamente um mês, a Câmara dos Representantes havia aprovado, por 232 votos a favor e 197 contra a abertura do processo de impeachment.

Trump era acusado de incitação a insurreição por instigar seus apoiadores a marcharem em direção ao Capitólio para pressionar legisladores. A ação ocorreu ao mesmo tempo em que a Câmara e o Senado se reuniam para oficializar a vitória do democrata Joe Biden nas eleições presidenciais de novembro – e consequentemente a derrota de Trump no mesmo pleito.

Os procedimentos foram interrompidos quando centenas de manifestantes, entre eles neonazistas e supremacistas brancos, invadiram o prédio. Eles vandalizaram gabinetes e agrediram policiais. Cinco pessoas morreram, incluindo um agente de segurança, que foi agredido com um extintor de incêndio.

O episódio foi a conclusão de dois meses de tentativas de Trump de minar a confiança no sistema eleitoral e reverter sua derrota nas eleições presidenciais de 2020, alegando ter sido vítima de fraude, mesmo sem apresentar provas.

Segundo o pedido de impeachment, Trump "deliberadamente fez declarações que encorajaram ações ilegais" e "continuará sendo uma ameaça à segurança nacional, à democracia e à Constituição se for autorizado a permanecer no cargo".

O documento ainda cita outras ações de Trump, como a pressão exercida sobre uma autoridade eleitoral da Geórgia, a quem Trump pediu para que "encontrasse votos" para mudar o resultado da eleição no estado.

Após o ataque ao Congresso, Trump não demonstrou arrependimento, e na terça-feira, na véspera da votação do impeachment, disse que seu discurso para apoiadores foi "totalmente apropriado".

Apesar de o processo ter sido aprovado na Câmara, Trump não foi afastado do cargo, como ocorre pelas regras brasileiras de impeachment. Nos EUA, o presidente só é afastado após o aval do Senado, responsável pelo julgamento do caso.

Trump foi o primeiro presidente da história dos EUA a enfrentar dois processos de impeachment. Em dezembro de 2019, a Câmara já havia votado pelo afastamento de Trump no caso conhecido como a "pressão na Ucrânia", que envolveu manobras do presidente para intimidar o governo ucraniano a iniciar uma investigação contra o então ex-vice-presidente e agora presidente Joe Biden e seu filho, Hunter, que era membro do conselho de uma empresa ucraniana. O episódio rendeu a Trump duas acusações: abuso de poder e obstrução dos poderes investigativos do Congresso.

No entanto, o processo anterior acabou sendo barrado em fevereiro de 2020 pelo Senado, que na época contava com maioria republicana. Apenas um senador republicano, Mitt Romney, votou contra o presidente em relação a uma das acusações.

Deutsche Welle Brasil, em 13.02.2021

Bolsonaro avança por filiação ao Patriota, que resiste a entregar partido de 'porteira fechada'

Presidente se reuniu com representantes do partido em encontro fora da agenda; ida esbarra no controle da legenda

Reunião do presidente Jair Messias Bolsonaro, com Catia Presa, presidente do Mulher Patriota do Paraná e Evandro Roman Foto: Reprodução

Sem constar na agenda oficial, o presidente Jair Bolsonaro recebeu ontem um grupo de representantes do Patriota para discutir sua possível filiação à legenda. Na conversa, segundo relatos feitos ao GLOBO, o chefe do Executivo prometeu que nos próximos dias delegará dois auxiliares para conduzir as negociações com a diretoria da legenda.

No encontro, Bolsonaro teria reafirmando o interesse em ingressar no Patriota para disputar a reeleição de 2022, mas não pediu diretamente o controle do partido.

A intenção do presidente e de seu grupo é assumir o controle do Patriota, mas um racha na cúpula da legenda ameaça os planos do chefe do Executivo. Na reunião, Bolsonaro já teria sido avisado que há resistência em entregar diretórios como do Rio, São Paulo, Minas Gerais e Maranhão.

A reunião, inicialmente marcada para 10h, começou com uma hora de atraso. De acordo integrantes do partido e também do governo, estiveram no Planalto o presidente nacional da sigla, Adilson Barroso, e o vice, Junior Marreca, ex-deputado e amigo de Bolsonaro. Também compareceram o coordenador do Conselho Político do Patriota, Nilton Silva, o Niltinho, e os deputados Pastor Eurico (PE) e Evandro Roman (PR), além da presidente do Mulher Patriota do Paraná, Cátia Presa. Roman e Cátia registraram o encontro em suas redes sociais.

Questionado pelo GLOBO, Barroso, que está em Brasília, negou que tenha se encontrado com Bolsonaro, apesar de confrontado com a informação de que ele foi visto na sede do Executivo. O dirigente se limita a dizer que tem apenas orado para receber a filiação de Bolsonaro como uma “bênção.”

— Os parlamentares foram e devem ter levado algum assessor que acharam que era eu, mas não fui. A conversa hoje era só com deputados, nada sobre partido. Isso só vai ocorrer em março — disse Barroso.

Fusão com o PRP

A filiação de Bolsonaro, no entanto, não depende apenas de Barroso, que atualmente não tem maioria na sigla. Em 2018, o Patriota, para cumprir a cláusula de barreira e ter direito ao fundo partidário, anunciou a fusão com o PRP, controlado por Ovasco Resende. Barroso, embora se mantenha na presidência, tem apenas cerca de 30% da sigla, enquanto Resende domina 50%. Os cerca de 20% restante estão nas mãos de parlamentares.

Barroso afirma querer retomar a história interrompida em fevereiro de 2018. No ano anterior, ele havia mudado o nome da sigla de Partido Ecológico Nacional (PEN) para Patriota para receber o então deputado federal Bolsonaro como candidato à Presidência. Após interferência do advogado Gustavo Bebianno, ex-ministro morto em 2020, Bolsonaro se filiou ao PSL.

— Agora, se der certo, não tem essa de namoro mais não. Tem que ir direto para o cartório. Já conhece, então tem que casar logo de papel passado — disse Barroso.

Na época, Bolsonaro e  Bebianno só negociaram ficar no comando do PSL durante o período eleitoral. Após a disputa, o partido nanico virou a segunda maior bancada federal com um fundo partidário que pode chegar a R$ 500 milhões até 2022. A briga pelo controle do caixa culminou na saída do presidente do partido em novembro de 2019.

Na última segunda-feira, em entrevista à TV Band, Bolsonaro disse que quer definir sua nova legenda em março e que está “namorando alguns partidos, dentre eles, um tal de Patriota”. O presidente disse, então, que não poderá ir para um partido que não seja “autoridade”, como ocorreu no PSL.

Ovasco Resende sinaliza que não está disposto a entregar o controle da legenda para Bolsonaro. Em entrevista à revista Época, o dirigente afirmou que tudo deverá ser decidido pelos integrantes do partido, mas não cogita entregar o poder.

— Trabalhamos com construção e com o tempo, que vai alinhavando uma relação. Não existe possibilidade nenhuma de qualquer liderança vir para tomar o comando do partido. Isso é fora de qualquer mesa de conversa. Ou se confia no partido para o qual você vem ou não. Somos um partido sério — disse Ovasco Resende.

Jussara Soares, O GLOBO, em 13/02/2021 

‘Para perder de Bolsonaro, a gente tem que errar muito’, diz Flávio Dino

Maranhense admite que projeto do presidente é hoje o mais estruturado e diz que se a esquerda tiver quatro candidatos é um erro ‘monumental’

Governador do Maranhão, Flávio Dino Foto: Governo do Maranhão

Colocado por seu partido como nome para 2022, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), evita se apresentar publicamente como pré-candidato para não dificultar o debate com o centro. Ele criticou a decisão do petista Fernando Haddad de anunciar que passaria a viajar o país.

Nos últimos dias, foram expostas a fragmentação na centro-direita e na esquerda. Há como reverter?

É uma fragmentação típica de um período em que o velho já morreu e o novo não nasceu. Acho que essa fragmentação vai continuar por mais uns anos até a gente ter um redesenho do quadro partidário. Então, tem que aglutinar o que der.

Diante desse quadro, o Bolsonaro tem hoje o projeto mais estruturado para 2022?

Hoje, sim. Não há dúvida. É o adversário a ser batido. A força gravitacional do Poder Executivo é muito grande e ele hoje tem um projeto mais nítido. De 2018 para cá, ele perdeu muitos setores sociais, mas conseguiu manter um núcleo mais cristalizado, fiel, o que coloca a sua candidatura numa condição muito forte.

A gestão Bolsonaro tem muitos problemas. A atração do poder em si é maior?

Se a popularidade se depreciar mais, essa força atrativa diminui. Ele é um candidato forte, sólido, mas acho que perde a eleição. Para perder dele, a gente tem que errar muito. É um candidato que pode ir ao segundo turno, mas perde no segundo turno porque faz um governo muito frágil.

Quando o Haddad se apresentou como candidato, o senhor escreveu que mais importante para derrotar Bolsonaro era ter programa e alianças. A escolha do nome deveria ficar para depois?

Se bate o martelo muito precocemente, em se tratando de um partido importante como o PT, pode criar interdições ao debate. A chave da derrota do Bolsonaro em 2022 é atrair setores que foram lulistas até 2014, depois bolsonaristas, se descolaram e estão hoje numa posição de centro. Se diz que o candidato é fulano pode criar uma interdição nesse segmento que vai decidir a eleição. Por isso, colocar o nome na frente não é uma tática eleitoral que parece ajustada.

Os partidos de esquerda já não têm seus programas?

O que eu quero chamar a atenção é que o programa que existe não serve. Os programas políticos que nossos partidos têm não dão conta da largueza que precisa para atrair esses segmentos. Um exemplo: o nosso discurso clássico da esquerda não abrange os novos segmentos da classe trabalhadora, os precarizados, os uberizados. Tem que modular o programa porque a realidade mudou. O programa de 2022 não pode ser o mesmo do Lula em 2002. Não é verdade que programa já tem.

Temos quatro pré-candidatos da esquerda: o senhor, Fernadno Haddad (PT), Ciro Gomes (PDT) e o Guilherme Boulos (PSOL). É difícil uma união?

Como ponto de partida não vejo como problema. O problema é se virar ponto de chegada.Se a esquerda fragmentar muito corre riscos, um perigo que não pode correr. A candidatura do Bolsonaro, embora marcada para perder, é forte. Provavelmente, vai para o segundo turno. Então, temos que fazer uma mesa, um seminário, um debate, e tentar aglutinar. Se não der em um nome, em dois. Mas quatro realmente acho um excesso, um erro monumental.

Alguém está tomando uma atitude nesse sentido?

Tomo o tempo inteiro. O PT (em sua festa de aniversário desta semana) fez uma sinalização. A Gleisi (Hoffmann, presidente da sigla) citou o meu nome, o do Boulos. Achei o gesto importante. A esquerda com quatro candidatos não pode ser o desenho na urna. Aí, realmente, eu não participo.

O senhor tem conversado também com o centro?

Sim. No segundo turno em 2018, esse campo mais liberal, de centro, foi todo com Bolsonaro. Ninguém foi com Haddad. E ninguém não é excesso retórico, é literalmente. Nem o Ciro foi. Então, não pode chegar na eleição de 2022 com o ambiente tal que se o segundo turno, por hipótese, for entre Ciro e Bolsonaro, ninguém apoia o Ciro. Essa tragédia deve ser evitada. Precisa distensionar.

Se o Lula recuperar os direitos políticos, deve concorrer?

Da minha parte, sim. Considero que ele teria uma precedência, mesmo tendo críticas de um lado ou de outro. Ele tem uma trajetória política mais forte. E geraria uma polarização quase que automática com o Bolsonaro. Não deixaria nem espaço para outras alternativas.

Ele não afasta essa parcela do eleitorado de centro?

Mas ele teria condições de atrair mostrando o que foi o governo dele, um governo amplo. Hoje, de fato há essa rejeição, mas por outro lado ele saiu com 80% de aprovação e fez um governo bem amplo, com líderes empresariais, do agronegócio, com muitos partidos. Ele teria condições de recompor.

Sérgio Roxo, O Globo, em 13/02/2021 - 03:30 / Atualizado em 13/02/2021 - 09:08

Sérgio Fausto: O realismo oportunista do Centrão e a distopia bolsonarista

Violência, boçalidade e patrimonialismo têm um passado vistoso. Terão futuro promissor?

O saldo da primeira metade da Presidência de Jair Bolsonaro é muito ruim. Mas pior do que os resultados é o espírito que preside à gestão do governo em seu conjunto. A sua marca é o ânimo destrutivo.

Nada é mais simbólico desse fato do que a genuína paixão do presidente pelas armas. Bolsonaro banaliza a vida (“a morte é o destino de todos nós”), dá de ombros para as vítimas da covid-19 (“eu não sou coveiro”) e duvida dos benefícios da vacina (“se virar jacaré, não vem reclamar”), mas não esconde seu entusiasmo com o grande aumento do número de armas nas mãos da população civil, objetivo que vem perseguindo desde o início de seu mandato. Segundo reportagem do jornal O Globo publicada em 31 de janeiro, já são mais de 1 milhão de armas, um aumento de 65% em comparação com 2018.

A paixão pelas armas é correspondida pelo desprezo à cultura, outro traço de Bolsonaro, visível nas escolhas feitas por ele para essa área em seu governo. O elo que une a paixão pelas armas e o desprezo pela cultura é a intolerância, pois a cultura reclama pluralidade e valorização da diferença. “Quando ouço falar em cultura, puxo o meu revólver”, diz um personagem da peça Schlageter, do dramaturgo e poeta nazista Hanns Johst, escrita em 1933, logo após a chegada de Hitler ao poder. Bolsonaro não é nazista, mas compartilha com o personagem a mesma ojeriza à transgressão criativa, que é própria da criação cultural.

O uso do polegar e do indicador para simular uma arma é a marca registrada do presidente. Do gesto derivam dois discursos, que não são exatamente iguais, mas convergem no enaltecimento de virtudes viris. Um deles apela ao instinto de autodefesa do cidadão amedrontado: defenda-se você mesmo, pois o Estado não é capaz de fazê-lo (por suposta culpa da “turma dos direitos humanos”, que amarraria as mãos da polícia). O outro aponta para o uso da violência contra adversários políticos. No início deste mês ele mais uma vez voltou a bater nessa tecla ao anunciar novos decretos para facilitar a compra de armas: “Eu não tenho medo do povo armado, me sinto muito bem ao lado de um povo armado, isso evita que o governante se torne um ditador”.

O alvo real da suposta preocupação democrática do presidente não é, obviamente, ele próprio, mas os seus adversários. Não há como esquecer a reunião ministerial de 22 de abril, em que, alterado, disse que “um povo armado” não acataria as medidas de restrição ao comércio adotadas por prefeitos e governadores.

A distopia bolsonarista projeta na tela do imaginário nacional uma espécie de faroeste caboclo, protagonizado por homens rudes, incultos e indomáveis, um mundo onde a saliva cedeu definitivamente lugar à pólvora e no qual manda quem tem a maior pistola.

A referência do presidente não é Adam Smith e A Riqueza das Nações. Não é a mão invisível do mercado que faz Bolsonaro sonhar à noite e despertar com energia na manhã seguinte para desincumbir-se do seu ofício do presidente. Uma economia de mercado requer uma rede complexa de instituições que regule, contenha, sem sufocar, o espírito animal dos empreendedores. Supõe regras estáveis e agentes estatais “neutros” com capacidade jurídica e operacional para fazê-las valer. Exige também o reconhecimento da ciência como parâmetro fundamental da ação reguladora do Estado, a começar pelas questões elementares do que é ou não nocivo à saúde humana. Exige ainda, como ensina Smith na Teoria dos Sentimentos Morais, uma ética da solidariedade, baseada na empatia. Nada disso é compatível com a distopia do “povo armado” e do “negacionismo científico”. Só se for para um liberalismo de fancaria, mero véu para encobrir interesses mesquinhos e grandes preconceitos.

A distopia bolsonarista é também inconciliável com a ordem e o progresso, lema de inspiração positivista inscrito em nossa bandeira com o advento da República e no espírito das Forças Armadas desde então. Não pode haver ordem sem monopólio estatal da violência exercido por forças armadas e policiais regidas pelos princípios da hierarquia e da disciplina e, no Estado Democrático de Direito, submetidas ao império de direitos e garantias individuais. E não pode haver progresso sem reconhecimento da importância da ciência para o desenvolvimento econômico e social. O que já era uma verdade inquestionável no século 19, quando o positivismo desembarcou no Brasil e fez escola entre os militares, é hoje ainda mais verdadeiro.

A distopia bolsonarista não é inconciliável, porém, com a realidade de um Estado patrimonialista, tomado pelos interesses de corporações e clientelas políticas e gerenciado por profissionais da intermediação política cujo principal propósito é maximizar o poder e a renda que a intermediação lhes permite extrair. O impulso destrutivo do bolsonarismo e o oportunismo do Centrão podem se acomodar mutuamente, à custa do que resta de republicano no Estado brasileiro.

A violência, a boçalidade e o patrimonialismo têm um passado vistoso no país. Terão um futuro promissor?

Sergio Fausto, o autor deste artigo, é Diretor Geral da Fundação FHC e membro do GCINT-USP,. Publicado originalmente n'O Estado de São Paulo, edição de 13 de fevereiro de 2021. 


Mariz de Oliveira: Pátria mal amada, pátria maltratada

É hora de remover os entulhos que impedem a construção do Brasil dos nossos sonhos

Nelson Rodrigues disse que somos “narcisos ao inverso” e temos complexo de “vira-lata”. Ele nos comparou a essa espécie de cão possivelmente porque ela não constitui uma raça, tal como o povo brasileiro, que é a junção de várias raças, não provem de uma única.

Quanto à mitologia de Narciso, posta ao inverso, significa que não apreciamos a nossa figura quando refletida nas águas ou no espelho. Ao contrário de Narciso, não nos aceitamos e chegamos a nos rejeitar.

Na base dessas duas afirmações há duas realidades: não sabemos, ainda, com precisão quem somos e como somos, assim como nos acompanha historicamente um sentimento de autodepreciação. O desconhecimento leva muitos segmentos a serem carentes de autoestima, autoconsideração, apego ao nosso modo de ser e ignorância quanto às nossas qualidades. A não aceitação, por parte das elites, da multiplicidade de raças, o racismo, a desigualdade e a discriminação sociais, as carências no campo da educação e da cultura, entre outros fatores, têm impedido um mergulho profundo nas nossas raízes.

Houve um esforço da parte de intelectuais para nos decifrar. Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Celso Furtado, Raymundo Faoro, Gilberto Freire e outros empreenderam estudos nesse sentido, mas não foram acompanhados pela elite, que jamais se preocupou com a própria origem, mas sim com a que gostaria de ter tido.

Uma das questões que mais intrigam os estudiosos da sociedade brasileira é o chamado “fenômeno patológico da psicologia brasileira”, representativo da nossa tendência a adotar padrões culturais e estéticos de outros povos. E até uma tendência clara a sair do País e viver em outras plagas.

Em sua obra O Elogio do Vira-Lata e Outros Ensaios, obra indispensável para uma avaliação realista e desprovida de preconceitos do nosso povo, e especialmente de suas potencialidades, Eduardo Giannetti analisa as origens dessa crônica visão depreciativa que a sociedade brasileira tem de si mesma, acentuadamente parte das elites. Extrai-se dessa obra que estamos aptos a solucionar problemas, a superar obstáculos em razão de nossa criatividade, inteligência criativa, facilidade de percepção e outros dons, que poderiam estar sendo utilizados para a supressão de nossas carências e o aprimoramento da sociedade, em vez de copiarmos modelos e soluções que não se amoldam a nós.

A analogia, para Giannetti, ao contrário do dramaturgo, se justifica porque no seu mundo o vira-lata é dotado também de grande habilidade para ultrapassar dificuldade e sobreviver, tal como nós. O autor mostra que a raiz do nosso complexo de inferioridade está nos filhos aqui nascidos dos primeiros portugueses que vieram para o Brasil. Passaram a ser denominados mazombos, designação de iletrado, bruto, grosseiro. Esses primeiros brasileiros deploravam ter nascido fora de Portugal e almejavam ir para lá. Segundo afirma Giannetti, a característica dos mazombos era a falta do “senso de pertencimento”

O mesmo acontece com o que chamo de “brasileiros envergonhados”, que tal como seus antecessores são estranhos ao país de nascimento, resistem a assimilar sua cultura e a desprezam. Portadores de um individualismo que os impede de participar dos projetos coletivos, não admitem nenhuma responsabilidade, mas apontam o dedo acusador contra terceiros pelas nossas dificuldades.

Ao mal da pátria mal amada junta-se o mal da pátria maltratada. Talvez esses males decorram um do outro e se completem.

A malquerença levou as elites dirigentes a não empreenderem os esforços necessários para nos governarem, prevalecendo os interesses pessoais em detrimento do coletivo. As consequências dessa incúria histórica são pontualmente bem identificadas.

Assim, após a libertação os escravos foram deixados ao léu e a República foi proclamada sem a participação do povo; antes de 1988 as instituições estavam fragilizadas, resultando como decorrência duas ditaduras em curto tempo. O desprezo pela educação, o adesismo, o clientelismo, a corrupção maculam a atividade política. E atualmente há o exemplo patente de um governo que chega às raias da desumanidade, por seu total desleixo com a saúde pública e a pandemia do novo coronavírus.

Talvez nunca como na atualidade a pátria tenha sido tão maltratada. O desprezo, a arrogância e a autossuficiência no trato dos problemas sociais, o desrespeito aos direitos humanos, à cultura, à educação e à imagem do País, e outras mazelas, têm uma origem: o poder pelo poder, desvinculado dos interesses e das necessidades nacionais. O poder para o desempenho do mando, sem nenhuma consideração pelos anseios e aspirações do povo. Mando refletido numa retórica irreal, falaciosa e odienta.

A catástrofe conta com o beneplácito de políticos interesseiros uns e omissos outros, assim como de parcelas da sociedade cujo apoio ao desgoverno, para mim, constitui um grande enigma.

Está na hora de substituir o desamor pelo amor ao Brasil, que é o nosso país. E na hora de removermos os entulhos que impedem a construção da pátria dos nossos sonhos.

António Cláudio Mariz de Oliveira, o autor deste artigo, é advogado criminalista. Publicado originalmente n'O Estado de São Paulo, em 13.02.2021.

13 de fevereiro de 2021 | 03h00

'Mercado irritadinho'

Diante da escalada inflacionária, Jair Bolsonaro cultiva a narrativa segundo a qual a culpa é dos governadores, do vírus e dos investidores

O presidente Jair Bolsonaro declarou que quer “tratar de diminuir impostos num clima de tranquilidade, não num clima conflituoso”, numa referência à sua intenção de reduzir os impostos federais sobre os combustíveis para baratear o diesel e agradar aos caminhoneiros. Queixou-se de que “o pessoal do mercado” fica “irritadinho” com “qualquer coisa que se fala aqui”. E insistiu: “Vamos deixar de ser irritadinhos, que isso não leva a lugar nenhum. Uma das maneiras de diminuir (o preço do) combustível é com o dólar caindo aqui dentro. Mas qualquer negocinho, qualquer boato na imprensa, tá o mercado irritadinho, sobe o dólar”. Arrematou dizendo que “o mercado tem que dar um tempinho também” e que “um pouquinho de patriotismo não faz mal a eles”.

É preciso um esforço considerável para traduzir o dialeto primitivo do sr. Bolsonaro, mas presume-se que o presidente da República tenha tentado expressar sua contrariedade com o fato de que o mercado reage mal sempre que se fala em intervir em preços.

Bolsonaro nunca escondeu que não entende nada de economia. Ainda na campanha, avisou aos eleitores que era um ignorante completo sobre o assunto, deixando todas as questões relativas a esse tema para serem respondidas pelo hoje ministro da Economia, Paulo Guedes.

Já na condição de presidente, disse que não era economista e que, por esse motivo, não conseguia entender por que razão a Petrobrás eventualmente reajustava os preços dos combustíveis acima da inflação. Em abril de 2019, a Petrobrás havia majorado o preço do diesel em 5,7%, e Bolsonaro informou ter mandado a estatal suspender o aumento até que lhe explicasse “o porquê dos 5,7% quando a inflação projetada para este ano está abaixo de 5%”. Ato contínuo, as ações da Petrobrás despencaram, ante a óbvia intervenção do presidente.

Passados quase dois anos, aparentemente nenhum dos auxiliares de Bolsonaro foi capaz de explicar-lhe que um presidente da República, por mais poderoso que se considere, não deve interferir na formação dos preços da Petrobrás.

Na última vez em que isso foi feito explicitamente, durante o governo de Dilma Rousseff, a estatal contabilizou um dos maiores prejuízos de sua história, por ter sido obrigada a subsidiar os preços dos combustíveis para tentar conter a escalada da inflação às vésperas da eleição presidencial de 2014. Como a Petrobrás é uma empresa com ações em Bolsa e deve satisfações a investidores privados, não pode estar sujeita aos humores políticos, naturalmente instáveis, a ponto de tornar imprevisível o processo decisório da empresa.

Mas o problema transcende a Petrobrás. Um governo que interfere diretamente nos preços dos combustíveis cruza uma espécie de Rubicão da administração pública, pois deixa claro que não respeita os fundamentos da economia de mercado e é capaz de tudo para satisfazer aos interesses políticos.

Um presidente da República não precisa entender de economia, mas deve saber de cor quais são os limites de seu poder. O fato, contudo, é que é ocioso esperar que Bolsonaro algum dia aprenda o que é uma economia de mercado, assim como é perda de tempo esperar que ele aprenda os fundamentos da democracia – cuja plenitude só é atingida quando os agentes econômicos são livres.

Bolsonaro já disse reiteradas vezes – e repetiu agora – que são impatriotas os “irritadinhos” do mercado. De acordo com essa concepção, não gostam do Brasil os investidores que esperam transparência e racionalidade das empresas nas quais põem seu dinheiro. Também não gostam do Brasil aqueles que exigem responsabilidade fiscal e têm ojeriza ao populismo perdulário. Por conseguinte, o bom brasileiro, na visão bolsonarista, seria aquele que aceita perder dinheiro em nome dos interesses eleitorais do presidente.

Mas Bolsonaro compensa largamente seu apedeutismo econômico com sua astúcia política: diante da escalada inflacionária, o presidente vem cultivando a narrativa segundo a qual não tem culpa de nada – a conta é dos governadores, do vírus e, agora, dos investidores “irritadinhos”. Se há algo previsível neste governo, é a ânsia de Bolsonaro de fugir de toda e qualquer responsabilidade.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de São Paulo, em 13 de fevereiro de 2021