sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

O julgamento da História não basta

Mais cedo ou mais tarde, Jair Bolsonaro terá de responder perante a Justiça por suas ações e omissões durante a pandemia

O tempo vai dizer se um dos mais perigosos, desbocados e vulgares presidentes da história do País será destituído do cargo pela via constitucional. Razões para que isso aconteça não faltam. A cafajestagem que ele protagonizou anteontem prova isso. A portentosa ficha de crimes de responsabilidade cometidos pelo Sr. Jair Messias Bolsonaro já foi desfiada nesta página e em tantas outras das mais de cinco dezenas de pedidos de impeachment já apresentados ao presidente da Câmara dos Deputados. A bem da verdade, tal desgoverno é um crime continuado.

A ver, pois, se as chamadas condições políticas para o afastamento do presidente restarão materializadas, pelo bem maior do Brasil. Os candidatos apoiados por Bolsonaro nas disputas pelas presidências da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), respectivamente, creem não haver sequer elementos para instalação de uma CPI da Saúde.

Porém, uma coisa é certa: a destituição política de Bolsonaro, no momento, pode não passar de uma possibilidade remota, mas, se esta é uma República que se pretende séria, mais cedo ou mais tarde, o presidente terá de responder perante a Justiça por suas ações e omissões durante a pandemia de covid-19, que até agora matou mais de 220 mil brasileiros.

A irresponsabilidade de Jair Bolsonaro é grave demais para ficar relegada ao julgamento da História.

Sabe-se que a covid-19 é uma doença potencialmente mortal e decerto não pouparia a vida de muitos brasileiros, quem quer que fosse o chefe de governo nesta hora grave. Mas não resta a menor dúvida de que a atuação malévola de Bolsonaro foi determinante para transformar o que seria uma grave emergência sanitária em uma tragédia sem qualquer precedente na história do País nos últimos cem anos.

Em prol de seus interesses mais mesquinhos, Bolsonaro abriu mão de liderar a Nação em um de seus momentos mais dramáticos. Fez troça do destino de milhões de seus concidadãos, deixando-os à própria sorte. No entanto, não será por sua imoralidade que o presidente da República terá de prestar contas à Justiça.

Desde o início da pandemia, Bolsonaro humilhou ministros da Saúde que se recusaram a prestar-lhe vassalagem. Minou os esforços de coordenação entre os entes federativos. Sabotou medidas de segurança preconizadas pela comunidade científica. Usou a alta credibilidade do cargo que ocupa para amplificar teorias estapafúrdias e desinformar a população – “O Brasil é um país tropical, aqui o vírus não será tão violento”, “o brasileiro vive pulando em esgoto e não pega nada”, entre outras barbaridades. 

Deixou de promover testagem em massa. Defendeu o uso de medicamentos sem qualquer eficácia contra a covid-19 a título de “tratamento precoce”. Não trabalhou um dia sequer para viabilizar vacinas para os brasileiros. Não satisfeito, atacou países produtores de insumos farmacêuticos hoje imprescindíveis, como a China.

Bolsonaro, como se nota, cometeu crimes contra a administração e a saúde pública no exercício do mandato. Não é algo de que o procurador-geral da República, Augusto Aras, possa se esquivar por muito mais tempo.

Ora, se o ministro da Saúde já figura como investigado em inquérito policial e em breve terá de prestar depoimento à Polícia Federal (ver editorial Hora de prestar contas, de 28/1/2021), é lógico que as ações e omissões de seu chefe também hão de ser avaliadas pelo procurador-geral.

Na sessão do Tribunal de Contas da União (TCU) que analisou mais um relatório do ministro Benjamin Zymler a respeito da gestão federal da pandemia, o ministro Bruno Dantas, vice-presidente da Corte de Contas, foi enfático ao tratar desse desgoverno. “A sociedade clama por vacina já. Se existem ‘terraplanistas’ no Ministério da Saúde, essa gente precisa ceder espaço para a ciência. Não é possível que as autoridades zombem da dor dos brasileiros”, disse Dantas.

É disso que se trata. Bolsonaro subjugou o Ministério da Saúde em um momento decisivo. Em último grau, isso custou vidas e não pode ficar impune.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em 29 de janeiro de 2021 | 03h00

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Abandonada pelo MDB, Simone Tebet vê 'jogo' para fazer do Senado 'apêndice do Executivo'

Sem apoio do partido, senadora se lançou como candidata avulsa à presidência do Senado. Ela afirmou que ‘independência’ da Casa está ‘comprometida’.

Simone Tebet oficializou candidatura avulsa à presidência do Senado

Após ter sido abandonada pelo próprio partido e lançar candidatura avulsa à presidência do Senado, a senadora, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) disse nesta quinta-feira (28) que a independência da Casa está “comprometida” com a possibilidade de vitória do adversário Rodrigo Pacheco (DEM-MG)

Pacheco tem o apoio do governo do presidente Jair Bolsonaro, do atual presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) e de nove partidos. Segundo Simone Tebet, há um “jogo” para transformar o Senado em “apêndice” do Executivo.

Nesta quarta-feira (27), o líder do MDB, Eduardo Braga (AM) apontou falta de apoio à candidatura de Simone Tebet no partido e passou a negociar com Pacheco e com Alcolumbre cadeiras na Mesa Diretora do Senado e no comando de comissões. A bancada do MDB é a maior do Senado (15 membros), mas a senadora não tem o apoio unânime dos colegas de partido.

“Há dois anos, eu abri mão da minha candidatura em nome de um projeto do candidato e atual presidente Davi Alcolumbre, que, entre outros compromissos, assumiu o compromisso conosco da independência do Senado. Hoje, a independência do Senado Federal está comprometida. Comprometida pela ingerência porque temos um candidato oficial do governo federal e isso é visível diante da assertiva e dos anúncios feitos por colegas em relação à estrutura e ao apoio e os pedidos de ministros, de ministérios, pedindo apoio para o candidato oficial do governo”, disse Simone Tebet.

Ela afirmou que se lançou candidata "sem nenhuma condicionante".

"Veio o jogo de quererem transformar o Senado em um apêndice do Executivo e, dentro disso, vocês podem interpretar da forma que bem entenderem. E a partir daí começaram outras negociações”, acrescentou.

Em dezembro, o MDB divulgou carta na qual dizia estar unido e que teria um candidato próprio na disputa. Em 12 de janeiro, a legenda anunciou Tebet como a candidata da sigla.

Entretanto, dentro do próprio partido – que tem, entre os filiados, os líderes do governo no Congresso, Eduardo Gomes (TO), e no Senado, Fernando Bezerra (PE) – o apoio a Simone Tebet não é unânime.

A emedebista disse respeitar os colegas que não votarão nela e disse considerá-los “amigos”.

“Eu respeito, entendo o posicionamento deles, da mesma forma como eu acredito que eles agora entendem meu gesto de não poder recuar porque não sou candidata de mim mesma, sou candidata de uma convicção minha, de princípios éticos”, disse.

Ela agradeceu, particularmente, a Eduardo Braga, líder do partido, e contou que conversou com ele antes de anunciar a candidatura independente.

“Recebi um telefonema do líder, me liberando de qualquer compromisso, uma vez que estão em tratativas com o presidente Davi Alcolumbre sobre cargos de proporcionalidade do MDB numa possível composição. Em face do fato de estarmos muito próximos da eleição da Mesa Diretora, que acontecerá segunda-feira, e o MDB não poder dar uma posição oficial, o MDB oficialmente me comunicou que eu estou liberada e, em função disso, eu não tenho outra coisa a fazer senão comunicar que eu deixo de ser candidata a presidente do Senado pelo MDB e passo a ser candidata independente”, afirmou a senadora.

Questionada se permanecerá no MDB, Simone disse que tem história no partido e quer continuar na sigla. Mas deixou o futuro na legenda incerto.

“Eu não posso dizer neste momento da minha permanência ou não. Hoje, eu estou no MDB. Quero continuar no MDB. Se a partir de março continuarei, o tempo dirá, a depender muito mais de questões regionais do que de questões nacionais”, afirmou.

Em 2019, MDB rachou

Esta não é a primeira vez que Simone Tebet tentou ser a candidata do MDB na eleição para a principal cadeira do Senado.

Em 2019, a parlamentar do Mato Grosso do Sul disputou internamente a indicação da sigla, mas foi derrotada pelo ex-presidente do Senado Renan Calheiros (MDB-AL).

O racha na bancada naquela ocasião abriu espaço para a eleição de Alcolumbre, que acabou contando com o apoio de Simone Tebet.

Apoios

Embora só tenha oficializado a candidatura uma semana depois da emedebista, em 19 de janeiro, Rodrigo Pacheco, ao lado de Alcolumbre, já vinha negociando apoios desde o fim do ano passado.

Ao todo, dez legendas se manifestaram a favor de Pacheco até o momento: PSD (11 senadores), PP (7), PT (6), PDT (3), PROS (3), PL (3), Republicanos (2), Rede (2) e PSC (1). Soma-se a esse grupo de siglas o DEM (5), partido ao qual o candidato é filiado.

Originalmente, a bancada do DEM tem seis senadores, mas Chico Rodrigues (RR) se afastou do Senado após ter sido flagrado com dinheiro na cueca durante operação da Polícia Federal em outubro do ano passado.

Juntas, as siglas que anunciaram apoio a Pacheco totalizam 43 integrantes.

Entre os apoios ao senador do DEM, destacam-se o do PSD, segunda maior bancada da Casa, atrás apenas do MDB; do PT e do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente da República, Jair Bolsonaro, que também apoia Pacheco.

De outra parte, Simone Tebet tem apoio de parte dos senadores do MDB e do Podemos, dos três senadores do Cidadania e do PSB (um).

A votação para a escolha do presidente do Senado é secreta, e o anúncio de apoio de uma legenda não significa que todos seus integrantes vão votar no mesmo candidato.

O PSDB (sete senadores) liberou a bancada, porque quatro integrantes têm preferência pela candidatura de Pacheco, enquanto os outros três querem votar em Simone Tebet.

A bancada do PSL tem dois senadores, dos quais um diz que disputará a eleição: Major Olimpio (SP). Jorge Kajuru (Cidadania-GO) afirma se apoiador de Simone Tebet, mas também se coloca como candidato.

Por Gustavo Garcia e Sara Resende, G1 e TV Globo — Brasília, 28/01/2021 17h19  Atualizado há 2 horas

Todos os brasileiros estão com seus dados à venda e há muito pouco o que se pode fazer para se proteger

Megavazamento expõe 223 milhões de CPFs e promete ficha completa em troca de bitcoins. Caso é prova de fogo para a recém-criada Autoridade Nacional de Proteção de Dados

Dados vazados podiam ser acessados por qualquer um até o início da semana. Reportagem checou amostra de dados que se mostrou autêntica.

Dados vazados podiam ser acessados por qualquer um até o início da semana. Reportagem checou amostra de dados que se mostrou autêntica. Foto de TYRZA VAN DIJK.

Um megavazamento de dados pessoais de 223 milhões de brasileiros tornado público na semana passada pela empresa de segurança digital PSafe pode ser o maior na história do país e tem tudo para ser a primeira prova de fogo da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), criada a partir da entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) em agosto do ano passado. Também é o primeiro incidente desta magnitude que se tem notícia no Brasil. A lista com milhões de nomes completos, CPFs e datas de nascimento —de pessoas vivas e mortas— estava disponível para download gratuito a partir de um fórum de discussão na deep web —cópias do arquivo original foram feitas e podiam ser encontradas por qualquer um a partir de buscadores de internet. Em troca de bitcoins, o perfil anônimo responsável pelo vazamento dizia ser possível obter ainda retratos, endereço, telefone, declaração do Imposto de Renda, listas de familiares, renda mensal, score de crédito e muito mais dos alvos em questão. Na terça-feira, após a repercussão do caso, o material foi retirado do ar no fórum de livre acesso com qualquer navegador, mas continua em negociação na deep web.

Na lista há dados de gente famosa e autoridades públicas. De acordo com a PSafe, cibercriminosos também tiveram acesso a informações detalhadas sobre mais de 104 milhões de veículos e dados sigilosos de 40 milhões de empresas.

“O vazamento é real, confirmada a autenticidade de todos os dados, é o maior vazamento da história do Brasil e certamente um dos maiores do mundo”, afirma Marco DeMello, CEO da PSafe. “Estávamos monitorando a deep web para alguns de nossos clientes e nos deparamos com milhões de CPNJs em negociação, rastreamos e chegamos na fonte”, diz. Ele afirma que a equipe de segurança da empresa entrou em contato com o hacker, que disse cobrar 100 dólares por pacotes com os registros de mil pessoas, empresas ou veículos. Ele diz não ser brasileiro e que vai vender no máximo 1 milhão de contatos para cada comprador, pois pretende ganhar dinheiro com essa base de dados por muito tempo ainda. Segundo DeMello, nas conversas o hacker diz que roubou a base dados da Serasa/Experian, empresa de análise de crédito que cria perfis dos consumidores brasileiros entre outras atividades, mas não tem como saber se isso é verdade. A mesma alegação aparece na página onde ele vende o material, assim como no nome de alguns arquivos.

Procurada pela reportagem através de sua assessoria de imprensa, a Serasa/Experian respondeu, após a publicação, que a empresa não é a fonte dos dados vazados. “Embora o hacker afirme que parte dos dados veio da Serasa, com base em nossa análise detalhada até este ponto, concluímos que a Serasa não é a fonte”, diz a nota enviada. “Também não vemos evidências de que nossos sistemas tenham sido comprometidos”, afirma a empresa, que ainda diz não possuir todos os dados oferecidos na internet e que está em contato com autoridades reguladoras para ajudar no caso.

Os dados estavam disponíveis no fórum de discussões desde o começo do mês e foram identificados pela empresa de segurança na terça-feira da semana passada, e teriam sido extraídos da fonte original por 18 meses entre 2018 e 2020. Segundo o CEO da PSafe, algumas informações foram checadas por amostragem e são reais. “É assustador, porque com isso qualquer golpista que comprar os dados pode fazer coisas inimagináveis em nome de outras como comprar e vender veículos e imóveis, contrair dívidas, invadir contas bancárias e outros sistemas informatizados que usam essas imagens, abrir empresas, o estrago possível é muito grande”, diz DeMello.

Para ele, o hacker responsável pelo vazamento parece ser bastante profissional e vai ser muito difícil rastrear sua identidade e origem. Enquanto isso, virtualmente todos os brasileiros estão com seus dados à venda na internet e por hora não há nada de concreto que possa ser feito. O executivo acredita que a ANPD, Ministério Púbico Federal e Polícia Federal deveriam investigar a história. DeMello alerta que todos devem ficar atentos para movimentações atípicas na conta bancária e cartão de crédito, assim como avisos de cobranças e outras pistas que seu nome possa ter sido utilizado em uma fraude.

O EL PAÍS também conversou com um profissional de tecnologia da informação que teve acesso ao material disponibilizado de graça para testar sua veracidade. De cerca de cinco nomes aleatórios sugeridos pela reportagem, após busca no banco de dados, o profissional voltou com os resultados corretos de CPF e data de nascimento em todos os casos e de gênero, em quase todos. “Eu baixei porque queria saber se o material era de verdade, mas deve ter muita gente que pegou os dados para usar de forma mal intencionada”, diz ele, que pediu para não ser identificado na reportagem pois não tem certeza se com a cópia dos dados cometeu alguma ilegalidade ou não.

Para Rafael Zanatta, advogado e diretor da Associação Data Privacy Brasil, o caso deve ser investigado pela ANPD, mesmo que seus quadros ainda estejam em formação. “A ANPD já possui servidores, áreas técnicas e cinco diretores”, afirma o advogado especialista proteção de dados. “Mesmo sem a formação final do Conselho, ela poderia, em tese, iniciar a fase de inquérito. Caso precise de suporte nessa investigação, pode promover acordos de cooperação técnica com a Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça”.

“Pelo volume, natureza e variedade dos dados de acordo com a denúncia da PSafe, parece ser bastante grave pois a possibilidade de fraudes de identidade e golpes de engenharia social é concreta”, diz Zanatta. “Pairam muitas dúvidas sobre a origem dos dados. Até o momento não há condições de identificar os agentes responsáveis e essa é a questão central a ser resolvida em um primeiro momento, por meio de uma investigação”. Zanatta ressalta é preciso uma análise forense para atestar a veracidade de todo o banco de dados e sua origem. “Até o momento temos apenas amostras verificadas e a promessa de autenticidade do hacker”, diz.

A reportagem enviou um email para a ANPD onde questiona se foi aberta uma investigação para apurar a veracidade, extensão e origem do megavazamento de dados pessoais dos cidadãos brasileiros, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.

A Lei Geral de Proteção de Dados que entregou há pouco em vigor possui vários artigos que versam sobre incidentes de segurança, como a criação de Planos de Resposta a Incidentes de Segurança por empresas e entes públicos. Prevê sanções que vão desde uma advertência até uma multa de 2% sobre o faturamento anual até o máximo de 50 milhões de reais e a proibição da fonte do vazamento de continuar a tratar dados sensíveis. No entanto, as punições só devem ser aplicadas a partir de agosto de 2021.

Coronavírus: Brasil passa das 221 mil mortes por covid-19 e registra mais 1,3 mil óbitos em 24h


Profissional da saúde cuida de paciente na UTI covid do hospital Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre / CRÉDITO,DIEGO VARAS/REUTERS

Volume de novos casos da doença voltou a crescer no país

O Brasil acumula um total de 9.058.687 casos de covid-19 e 221.547 pessoas mortas pela doença, segundo boletim do Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) divulgado na quinta-feira (28/01).

Nas últimas 24 horas, foram registrados 1.386 óbitos e 61.811 novos casos.

O Estado com maior número de vítimas fatais é São Paulo (52.481), seguido de Rio de Janeiro (29.417) e Minas Gerais (14.699).

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país com mais mortes pela doença em todo o mundo. Ele está atrás apenas dos Estados Unidos, que têm mais de 431,8 mil óbitos por covid-19, conforme levantamento da Universidade Johns Hopkins.

O país foi superado em número de casos, entretanto, pela Índia (10,7 milhões), agora em segundo lugar depois dos Estados Unidos (25,7 milhões).

Fonte: BBC News Brasil

Corrupção parece triunfar novamente como 'cupim da República', diz relator da Lava Jato no STF

Edson Fachin usou célebre frase de Ulysses Guimarães após Estadão mostrar que voto decisivo sobre parcialidade de Moro na condenação do ex-presidente Lula deve ser do ministro Nunes Marques

O relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, disse nesta quinta-feira, 28, ao Estadão que a "corrupção parece triunfar novamente como 'cupim da República'" no Brasil, em referência ao célebre discurso de Ulysses Guimarães, que fez em sessão no Congresso uma defesa apaixonada da promulgação da Constituição de 1988 - e de repúdio à ditadura militar.

"Se, após trinta anos de Constituição, a democracia brasileira evidencia crise, é também porque faltou (e ainda falta) ao poder público dar respostas aos crimes impunes: mostrar o que de fato aconteceu e responsabilizar as condutas desviantes", disse Fachin à reportagem, em nota enviada pelo seu gabinete. "É possível (e necessário) na democracia apurar e (quando couber) punir a corrupção. Com 'nojo da ditadura', como afirmou Ulysses Guimarães, os males da corrupção devem ser enfrentados dentro da proteção da legalidade constitucional", acrescentou o ministro.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, que também integra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Foto: Ernesto Rodrigues/Estadão (25/10/2018)

O comentário de Fachin foi enviado à reportagem após o Estadão mostrar que o ministro Nunes Marques deve dar o voto decisivo que vai definir o placar do julgamento que discute se o ex-juiz federal Sérgio Moro agiu com parcialidade ao condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do triplex do Guarujá. A discussão, iniciada em dezembro de 2018, ganhou força após hackers divulgarem mensagens privadas trocadas por Moro e integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.

Fachin já votou para rejeitar o habeas corpus movido pela defesa do petista, mas ainda faltam os votos de Nunes Marques, Ricardo Lewandowski e do presidente da Segunda Turma, Gilmar Mendes. Foi Gilmar quem pediu vista (mais tempo para análise) no início do julgamento do caso há dois anos. A expectativa é a de que a discussão do processo seja concluída neste semestre.

Nunes Marques já se alinhou a Gilmar e Lewandowski para impor reveses à  Lava Jato na Segunda Turma. Com o apoio dele, o colegiado arquivou inquérito contra o ex-senador Eunício Oliveira (MDB-CE), determinou a soltura de um promotor denunciado por corrupção e manteve a decisão de retirar a delação de Palocci da ação penal sobre o Instituto Lula.

"A questão não se circunscreve a um julgamento, ainda a ser concluído. Ocorre que o sistema de justiça criminal no Brasil é mesmo injusto e seletivo. Acolá e aqui estão ressurgindo casos clássicos de corrupção. A corrupção parece triunfar novamente como 'cupim da República', agravando a seletividade e a exclusão social. Como advertia Ulysses no discurso da promulgação, 'a República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos que a pretexto de salvá-la a tiranizam'", destacou Fachin.

Desde que o ministro Celso de Mello se aposentou da Corte em outubro do ano passado, Fachin se tornou o principal contraponto ao governo do presidente Jair Bolsonaro no Supremo. O ministro tem, reiteradas vezes, saído em defesa da democracia, dos direitos individuais e alertado para os riscos do autoritarismo.

Na última segunda-feira, Lewandowski determinou a abertura de um inquérito para apurar a atuação do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, no colapso da rede pública de saúde em Manaus.

O presidente da República, por sua vez, é investigado no STF em inquérito que apura interferência indevida na Polícia Federal. Bolsonaro reagiu na última quarta-feira com xingamentos à imprensa às críticas pelo gasto de R$ 15 milhões com leite condensado por órgãos da administração federal no ano passado. A compra levou parlamentares da oposição a pedirem ao Tribunal de Contas da União (TCU) a abertura de uma investigação sobre as compras do Executivo.

"A ninguém se pode negar um julgamento justo e imparcial. Essa é uma garantia do Estado de Direito democrático. Cabe ao colegiado, onde há debates e eventuais dissensos, contrabalançar direitos e integridade pública, bem como enfrentar eventuais erros com justiça e espírito público. Não devemos nos conformar com respostas fáceis que ora atribuem culpa ao mensageiro, ora normalizam o desvio", acrescentou Fachin.

Resistência

Fachin também é vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde tem sido visto por aliados de Bolsonaro como um dos expoentes da ala "punitivista" e o maior foco de resistência ao chefe do Executivo no tribunal.

Em 2018, o ministro pediu vista no julgamento de uma ação considerada menos complexa, que investigava suposto abuso do poder econômico por parte de Luciano Hang, que teria coagido seus funcionários a votarem no então candidato do PSL

Fachin acabou concordando com os colegas pelo arquivamento do caso, mas o pedido de vista foi interpretado por auxiliares de Bolsonaro como uma tentativa de revirar a ação para ver se achava algo. O ministro também liderou a corrente de votos que determinou a realização de uma perícia para apurar o ataque cibernético ao grupo "Mulheres unidas contra Bolsonaro".

No início deste mês, veio de Fachin a reação mais contundente no Poder Judiciário contra a invasão do Capitólio e em defesa da Justiça Eleitoral brasileira. "A violência cometida, nesse início de 2021, contra o Congresso norte-americano deve colocar em alerta a democracia brasileira. Na truculência da invasão do Capitólio, a sociedade e o próprio Estado parecem se desalojar de uma região civilizatória para habitar um proposital terreno da barbárie", afirmou o ministro, em nota divulgada à imprensa.

O vice-presidente do TSE destacou na ocasião que, em outubro de 2022, o Brasil irá às urnas nas eleições presidenciais, seguindo as regras estabelecidas pela Constituição que preveem a realização de eleições periódicas. "Quem desestabiliza a renovação do poder ou que falsamente confronte a integridade das eleições deve ser responsabilizado em um processo público e transparente. A democracia não tem lugar para os que dela abusam", afirmou Fachin.

O recado foi interpretado por colegas de Fachin como uma resposta aos sucessivos ataques que Bolsonaro tem feito à credibilidade da Justiça Eleitoral e do sistema eletrônico de votação adotado no País.

Rafael Moraes Moura, O Estado de São Paulo, em 28 de janeiro de 2021 | 09h11




Brasil é pior país do mundo na gestão da epidemia de Covid-19, aponta estudo australiano

A Nova Zelândia ficou em primeiro lugar no levantamento, que foi elaborado pelo Lowy Institute, da Austrália. A Transparência Internacional divulgou seu índice de percepção de corrupção, e afirma que a resposta à pandemia está relacionada ao problema da corrupção.

Parentes de pacientes internados em Manaus fazem fila para compra de oxigênio no dia 18 de janeiro. — Foto: Bruno Kelly/Reuters

O Brasil foi o país que pior gerenciou a pandemia de Covid-19 no mundo, de acordo com um estudo publicado nesta quinta-feira (28) por um think tank (grupo de pesquisas) da Austrália.

O levantamento foi feito pelo Lowy Institute, de Sydney. Eles analisaram quase 100 países de acordo com seis critérios, como casos confirmados, mortes e capacidade de detecção da doença.

O Brasil tem quase 9 milhões de infecções confirmadas e 220 mil mortes, para uma população de 209,5 milhões de habitantes, segundo dados do consórcio de imprensa divulgados nesta quarta-feira (27).

A Nova Zelândia registrou 2.299 casos do novo coronavírus e 25 mortes desde o início da pandemia, em uma população de cerca de 5 milhões de pessoas. O país praticamente erradicou o vírus com fechamentos de fronteira precoces, bloqueios e testes de diagnóstico.

No vídeo abaixo, o país festeja o controle da pandemia:

"Coletivamente, esses indicadores indicam quão bem ou mal os países administraram a pandemia", diz o relatório desta instituição independente.

Além da Nova Zelândia, Vietnã, Taiwan, Tailândia, Chipre, Ruanda, Islândia, Austrália, Letônia e Sri Lanka estão entre os dez principais países que melhor responderam à pandemia.

No final da lista, além do Brasil, estão México, Colômbia, Irã e Estados Unidos.

Os piores do mundo

Em número total de mortes, o Brasil perde apenas para os Estados Unidos.

A China – onde o vírus surgiu no final de 2019 – não está incluída na lista por falta de dados de diagnóstico disponíveis ao público, segundo os autores.

De acordo com os autores do estudo, Pequim tentou agressivamente manipular a percepção pública de como estava lidando com a epidemia para provar que seu sistema autoritário é superior a governos democráticos, muitos dos quais fracassaram na crise.

O Lowy Institute afirma que, de maneira geral, a resposta à Covid-19 foi medíocre. "Alguns países administraram a pandemia melhor do que outros, mas a maioria deles se destacou apenas por seu desempenho insatisfatório", observa o estudo.

Corrupção e resposta à Covid-19

Outra entidade, a Transparência Internacional, divulgou seu índice de percepção de corrupção.

O Brasil ficou na 94ª posição do ranking, de um total de 180 países.

De acordo com a Transparência Internacional, países com menos corrupção foram os que conseguiram gerenciar melhor as crises de economia e saúde durante a pandemia de Covid-19. Trata-se de uma correlação que os analistas da ONG observaram, ainda que eles não tenham trabalhado com um modelo de dados de resposta à pandemia.

A conexão entre corrupção e coronavírus é algo observável no mundo, segundo a análise.

A Nova Zelândia ficou em primeiro no ranking de melhor percepção de corrupção. O pior país foi a Somália.

Veja abaixo os melhores colocados:

Nova Zelândia, Dinamarca, Finlândia, Suíça, Singapura

Os piores colocados foram os seguintes:

Venezuela, Iêmen, Síria, Sudão do Sul e Somália

Por G1, em 28/01/2021 10h33  Atualizado há uma hora

Greve dos caminhoneiros: 'Esse é o pior governo que o Brasil já teve', diz líder de paralisação que largou a boleia após 27 anos

Wanderlei Dedeco foi uma das lideranças da greve de caminhoneiros de 2018

Após pegar uma forte pneumonia que afetou seus dois pulmões em abril do ano passado e ficar em isolamento dentro do seu caminhão, parado em um posto de gasolina à beira de uma rodovia, o caminhoneiro Wanderlei Alves, mais conhecido como Dedeco, sofreu outro revés.

Com a queda de demanda e do preço do frete em meio à pandemia, Dedeco atrasou o pagamento das parcelas e teve tomados de volta pelo vendedor seus três caminhões.

‘Sem doações, meus filhos passariam fome’: o fim do auxílio emergencial na cidade brasileira com mais beneficiários

Sem o ganha-pão depois de 27 anos passados na boleia e desgostoso com o aparelhamento da categoria pelo governo federal após a greve de 2018, o caminhoneiro, que foi uma das lideranças da mobilização que abalou a economia do país, decidiu mudar de ramo.

"Dos caminhões, só me sobraram os pneus. Foi o que eu vendi para abrir minha hamburgueria", conta Dedeco, que agora é dono de uma lanchonete em Curitiba, no Paraná.

O ex-motorista, hoje com 46 anos, acredita que a greve chamada por parte da categoria para 1º de fevereiro não deve acontecer, já que boa parte dos caminhoneiros segue, na sua visão, "muito apaixonada ainda" pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Conforme Dedeco, o anúncio da greve foi uma estratégia de parte dos caminhoneiros para reabrir o diálogo com o governo, que havia sido interrompido pela pandemia.

O fato de os motoristas de caminhão terem sido incluídos na última sexta-feira (22/01) entre as categorias prioritárias para vacinação contra a covid-19 e de o governo ter zerado o imposto de importação para pneus usados no transporte de cargas mostram que a pressão já surte efeito.

Greve de 2018 foi planejada e teve apoio do agronegócio

Reajustes constantes no óleo diesel estavam entre os motivos para a greve dos caminhoneiros de 2018

"A greve de 2018 foi uma greve planejada e bem trabalhada no sigilo, nos bastidores, durante seis meses para acontecer", lembra Dedeco.

"Além disso, ela teve apoio da população quase em geral e do setor rural. Isso não tem mais, porque o setor rural hoje está todo do lado do governo. Ruralista rico gosta de governo ruim porque governo ruim faz o dólar subir e quem vende em dólar se dá bem. Então o agronegócio gosta do Bolsonaro, porque aí eles vendem a soja deles a R$ 5, R$ 6 o dólar", provoca.

O dólar encerrou a segunda-feira (25/01) cotado a R$ 5,51, com uma valorização de 6,28% em apenas 25 dias de 2021. No ano passado, a moeda americana chegou a superar os R$ 5,90 em meados de maio.

As exportações do agronegócio brasileiro somaram US$ 100,8 bilhões (R$ 551,1 bilhões) em 2020, segundo maior valor da série histórica, atrás apenas de 2018, quando somaram US$ 101,2 bilhões. Com isso, segundo o Ministério de Agricultura, o agronegócio foi responsável por quase metade das vendas externas totais do Brasil no ano passado, com participação recorde de 48%.

"Hoje, querem fazer a paralisação 'no peito'. Não faz. Caminhoneiro não faz greve 'no peito'. Não vai acontecer greve dia 1º", avalia Dedeco.

"Pode acontecer de um louco numa pista ou outra querer parar, mas não vai conseguir. Porque boa parte dos caminhoneiros está muito apaixonada ainda pelo Bolsonaro. Principalmente aqueles que trabalham de empregados, não pagam pneu, não pagam óleo diesel, não pagam o caminhão. Para mim, são doidos igual ele."

Na paralisação em 2018, caminhões de combustíveis foram escoltados para tentar garantir o abastecimento de postos

'O pior governo que o Brasil já teve'

Dedeco afirma que nunca foi eleitor de Bolsonaro, nem fez campanha para o atual presidente. Filiado ao Podemos, pelo qual concorreu a deputado federal nas eleições de 2018, diz ter votado no primeiro turno em Álvaro Dias, candidato à Presidência pelo partido naquele ano.

No segundo turno, o ex-motorista diz que sequer foi votar.

"Quando eu estava indo em Brasília, com as portas abertas lá, ou eu baixava a bola ou não conversava. Porque eu já dava pau no Bolsonaro naquela época. Ou baixava a bola, ou não entrava no Ministério da Infraestrutura. Essa é a verdade. Quem é contra o Bolsonaro não tem acesso ao governo. É assim que funciona ali."

Agora, Dedeco está rompido com o governo. Segundo ele, porque o ministro Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) teria dito que o motorista estaria fazendo "showzinho" ao falar com a imprensa sobre sua pneumonia em abril passado e após Dedeco criticar publicamente a condução da gestão Bolsonaro com relação à pandemia.

"Me desliguei dele [Tarcísio de Freitas] também por causa daquela manifestação que foi feita pró-reforma da Previdência [em 2019]. Aquela manifestação foi combinada dentro do gabinete do ministro, com os empresários", acusa Dedeco. "Eu acabei indo e meu nome foi usado. Eu era totalmente contra a reforma, porque ela não serviu para nada, só para prejudicar os aposentados."

Há pouco mais de seis meses à frente do novo negócio, Dedeco diz não se arrepender de ter largado a boleia

Depois de tudo isso, o ex-motorista não tem mais freio na língua para falar do governo.

"Esse é o pior governo que o Brasil já teve em toda sua história. O Bolsonaro é incompetente. Ele sempre foi", afirma. "Como deputado, ele sempre foi baixo clero e o povo não conhecia. O que lançaram nas redes sociais não foi o Bolsonaro, foi um personagem. O Bolsonaro de verdade está sendo apresentado agora. Não vale nada e nunca prestou."

'Para o caminhoneiro, nada mudou desde 2018'

Na avaliação de Dedeco, pouco melhorou para a categoria desde a greve de 2018.

"Não mudou nada", afirma. "Veja o preço do óleo diesel hoje, chega a estar R$ 4,40, R$ 4,50. Na época que nós fizemos paralisação, nós paramos porque o diesel estava R$ 3,30. O caminhoneiro, lá em 2015, no governo Dilma, parou porque o diesel estava R$ 2,80. Hoje, o diesel já está quase R$ 5 em alguns lugares. E o caminhoneiro está lambendo esse governo."

Segundo ele, a categoria é influenciada por algumas lideranças que têm se beneficiado de subsídios governamentais para cooperativas de caminhões. "Esses caras se renderam ao governo em troca de subsídios para as cooperativas que eles abriram de 2018 para cá", critica o ex-líder caminhoneiro.

Conforme Dedeco, a situação dos caminhoneiros piorou com a pandemia.

"Começou uma concorrência muito desleal no valor do frete. Se você carregasse para o Nordeste, o dinheiro que você ia não dava para pagar o óleo para voltar, se você não arrumasse carga lá. E as cargas lá não estavam pagando nem o óleo para voltar também", conta.

"Hoje, você bota uma carga de R$ 2 milhões no caminhão, para ir daqui ao Nordeste por um frete de R$10 mil e você gasta R$ 9 mil de óleo. Que vantagem tem?", questiona.

"Aí eu decidi: não dá mais, eu preciso tocar a vida com a minha família, preciso sustentar minha família. Eu falei: 'vou para o ramo alimentício, porque dando a pandemia que deu, o povo continua comendo'. E o povo comendo, mesmo que seja com pouco, você se mantém."

Há pouco mais de seis meses à frente do novo negócio, Dedeco diz não se arrepender de ter largado a boleia.

"Eu prefiro ser dono de hamburgueria", afirma. "Parei de ir para a estrada, estou em casa todo dia. Estou junto com a família. Acho que hoje não vale a pena ser caminhoneiro. Ficar desperdiçando sua vida na estrada para viver o que o caminhoneiro está vivendo hoje."

"Aquele que for inteligente, lute, não desista dos seus sonhos. Mas, se puder fazer algo melhor do que ficar com o caminhão na estrada sofrendo, que vá e faça. Porque, enquanto esse governo estiver no poder, esquece. Caminhoneiro não tem valor e só vai ser enrolado. O que eu tenho a dizer é isso."

Thais Carrança, da BBC News Brasil em São Paulo. Publicado originalmente em 26 janeiro 2021.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Defesa diz que leite condensado é para dar energia a militares; chiclete, para a higiene bucal

Pasta justifica aquisição de altas quantidades dos produtos comprados pelo governo federal em 2020

 Após repercussão negativa dos gastos do governo federal com alimentação, o Ministério da Defesa justificou que a aquisição de altas quantidades de leite condensado para as Forças Armadas se dá pelo “potencial energético” do item na alimentação de 370 mil homens e mulheres que realizam refeições em 1,6 mil instalações militares em todo o País.

Em nota divulgada na noite desta quarta-feira, 27, a pasta chefiada pelo general Fernando Azevedo e Silva afirmou que o contingente militar é “predominantemente jovem, o que pode aumentar as quantidades consumidas”.

“O leite condensado é um dos itens que compõem a alimentação por seu potencial energético. Eventualmente, pode ser usado em substituição ao leite. Ressalta-se que a conservação do produto é superior à do leite fresco, que demanda armazenamento e transporte protegido de altas temperaturas", diz a nota.

Em 2020, o governo federal gastou cerca de R$ 15,6 milhões com leite condensado; pasta é o órgão que mais comprou item no ano Foto: Sérgio Dutti/Estadão

Em 2020, o governo federal gastou cerca de R$ 15,6 milhões com leite condensado. Os dados estão no painel de compras do governo, ligado ao Ministério da Economia, e foram apresentados em reportagem publicada pelo portal Metrópoles.

O Ministério da Defesa é o órgão que mais comprou leite condensado no ano. A despesa despertou uma série de críticas nas redes sociais e cobrança de explicações por parte de integrantes da oposição.

A nota da Defesa também justificou o gasto de R$ 2,2 milhões com chicletes pelo governo federal. De acordo com a pasta, “o produto ajuda na higiene bucal das tropas, quando na impossibilidade de escovação apropriada, como também é utilizado para aliviar as variações de pressão durante a atividade aérea”.

O comunicado acrescenta que os valores são todos compatíveis com as missões e tarefas desempenhadas. Além disso, ressaltou que considera um gasto de R$ 9 reais por dia, por militar. O valor não é reajustado desde 2017. “As Forças Armadas têm a responsabilidade de promover a saúde da tropa por meio de uma alimentação nutricionalmente balanceada, em quantidade e qualidade adequadas, composta por diferentes itens”, frisa o texto.

Após a repercussão das compras, publicações nas redes sociais passaram a distorcer o levantamento do Metrópoles, atribuindo toda a compra dos itens alimentícios ao presidente Jair Bolsonaro. O R$ 1,8 bilhão gasto com alimentos diz respeito a todo o governo federal, incluindo atividades voltadas à educação e a programas sociais dos ministérios.

Nesta quarta-feira, Bolsonaro atacou a imprensa por revelar os gastos do seu governo. “Quando vejo a imprensa me atacar dizendo que comprei 2 milhões e meio de latas de leite condensado, vai pra p* que o pariu, imprensa de m*! É pra enfiar no r* de vocês da imprensa essas latas de leite condensado”, disse.

Vinícius Valfré, O Estado de São Paulo, em 27 de janeiro de 2021 | 21h16

Bolsonaro xinga a imprensa por divulgar gasto de R$ 15 milhões com leite condensado

Presidente critica veiculação de gastos do governo com alimentação; valor foi R$ 1,8 bi em 2020

O presidente Jair Bolsonaro reagiu nesta quarta-feira, 27, a críticas que tem recebido pelo gasto de R$ 15 milhões com leite condensado por órgãos da administração federal no ano passado. Em almoço que reuniu ministros, aliados e cantores sertanejos em uma churrascaria de Brasília, o presidente atacou a imprensa com xingamentos e, sem apresentar números, disse que na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2014, a despesa foi maior.

“Quando vejo a imprensa me atacar dizendo que comprei 2 milhões e meio de latas de leite condensado, vai pra p* que o pariu, imprensa de m*! É pra enfiar no r* de vocês da imprensa essas latas de leite condensado”, disse Bolsonaro ao microfone em discurso para os demais convidados.

(Após polêmica com leite condensado, Portal da Transparência fica fora do ar)

A churrascaria foi fechada para receber o grupo, mas um vídeo com as declarações do presidente foi divulgado pelo assessor especial da Presidência da República, Tercio Arnaud, na plataforma Telegram. “Não é pra Presidência da República essa compra de alimentos, até porque nossa fonte é outra. (É) Alimentação de 370 mil homens do Exército, (para) programas de alimentação do Ministério da Cidadania, do Ministério da Educação...”, afirmou. 

Dos R$15 milhões, cerca de R$ 14 milhões foram gastos para os militares. Em nota, o Ministério da Defesa afirma que o leite condensado é um dos itens que compõem a alimentação por seu potencial energético. “As Forças Armadas têm a responsabilidade de promover a saúde da tropa por meio de uma alimentação nutricionalmente balanceada, em quantidade e qualidade adequadas, composta por diferentes itens”, diz a pasta, que ainda justifica a compra de chicletes como forma de manter a higiene bucal dos militares na impossibilidade de escovação.

O presidente Jair Bolsonaro ataca a imprensa em discurso para convidados em churrascaria em Brasília Foto: Reprodução

A despesa com o leite condensado e outros gêneros alimentícios foi divulgado no domingo pelo site Metrópoles. Ao todo, a administração federal – o que inclui de ministérios a autarquias vinculadas ao Executivo – gastou R$ 1,8 bilhão no ano passado com este tipo de compra. As reportagens sobre o assunto citavam que o valor se referia a todos os órgãos do governo, e não apenas ao presidente, como disse Bolsonaro.

“Me acusam de ter comprado R$ 4 milhões em chiclete e quem já esteve no Exército, já teve um catanho, quem serviu... tem um chicletinho lá dentro. E isso não é uma mordomia, não é privilégio”, continuou o presidente, que prometeu levar o ministro Wagner Rosário, da Controladoria-Geral da União (CGU), à sua “live” semanal de quinta-feira para explicar o gasto. “Inclusive, em 2014 a Dilma comprou mais leite condensado do que eu”, disse o presidente.

O almoço, realizado nesta quarta-feira, 27, em uma churrascaria lotada, reuniu cantores como Netinho, Naiara Azevedo, Amado Batista e Sorocaba e os ministros Tarcísio Freitas (Infraestrutura), Gilson Machado (Turismo), Fábio Faria (Comunicações), Ernesto Araújo (Relações Exteriores), além dos secretários especiais de Cultura, Mario Frias, e da Pesca, Jorge Seif. Neymar da Silva Santos, pai do jogador Neymar, do PSG, também era um dos presentes.

Esse tipo de despesa com alimentos não é uma novidade da gestão de Jair Bolsonaro. Outras também registraram, mas cada governo pode orientar que tipo de gasto considera prioritário. Os custos com alimentação registrados no ano passado ocorreram quando a economia brasileira foi fortemente atingida pela pandemia do novo coronavírus.

Mais cedo, em uma rede social, o presidente já havia compartilhado uma explicação sobre o tema. “Os maiores compradores da iguaria são o Ministério da Defesa e a Funai, por um motivo comum: em locais distantes e pouco acessíveis, não é viável o transporte e o armazenamento de leite fresco, que estraga rapidamente”, dizia a mensagem de um apoiador que Bolsonaro repassou a seus seguidores no aplicativo Telegram.

O filho “Zero Três”, deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) também saiu em defesa do gasto de mais de R$ 15 milhões com leite condensado pelo governo federal. Em uma série de publicações no Twitter, o filho do presidente justificou que quase todo o valor pago pelo Executivo foi feito pelo Ministério da Defesa, o que justificaria a quantidade adquirida do produto - nas contas do próprio deputado, o equivalente a mais de 6.500 latas do doce por dia.

“O MD abriga as Forças Armadas e seu efetivo de 334.000 homens e mulheres do serviço ativo. Com este valor poderia-se comprar pouco mais de 6.500 latas de leite condensado/dia, algo bem razoável para uma tropa de 334.000 militares”, escreveu.

Eduardo ainda justificou a compra do alimento para os militares em razão de seu valor nutricional. “O item é um produto calórico indicado a quem faz muitas atividades físicas e serve de base para a elaboração de vários outros alimentos comuns a mesa dos brasileiros como bolos.”

Nas redes sociais, apoiadores citam que o chiclete também é usado por militares, em especial na Aeronáutica e na Marinha. A explicação é de que mascar a goma ajuda a reduzir o incômodo de viajar em aviões não pressurizados e a superar enjoos durante os longos períodos que passam em embarcações no mar. Procurado, o Ministério da Defesa e a Secretaria de Comunicação do governo não se manifestaram sobre o assunto.

Almoço com sertanejos

O almoço comemorativo que lotou uma churrascaria na Vila Planalto, em Brasília, não estava previsto na agenda oficial do presidente. No restaurante, Bolsonaro agradeceu o apoio de representantes da indústria da música e recorreu a um discurso ideológico ao relembrar sua eleição para presidente.

“Vocês foram uma parcela decisiva por ocasião das eleições em 2018, quis Deus que o País acordasse. Há um grande mal que se aproximava, que é o socialismo, o comunismo, o fim da nossa liberdade”, disse Bolsonaro em vídeo divulgado nas redes sociais do deputado Carlos Freitas (PSL-SC).

Os cantores endossaram o apoio a Bolsonaro. “É uma honra poder dar voz a um setor tão importante da nossa economia. Obrigado Jair Bolsonaro por ouvir o que o setor de entretenimento tem para falar”, disse o cantor Sorocaba, em suas redes sociais. Trechos do encontro foram divulgados pelo cantor em sua página no Instagram.

No ano passado, Bolsonaro também se reuniu com cantores sertanejos, recebidos em 29 de janeiro no Palácio do Planalto.

Emilly Behnke, O Estado de SãoPaulo, em 27 de janeiro de 2021 | Atualizado 27.01.2021 | 20h59

Governo gasta R$ 15 milhões com leite condensado; parlamentares pedem investigação

No total, despesas com alimentos somam mais de R$ 1,8 bi em 2020; TCU é acionado

Na cena política nacional, o leite condensado ganhou destaque recente como protagonista do peculiar café da manhã do presidente Jair Bolsonaro. Desde a campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro difunde o gosto matinal pela combinação do pão francês com a mistura cremosa formada por leite e açúcar. O produto se tornou um dos temas mais comentados do Twitter após o site Metrópoles mostrar que a administração federal – o que inclui de ministérios a autarquias – gastou mais de R$ 15 milhões em recursos públicos para comprar o doce em 2020. 

O valor é, por exemplo, cinco vezes superior a tudo que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) recebeu para fazer o monitoramento por satélite de toda a Amazônia, Pantanal e demais regiões do País – R$ 3,2 milhões no mesmo período, segundo dados levantados pela consultoria Rubrica.

(Líderes religiosos protocolam novo pedido de impeachment de Bolsonaro)

Nos últimos dois anos, o Inpe – principal órgão federal responsável pelas pesquisas espaciais e monitoramento –, o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) tiveram seus orçamentos reduzidos, o que comprometeu a capacidade de o governo realizar ações estruturais de proteção, fiscalização e combate do desmatamento nas florestas nacionais – a Amazônia registrou volume recorde de queimadas no ano passado.


Gasto do governo com leite condensado vira meme nas redes sociais Foto: Reprodução

Os gastos alimentícios do governo federal, que somaram mais de R$ 1,8 bilhão em 2020, entraram na mira da oposição. Parlamentares formalizaram uma representação no Tribunal de Contas da União (TCU) pedindo a abertura de investigação sobre as compras do Executivo.

Segundo o site Metrópoles, o gasto global do Executivo federal com alimentos e bebidas registrou um aumento de 20% em relação a 2019. Neste total estão ainda despesas de cerca de R$ 2,2 milhões com chicletes e R$ 32,7 milhões com pizza e refrigerante, por exemplo.

No ranking de memes na internet, porém, nenhum gasto superou a aquisição de leite condensado. O doce também era o mais buscado no serviço que contabiliza as pesquisas diárias feitas no Google.

‘Supérfluo’

Em documento protocolado no TCU, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e os deputados federais Tabata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES) argumentam que o aumento das despesas fere o princípio da moralidade administrativa. “Em meio a uma grave crise econômica e sanitária, o aumento de gastos é absolutamente preocupante, tanto pelo acréscimo de despesas como pelo caráter supérfluo de muitos dos gêneros alimentícios mencionados”, diz um trecho da representação.

Representantes do PSOL, o deputado David Miranda (RJ) e as deputadas Fernanda Melchionna (RS), Sâmia Bomfim (SP) e Vivi Reis (PA) protocolaram uma ação para que o procurador-geral da República, Augusto Aras, abra investigação sobre os gastos de R$ 1,8 bilhão.

Nas redes, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) escreveu: “O leite condensado do @jairbolsonaro. É a versão atual da elba do Collor. Impeachment NELE!”, em uma referência ao caso do veículo Elba, pivô do processo de impedimento do ex-presidente.

Procurado pela reportagem e questionado sobre os gastos com alimentos, o governo federal não havia se manifestado até a conclusão desta edição.

ANDRÉ BORGES, RAYSSA MOTTA e SAMUEL COSTA / O Estado de São Paulo, em 26 de janeiro de 2021 | 20h48

Mortes por covid-19 no Brasil passam de 220 mil

País registrou mais 1.283 óbitos pela doença nesta quarta-feira. Total de casos identificados está próxima de 9 milhões.

O Brasil registrou oficialmente 63.520 casos confirmados de covid-19 e 1.283 mortes ligadas à doença nesta quarta-feira (27/01), segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Com isso, o total de infecções identificadas no país subiu para 8.996.876, enquanto os óbitos chegam a 220.161.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 7.798.655 pacientes haviam se recuperado  na terça-feira.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 104,8 no Brasil, a 23ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Liechtenstein e Andorra.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 25,5 milhões de casos, e da Índia, com 10,6 milhões. Mas é o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 427 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 100,6 milhões de pessoas já contraíram o coronavírus no mundo, e 2,16 milhões de pacientes morreram.

Deutsche Welle, em 27.01.2021

Um governo entre a crueldade e a burrice

Seja no Enem, na anunciada privatização das estatais, na economia ou na gestão da pandemia: Bolsonaro e seus ministros parecem não dar uma dentro, e o país afunda no caos. Seria má fé ou pura incompetência?

"Crueldade sempre foi a marca registrada de Bolsonaro – ou será falta de noção?"

"Nunca atribua à malícia o que pode ser adequadamente explicado pela burrice" – diz o provérbio inglês que ficou conhecido como Navalha de Hanlon. É frequentemente citado para questionar teorias da conspiração.

A questão da hora é saber se o presidente Jair Bolsonaro está levando o Brasil deliberadamente ao caos ou se tudo não passa de um acidente de percurso. Seja no Enem, na anunciada privatização de empresas estatais, na política econômica ou na luta contra a pandemia: Bolsonaro e seus ministros parecem não estar conseguindo dar uma dentro. Para onde quer que se olhe atualmente, reina o caos no Brasil.

Vejamos outros países: dificilmente alguém duvidaria que os problemas dos países europeus com a aquisição de vacinas contra o coronavírus se baseiam em um mau planejamento, ou seja, em uma espécie de estupidez; quem iria querer acusar os políticos de agir de forma maldosa, ou seja, dificultando conscientemente a compra de vacinas? Mesmo governantes autocráticos tentam ser capazes de mostrar sucesso na luta contra o vírus. Porque deixar seu próprio povo sofrer é algo que só os espíritos sádicos ousam fazer.

Maldade ou estupidez?

Mas como classificar o ostensivo não uso de máscara ou o desrespeito deliberado às regras de distanciamento social do presidente Jair Messias Bolsonaro? A luta contra os lockdowns, contra o distanciamento social, contra as vacinas, a recusa em ajudar um SUS em pleno colapso? A insistência na inútil cloroquina? A incapacidade de levar oxigênio a Manaus? Maldade ou estupidez?

O colunista Mathias Alencastro, da Folha de S. Paulo, ao comentar recentemente a tentativa amadorística de busca de vacinas na Índia, citou outros termos. "No governo Bolsonaro, é impossível separar a incompetência da má fé e a crueldade da falta de noção."

Crueldade sempre foi a marca registrada de Bolsonaro – ou será falta de noção? Armas, tortura, matança, insultos, difamações, ridicularizar os outros, ameaçá-los – tudo isso, já conhecemos dele.

Palavras bonitas, gestos conciliatórios, empatia e consolação – são coisas que lhe são estranhas. Quase se poderia ter a impressão de que ele está procurando o caos, o colapso. "Já está feito, já pegou fogo, quer que faça o quê?", foi a reação dele ao incêndio do Museu Nacional no final de 2018. "Fizemos nossa parte", foi o seu comentário há poucos dias diante dos gritos de "não consigo respirar!" vindos de Manaus.

Deixar sangrar

Os apelos por um impeachment de Bolsonaro vão se esvair. Em vez disso, ele poderá continuar por mais dois anos. Porque ninguém vai querer assumir tais responsabilidades num Brasil atolado no atual caos. Isso é algo que a classe dominante do país aprendeu com o indigno impeachment de Dilma Rousseff: no papel de Michel Temer, ninguém é feliz. Preferível é deixar sangrar até morrer nas próximas eleições. Se isso vai dar certo, é outra coisa.

Porque as eleições da semana que vem no Senado e na Câmara dos Deputados ameaçam nos ensinar outra lição. Partidos, deputados e senadores vão faturar nababescamente para poupar Bolsonaro de um impeachment. Faltam, pois, ainda dois anos, em que teremos que nos perguntar: é tudo agora estupidez ou maldade, incompetência, má fé ou falta de noção? Ou tudo junto?

Thomas Milz, o autor deste artigo, saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos. Publicado originalmente pro Deutsche Welle, em 27.01.2021

Bolsonaro, o leite condensado e o estatuto da gafieira



Indigestão cívica

Por Merval Pereira

Na coluna de ontem, citei estudo da cientista política professora Kathryn Hochstetler, hoje na London School of Economics (LSE), que aponta três razões para um presidente não terminar seu mandato na América do Sul: ausência de uma maioria parlamentar de apoio ao presidente, mobilização popular e envolvimento pessoal do chefe de governo com escândalos de corrupção.

Citei os dois primeiros para dizer que o presidente Bolsonaro estava blindado pelo acordo com o Centrão e pela pandemia de COVID-19, que impede ou dificulta manifestações populares. Não falei sobre corrupção, e muitos adeptos do governo viram nisso uma tentativa de não enfrentar uma questão da qual, dizem, Bolsonaro está livre. O próprio Bolsonaro vive dizendo que nunca foi descoberto um escândalo de corrupção em seu governo, o que é uma verdade relativa.

A Controladoria-Geral da União (CGU) detectou em 2019 irregularidades em uma licitação de R$ 3 bilhões do Ministério da Educação ( MEC ). O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação ( FNDE ) financiaria a compra de equipamentos de informática como computadores, notebooks, projetores e lousas digitais para escolas de todo o país dentro do Programa Educação Conectada.  

Relatório oficial identificou que a licitação estimou um número maior do que o necessário de computadores a serem adquiridos, usando critérios falhos e sem base técnica. A investigação constatou que 355 escolas encomendaram mais laptops do que seu número real de alunos. “O caso que mais chamou a atenção diz respeito à Escola Municipal Laura Queiroz, do município de Itabirito/MG, que registrou a demanda de 30.030 laptops educacionais, embora a escola só tenha registrada na planilha o número de 255 alunos (117,76 laptops por aluno)”, registrou a CGU em seu relatório.

Embora a maracutaia tenha sido interrompida por um órgão de fiscalização do governo, até hoje não se soube o responsável pelas deformações da licitação e o presidente do FNDE naquela altura, Carlos Alberto Decotelli, acabou nomeado ministro da Educação por Bolsonaro. Não resistiu porém às imperfeições do próprio currículo, recheado de informações falsas sobre seus diplomas e vida acadêmica.

Agora mesmo temos um escândalo que seria cômico se não fosse trágico. Uma reportagem do portal Metrópoles revelou que o governo federal adquiriu no ano passado nada menos que R$ 15 milhões em latas de leite condensado, o equivalente a mais de 2,5 milhões de latas do produto que Jair consome em seu café da manhã no Palácio do Alvorada. 

Outra extravagância foi gastar R$ 2,2 milhões em chicletes, R$ 8,9 milhões em bombons e R$ 31,5 milhões em refrigerantes. São números que merecem ser investigados, chamam a atenção do mais desatento dos auditores. Mesmo que o Leite Moça tenha virado uma mania nos ministérios, mais de dois milhões de latas é demais.

Além dessas questões pontuais de potencial corrupção, o presidente Jair Bolsonaro e sua família estão envolvidos em investigações sobre desvio de dinheiro público no tempo em que eram todos parlamentares. As “rachadinhas” que beneficamente o hoje senador Flávio Bolsonaro quando era deputado estadual estão sendo investigadas, e o envolvimento da família com milicianos pode ter desdobramentos.

A ligação do ex-PM Fabricio Queiroz com os dois tipos de crime, e sua relação antiga com a família assombram desde o inicio o governo. Mesmo que se alegue que tecnicamente nada poderia ser feito, pois os supostos crimes foram cometidos antes de Bolsonaro ser presidente da República, algumas situações reverberaram no atual mandato, como a manobra para esconder Queiroz na casa do advogado pessoal de Bolsonaro em Atibaia; ou o uso das agências de inteligência para ações em órgãos como a Receita Federal para tentar anular as provas contra o senador. Ou a interferência pessoal do próprio presidente na Polícia Federal, com o mesmo intento.

Não é preciso, porém, que o presidente seja apanhado com a boca na botija, mas a simples demonstração de que ele está envolvido com atos corruptos, por menores que possam parecer, bastaria, num país normal, para que fosse alvo de investigações e passível de impeachment. Não se trata de matar passarinho ou dar cascudo na ema do Alvorada, como disse o ministro Paulo Guedes para tentar desmoralizar o movimento pelo impeachment. R$ 15 milhões em leite moça é de dar indigestão cívica.       

Merval Pereira, Jornalista e Escritor, é da Academia Brasileira de Letras. Comentarista político da GloboNews. Publicado originalmente n'O Globo, edição de 27.01.21.

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Brasil tem média móvel acima de mil mortes por covid-19 pelo sexto dia seguido

No total são 218.918 mortes registradas e 8.936.590 pessoas contaminadas no País

 A média móvel de mortes por covid-19, que registra as oscilações dos últimos sete dias e elimina distorções entre um número alto de meio de semana e baixo de fim de semana, ficou em 1.058 nesta terça-feira, 26. Segundo o consórcio de veículos de imprensa, foram registrados 1.206 novos óbitos nas últimas 24 horas e 63.626 casos.

No total são 218.918 mortes registradas e 8.936.590 pessoas contaminadas no Brasil, segundo o balanço mais recente do consórcio formado por Estadão, G1, O Globo, Extra, Folha e UOL em parceria com 27 secretarias estaduais de Saúde. Os dados foram divulgados às 20h.

Paciente em UTI de hospital de Porto Alegre Foto: Diego Vara/Reuters

O Estado de São Paulo, epicentro da doença no País, chegou a 51.838 mortes e 1.715.253 casos confirmados. Entre o total de casos diagnosticados, 1.477.114 pessoas estão recuperadas. 

As taxas de ocupação dos leitos de UTI são de 71% na Grande São Paulo e no Estado. O número de pacientes internados é de 13.106, sendo 7.256 em enfermaria e 5.820 em unidades de terapia intensiva, conforme dados desta terça-feira.

Consórcio dos veículos de imprensa

O balanço de óbitos e casos é resultado da parceria entre os seis meios de comunicação que passaram a trabalhar, desde o dia 8 de junho, de forma colaborativa para reunir as informações necessárias nos 26 Estados e no Distrito Federal. A iniciativa inédita é uma resposta à decisão do governo Bolsonaro de restringir o acesso a dados sobre a pandemia, mas foi mantida após os registros governamentais continuarem a ser divulgados.

Nesta terça-feira, o Ministério da Saúde informou que foram registrados 61.963 novos casos e mais 1.214 mortes pela covid-19 nas últimas 24 horas. No total, segundo a pasta, são 8.933.356 pessoas infectadas e 218.878 bitos. Os números são diferentes do compilado pelo consórcio de veículos de imprensa principalmente por causa do horário de coleta dos dados.

Andreza Galdeano, O Estado de São Paulo, em26 de janeiro de 2021

Como pode a advogada que cresceu com o impeachment de Dilma não ver a gravidade de Bolsonaro? Questiona Juan Arias, do EL PAÍS

Hoje no Brasil há somente duas posturas na política; ou se está a favor da vida ou contra os que brincam com ela.

Manifestantes protestam em carreta contra Bolsonaro neste sábado em São Paulo. / SEBASTIÃO MOREIRA / EFE

A demonstrator shows his hand painted red as he holds a sign with text written in Portuguese that reads "Impeachment now. All lives matter," during a protest against Brazil's President Jair Bolsonaro and his response during the COVID-19 pandemic, outside the Planalto presidential palace, in Brasilia, Brazil, Sunday, Jan. 17, 2021. (AP Photo/Eraldo Peres)

Pesquisa revela que Bolsonaro executou uma “estratégia institucional de propagação do coronavírus”

Popularidade de Bolsonaro despenca ante piora da pandemia e fim do auxílio emergencial

O Brasil que reduziu a pobreza em plena pandemia vê a fome rondar quem deixou de receber o auxílio

Hoje no Brasil há somente duas posturas na política; ou se está a favor da vida ou contra os que brincam com ela. Nada mais deprimente para um político do que se gabar de ser limpo e consequente com suas ideias e depois se degradar por ideologia e covardia.

Eu me refiro à conversão da deputada Janaina Paschoal, que passou de afirmar em 16 de março de 2020 que “as autoridades precisam se unir e pedir a renúncia de Bolsonaro” e acrescentou: “Fomos invadidos por um inimigo invisível. Precisamos de pessoas capazes de conduzir a nação”. A deputada reclamava porque o presidente havia participado, um dia antes, de protestos incentivando que as pessoas saíssem às ruas.

Quem pedia à época a união de todos para tirar Bolsonaro do poder hoje zomba das forças que estão se unido para exigir a saída de Bolsonaro. E mais, chega a ironizar o que ela hoje chama em sua conta do Twitter de “uma tal Frente Ampla entre os que sempre dominaram esse país e ainda continuam dominando-o”.

Para tentar não aparecer como bolsonarista quando já havia pedido a saída do presidente do Governo, acrescentou: “Seguirei crítica a Bolsonaro, pois não sou baba ovo de ninguém”.

Janaina, que foi a maior protagonista do impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, hoje escreve no Twitter: “Não vejo elementos para um impeachment de Bolsonaro”, algo que desmente a evidência de um clamor entre juristas e até na opinião popular que exigem a cada dia com mais força a abertura de um processo criminal contra o Presidente. Por genocídio e por seu negacionismo sobre a pandemia e seu sarcasmo em minimizar o perigo do vírus que causou mais de 200.000 mortes como Eliane Brum acaba de demonstrar em seu texto.

Sempre apreciei a militância da deputada Janaina Paschoal, sua linguagem aberta que destoava da velha política. E ainda que não concordasse com suas ideias, sempre apreciei uma das mulheres na política que demonstrava não seguir o rebanho.

Não aceitou ser vice de Bolsonaro nas últimas eleições presidenciais, algo que poderia prejudicá-la. Como política conhecia bem os antecedentes do Bolsonaro misógino, golpista e amante da tortura. Janaina, bem preparada em Direito e a deputada estadual mais votada do país, teve um papel fundamental no impeachment de Dilma e no mundo da velha política apareceu como uma mulher que não aceitava compromissos.

Foi uma lutadora aberta contra os Governos do PT, algo que é normal no jogo político.

E, entretanto, hoje parece ter jogado tudo pelos ares opondo-se a um possível impeachment de Bolsonaro, algo mil vezes mais grave do que o de Dilma pelo que tanto lutou. Nesse caso há um clamor popular e um consenso cada vez maior do mundo dos juristas para abrir um processo contra um Presidente tachado de genocida, de insensível aos mais de 200.000 mortos pelo vírus e considerado responsável por tanta dor que este país já tão castigado economicamente poderia ter economizado.

Existem poucos crimes maiores do que o atentado contra a vida de inocentes e por motivos bastardos de baixa política. Por mais que Janaina diga que ela não se vende a ninguém é uma deputada suficientemente inteligente e preparada juridicamente para entender o que não só a maioria dos brasileiros como boa parte do mundo já sabem, que o Presidente despreza a vida e cultua a violência e a morte. Em seu coração não há espaço para a dor alheia.

Janaina, que se opõe ao impeachment de Bolsonaro com a desculpa de que já não há tempo e parece justificá-lo pelo fato de que com isso o PT voltará, joga pelos ares todo o respeito que sua independência e sua luta contra a corrupção infundiam. É de espantar que uma mulher como ela pareça estar negando e traindo suas antigas crenças.

Criticar como está fazendo o que chama depreciativamente de “Uma tal Frente Ampla” para se opor à política de morte de Bolsonaro significa renegar o melhor de sua biografia. E o fato de ser mulher choca ainda mais com sua aparente insensibilidade diante da tragédia vivida pelo Brasil onde já não há lágrimas para chorar tanta morte. E se opor a um impeachment de Bolsonaro que sonha somente em dar o golpe para poder governar como quer revela uma falta de humanidade e insensibilidade que acabam anulando suas posturas de independência.

É patético ficar feliz por ter contribuído para tirar o PT do poder para justificar sua recusa a um impeachment de Bolsonaro. Ela sabe muito bem, como política habilidosa que é, que o PT precisa de uma refundação profunda para tentar voltar a governar. Mas comparar o perigo de um PT desgastado com a política nazista demonstrada por Bolsonaro significa que a deputada perdeu todo o seu capital políti

Hoje, um Governo que brinca e joga com a vida das pessoas é muito mais perigoso até mesmo para a economia de um país que o presidente confessa que está quebrado.

Pior que a degradação de um senador escondendo dinheiro sujo nas partes baixas é a hipocrisia na política e a insensibilidade diante da morte de inocentes. Janaina perderá sua dignidade e sua imagem de política e mulher sem complexos e conivência com a velha política corrupta, se hoje não colocar o mesmo ímpeto e coragem que demonstrou no impeachment de Dilma para derrubar Bolsonaro do poder.

Hoje Janaina joga por terra seu velho capital de credibilidade se negando a ficar do lado dos que acham que Bolsonaro ultrapassou todos os limites da dignidade e revelou, além de ser incapaz de governar um país da envergadura do Brasil, sua espantosa insensibilidade em relação aos frágeis e abandonados pelo poder.

Não vale a pena trair a própria dignidade por um prato de feijões, mesmo que não saibamos ainda que preço esses feijões podem ter para mandar pelos ares o que defendeu com tanta coragem.

A soberba e a traição às próprias ideias são a maior imoralidade na política e na vida.

Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como Madalena, Jesus esse Grande Desconhecido, José Saramago: o Amor Possível, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente. Publicado em 26.01.21.

Brasil se tornou desinteressante para investidores

A economia brasileira vive perigosa inversão de tendência: as empresas estrangeiras estão perdendo cada vez mais o interesse no país. E isso é novo para o Brasil, mesmo em tempos de crise.

Bolsonaro acena a apoiadores: para Alexander Busch, a política ambiental do governo assusta investidores

Os últimos números da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) sobre o desenvolvimento do investimento estrangeiro no mundo praticamente não chamaram atenção no Brasil. Mas deveriam. Eles apontam para uma perigosa inversão de tendência, que moldará a economia brasileira nos próximos anos.

No ano passado, o investimento estrangeiro direto no Brasil encolheu por cerca da metade. Em comparação com as economias industrializadas como a de países europeus e dos Estados Unidos, isso não é muito – nelas, os investimentos das empresas estrangeiras caíram quase 70%.

Mas o problema é que o Brasil foi o que mais perdeu entre os principais mercados emergentes do mundo. No México, por exemplo, as empresas estrangeiras investiram apenas 8% a menos. Na Índia e na China, pelo contrário, elas aumentaram suas aquisições, investimentos e novos aportes, mesmo em meio à pandemia.

Isso é incomum para o Brasil. Até agora, o país podia contar sempre com empresas estrangeiras para investir, por mais grave que fosse a crise. Durante grande parte dos últimos 20 anos, ele esteve entre os quatro ou cinco melhores lugares para se investir no mundo. Mas agora a maré parece estar virando.

Como a saída da Ford do Brasil acaba de demonstrar, o tamanho do mercado brasileiro, com 210 milhões de consumidores, está servindo cada vez menos como argumento de investimento. Até recentemente, estar presente no Brasil era uma obrigação entre os fabricantes de bens de consumo do mundo inteiro. Mas agora, nem mesmo o real desvalorizado e, portanto, barato está atraindo empresas para comprar fábricas.

Há, além disso, três outras tendências que tornam o Brasil ainda menos atraente para as multinacionais.

A primeira: as esperadas privatizações do governo estão estagnadas e é pouco provável que decolem em breve. O presidente parece não ter o menor interesse em vender empresas estatais.

Outra é que, enquanto o mundo se integra – o tratado de livre-comércio da região Ásia-Pacífico é um exemplo – a integração na América do Sul está paralisada. O Mercosul agora é apenas uma sombra do que foi.

E a terceira tendência: os gerentes no Brasil estão tendo cada vez mais dificuldade em convencer seus conselhos de administração e de supervisão nas matrizes na Europa e nos EUA a investir no país. As crescentes demandas no exterior por investimentos responsáveis social, ética e ecologicamente estão afastando as empresas de investir no Brasil. E isso, não há dúvida, se deve principalmente às políticas ambientais do governo Jair Bolsonaro.

Isso não é um bom desenvolvimento para o Brasil: levará o país, ao final, a tornar-se cada vez mais dependente de suas exportações de commodities.

Em declarações ao Brazil Journal, o investidor e especialista em commodities Jean Van de Walle esclareceu a importância cada vez menor do Brasil na economia global: "90% do crescimento da classe média no mundo acontece na Ásia", disse Van de Walle.  "Então, será que vale a pena o investidor global passar muito tempo olhando uma região que ficou tão pequena no contexto global? E uma região que, para além das commodities, não tem crescimento e tem pouca inovação?"

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Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch, autor deste artigo, é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.Publicado no Brasil por Deutsche Welle, em 26.01.21

Líderes religiosos reforçam pressão por impeachment de Bolsonaro

Representantes católicos e evangélicos decidem formalizar na Câmara um pedido de afastamento do presidente, por negligência na condução da pandemia de covid-19

Líderes evangélicos e católicos vão aumentar a pressão pela abertura de um processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro no Congresso. Em um movimento que será apresentado como uma “frente de fé”, um grupo de religiosos formalizará nesta terça-feira, 26, na Câmara dos Deputados, um pedido de afastamento de Bolsonaro, sob o argumento de que ele agiu com negligência na condução da pandemia de covid-19, agravando a crise. É a primeira vez que representantes desse segmento encaminham uma denúncia contra o presidente por crime de responsabilidade.

O pedido de impeachment é assinado por religiosos críticos ao governo. Na lista estão padres católicos, anglicanos, luteranos, metodistas e também pastores. Embora sem o apoio formal das igrejas, o grupo tem o respaldo de organizações como o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, a Comissão Brasileira Justiça e Paz da Confederação Nacional de Bispos do Brasil (CNBB) e a Aliança de Batistas do Brasil.

“Uma parcela da igreja deu um apoio acrítico e incondicional ao Bolsonaro independentemente do discurso que ele defendia. Queremos mostrar que a fé cristã precisa ser resgatada e que a igreja não é um bloco monolítico”, disse ao Estadão/Broadcast o teólogo Tiago Santos, um dos autores do pedido de impeachment.


Bolsonaro almoça em um restaurante, neste mês, no DF; presidente vê aumentar investidas por impeachment Foto: Gabriela Biló/Estadão

As falhas do governo durante a crise do coronavírus, na esteira de idas e vindas sobre a importação de vacinas da China e da Índia, elevaram a temperatura política. Partidos de esquerda como PT, PDT, PSB, PSOL e PCdoB, além da Rede, também vão protocolar na Câmara, nesta quarta-feira, 27, um outro pedido de afastamento de Bolsonaro, desta vez com o mote “Pelo impeachment, pela vacina e pela renda emergencial”. As siglas adiaram a formalização da denúncia, antes prevista para esta terça-feira, justamente a pedido dos religiosos, que temiam confusão entre os dois movimentos.

“A palavra é ‘emergencial’. O que é emergencial? Não é duradouro, vitalício. Não é aposentadoria. Lamento muita gente passando necessidade, mas a nossa capacidade de endividamento está no limite”, afirmou Bolsonaro, nesta segunda-feira, 25, em conversa com apoiadores, no Palácio da Alvorada.

Em uma aliança que juntou partidos de esquerda à centro-direita, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também tomou a frente de um movimento que pode ser a prévia da nova articulação para tentar derrotar Bolsonaro em 2022, quando ele pretende disputar a reeleição.

A decisão de dar ou não o pontapé inicial no impeachment cabe ao presidente da Câmara, que também pode engavetar os pedidos – desde o início do mandato de Bolsonaro foram protocoladas 61 ações desse tipo contra ele, das quais 56 estão ativas.

O Palácio do Planalto faz campanha para emplacar o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), líder do Centrão, na cadeira de Maia, com a expectativa de que, nesse cenário, uma denúncia contra ele não avançará no Congresso. Adversário de Lira, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), apoiado pelo presidente da Câmara, promete analisar “com equilíbrio” os pedidos de afastamento de Bolsonaro se vencer a disputa. A eleição que vai renovar as cúpulas da Câmara e do Senado está marcada para 1º de fevereiro.

No pedido que será formalizado nesta terça, os líderes religiosos acusam o presidente de agravar a crise do coronavírus e, consequentemente, o número de mortes. Para eles, Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade e desrespeitou princípios constitucionais e o direito à vida e à saúde. Mais de 200 mil pessoas já morreram em decorrência de covid-19.

Declarações de Bolsonaro durante a pandemia, como chamar o novo coronavírus de “gripezinha”, são citadas no pedido de impeachment a ser apresentado pelos religiosos. “As ações e omissões de Jair Bolsonaro, que seguem em repetição e agravamento, levaram e seguem levando a população brasileira à morte e geraram danos irreparáveis. Isso é crime de responsabilidade. Crime contra os direitos e os princípios constitucionais mais primários: à vida e à saúde”, diz a peça.

O bispo primaz da Igreja Anglicana do Brasil, Naudal Alves Gomes, a presidente da Aliança de Batistas do Brasil, Nívia Souza Dias, e os teólogos Lusmarina Campos Garcia, Leonardo Boff e Frei Betto também estão entre os signatários da ação. 

A posição desses líderes vai na contramão de pastores evangélicos que defenderam a eleição de Bolsonaro, em 2018, e integram a base de apoio ao governo. Entre os defensores do chefe do Planalto estão Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, José Wellington Bezerra da Costa, da Assembleia de Deus Belém, Edir Macedo, da Universal do Reino de Deus, e R.R. Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus.

Durante a crise, Bolsonaro chegou a ser cobrado por esses aliados para reagir a decretos de prefeitos e governadores que determinaram o fechamento de igrejas, em função do isolamento social necessário para evitar a covid-19. 

Pastores pediram ao presidente que investisse na vacinação em massa para que o País voltasse às atividades econômicas. Sem cultos nos templos, que estão fechados, a arrecadação também cai para essas igrejas.

Daniel Weterman, O Estado de São Paulo, em 26 de janeiro de 2021


Sobrou para o hipnotizador

Quem sabe se, ao hipnotizar o País inteiro, “Markinhos Show” convença os brasileiros de que Pazuello é competente e Bolsonaro merece ficar no cargo

Diversas entidades empresariais divulgaram nos últimos dias dois manifestos em que expressam enorme preocupação com a crise causada pela pandemia de covid-19. Em declarações de líderes do setor produtivo, noticiadas pelo Estado, ficaram explícitas as críticas ao comportamento errático e irresponsável do governo de Jair Bolsonaro não só em relação ao enfrentamento da doença, mas também no que diz respeito aos graves problemas econômicos. 

Essas manifestações evidenciam, sem sombra de dúvida, a progressiva perda de confiança do empresariado na capacidade do presidente de conduzir o País, algo que já é claro para cada vez mais brasileiros. Ainda não houve pedido explícito de impeachment de Bolsonaro por parte dos empresários, mas nem era necessário: o tom das declarações indica que a paciência com o presidente já se esgotou.

Um bom resumo dessa percepção foi feito por José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast). “Do lado da saúde, não está passando segurança; do lado da economia, as coisas não andam”, disse o empresário a propósito da atuação do governo federal.

Os empresários estão convencidos de que não haverá retomada da economia sem vacinação em massa da população, algo muito difícil de acontecer num futuro previsível em razão da inacreditável desorganização do governo Bolsonaro. “A sensação é de que há muito improviso, e isso assusta”, disse Pedro Passos, da Natura.

Mas ninguém pode se dizer surpreendido. Em outubro do ano passado, o presidente Bolsonaro defendeu que era melhor investir na “cura” da covid-19 do que numa vacina. Ao longo de toda a crise, e ainda hoje, Bolsonaro faz campanha pelo que chama de “tratamento precoce” com cloroquina e outros elixires comprovadamente ineficazes contra a doença. Gastou milhões na produção e na distribuição dessas drogas, ao mesmo tempo que tudo fazia para sabotar a vacinação. Demitiu ministros da Saúde que se recusaram a defender o uso da cloroquina e insistiam na adoção de medidas como quarentena e distanciamento social e na produção de uma vacina. No lugar deles, colocou um almoxarife que papagueia as asneiras ditas por seu chefe sobre curas milagrosas e que foi incapaz de trabalhar pela vacinação em qualquer de suas etapas – seja na importação, seja na produção, seja na distribuição.

Não fosse o governo de São Paulo ter investido na produção de uma vacina, que o presidente Bolsonaro desmoralizou o quanto pôde para prejudicar o governador João Doria, seu principal antagonista, o País não teria nem mesmo a vacinação precária que se iniciou há dias.

Por todos esses motivos, não há nenhuma razão para acreditar que Bolsonaro venha a ser o líder que nunca foi e de que o País tanto precisa neste momento. Ao contrário: sua permanência na Presidência da República tende a agravar, e muito, o quadro. Essa certeza chegou ao empresariado, que já vinha demonstrando fastio com a inação do governo na área econômica, depois de tantas promessas tão grandiloquentes quanto vazias.

“Se o mundo inteiro está vacinando e o Brasil não, é falha do nosso governo”, disse o presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Vander Costa. “A pior coisa, do meu ponto de vista, é não reconhecer quando se falha. Quando você erra e reconhece o erro, toma uma atitude para corrigir. Mas, quando não quer ver o erro, vai continuar fazendo errado. Querer fazer a mesma coisa do mesmo jeito e esperar resultado diferente é coisa de louco.”

A loucura, contudo, vai continuar, até que termine a alucinação que começou em 1.º de janeiro de 2019. O quanto antes isso acontecer será melhor para todos – é para isso, aliás, que existe o instrumento constitucional do impeachment.

Mas o governo parece convencido de que seu problema é apenas de comunicação. Por isso, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, contratou um novo assessor de comunicação, um certo “Markinhos Show”, que cita entre suas especialidades a de “hipnólogo”. Quem sabe se, ao hipnotizar o País inteiro, o novo assessor do intendente consiga convencer os brasileiros de que Pazuello é um ministro da Saúde competente e que Bolsonaro é um ótimo presidente e merece ficar no cargo.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em 26 de janeiro de 2021