terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Juan Arias: o angustiante dilema de Lula ao final de sua vida política

Os grandes estadistas se consagram ou se destroem quando são incapazes de compartilhar a liderança e de decidir, nos momentos mais dramáticos, de mãos dadas com todos os que desejam o bem nacional

Lula tira a máscara para falar durante a votação de 15 de novembro de 2020.AMANDA PEROBELLI / REUTERS

Lula sempre foi e continua sendo um animal político, com seus acertos e desacertos. Poucos como ele carregam a política no próprio sangue. E agora, ao final de seu caminho, vive a maior encruzilhada de sua vida.

É possível que o Supremo lhe ofereça a possibilidade de disputar no ano que vem as eleições contra o nazifascista e genocida Bolsonaro. Não cabe dúvida que seu sonho seria derrotá-lo. É seu último sonho político. Mas sabe também que, no caso de uma derrota, jogaria tristemente por terra seu passado político, que é o oxigênio de sua vida.

Lula, que é um estrategista político indiscutível, talvez já esteja pensando que não lhe convém brincar de roleta-russa, mesmo que o Supremo dê luz verde à sua candidatura.

E talvez por isso já antecipou que, caso não possa ou não queira se arriscar a perder, o candidato dele e do seu partido será Fernando Haddad, e lhe pediu que prepare sua campanha e movimente as ruas.

É uma solução acertada ou se trata de um erro político?

Não que Haddad não seja um bom candidato ―que é―, mas porque já perdeu de Bolsonaro, e porque desta vez Bolsonaro voltará à arena com apoios políticos maiores que da vez anterior, se não for apeado do poder antes disso.

Há anos o presidente que disputa o segundo turno vence as eleições. Foi assim com Fernando Henrique Cardoso, com Lula e com Dilma. Pois nesse caso eles dispõem de toda a máquina do Estado ao seu dispor para a campanha.

Mas tem mais. Essa antecipação em escolher pessoalmente Haddad sem uma ampla consulta ao seu partido só faz enfraquecê-lo. O primeiro alarme foi dado pelo PSOL, onde Guilherme Boulos, que desponta como o líder de uma nova esquerda, já criticou delicadamente que o Brasil vive o perigo de chegar novamente à próxima eleição presidencial com as forças progressistas divididas e ameaçadas de serem derrotadas por Bolsonaro e por aqueles que serão seus novos aliados.

Há muitos anos a esquerda e a social-democracia parecem mais frágeis no tabuleiro político nacional e internacional. E concretamente o PT de Lula não está em seus melhores tempos. Foi derrotado nas últimas eleições municipais e não passou de coadjuvante na disputa pelas presidências da Câmara e do Senado.

Para as forças democráticas, a única chance de derrotar a extrema direita fascista, à qual parece se somar o DEM, é esquecer as brigas domésticas e se apresentarem unidas com um pacto no qual, embora possa haver mais de um candidato para enfrentar Bolsonaro, já cheguem às eleições com um acordo de que na segunda volta se comprometam a apoiar um único candidato, seja ou não do PT.

Por isso acredito que foi um erro que Lula, com sua impulsividade, tenha querido se antecipar em consagrar o seu candidato sem um diálogo prévio não só com seu partido, que já está perdendo força e se encontra dividido, e sim com todos os partidos da chamada frente ampla, esquecendo-se dos cálculos meramente pessoais.

Entende-se que, ao final de seu caminho político, Lula, sempre acostumado a ser obedecido e a decidir imperialmente em seu partido, não queira acabar com a maior derrota da sua história.

Mas Lula sabe muito bem que, diante de problemas graves como os que está vivendo o Brasil, se quiser ganhar as próximas eleições presidenciais terá de estar junto com os outros, e não pensando só em seu partido e em si mesmo.

Os grandes estadistas se consagram ou se destroem quando são incapazes de compartilhar a liderança e de decidir, nos momentos mais dramáticos de um país, de mãos dadas com todos os que desejam o bem nacional, acima de seus interesses pessoais.

O resto é política provinciana e mesquinha, e não a Política com maiúscula, que é aquela à qual pertence Lula, e que poderia acabar perdendo-a melancolicamente.

Juan Arias , o autor deste artigo, é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como Madalena, Jesus esse Grande Desconhecido, José Saramago: o Amor Possível, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente. Publicado por EL PAÍS, em 08.02.2021.

OMS conclui que o coronavírus é de origem animal e indica que não surgiu no mercado de Wuhan

Agência descarta a hipótese de um laboratório como causa do novo coronavírus

Peter Ben Embarek e Marion Koopmans, integrantes da equipe enviada pela OMS a Wuhan, nesta terça-feira.ALY SONG / REUTERS

A OMS considera a passagem do novo coronavírus de animal para ser humano por meio de uma terceira espécie como a hipótese “mais provável” da origem da covid-19 e sugere que não se originou no mercado de Wuhan. Foi o que disseram em uma coletiva de imprensa, no final da sua missão, os especialistas da equipe internacional da OMS que durante quase quatro semanas fizeram investigações na cidade onde foram detectados os primeiros casos da doença para identificar como pode ter surgido.

O chefe dos especialistas internacionais que viajaram a esta cidade do centro da China, Peter Ben Embarek, logo antecipou isso ao iniciar suas declarações à imprensa: embora tenha encontrado novas informações, esta investigação não mudou substancialmente a imagem do que se sabe sobre esta doença que já contagiou mais de cem milhões de pessoas em todo o mundo.

Os profissionais enviados pela OMS trabalharam com quatro hipóteses, conforme explicou Ben Embarek: transmissão direta de um animal, provavelmente um morcego; a via indireta, por meio de uma terceira espécie; o contágio a partir de vírus em superfícies congeladas; e que o vírus tivesse escapado de um laboratório. Apenas esta última, constataram os especialistas, é “extremamente improvável”, razão pela qual está descartada a continuidade dessa linha de investigação.

O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump havia acusado um laboratório, o Instituto de Virologia de Wuhan, de ter deixado o vírus escapar de suas instalações e de ser a origem da pandemia.

É a única conclusão contundente que eles anteciparam. As demais questões ―qual animal poderia ter sido o intermediário da transmissão, como surgiu em Wuhan, se foi ali que ocorreu o salto para o ser humano ou em outro lugar― permanecem abertas. “Não há evidências suficientes (...) para determinar se o Sars-Cov-2 se espalhou em Wuhan antes de dezembro de 2019”, disse Liang Wannian, da Comissão Nacional Chinesa de Saúde e chefe da delegação de cientistas chineses. De acordo com Ben Embarek, a pesquisa aponta para “um reservatório natural” de morcegos como o animal original, embora seja improvável que o salto tenha ocorrido nessa cidade.

Os especialistas, que apresentaram um resumo preliminar do relatório que entregarão à OMS, indicaram que durante sua estada em Wuhan ―que incluiu duas semanas de quarentena estrita em um hotel, conforme prevê a regulamentação chinesa contra o coronavírus para quem chega do exterior― examinaram prontuários médicos e amostras de sangue coletadas antes da detecção dos primeiros casos, em dezembro, nessa cidade. Eles também analisaram dados de venda e consumo de medicamentos para sintomas semelhantes aos causados pela covid-19, para verificar se houve maior uso nas semanas e meses anteriores. Sua conclusão: não encontraram indícios da presença do vírus em Wuhan antes de dezembro.

Os pesquisadores também examinaram a hipótese que circulou no início da epidemia e que considerava o mercado de frutos do mar de Huanan como uma possível origem da doença. Aproximadamente dois terços dos mais de 40 casos originais tinham vínculos, como vendedores ou clientes, com esse mercado, onde também eram vendidos animais domésticos e silvestres. Mas o terço restante, não.

“Não sabemos o papel exato” do mercado, observou Ben Embarek. “Sabemos que houve casos ali, entre pessoas que lá trabalhavam ou o visitaram, mas não sabemos como o vírus se introduziu ou como se disseminou.” Os cientistas mapearam os casos relacionados ao mercado ―se eram vendedores, onde ficava sua barraca, por exemplo― e possuem as sequências genéticas de alguns deles. Isso lhes permitiu determinar que o mercado era uma fonte de propagação, mas houve outras na cidade.

MACARENA VIDAL LIY,  de Pequim para o EL PAÍS, em  09 FEV 2021

Governo Biden quer fortalecer laços com Brasil, diz porta-voz

Em meio a pedidos de defensores do meio ambiente e dos direitos humanos para que EUA pressionem Bolsonaro, Casa Branca diz que observa tais questões de perto, mas que relação econômica com o Brasil é significativa.

"Não vamos nos abster em áreas em que discordamos", afirmou a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, em relação ao Brasil

O governo do novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, está acompanhando de perto os acontecimentos no Brasil relacionados aos direitos humanos e à preservação ambiental, mas pretende continuar fortalecendo os laços econômicos e comerciais com o país sul-americano, afirmou a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, nesta segunda-feira (08/02).

Ao ser questionada sobre pedidos de entidades e membros do Partido Democrata para que negociações comerciais com o Brasil fossem suspensas devido a preocupações com os direitos humanos e o meio ambiente, Psaki disse que o governo Biden não vai se abster de levantar preocupações quando houver diferenças com o do presidente Jair Bolsonaro.

"Não vamos nos abster em áreas em que discordarmos, seja quanto ao clima, os direitos humanos ou outra questão", disse Psaki. Ela afirmou, no entanto, que "obviamente há uma relação econômica significativa" entre os dois países e que os EUA seguirão buscando oportunidades de cooperação.

A porta-voz destacou que o governo Biden anunciou, em 5 de fevereiro, uma ajuda adicional, proveniente da Agência para Desenvolvimento Internacional americana, para a resposta emergencial do Brasil à covid-19.

"Somos de longe o maior investidor no Brasil, inclusive em muitas das empresas brasileiras mais inovadoras e focadas no crescimento, e continuaremos a fortalecer nossos laços econômicos e aumentar nosso grande e crescente relacionamento comercial nos próximos meses", afirmou.

O embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Nestor Forster, saudou os comentários de Psaki e disse que o Brasil espera expandir os laços comerciais e está "totalmente a bordo" para abordar preocupações com o desenvolvimento sustentável e as mudanças climáticas.

"O que nós queremos é continuar trabalhando com o Estados Unidos", disse o embaixador numa conferência organizada pela Associação Comercial Internacional de Washington, destacando que o investimento brasileiro teve forte aumento na última década.

Segundo a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), em 2018, último ano para o qual há dados disponíveis, os EUA foram o maior investidor direto no Brasil, com 134,1 bilhões de dólares. Já os investimentos brasileiros nos EUA cresceram 356% entre 2008 e 2017, alcançando 42,8 bilhões de dólares em 2017.

Laços fortalecidos sob Trump

O governo do ex-presidente americano Donald Trump buscou fortalecer os laços com o Brasil, a maior economia da América Latina, e fazer um contrapeso em relação à China, que se tornou o maior parceiro comercial do Brasil.

Em outubro passado, o Brasil e os Estados Unidos assinaram três acordos para garantir boas práticas comerciais e combater a corrupção, além de estabelecer uma meta para a duplicação do comércio bilateral nos próximos cinco anos.

Após apoiar abertamente a reeleição de Trump, repetir alegações sem provas de fraude eleitoral feitas pelo ex-presidente americano e demorar mais de um mês para reconhecer a vitória do democrata, Bolsonaro escreveu a Biden no dia da posse, 20 de janeiro, e disse que esperava que os dois países buscassem um amplo acordo de livre comércio.

Atritos envolvendo Amazônia

Durante a campanha eleitoral, Biden mencionou a destruição da Amazônia e disse que, caso fosse eleito, pretendia organizar um pacote de ajuda de 20 bilhões de dólares (R$ 107 bilhões) para que o Brasil preservasse a floresta. O democrata advertiu que, se os brasileiros persistissem com o desmatamento, o país poderia vir a sofrer "consequências econômicas significativas”.

Bolsonaro reagiu. Mencionando os 20 bilhões de dólares previstos por Biden, o presidente brasileiro afirmou que o Brasil não aceita suborno. "Nossa soberania é inegociável", escreveu no Twitter. Bolsonaro ainda afirmou que seu governo realiza "ações sem precedentes para proteger a Amazônia" e declarou que a "cobiça de alguns países sobre a Amazônia é uma realidade".

Pressão sobre o governo Biden

No ano passado, uma comissão da Câmara dos Representantes dos EUA, controlada pelos democratas, já havia criticado o governo Trump por se aproximar do Brasil. A comissão argumentou, numa carta apresentada em junho, que o governo Bolsonaro havia demonstrado "um completo desrespeito aos direitos humanos básicos" e que a expansão dos laços prejudicaria os esforços de defensores brasileiros dos diretos humanos e do meio ambiente.

Após a posse de Biden, sete ex-negociadores de reuniões do clima e membros de ex-governos republicanos e democratas encaminharam ao novo governo uma lista de recomendações. O chamado Plano de Proteção da Amazônia sugere como os EUA deveriam investir os 20 bilhões de dólares que Biden prometeu mobilizar para conservar a maior floresta tropical do mundo. 

"Entendemos que Bolsonaro não amou imediatamente o plano de Biden. Por isso é preciso trabalhar com a sociedade brasileira, empresas, governadores e políticos que estejam interessados em fazer parcerias com os Estados Unidos", afirmou em entrevista à DW Brasil Nigel Purvis, ex-negociador do clima do governo americano que prestou assessoria para a elaboração do Plano de Proteção da Amazônia.

Na semana passada, a Rede dos Estados Unidos para Democracia no Brasil – apoiada por mais de 150 acadêmicos das principais universidades dos EUA, ONGs e entidades – fez chegar a Biden um dossiê de 31 páginas que pede a suspensão de acordos comerciais e políticos com o governo Bolsonaro.

Entre outras medidas, o documento pleiteia que o novo governo dos EUA encerre o apoio financeiro a atividades relacionadas ao desmatamento da Floresta Amazônica. O objetivo do grupo é pleitear a criação de uma CPI da Amazônia no Congresso dos EUA.

Deustsche Welle Brasil, em 09.02.2021

Livianu: Momento crítico no combate à corrupção

Executivo e Legislativo se lembrem de que o poder deve ser exercido em benefício do povo

Suspeitos, investigados e processados por corrupção e outros crimes de colarinho-branco estão celebrando o anúncio da desativação da força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) na Lava Jato em Curitiba, assim como as declarações reiteradas do líder do governo na Câmara no sentido de se pretender enfraquecer a Lei de Improbidade Administrativa. Desde 2014, na Lava Jato foram 79 fases, R$ 4,3 bilhões recuperados e 278 sentenças, escrevendo uma nova página da História brasileira no enfrentamento da corrupção de grosso calibre, com procuradores da República designados com exclusividade para cuidar de casos extremamente complexos.

Se, hipoteticamente, houvesse compreensão da PGR, e de organismos de controle que se excederam midiaticamente no afã de fazer valer o princípio constitucional da publicidade, de interagir com a sociedade para mobilizá-la, engajá-la e conscientizá-la, como recomenda a ciência política, que recomendassem pedagogicamente o que entendessem de direito. No entanto, no exercício de meu direito de livre manifestação, opinião e crítica, garantido constitucionalmente, penso que para desativar estrutura responsável por trabalho histórico, reconhecido internacionalmente, com patamar de recuperação de ativos da ordem de um terço, recomendável seria prévia ampla e democrática discussão no seio do MPF, envolvendo amplamente seu Conselho Superior, a Associação Nacional dos Procuradores da República e outras instâncias, buscando solução substitutiva que pudesse enfrentar tão relevante demanda da sociedade.

Ao mesmo tempo, o líder do governo na Câmara vem a público reiteradamente declarar que a Lei de Improbidade deve ser desidratada e enfraquecida, somente devendo punir atos que provoquem danos ao patrimônio público. Será que a sociedade concorda?

Essa pregação enaltece o substitutivo Zarattini, apresentado secretamente ao PL 10.887/18, que originalmente pretendia atualizar a Lei de Improbidade. Esse substitutivo, elaborado por advogados pagos com dinheiro público, não obstante disporem todos os parlamentares de assessoria técnica legislativa (o que, em tese, caracteriza ato de improbidade administrativa), propõe a supressão do artigo 11 da lei – não mais se puniriam a “carteirada”, o nepotismo, o não fornecimento de informações nos termos da Lei de Acesso à Informação, o desvio de vacinas e todos os atos sem danos ao patrimônio. Também propõe impor prazo para encerramento de inquérito civil pelo Ministério Público, mesmo que o caso seja complexo e demande mais trabalho. Esses são apenas dois exemplos. É óbvio o objetivo de criar impunidade.

É importante lembrar também que o Brasil, campeão mundial de lavagem de dinheiro, segundo a Kroll, montou comissão para rever a respectiva lei, composta predominantemente por advogados de acusados de lavagem de dinheiro e secretariada pelo juiz Ney Bello Filho, que concedeu prisão domiciliar a Geddel.

As primeiras reuniões sinalizam a intenção de abrandar a Lei 12.682/12, considerada de última geração pelo mundo, que a tem como referência. Isso pode trazer consequências devastadoras para o Brasil, até quanto à dificuldade de aprovação de futuros financiamentos internacionais e ao impedimento de ingresso na OCDE, que pretendemos. Isso no momento em que o índice anual de percepção da corrupção, divulgado pela Transparência Internacional, o principal organismo do mundo dedicado à agenda anticorrupção, acaba de sair e nos mostra com pífios 38 pontos, abaixo da média da América Latina (41), mundial (43), do G-20 (54) e da OCDE (64), apesar de termos a nona economia mundial.

A pandemia tornou a situação ainda mais séria e grave, pois a corrupção se mostrou presente numa enxurrada de casos que levaram à prisão secretários de Saúde e retiraram do cargo governadores de Estado, evidenciando que os dramas humanos não diminuem o afã criminoso dos corruptos. Além de termos sido apontados como os de pior governo, dentre 98 examinados, na gestão da crise da pandemia, pelo australiano Instituto Lowy, a partir de critérios científicos.

Os administradores descumprem seus deveres de prestar contas com transparência e só atingiram patamares decentes após a Transparência Internacional e o Open Knowledge os pressionarem com seus observatórios comparativos. Até hoje o Banco Central não explicou o lançamento da nota de R$ 200, cujo número de cédulas emergenciais não foi emitido, especialmente diante do fato de que o mundo vem retirando de circulação as notas maiores para prevenir crimes de colarinho-branco e outros.

Nosso cotidiano tem sido de ingerências presidenciais na Polícia Federal, na Abin, no GSI, no desmanche da política ambiental, no culto à opacidade, em ataques constantes a jornalistas e à liberdade de expressão. No Congresso não há respostas às demandas pelo fim do foro privilegiado, à prisão após condenação em segunda instância, à criminalização do caixa 2 eleitoral, à reforma político-eleitoral.

Executivo e Legislativo devem se lembrar de sempre que numa democracia o poder, pelos mandatos que se renovam (ou não), deve ser exercido em benefício do povo.

Roberto Livianu, o autor deste artigo, é Procurador de Justiça em São Paulo. Idealizou e preside o Instituto Não Aceito Corrupção. Publicado originalmente por Estado de São Paulo, edição de 09.02.2021.

Patacoada presidencial

Sem entender relação entre imposto e preço, Bolsonaro insiste em mexer na tributação

O mais despreparado e mais incompetente chefe de governo da história brasileira, Jair Bolsonaro, voltou a falar bobagens sobre preços e impostos, depois do novo reajuste para combustíveis anunciado pela Petrobrás. Ele continua misturando impostos e aumentos de preços, como se a alta dos valores cobrados pela gasolina, pelo diesel e pelo gás de cozinha fosse causada pela tributação.

O objetivo evidente é acalmar uma parte de seu eleitorado, especialmente os caminhoneiros por ele apoiados, em 2018, quando bloquearam estradas e prejudicaram milhões de pessoas. Os desinformados, como aqueles do cercadinho, podem até aplaudir a patacoada presidencial, mas nenhuma criança treinada nas quatro operações e habituada a raciocinar engolirá a baboseira.

Complicado para o presidente e seus assemelhados, o assunto, no entanto, é razoavelmente simples. Calculado como porcentagem sobre um valor básico, o tributo estadual – porque disso se trata – simplesmente segue a variação do preço, assim como um passageiro acompanha o sobe e desce de um avião. Enquanto o tributo for calculado sobre um preço base, um dado essencial permanecerá: o imposto indireto seguirá atrelado às oscilações desse valor.

O besteirol nem é novidade, embora o presidente de vez em quando amplie seu repertório. Há muito tempo ele fala em mexer no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o maior tributo estadual. A conversa tem aparecido, de modo geral, quando o encarecimento dos combustíveis causa incômodo mais sensível. Os caminhoneiros têm reclamado e o presidente Bolsonaro se empenha, normalmente, em tratar muito bem esses eleitores.

Desta vez ele propôs, entre outras alterações, a cobrança de um valor fixo, em vez de uma porcentagem sobre o preço base. Outra ideia foi a concentração da cobrança na refinaria, com eliminação do imposto nas fases seguintes da comercialização. O presidente mencionou também uma possível diminuição do PIS/Cofins. Nesse caso, a solução ficaria no âmbito federal.

Todas essas propostas são baseadas numa confusão grosseira. O presidente parece incapaz de perceber alguns fatos básicos sobre o mercado. Os preços de petróleo e derivados, assim como os de outras commodities, como soja, trigo e minério de ferro, são determinados, em primeiro lugar, pelas condições internacionais de oferta e demanda. Quando trazidos ao mercado interno, esses preços ainda são afetados pela taxa de câmbio – basicamente, pela cotação do dólar. Com ou sem impostos, é esse o processo básico.

Como qualquer outra empresa envolvida no mercado de commodities, a Petrobrás deve seguir o jogo internacional e a partir daí fixar seus preços. O presidente Bolsonaro já tentou intervir na política de preços da companhia. Basicamente errada, essa interferência é mais grave quando se trata de uma empresa de capital aberto, com ações negociadas em bolsa. Ele parece haver percebido o erro, mas de forma incompleta. Continua falando sobre preços, demagogicamente, e impondo novos sustos ao mercado.

Sem poder controlar os preços da Petrobrás, o presidente procura mexer na tributação, como se impostos causassem a alta de preços. Podem até causar, quando as alíquotas são aumentadas, mas nada parecido com isso ocorreu no caso dos combustíveis.

Além de grosseira, a ideia de mexer na tributação é perigosa. Estados e poder central dependem de tributos para funcionar. Diminuir um imposto sem cuidar de alguma compensação – aumento de outra receita ou redução de gastos – pode ser desastroso. Mas isso é um tema de administração, assunto estranho às preocupações e à competência do presidente Bolsonaro.

Ele só tem razão quanto a um ponto. O ICMS e outros impostos indiretos são muito altos. Mas para mexer nisso será preciso reformar o sistema e dar maior peso aos tributos diretos, principalmente ao Imposto de Renda. Mas esperar do presidente algum conhecimento dessas questões também é otimismo excessivo. Já seria bom se alguém, no seu entorno, tentasse conter seus impulsos mais perigosos.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de São Paulo, em 09 de fevereiro de 2021

Cantanhede: Quem vai botar o pé na porta quando Bolsonaro atacar a democracia e as instituições?

 Arthur Lira, o presidente da Câmara que é líder do Centrão e cheio de problemas no Supremo? DEM, PSDB e MDB, que venderam a alma ao diabo e os votos por verbas, cargos e promessas de ministérios?

DEM, PSDB e MDB desarticularam a oposição e a resistência institucional

Processo rumo ao atraso vive melhor momento com implosão do DEM, decadência do MDB e falta de rumo do PSDB

Em baixa nas pesquisas e na sociedade, mas em alta na política e no Congresso, o presidente Jair Bolsonaro promove alianças tácitas com praticamente todo o leque partidário, desde o PT e o centro até a extrema direita e os aproveitadores de sempre. Resultado: é incrível como tudo parece andar para trás, de marcha à ré.

A Lava Jato e o ex-juiz Sérgio Moro se transformam nos grandes vilões do Brasil. Em simbiose com o Centrão, o bolsonarismo raiz se infiltra em vistosos cargos do Congresso. A pauta conservadora, de armas e excludente de ilicitude, domina o debate nacional. Até as discussões sobre auxílio emergencial deixaram de ser movidas pela tragédia social e a preocupação econômica para atender interesses políticos.

Esse processo rumo ao atraso não é novidade, mas teve grande impulso com as eleições para as presidências da Câmara e do Senado e vive seu melhor momento com a súbita perda de relevância de Rodrigo Maia, a implosão humilhante do DEM, a estridente decadência do MDB e a falta de rumo e de juízo do PSDB, um partido sem líderes.

Bolsonaro tem todos os defeitos que nós sabemos e só não vê quem não quer, mas ele não é fraco, não. O capitão, que subjugou os generais e cooptou os escalões inferiores das Forças Armadas, também desarticulou a oposição política e a resistência institucional. O caminho está livre para tocar o projeto de Jair, Eduardo, Carlos e Flávio Bolsonaro, sob inspiração do tal guru.

Governos, parlamentos e entidades estrangeiras, fundos de investimentos internacionais, ex-ministros, ex-chanceleres, ex-presidentes do Banco Central, centenas de padres católicos e pastores batistas, anglicanos, presbiterianos indignam-se com o que ocorre no Brasil, mas a realidade anda para um lado e a política vai na direção oposta.

Quem vai botar o pé na porta quando Bolsonaro atacar a democracia e as instituições? Arthur Lira, o presidente da Câmara que é líder do Centrão e cheio de problemas no Supremo? DEM, PSDB e MDB, que venderam a alma ao diabo e os votos por verbas, cargos e promessas de ministérios?

E quem vai garantir maioria pró-Lava Jato, já oscilante, no Supremo? O presidente Luiz Fux faz a parte dele, mas até quando um Alexandre de Moraes terá respaldo para segurar as investidas golpistas que vêm do outro lado da Praça dos Três Poderes?

O cenário é preocupante e DEM, PSDB e MDB têm grande responsabilidade nisso. Para além dos ataques estéreis entre Rodrigo Maia e ACM Neto, vamos aos fatos: DEM levou longos anos construindo uma imagem, renovando suas lideranças, equilibrando o liberalismo econômico com foco social e, assim, conquistou força e destaque na política nacional. Na hora decisiva para o País, porém, demoliu tudo num estalar de dedos.

DEM e PSD do ex-prefeito Gilberto Kassab surgiram do racha do PFL, que tantos serviços prestou à redemocratização. Agora, tantos anos depois, eles voltam a se encontrar na mesma raia, que não é pragmática, só oportunista. Se Bolsonaro está forte politicamente e leiloando cargos, estão com ele. Se mais adiante tropeçar e despencar nas pesquisas, pulam fora.

ACM Neto tem pedigree, não é amador e não erraria de forma tão primária. Logo, é um risco calculado que não faz jus, digam o que quiserem, à história do PFL nem ao legado de Jorge Bornhausen, Marco Maciel e Guilherme Palmeira. E o mais triste é que os novos dissidentes não têm saída. PSDB? MDB? É trocar seis por meia dúzia.

Tudo sempre pode mudar, mas, neste momento, o tal candidato de centro é quase uma piada e Bolsonaro dá risadas ao se preparar para enfrentar o PT em 2022. Ou melhor, para enfrentar o próprio Lula. O caminho já poderá ser aplainado, hoje, pela Segunda Turma do Supremo.

Eliane Cantanhede é Jornalista. Este artigo foi publicado originalmente em O Estado de São Paulo, edição de 09.02.2021.

Desmonte do Itamaraty abre brecha para projeção internacional de governadores e prefeitos

Com o chanceler brasileiro priorizando assuntos internos, governadores, prefeitos e deputados estão virando interlocutores-chave de governos, empresas e ONGs no exterior.

Araújo observa entrevista de Bolsonaro ao lado do presidente uruguaio, Lacalle Pou, no Palácio do Planalto.ADRIANO MACHADO / REUTERS

Quando os assessores de Anthony Blinken, secretário de Estado do presidente americano Joe Biden, começaram, recentemente, a discutir o futuro da relação entre os Estados Unidos e o Brasil, surgiu uma pergunta incomum: quem no Governo Bolsonaro seria o principal interlocutor do novo Governo americano? Em tempos normais, seria o chanceler brasileiro, é claro. Na prática, porém, Ernesto Araújo não é uma opção para gerenciar a relação bilateral. Afinal, o novo Governo americano avalia, corretamente, que o papel fundamental de Araújo não é a condução da política externa brasileira, mas, por meio da promoção de teorias conspiratórias, a mobilização permanente da base bolsonarista. Mesmo se Araújo priorizasse a gestão das relações exteriores do Brasil, seus comentários sobre o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro (segundo ele, os invasores seriam “cidadãos de bem”) e a respeito das eleições presidenciais americanas (para ele, fraudadas) já seriam suficientes para torná-lo persona non grata em Washington. O cenário em Berlim, Paris, Pequim e Buenos Aires é o mesmo: alguma comunicação oficial e um aperto de mão protocolar até podem envolver Araújo, mas a maioria dos governos já estabeleceu canais alternativos.

Não há vácuo de poder na política, e o mesmo vale para a política externa. Na ausência de um chanceler disposto ou capaz de gerir as relações do Brasil com o resto do mundo, outros políticos brasileiros tornaram-se figuras-chave nos palcos internacionais. Durante o primeiro ano do Governo Bolsonaro, enquanto Araújo cumpria seu papel de cheerleader do presidente Trump, o vice-presidente Mourão e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, se empenhavam no âmbito diplomático. Em viagem a Pequim, por exemplo, os dois souberam desfazer o estrago feito pelo presidente brasileiro na relação bilateral. Coube a eles acalmar os ânimos dos chineses porque Araújo, com seu histórico de ataques verbais à China, tinha perdido credibilidade em Pequim. Para diplomatas chineses, ficou claro que, se for preciso resolver alguma questão com o Governo brasileiro, Mourão e Tereza Cristina serão interlocutores bem mais úteis do que o chanceler brasileiro. O cenário repetiu-se quando o ministro foi excluído das negociações com Pequim para a compra de vacinas contra a covid-19 e quando o governador de São Paulo, João Doria, e o então presidente do Congresso, Rodrigo Maia, tornaram-se interlocutores-chave para o Governo chinês e empresas farmacêuticas chinesas.

Nada disso é por acaso. Afinal, a marginalização do Ministério de Relações Exteriores (MRE) é um objetivo-chave da gestão atual, em uma tentativa de combater o que o bolsonarismo chama de deep state, estrutura composta por tecnocratas que supostamente sabotam as ideias do Governo. Como Eduardo Bolsonaro declarou depois da vitória de seu pai nas eleições presidenciais, o Itamaraty era “um dos ministérios onde mais está arraigada essa ideologia marxista e onde haveria uma maior repulsa ao presidente Jair Bolsonaro”. Ao permitir que outras figuras no Governo se ocupem de temas internacionais, Araújo está cumprindo sua missão de diminuir o controle do Itamaraty sobre a articulação da política externa. Mesmo no período pós-Bolsonaro, o MRE demorará para reconquistar o espaço perdido, um processo que dependerá muito da capacidade de futuros e futuras chanceleres.

A estratégia bolsonarista, porém, representa um risco político para o próprio presidente. Afinal, não são apenas ministros e familiares a preencher o vácuo que a atuação de Araújo está criando. Opositores de Bolsonaro, como o governador João Doria, também estão conseguindo se destacar no exterior com muito mais facilidade e são vistos por entidades públicas, privadas e da sociedade civil fora do país como interlocutores fundamentais para tratar de temas da relação bilateral. Em vez de chamar o chanceler brasileiro para participar de reuniões sobre o Brasil, cada vez mais, organizadores de eventos internacionais convidam governadores ou prefeitos capazes de articular uma visão mais pragmática. Na hora de avançar a pauta ambiental com o Brasil, governos estrangeiros mantêm laços fortes com governadores e prefeitos da Região Norte, cientes de que é mais fácil trabalhar com eles do que com Ernesto Araújo ou Ricardo Salles, o controverso ministro do Meio Ambiente. Governadores e até prefeitos, como Eduardo Paes, têm hoje uma interlocução comparável ou até melhor do que a do chanceler com tomadores de decisão no exterior, uma situação sem precedentes na história do Itamaraty.

Esse novo cenário da multiplicação dos atores envolvidos na política externa brasileira ―um processo descrito por especialistas como pluralização ou fragmentação― pode ajudar a mitigar, em parte, o impacto nefasto da atuação internacional bolsonarista. O protagonismo de vários governadores no contexto do combate à pandemia e a obtenção de vacinas do exterior é apenas um dos vários exemplos disso. No futuro, porém, a perda de influência do Itamaraty complicará tentativas de governos pós-Bolsonaro de articularem e implementarem um projeto coeso de política externa. Quanto mais Araújo permanecer no cargo, mais árdua será a tarefa de seus sucessores de reerguer o Itamaraty.

É claro que governos estrangeiros, como a nova administração de Joe Biden nos Estados Unidos, não podem lidar apenas com entidades subnacionais brasileiras. Resta saber, no entanto, com quem no Governo Bolsonaro o novo Governo americano, por exemplo, buscará estabelecer um diálogo produtivo. Desta vez, o vice-presidente Mourão dificilmente poderá desempenhar o papel de interlocutor racional e “adulto na sala” porque tem sido visto como isolado em Brasília. O mesmo vale para Paulo Guedes, cuja palavra já não tem tanto peso no exterior. O mais provável é que os EUA e outros países com relações delicadas com o Brasil identifiquem seus interlocutores caso a caso, seja Tereza Cristina, da Agricultura, seja Roberto Campos Neto, do Banco Central, seja Mourão.

O uso do Itamaraty para animar a base bolsonarista traz vantagens inegáveis para o presidente, e o combate contra o “globalismo” e o “comunismo” são populares nos grupos de WhatsApp pró-Bolsonaro. Ao mesmo tempo, fica cada vez mais claro que o presidente também acaba entregando, de bandeja, a oportunidade ímpar aos seus adversários de se tornarem atores-chave na política externa brasileira e dar visibilidade às consequências desastrosas da estratégia internacional de seu Governo.

Oliver Stuenkel, o autor deste artigo, é professor adjunto de Relações Internacionais na FGV em São Paulo. É o autor de O Mundo Pós-Ocidental (Zahar) e BRICS e o Futuro da Ordem Global (Paz e Terra). Publicado  originalmente por EL PAÍS, em 08.02.2021.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Depois de nomear seis mulheres para Conselho Econômico, Papa Francisco escolhe mais duas para postos-chave no Vaticano

Francesa é agora subscretária do Sínodo dos Bispos e será a primeira mulher com voto em uma das mais importantes assembleias eclesiásticas da Igreja; Já italiana é a primeira procuradora na Corte de Apelação do Vaticano


No Vaticano, o Papa Francisco dá sua benção. Logo antes, ele fez a oração do Angelus na biblioteca do palácio apostólico e, em sua mensagem aos fiéis, alertou para o risco de violência contra a mulher durante o período de isolamento social para conter o novo coronavírus Foto: VATICAN MEDIA / AFP

O Papa Francisco nomeou duas mulheres para funções no Vaticano que até então só tinham sido exercidas por homens.

Nathalie Becquart - francesa que é membro das Irmãs Missionárias Xavier, uma congregação religiosa fundada na França em em homenagem a São Francisco Xavier - é agora subsecretária para o Sínodo dos Bispos, o departamento que prepara as mais importantes reuniões eclesiásticas, realizadas com intervalos de anos, para discutir assuntos específicos da Igreja, entre elas questões doutrinais, litúrgicas e canônicas.

Francisco já convocou o próximo Sínodo dos Bispos, que está marcado para outubro de 2022, e terá como tema "Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão".

A função de Becquart, de 52 anos, dará a ela direito de voto nas assembleias que, até hoje, eram compostas apenas por homens, uma demanda de mulheres e de alguns bispos.

O Papa também nomeou a magistrada italiana Catia Summaria a primeira mulher promotora de Justiça da Corte de Apelações do Vaticano.

As mulheres têm participado como observadoras e consultoras nos sínodos, mas apenas homens, incluindo bispos e representantes eleitos ou nomeados especialmente, tinham direito a voto sobre os documentos finais elaborados nessas reuniões e mais tarde enviados ao Papa.

No sínodo de 2019, mais de 10 mil pessoas assinaram uma petição pedindo que mulheres pudessem votar.

"Uma porta foi aberta. Veremos que outros passos poderão ser dados no futuro", afirmou o cardeal Mario Grech, secretário-geral do Sínodo, à imprensa oficial do Vaticano.

O Papa Francisco mantém a proibição de mulheres sacerdotisas na Igreja Católica. criou comissões para estudar a história de mulheres diáconas nos primeiros séculos da Igreja, atendendo ao pedido de mulheres que querem exercer a mesma função hoje.

Em 2020, em uma mesma canetada, ele nomeou seis mulheres para o Conselho Econômico, que fiscaliza as finanças do Vaticano. Francisco também escolheu mulheres para os cargos de vice-ministra do exterior, diretora dos Museus do Vaticano e vice-chefe da Impresa do Vaticano.

O GLOBO on line, em 08.02.2021

Brasil registra 636 mortes por covid-19 em 24 horas

Com mais de 23 mil novos casos confirmados em 24 horas, total de infectados passa de 9,5 milhões. Ao todo, 232 mil pessoas morreram no país em decorrência do coronavírus.    

Paciente em maca é levada por enfermeiros para dentro de hospital

O Brasil registrou oficialmente 23.439 casos confirmados de covid-19 e 636 mortes ligadas à doença nesta segunda-feira (08/02), segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Com isso, o total de infecções identificadas no país subiu para 9.548.079, enquanto os óbitos chegam a 232.170.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 8.397.187 pacientes haviam se recuperado até domingo.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 110,5 no Brasil, a 22ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Liechtenstein e Andorra.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 27 milhões de casos, e da Índia, com 10,8 milhões. Mas é o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 464 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 106,4 milhões de pessoas já contraíram o coronavírus no mundo, e 2,3 milhões de pacientes morreram.

Deutsche Welle Brasil, em 08.02.2021

A agenda do Brasil

Há muito trabalho a fazer. O tempo vai dizer se Arthur Lira e Rodrigo Pacheco estão à altura do desafio. Jair Bolsonaro, como se sabe, não está.

O País só terá a ganhar com a coordenação de esforços entre os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado para fazer avançar projetos do mais alto interesse público. Tanto melhor seria se a Presidência da República ajudasse. Passada a eleição para as Mesas Diretoras das duas Casas legislativas, é hora de baixar armas, arrefecer tensões políticas e levar adiante a agenda de reformas estruturantes de que tanto o Brasil precisa, e para já.

Os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), mostraram disposição inicial de levar adiante essa agenda vital para o País. No dia 3 passado, eles assinaram uma nota conjunta em que selaram o compromisso das duas Casas legislativas com projetos de universalização das vacinas contra a covid-19, de reativação da atividade econômica e de retomada do auxílio emergencial dentro das “possibilidades fiscais” do País. A ver se o presidente Jair Bolsonaro fará sua parte nessa coalizão. Espera-se que, uma vez superada a alegada hostilidade da antiga direção do Congresso, sobretudo da Câmara, à agenda do Planalto, Bolsonaro, enfim, tome gosto pelo trabalho.

Na nota conjunta, Lira e Pacheco afirmaram que farão avançar projetos para agilizar a compra de vacinas, incluindo possíveis alterações no processo de licenciamento. Ambos também se comprometeram a assegurar que os recursos necessários para aquisição dos imunizantes estarão à disposição do Executivo. É mais do que sabido que só uma campanha de vacinação massiva terá o condão de, além de salvar milhares de vidas, destravar a atividade econômica. O SUS tem capacidade e experiência para empreender uma campanha desta envergadura. Resta ao governo adquirir doses na quantidade necessária para um país como o Brasil.

Em pronunciamento após a assinatura do compromisso, o presidente do Congresso afirmou que “as duas Casas estão alinhadas em priorizar as reformas tributária e administrativa, bem como a votação das Propostas de Emenda à Constituição (PECs) Emergencial, do Pacto Federativo e a que trata dos Fundos Públicos”. É bom saber que os projetos que compõem uma agenda vital para o Brasil estejam no radar da nova cúpula do Legislativo.

O esforço imediato tanto da Câmara como do Senado, de fato, deve estar voltado para a garantia da universalização das vacinas e a análise de viabilidade da extensão do auxílio emergencial. Mas isto não significa que o Congresso possa descuidar das demais reformas, sem as quais não apenas o País permanecerá em estado de crise humanitária, como seus efeitos se agravarão no tempo.

Urge destravar as reformas tributária e administrativa, como bem salientou Rodrigo Pacheco. E uma reforma administrativa que, de fato, reorganize a estrutura do Estado e gere mais eficiência, reduzindo o custo da chamada máquina pública. O que o Executivo propôs no ano passado foi um simulacro de reforma, incapaz de gerar a economia necessária para investimentos públicos em áreas essenciais, como saúde e educação. Responsabilidade fiscal e atenção social, não é demais lembrar, podem e devem andar juntas.

A agenda da educação também não pode ser negligenciada pelo Legislativo. A aprovação do Novo Fundeb foi importantíssima, mas, a rigor, apenas se evitou que a área ficasse sem recursos a partir do início deste ano, o que seria um desastre. É preciso mais do que isso. Bolsonaro, vale lembrar, realizou a façanha de apequenar não só o Ministério da Saúde em meio à pandemia, mas também o da Educação. Impressiona a facilidade com que esse desmonte foi feito sem a devida fiscalização dos demais Poderes.

O Congresso também não poderá se furtar de tratar de projetos voltados à proteção do meio ambiente.

Há muito trabalho a fazer. O tempo vai dizer se Arthur Lira e Rodrigo Pacheco estão à altura do desafio. Jair Bolsonaro, como se sabe, não está.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em 08 de fevereiro de 2021 

domingo, 7 de fevereiro de 2021

Como as democracias adoecem

Segundo índice da ‘The Economist’, pandemia acentuou deterioração democrática em 2020

A deterioração global da democracia precede a pandemia, mas foi acentuada por ela. É o diagnóstico do Índice da Democracia anual da Economist Intelligence Unit, com base em indicadores como processo eleitoral, funcionamento do governo, participação política, cultura política e liberdades civis. A média global atingiu de longe a pior marca na série iniciada em 2006. “A pandemia resultou numa supressão das liberdades civis em escala massiva e abasteceu uma tendência existente de intolerância e censura das opiniões dissidentes.”

Segundo o Índice, metade da população mundial vive em algum tipo de democracia: 41% em democracias “falhas” e só 8,4% em democracias “plenas”. Mais de 1 em 3 pessoas (35%) vive em regimes “autoritários” – boa parte na China – e 15%, em regimes “híbridos”. Em 2020, uma ampla maioria de países, 116 de 167 (quase 70%), registrou algum declínio, especialmente acentuado em regimes autoritários (e particularmente nos países islâmicos do Oriente Médio e África subsaariana).

Nos regimes democráticos, a maioria das pessoas corroborou restrições temporárias às liberdades como indispensáveis para conter o vírus. Mas isso não justifica as tentativas abusivas de censurar os céticos. As agressões à liberdade de expressão e fracassos da transparência democrática explicam os declínios generalizados em indicadores como Liberdades civis e Funcionamento do governo.

Emblemática é a erosão da democracia nos EUA – hoje considerada “falha” –, que antecedia ao governo Trump, piorou com ele e mais ainda na pandemia. No entanto, há sinais de vitalidade: o engajamento político dos americanos vinha crescendo e cresceu mais com a politização da pandemia; movimentos contra a violência policial e racial; e um comparecimento recorde às urnas. Mas as tendências negativas – como os baixos níveis de confiança nas instituições e partidos, disfunções governamentais, ameaças à liberdade de expressão e um grau alarmante de polarização – superam as positivas. Nada simboliza mais essa degradação que o assalto ao Capitólio.

Na análise regional, o Índice sugere que a pandemia acelerou uma mudança no equilíbrio de poder do Ocidente ao Oriente. Em 2020, enquanto a Europa ocidental perdeu duas democracias “plenas” (França e Portugal) – por falta de transparência dos governos e de restrições abusivas da liberdade de movimentação –, a Ásia ganhou três (Japão, Coreia do Sul e Taiwan). Em geral, os países asiáticos enfrentaram a crise melhor do que quaisquer outros, com baixas taxas de infecção e mortalidade e, consequentemente, com melhor desempenho econômico. A experiência da Sars contou muito para a resposta eficiente das autoridades e da população. No Ocidente, em contraste, as autoridades foram lentas e confusas, alguns sistemas de saúde quase colapsaram e a confiança nos governos declinou.

Tal contraste foi rapidamente explorado pela propaganda chinesa. Mas significativamente o “grande vencedor” da pesquisa foi Taiwan – que, após Hong Kong, é o próximo alvo na linha de tiro do imperialismo chinês.

Similarmente à Europa oriental, a América Latina – com apenas três democracias plenas (Uruguai, Chile e Costa Rica) – regrediu pelo quinto ano consecutivo. “A emergência de saúde pública serviu para escamotear alguns abusos de poder familiares nos últimos anos”, como uma cultura política frágil, dificuldades em criar instituições de salvaguarda do Estado de Direito e uma corrupção endêmica. O desempenho do Brasil (na 49.ª posição) é excelente em termos de Processo eleitoral e pluralismo (9,58 pontos em 10); razoável em Liberdades civis (7,94); medíocre em Participação política (6,11); e pobre em Funcionamento de governo (5,71) e Cultura política (5,63).

A pandemia exerceu formidável pressão sobre a vida das nações. “A pandemia precipitou a maior contração nas liberdades individuais jamais implementada pelos governos em períodos de paz (e talvez mesmo em períodos de guerra)”. É impossível prever se a democracia do século 21 será resistente a esse tipo de choque ou se ele deixará deformidades permanentes. Tudo depende do vigor dos democratas desta geração.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em 07 de fevereiro de 2021 


Os problemas jurídicos do cidadão Donald Trump

Investigações criminais, ações judiciais e casos bloqueados pela imunidade presidencial aguardam quem na próxima semana se tornará ex-presidente


O então Presidente Trump na Casa Branca, em uma imagem de arquivo. EVAN VUCCI / AP

Donald Trump não perdeu apenas a eleição de 3 de novembro. Ele também perdeu imunidade. A Constituição dos Estados Unidos, que detalha como o Congresso pode destituir um presidente "por crimes e contravenções graves" por meio do processo de impeachment, não diz se ele pode ser submetido a processo criminal no tribunal. Mas, durante décadas, o Departamento de Justiça seguiu a doutrina, expressa em dois memorandos vinculativos de 1973 e 2000, de que um presidente em exercício não pode ser processado. Casa Branca abandonada, a proteção desaparece. Processar um ex-presidente seria um passo sem precedentes nos Estados Unidos. Mas julgamento no Senado por incitamento à insurreição, depois que a Câmara dos Deputados aprovou nesta semana o impeachmentdo presidente, é apenas um dos problemas jurídicos que aguardam o cidadão Donald Trump. Estes são os principais casos e investigações abertas sobre quem se tornará ex-presidente nesta semana:

Fraude fiscal no estado de Nova York. A principal nuvem no horizonte judicial de Donald Trump é colocada por Cyrus Vance, o promotor público de Manhattan. As investigações que vem conduzindo há dois anos constituem a única investigação criminal aberta hoje sobre Donald Trump. Como o procurador é um órgão estadual eleito, e não federal, o caso não depende da vontade política do próximo governo nem seria afetado por eventual autoperdão presidencial. A investigação está paralisada desde setembro passado, quando o presidente entrou com uma ação para bloquear a exigência de sua declaração de impostos e outros documentos, disputa sobre a qual o Supremo Tribunal Federal deve se pronunciar em breve. Pouco se sabe sobre as investigações do Ministério Público,eles são protegidos pelo sigilo do procedimento do grande júri. Mas, ao documentar a batalha para obter as declarações de impostos de Trump, a equipe de Vance falou de "conduta criminosa extensa e prolongada na Organização Trump" e sugeriu que investigasse uma variedade de crimes financeiros em potencial, de fraude de seguro a evasão fiscal, passando por fraude bancária .

Incitamento à insurreição. Depois que hordas de seus seguidores invadiram o Capitólio dos Estados Unidos em 6 de janeiro, a Câmara dos Representantes aprovou esta semana o segundo impeachment de Donald Trump,para "incitamento à insurreição". O julgamento será realizado em breve no Senado. Embora seja muito provável que aconteça quando Biden estiver na Casa Branca, um veredicto de condenação, exigindo uma votação de dois terços a favor, poderia levar a uma segunda votação (desta vez seria válida com maioria simples) para proibi-lo Trump vai concorrer a um cargo eleito federal no futuro. Independentemente do processo no Congresso, incitar a insurreição é crime federal. Mas o Departamento de Justiça deve abrir um caso separado para persegui-lo.

Obstrução de justiça. O promotor especial Robert Mueller, após dois anos de investigações sobre o complô russo concluído em março de 2019, não encontrou evidências de uma conspiração de Donald Trump com a Rússia, mas evitou exonerá-lo do crime de obstrução à justiça. Ele detalhou vários episódios que, de acordo com um promotor de sua equipe, constituem "evidência suficiente" de que Trump obstruiu a justiça. Mas o impeachment de Trump "não era uma opção", explicou Mueller, uma vez que não se pode imputar um presidente enquanto ele estiver no cargo. Uma vez fora da Casa Branca, o Departamento de Justiça pode decidir ressuscitar a investigação e processar Trump, desencadeando um verdadeiro terremoto político.

Financiamento ilegal de campanha. Durante a primeira campanha presidencial de Trump, abalado por gravações do candidato se gabando de agarrar mulheres pelos órgãos genitais sem seu consentimento, seu ex-advogado e empresário Michael Cohen organizou um complô para desviar dinheiro da campanha e comprar o dinheiro com ele. Silêncio de um filme pornô atriz e modelo da Playboy que afirmou ter tido relações sexuais com a candidata. Cohen foi condenado em 2018 a mais de três anos de prisão por financiamento ilegal de campanha e disse que foi o presidente que está deixando o cargo quem ordenou os pagamentos. O Ministério Público não indiciou Trump, provavelmente em cumprimento à mencionada doutrina do Ministério da Justiça, mas poderá fazê-lo quando ele deixar a presidência. Um dos fatores que fragilizam a acusação é a credibilidade menos questionável da testemunha principal,

Fraude fiscal federal. Quase escondido hoje sob a sucessão de eventos históricos que marcaram a política dos EUA nos últimos meses, o The New York Times lançou uma verdadeira bomba de informações em 27 de setembro sobre a campanha: Donald Trump pagou apenas US $ 750 em imposto de renda em 2016,ano em que foi eleito presidente, e não pagou nada em 10 dos últimos 15 anos. Entre a torrente de informações reveladas pelo jornal, após acessar registros fiscais de duas décadas, há deduções gritantes, como US $ 70 mil para suas próprias despesas de cabeleireiro em seu programa de televisão ou milionários e pagamentos duvidosos de consultoria, alguns dos quais foram para seu filha Ivanka. Se os promotores acreditarem que ele deliberadamente tentou defraudar o estado, eles poderiam mover uma acusação contra Trump, e a autoridade fiscal também poderia reivindicar valores que acredita que ele deveria ter pago e não pagou.

Fraude imobiliária. Há outra investigação aberta, na Procuradoria Geral do Estado de Nova York, liderada por Letitia James, sobre se a empresa da família de Trump mentiu sobre a avaliação de seus imóveis para garantir empréstimos ou benefícios fiscais. A investigação, no momento, é de natureza civil, mas James pode transformá-la em criminal a qualquer momento se detectar evidências de conduta criminosa.

Violação da cláusula sobre emolumentos. Há três ações movidas contra Trump, duas de parlamentares e procuradores-gerais democratas e uma de grupo independente, por suposta violação da chamada cláusula de emolumentos da Constituição. Isso proíbe o presidente de receber presentes de governos estrangeiros, algo que eles acreditam que o presidente fez ao aceitar o dinheiro que autoridades da Arábia Saudita e de outros países gastaram em reservas no hotel Trump em Washington, que se tornou um centro de poder desde seu chegada à capital. Mas esses são processos que visavam principalmente a destituição do presidente de seus negócios privados e, uma vez fora do cargo, provavelmente serão demitidos.

Ação por fraude movida por sua sobrinha. A psicóloga Mary Trump, filha do falecido irmão mais velho do presidente, foi uma crítica feroz de seu tio, que ela define como "o homem mais perigoso do mundo" em seu best-seller Always Too Much and Never Enough (Uranus), que retrata a família Toxic da qual emergiu o 45º presidente. A autora processou seu tio em setembro por conspirar com seus irmãos para enganá-la, usando documentos falsos e outros truques para esconder milhões de dólares dos bens do pai do presidente. Ele afirma que Mary Trump violou uma cláusula de confidencialidade que ela assinou quando aceitou o acordo sobre o testamento.

Ação por difamação contra Jean Carroll. Escritora e colunista popular, Carroll contou em uma prévia de um livro publicado na revista New York em junho de 2019 como o atual presidente supostamente a estuprou em uma loja de departamentos em Manhattan em meados da década de 1990. Trump respondeu que Carroll estava mentindo, que ele nem mesmo a conhecia e que ela não era seu "tipo". Carroll então o processou por difamação. O Departamento de Estado tentou neutralizar a ação, alegando que seus comentários faziam parte de seu trabalho como presidente e, portanto, propondo que o governo substituísse Trump como réu.O que levaria ao indeferimento da reclamação, uma vez que o Governo não pode ser acusado de difamação. Um juiz federal deve decidir sobre a proposta de substituição em breve.

Ação de difamação de Summer Zervos. Concorrente do programa de televisão de Trump, The Apprentice, Zervos afirmou, pouco antes das eleições de 2016, que o presidente cessante a beijou e apalpou quando ela foi pedir-lhe conselhos sobre sua carreira em 2007. Trump negou a acusação e chamou Zervos de mentiroso, o que levou eta para processá-lo por difamação em 2017.

PABLO GUIMON, de Washington, DC, para o EL PAÍS, em 17 DE JANEIRO DE 2021

Apoio ao impeachment reforça racha na direita e deve afetar alianças em 2022

Com novo comando na Câmara, saída de Bolsonaro fica mais difícil; adesão de ex-apoiadores ao movimento sela o fim da frente que o elegeu

Em meio à queda de popularidade e ao aumento da pressão pelo impeachment, com a mobilização de adversários nas redes sociais e a multiplicação de carreatas e panelaços, o presidente Jair Bolsonaro conquistou algumas casas preciosas no xadrez político do País.

Com a vitória dos candidatos do Palácio do Planalto às presidências do Senado e da Câmara dos Deputados, cujo ocupante tem a atribuição de aceitar – ou não – um pedido de impeachment, o afastamento de Bolsonaro parece ter ficado mais distante do que muitos de seus opositores gostariam.

Movimento Vem Pra Rua, que apoiou Bolsonaro em 2018, participa de carreta pelo impeachment em São Paulo. Foto: TABA BENEDICTO/ESTADÃO

“Nós estamos num momento de pandemia, de crise social, de crise econômica. Não precisamos abrir uma crise política”, afirmou o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), novo comandante da Câmara, ao responder a uma pergunta sobre o tema um dia antes de ser eleito para o cargo, em entrevista ao programa Em Foco, da GloboNews.

Líder do Centrão – que avalizou a sua candidatura na Câmara e a de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) no Senado –, Lira disse que não via motivos para levar o processo de impeachment adiante. “Se o atual presidente (da Câmara), Rodrigo Maia (DEM-RJ), com muita prudência e muito equilíbrio, não pautou nenhum dos 59 pedidos de impeachment que ele tem na gaveta, é porque sabe que não há nada lá que tipifique uma ruptura política desta gravidade.”

“Tempestade perfeita”

Embora alguns líderes, influenciadores e apoiadores do movimento pelo impeachment afirmem que a mobilização deverá continuar no mesmo diapasão e até crescer nos próximos meses, a postura de Lira poderá esfriar as pretensões do grupo – ao menos enquanto durar a lua de mel de Bolsonaro com o Centrão.

“Acredito que não vai ter mais impeachment, não”, diz Fernando Schuler, cientista político e professor do Insper, escola de economia, engenharia e direito de São Paulo. “Para a gente chegar numa tempestade perfeita de impeachment, que ainda está bem longe, tem de haver uma queda mais forte de popularidade do presidente”, afirma o cientista político Lucas de Aragão, da Arko Advice, uma consultoria de Brasília. “Essa queda de popularidade terá de ser barulhenta, gerar protestos, grandes manifestações.”

Com o recrudescimento da pandemia e as restrições impostas a grandes aglomerações, também parece improvável que as manifestações pelo impeachment alcancem as dimensões necessárias para ampliar o apoio político à medida no Congresso. A não ser que Bolsonaro continue a jogar contra si mesmo, cometendo erros em série e atiçando os adversários com vara curta – o que está longe de ser uma possibilidade remota, considerando o seu retrospecto nos primeiros dois anos de governo.

Entrega de cargos

“O grande adversário do Bolsonaro é ele próprio”, afirma o agrônomo Xico Graziano, ex-secretário da Agricultura e do Meio Ambiente de São Paulo, que deixou o PSDB para apoiar Bolsonaro em 2018 e se “desencantou” com ele, embora não esteja apoiando o impeachment. “A capacidade do Bolsonaro de fazer besteira é muito grande.”

Os analistas apontam ainda que a fidelidade do Centrão, conhecido pelos interesses fisiológicos que costumam pautar as ações de seus integrantes, vai depender muito do cumprimento das promessas feitas por Bolsonaro e da entrega de cargos e emendas aos integrantes do grupo. Dependendo do que acontecer neste quesito, a percepção dos parlamentares do bloco em relação ao impeachment pode mudar subitamente. Até agora, porém, os sinais indicam que Bolsonaro, aparentemente, obteve uma sobrevida no posto.

“Esse grupo não tem lealdade ao presidente, mas a ele mesmo. Se o presidente não andar na linha e cumprir o que prometeu, eles vão começar a mandar recados”, diz Aragão. “O Centrão é aquele namorado, aquela namorada, desconfiado. É um relacionamento naturalmente tenso.”

“Nova esquerda”

Agora, desde já, independentemente dos desdobramentos que o impeachment terá nas ruas, nas redes e no Congresso, o movimento pelo afastamento de Bolsonaro, aliado à sua aproximação com o Centrão, gerou efeitos colaterais que deverão ter uma repercussão considerável no atual cenário político e nas eleições de 2022.

Com a adesão de grupos e personalidades de direita e centro-direita que apoiaram Bolsonaro em 2018 à mobilização pelo impeachment, o racha na frente que viabilizou a sua eleição ganhou contornos de um divórcio litigioso. A turma, chamada de “direita limpinha”, “nova esquerda” ou simplesmente de “traidora” pelas brigadas bolsonaristas, já vinha se afastando do presidente por uma razão ou por outra, mais cedo ou mais tarde, nos dois primeiros anos de governo. Mas, ao abraçar a bandeira do impeachment, até agora defendida apenas pela esquerda, levou as divergências na direita a um novo patamar.

A lista de ex-apoiadores de Bolsonaro que encamparam o impeachment inclui grupos como o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem Pra Rua (VPR), que lideraram as manifestações pelo afastamento da ex-presidente Dilma Rousseff, além de dos lavajatista e muitos liberais, que perderam espaço no governo. Inclui também figuras como o apresentador e comediante Danilo Gentili, que passou a chamar Bolsonaro de “Minto”, em vez de “Mito”, os cantores e compositores Lobão e Raimundo Fagner, o cineasta José Padilha, o músico e youtuber Nando Moura, o ator Carlos Vereza e intelectuais como Denis Rosenfield, Francisco Razzo, Martím Vasques e o professor de filosofia pernambucano Rodrigo Jungmann, que disse fazer parte da “direita com superego”, ao se distanciar do presidente.

Da atuação desastrada na pandemia à quebra da promessa de não disputar a reeleição, da paralisia da privatização e das reformas à aliança com o Centrão e à saída do ex-ministro Sérgio Moro do governo, os motivos que levaram ex-apoiadores de Bolsonaro a se bandear para a oposição e a se juntar ao coro pelo impeachment se contam às dezenas e viraram temas de memes nas redes sociais.

“O caldo bolsonarista foi se juntando com o que há de pior na vida pública brasileira”, afirma Lobão, um dos primeiros a defender o impeachment de Bolsonaro entre seus ex-apoiadores. “O malefício que Bolsonaro está fazendo ao País se tornou indiscutível e insuportável. Ele prometeu combater a corrupção e desarmou as estruturas anticorrupção que levaram anos para ser conquistadas”, diz o empresário Rogerio Chequer, um dos fundadores do VPR e ex-candidato ao governo de São Paulo pelo Novo. “Bolsonaro prometeu acabar com a mamata, com o ‘toma lá, dá cá’, mas se uniu com o Centrão”, afirma o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), um dos líderes do MBL. “Dizia que era contra a reeleição e agora só pensa em 2022.” 

José Fucs, O Estado de S.Paulo, em 07.02.2021

Crime e castigo

A má conduta de Bolsonaro é amplamente documentada. Não é exagero considerar que várias de suas ações podem constituir crime de responsabilidade.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) abriu investigação preliminar para verificar se há indícios de que o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, cometeram “práticas delitivas” na atuação do governo federal no combate à pandemia de covid-19. No mesmo dia, um grupo de senadores entregou um pedido de abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) também para investigar a atuação do governo. A comissão já é chamada de CPI da Covid.

Como se sabe, Bolsonaro passou os últimos meses dedicando-se a construir uma blindagem tanto na PGR como no Congresso, razão pela qual não são pequenas as chances de que ambas as iniciativas deem em nada.

No primeiro caso, o procurador-geral da República, Augusto Aras, indicado para o cargo por Bolsonaro, informou que a abertura da investigação é apenas praxe, isto é, não significa, por ora, que haja indícios de que Bolsonaro e Pazuello cometeram algum dos crimes apontados no pedido, feito por deputados do PCdoB.

Os parlamentares acusam o presidente e o ministro da Saúde de prevaricação e de colocar em perigo a vida e a saúde dos brasileiros. O foco é o drama dos moradores do Amazonas e do Pará, onde dezenas de doentes de covid-19 morreram asfixiados por falta de oxigênio nos hospitais, sem que isso despertasse especial mobilização do governo federal. “O descompromisso de Bolsonaro e Pazuello com o enfrentamento à Covid-19 deixou gestores locais à deriva, tendo que administrar por conta própria fluxos e demandas que, via de regra, dependem de uma lógica conjunta – a mesma que orienta o Sistema Único de Saúde (SUS), que opera de forma tripartite, envolvendo União, Estados e municípios”, informa a ação.

No segundo caso, a instalação da CPI da Covid depende da autorização do novo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, eleito há alguns dias com o apoio entusiasmado de Bolsonaro. “Com o recrudescimento da covid-19 em dezembro de 2020 e janeiro de 2021, as omissões e ações erráticas do governo federal não podem mais passar incólumes ao devido controle do Poder Legislativo”, diz o requerimento da CPI.

Ainda que nenhuma das duas iniciativas prospere, há um crescente movimento para obrigar Bolsonaro e seu ministro da Saúde, o intendente Pazuello, a responder por seus atos, mais cedo ou mais tarde – mais cedo será melhor para o País, já que mais de mil brasileiros morrem por dia de covid-19. Parte desses óbitos poderia ser evitada se houvesse uma firme liderança do Ministério da Saúde na coordenação dos esforços contra a pandemia – o que dificilmente ocorrerá enquanto Pazuello estiver no Ministério, e Bolsonaro, na Presidência.

A má conduta de Bolsonaro é amplamente documentada. Não é exagero considerar que várias de suas ações podem constituir crimes de responsabilidade. O descalabro da saúde em meio à pandemia deveria bastar para que o presidente fosse pelo menos chamado a se explicar.

Se isso vai acontecer ou não, vai depender das condições políticas. Bolsonaro parece confortável com o arranjo que costurou na PGR e no Congresso. Mas, ao não demitir o ministro da Saúde, que já está sob investigação em inquérito no Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro deixa claro que seu subordinado não agiu senão em razão de orientação superior – afinal, como o próprio intendente declarou outro dia, “um manda e o outro obedece”.

Convém lembrar que Pazuello é o terceiro ministro da Saúde de Bolsonaro – os outros dois perderam o emprego por discordarem da insistência do presidente com o chamado “tratamento precoce”, isto é, o emprego de medicamentos sem eficácia comprovada. O próprio fabricante de um deles, a ivermectina, informou que não há base científica para receitar o remédio contra a covid-19 e, pior, ressaltou que há “preocupante falta de dados de segurança”. Ou seja, Bolsonaro é garoto-propaganda de um elixir que pode causar mal, sem a menor possibilidade de causar bem.

Mas Bolsonaro é irremediável. Segundo ele, seu elixir não faz mal nenhum e não se arrepende de receitá-lo. “Pelo menos eu não matei ninguém”, disse o presidente, exercendo sua especialidade: livrar-se de responsabilidade. Mas o País começa a reagir.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em06 de fevereiro de 2021 

Réu na linha sucessória não é 'o melhor para o País', afirma Fux


Presidente do Supremo Tribunal Federal fala sobre situação de Arthur Lira e diz que impeachment de Bolsonaro seria um 'desastre' para o Brasil.


O presidente do STF, Luiz Fux, posa para fotos no hall das colunas do Supremo Tribunal Federal com vista do Congresso Nacional e Palácio do Planalto.  Foto: Dida Sampaio/ Estadão

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, avalia que não é o "melhor quadro para o Brasil" ter um réu na linha sucessória da Presidência da República. Em entrevista ao Estadão, Fux foi questionado sobre a situação do novo presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), que responde a denúncias na Corte por corrupção passiva e organização criminosa – ainda em análise de recursos.

"Eu acho que realmente uma pessoa denunciada assumir a Presidência da República, seja ela qual for, é algo que até no plano internacional não é o melhor quadro para o Brasil", afirmou o ministro.

Segundo na linha sucessória, Lira pode ser impedido de substituir o presidente Jair Bolsonaro e o vice Hamilton Mourão. Um precedente do tribunal já impediu o então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), de ocupar interinamente a cadeira no Planalto por ser réu na época.

Em sua primeira entrevista após a abertura do Ano Judiciário, Fux disse que o impeachment de Bolsonaro seria "um desastre" para o País.

O deputado Arthur Lira pode, eventualmente, substituir Bolsonaro e Mourão, mesmo com denúncias já recebidas pelo STF?

Nessas questões limítrofes, você tem duas posições. Uma que entende que, se já teve a denúncia recebida, e a nossa Constituição elege a moralidade no âmbito da política e das eleições como um valor principal, ele não possa assumir. E tem outro aspecto importante, a ação penal não teve ainda a eficácia de torná-lo réu porque há (em análise) embargos de declaração (um tipo de recurso) que impedem que a decisão (de tornar Lira réu) seja considerada definitiva.

E qual a opinião do senhor?

Eu falo em geral, abstrato. Pelo princípio da moralidade, eu entendo que os partícipes da vida pública brasileira devem ter ficha limpa. Sou muito exigente com relação aos requisitos que um homem público deve cumprir para a assunção de cargos de relevância, como a substituição do presidente. Eu acho que, realmente, uma pessoa denunciada assumir a Presidência da República, seja ela qual for, é algo que até no plano internacional não é o melhor quadro para o Brasil.

O STF tem tido um papel fundamental no sistema de freios e contrapesos. Com dois aliados de Bolsonaro no comando do Congresso, o protagonismo da Corte vai ser ainda maior?

É preciso que o Parlamento se autovalorize e saiba exercer as suas competências, em vez de empurrar para o Supremo uma função que não é dele. O Parlamento tem de procurar resolver os seus problemas.

Mas um Congresso alinhado a Bolsonaro não pode obrigar o Supremo a exercer ainda mais esse papel de contraponto?

Bem ou mal, o presidente foi eleito com 60 milhões de votos. Por que não se permitiu a reeleição (na cúpula do Congresso) agora, muito embora tanto Davi Alcolumbre quanto Rodrigo Maia tenham sido bons na função que exerceram? Porque, se o STF abrir a brecha da violação da Constituição, realmente nós perdemos todos os critérios. Aquela ação não deveria nem ter chegado ao Supremo.

A atuação do governo na pandemia reforçou o discurso a favor do impeachment de Bolsonaro. Qual a opinião do senhor?

O impeachment é um processo político que o Supremo não pode nem se intrometer no mérito. Mas, em uma pós-pandemia, em que o País precisa se reerguer economicamente, atrair investidores e consolidar a nossa democracia, eu acho que seria um desastre para o País. O Brasil não aguenta três impeachments. O Brasil tem de ouvir o povo e o povo é ouvido através de seus representantes que estão no Parlamento. Acho que o impeachment seria desastroso.

O senhor vê mobilização popular para o impeachment?

Pela leitura acadêmica e histórica que a gente faz, você verifica que o impeachment é uma situação política que também depende muito da mobilização social. 

Bolsonaro já disse que, sem voto impresso, “nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos”, em referência à invasão do Capitólio. No Brasil, as instituições serão fortes para evitar qualquer tipo de golpe?

Não tenho a menor dúvida. Eu não acredito que ocorra 10% do que aconteceu nos Estados Unidos. Uma minoria inexpressiva não vai ter apoio. Absolutamente, não. Em conversas espontâneas, os generais têm uma posição muito firme de que a democracia brasileira não pode sofrer nenhum tipo de moléstia. Todos eles. Eu acho o voto impresso uma coisa muito antiquada, completamente desnecessária, porque as urnas são superseguras. E o voto impresso gera uma despesa bilionária para o Brasil. A palavra do Supremo está dada (contra o voto impresso). Uma despesa bilionária, depois da decisão do Supremo, é inaceitável. Não tem sentido.

Bolsonaro repete que não pode fazer nada para enfrentar a pandemia porque foi impedido pelo STF. Não é um equívoco?

O que o STF disse foi o seguinte: todas as Unidades da Federação têm responsabilidade em relação à pandemia. É uma gestão compartilhada, mas tem um aspecto maior, porque a Constituição atribui à União uma competência de coordenação nos casos de calamidade pública. O STF nunca eximiu o governo federal, absolutamente. Ninguém exonerou ninguém de responsabilidade.


O STF virou uma espécie de bode expiatório dos negacionistas, que tentam culpar a Corte pelos efeitos da pandemia?

Houve má interpretação da decisão judicial por parte do estafe do governo. O Supremo tem função precípua de esclarecer aquilo que efetivamente julgou. A decisão ficou tão clara que não houve embargos de declaração do aparato jurídico do governo, que é muito bom. Foi uma decisão claríssima.

Luiz Fux, presidente do STF, durante sessão da Corte Foto: Rosinei Coutinho/STF

O senhor enxerga má-fé ou uma tentativa de usar isso politicamente?

Enxergo como uma percepção alternativa de uma ciência que foi preconizada até alhures pelo (então) presidente dos Estados Unidos (Donald Trump), alguns líderes mundiais também. Em um primeiro momento, eram contra o lockdown, contra o isolamento, e pagaram preço caro por isso. 

É preciso uma apuração rápida no inquérito que investiga se houve omissão do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, no colapso da rede pública de Manaus?

É preciso deixar bem claro que o Supremo absolve inocentes e condena culpados. Não se tem ainda elemento para se formar uma convicção. O que houve, no meu modo de ver, foi o fator-surpresa, porque alguns países também foram surpreendidos com falta de oxigênio.

Esse inquérito deveria ser prioridade?

A prioridade no momento é decidirmos tudo que possa influir na questão da saúde. Saúde primeiro, e depois a verificação de fatos ilícitos que ocorreram de maneira despudorada. Na verdade, era inimaginável, num momento de pandemia, que os homens públicos ainda tivessem a ousadia de cometer ilícitos diante dessa dor e desse flagelo da população.

Um dos pontos destacados para investigar Pazuello é a distribuição de hidroxicloroquina, medicamento sem eficácia comprovada. Isso não pode ser crime?

A grande verdade é que autoridades médicas do País, até médicos famosos, disseram que passaram pela doença e tomaram hidroxicloroquina. Eu fiquei doente e não tomei. Tive uma covid caprichada. Levei três, quatro meses para voltar a me exercitar, e ainda não estou no auge, não.

O senhor defende a volta do auxílio emergencial?

Tem de haver uma Justiça caridosa, e uma caridade justa. Nós hoje estamos pagando o preço de termos deixado 50 milhões de brasileiros à deriva. Isso era para ter sido visto há muito tempo. Não dá para ser feliz sem pensar no outro. Foi o consumo dessa gente que recebeu o auxílio emergencial que movimentou a economia. Se eu pudesse imaginar a possibilidade de o Brasil continuar com esse auxílio, eu seria superfavorável. É temerário nesse momento deixar essas pessoas à deriva. Nós já as deixamos há muito tempo.

Os escândalos de corrupção não cessam no País. Não é frustrante?

Quando terminou o julgamento do mensalão, eu dizia ‘o Brasil nunca mais vai voltar a ser o que era’. Depois da Lava Jato, eu falei, ‘bom, agora realmente o Brasil nunca mais vai voltar a ser o que era’. Agora, esse flagelo da corrupção, que desmoraliza o Brasil, parece que está introjetado na cultura de determinadas pessoas, porque a falta de amor à coisa pública é aberrante. É inaceitável que uma pessoa queira maximizar suas rendas através do desvio de bens públicos.

A Lava Jato nunca foi tão atacada quanto agora. Teme pelos resultados obtidos na investigação?

A Lava Jato trouxe transformações sem precedentes para o Brasil, que passou a ser respeitado internacionalmente pela atuação contra desvio de dinheiro público. É verdade que, ao longo dos últimos anos, esse movimento teve perdas. Mas o País já mudou. E, na minha avaliação, o combate à corrupção não vai retroceder.

O Judiciário acaba sendo um grupo privilegiado perante o País. O senhor defende uma reforma administrativa que também envolva a magistratura?

Tem de haver uma reforma com relação ao tamanho do Estado. O Estado é muito grande e as despesas públicas são muito grandes. Eu acho que a reforma administrativa tem de obedecer ao princípio da igualdade, tem de obedecer ao princípio da isonomia. O que é ruim para o Brasil tem de afastar para todo mundo também.

O que o senhor acha da ideia do presidente Jair Bolsonaro de escolher um nome “terrivelmente evangélico” para o STF?

Isso é uma prerrogativa do presidente da República. Agora, o Supremo é um tribunal pluri-religioso, tem gente de todas as religiões aqui. O que faria um juiz, terrivelmente evangélico, num colegiado de dez não evangélicos? É preciso ter em mente que, depois da assunção ao cargo, a independência jurídica do membro do Supremo é absolutamente olímpica.

Rafael Moraes Moura e Andreza Matais, O Estado de São Paulo, em 07.02.2021

China autoriza uso da Coronavac em toda a população

Vacina já estava sendo usada em caráter emergencial no país, mas em grupos limitados. Sinovac deverá pedir registro definitivo também à Anvisa, que recebeu a mesma solicitação da Pfizer e da AstraZeneca

A Coronavac é a segunda vacina produzida localmente a ser liberada para uso geral na China

O governo da China concedeu registro para uso comercial e mais amplo da Coronavac, vacina contra a covid-19 desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac, que agora poderá ser aplicada em toda a população do país, informaram autoridades neste sábado (06/02).

A aprovação pela agência reguladora de produtos médicos da China marca a segunda vacina produzida localmente a ser liberada para uso geral no país, depois de um imunizante desenvolvido pela empresa Sinopharm ter recebido o aval definitivo em dezembro.

A Coronavac já vinha sendo aplicada desde julho de 2020 em território chinês, mas em caráter emergencial, sendo limitada a grupos mais vulneráveis ao coronavírus. Com a nova aprovação, toda a população poderá agora ter acesso à vacina.

Com as pesquisas ainda em andamento, a Sinovac será obrigada a apresentar dados de acompanhamento às autoridades, bem como relatórios de qualquer efeito colateral que venha a surgir após a vacina ser vendida no mercado. Os dados completos dos ensaios clínicos de fase 3 deverão ser publicados em breve em uma revista científica, disse um porta-voz do laboratório.

Com o aval na China, a Sinovac deverá fazer o mesmo pedido de registro definitivo à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que até então aprovou apenas o uso emergencial da vacina no Brasil. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, a solicitação poderá ser feita já na próxima semana.

A Coronavac, desenvolvida em parceria com o Instituto Butantan, ligado ao governo de São Paulo, já foi vendida a pelo menos dez outros países e também recebeu autorização emergencial em nações como Chile, Colômbia, Uruguai, Indonésia e Turquia.

Em testes realizados no Brasil, a Coronavac obteve uma eficácia geral de 50,38%. O índice indica a capacidade da vacina de proteger contra todos os casos da doença, independente da gravidade.

O imunizante requer duas doses para atingir sua eficácia máxima de proteção, e pode ser armazenado em temperatura de geladeira, o que facilita a logística de distribuição pelo país.

Disputa política no Brasil

No Brasil, a Coronavac esteve no centro de uma disputa política entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), seu desafeto. Enquanto o governo paulista fechava acordo com a Sinovac para a compra da vacina, o presidente por muito tempo criticou o imunizante chinês e afirmou várias vezes que o governo federal não o compraria.

Quando São Paulo anunciou um plano estadual de vacinação independente do governo federal em dezembro, Bolsonaro e seu ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, mudaram de estratégia e passaram a correr atrás da imunização.

Por falta de doses da vacina da AstraZeneca-Oxford, aposta do governo federal, a vacinação no Brasil teve início com a Coronavac, em 17 de janeiro, mesmo dia em que a Anvisa aprovou o uso emergencial de ambos os imunizantes no país.

Pfizer pede registro definitivo

Enquanto a Sinovac deverá pedir o registro definitivo à Anvisa em breve, a agência já recebeu solicitação para uso definitivo da vacina da AstraZeneca-Oxford. O prazo de análise é de 60 dias.

Neste sábado, a Pfizer, por sua vez, também enviou um pedido de registro definitivo de seu imunizante à Anvisa. A vacina, que não foi aprovada ainda para uso emergencial no Brasil, é desenvolvida em parceria com a empresa alemã Biontech e é uma das que estão sendo testadas no país em ensaios clínicos de fase 3.

O governo federal chegou a acertar um memorando de entendimento com a empresa para a compra de 70 milhões de doses da vacina contra a covid-19, mas desde então as negociações não avançaram.

Em comunicado, a Anvisa afirmou que o processo de concessão do registro definitivo "é a avaliação completa com dados mais robustos dos estudos de qualidade, eficácia e segurança, bem como do plano de mitigação dos riscos e da adoção das medidas de monitoramento".

Deutsche Welle Brasil, em 06.02.2021

Multidão desafia militares em ato contra golpe em Mianmar

Liderado por jovens, protesto reúne até 100 mil pessoas em rejeição à tomada de poder pelo Exército: "A próxima geração pode ter democracia se acabarmos com esta ditadura militar".

Estimativa é de que até 100 mil pessoas saíram às ruas de Yangun para protestar

Com gritos de "Abaixo a ditadura”, dezenas de milhares de manifestantes desafiaram a repressão e foram às ruas de Yangon, maior cidade do país, neste domingo (07/02) em mais um protesto contra o golpe militar.

O protesto, liderado por jovens, foi o maior já registrado dede que, na última segunda-feira, o Exército declarou estado de emergência, deteve o presidente Win Myint e outros líderes políticos, como a Nobel da Paz  Aung San Suu Kyi, e assumiu o controle do país.

Algumas estimativas colocam o número de manifestantes em Yangun em 100 mil, e há registros de grandes manifestações em outras cidades.

"Não tenho medo da repressão"

"Eu desprezo completamente o golpe militar e não tenho medo da repressão", disse Kyi Phyu Kyaw, estudante de 20 anos. "Vou me juntar todos os dias até que Amay Suu (mãe Suu) seja libertada".

Muitos em meio à multidão vestiam vermelho, a cor da Liga Nacional pela Democracia (NLD), de Suu Kyi. O partido garantiu uma vitória esmagadora nas eleições nacionais de novembro de 2020 em Mianmar, mas os generais se recusam a aceitar o resultado e alegam fraudes – justificando assim a tomada de poder na segunda-feira. No entanto, observadores internacionais e a própria Comissão Eleitoral birmanesa declararam o pleito justo e livre.

A polícia bloqueou o caminho dos manifestantes em vários pontos da cidade, mas uma multidão pôde se reunir perto da prefeitura de Yangon sem nenhum confronto.  Alguns manifestantes entregaram rosas para os policiais.

Vamos lutar até o final

Muitos fizeram a saudação de três dedos inspirada nos filmes Jogos Vorazes, que se tornou um símbolo de resistência durante os protestos pró-democracia na Tailândia no ano passado.

"Vamos lutar até o final", disse Ye Kyaw, estudante de economia de 18 anos. "A próxima geração pode ter democracia se acabarmos com esta ditadura militar".

O aumento da resistência popular durante o fim de semana superou o bloqueio da internet em todo o país.

O serviço de monitoramento NetBlocks disse que o acesso à internet foi parcialmente restaurado em algumas redes móveis na tarde de domingo em Mianmar, mas as plataformas de mídia social permaneceram bloqueadas.

Durante toda a noite, panelaços puderam ser ouvidos na cidade.

O Escritório de Direitos Humanos da ONU disse que as autoridades de Mianmar "devem assegurar que o direito à reunião pacífica seja plenamente respeitado e que os manifestantes não sejam submetidos a represálias".

Também houve protestos em Mandalay, a segunda maior cidade de Mianmar, e em Mawlamyine.

Deutsche Welle Brasil, em 07.02.2021

Brasil registra 978 mortes por covid-19 em 24 horas

País identificou mais 50 mil casos da doença e total está próximo de 9,5 milhões. Número de mortes supera 231 mil.

O Brasil registrou oficialmente 50.630 casos confirmados de covid-19 e 978 mortes ligadas à doença neste sábado (06/02), segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Com isso, o total de infecções identificadas no país subiu para 9.497.795, enquanto os óbitos chegam a 231.012.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 8.326.798 pacientes haviam se recuperado até sexta-feira. 

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 109,5 no Brasil, a 23ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Liechtenstein e Andorra.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 26,8 milhões de casos, e da Índia, com 10,8 milhões. Mas é o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 460 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 105,1 milhões de pessoas já contraíram o coronavírus no mundo, e 2,3 milhões de pacientes morreram.

Deutsche Welle do Brasil, há 14 hs.