segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Coronavírus: Brasil supera marca de 217 mil mortos pela covid-19 e tem mais de 8,8 milhões de casos


Profissional da saúde cuida de paciente na UTI covid do hospital Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre / CRÉDITO,DIEGO VARAS/REUTERS

Volume de novos casos da doença voltou a crescer no país

O Brasil acumula um total de 8.871.393 casos de covid-19 e 217.664 mortos pela doença, segundo boletim do Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) divulgado na segunda-feira (25/01).

Nas últimas 24 horas, foram registrados 627 óbitos e 26.816 casos.

O Estado com maior número de vítimas fatais é São Paulo (51.556), seguido de Rio de Janeiro (28.856) e Minas Gerais (14.305).

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país com mais mortes pela doença em todo o mundo. Ele está atrás apenas dos Estados Unidos, que têm mais de 420,2 mil óbitos por covid-19, conforme levantamento da Universidade Johns Hopkins.

O país foi superado em número de casos, entretanto, pela Índia (10,6 milhões), agora em segundo lugar depois dos Estados Unidos (25,2 milhões

Deutsche Welle, em 25.01.21

A pequenez de Bolsonaro

Em sua rinha contra o governador João Doria, Bolsonaro esgarça ainda mais os limites aceitáveis das lides políticas da democracia

A postura antirrepublicana do presidente Jair Bolsonaro é mais uma entre tantas evidências de que ele não cabe no cargo que ocupa. A bem da verdade, jamais coube. A notória mediocridade de seu currículo, por assim dizer, e a intolerância a tudo e a todos que contrariem seus interesses já apontavam desde antes da eleição que, caso ele chegasse à Presidência, como de fato chegou, a Nação haveria de lidar com o mais nefasto governo de sua história. Em vez de se moldar à dignidade da Presidência da República, Jair Bolsonaro a rebaixou como nenhum outro presidente antes dele.

Em sua rinha contra o governador de São Paulo, João Doria, o presidente esgarça ainda mais os limites aceitáveis das lides políticas próprias da democracia. Por raiva, medo, inveja ou outros sentimentos inconfessáveis em relação ao tucano, o comportamento de Bolsonaro põe em risco projetos de interesse da população do maior Estado da Federação.

Há dezenas de obras em São Paulo que dependem fundamentalmente do aval da União, da ação de Ministérios ou de financiamentos de bancos públicos. A esmagadora maioria delas tem sido sabotada pelo governo central, por ordem de Bolsonaro. O presidente da República proíbe ministros e assessores de atender a qualquer pedido do governo paulista. Quem desobedecer à ordem, conversar e “fizer graça” com Doria está sujeito a “cartão vermelho”. Quão mais mesquinho pode ser o presidente?

Uma das obras em risco é a construção do Piscinão de Jaboticabal, que é fundamental para solucionar o problema das enchentes do Rio Tamanduateí e dos Ribeirões dos Couros e dos Meninos. Mas a angústia das famílias ribeirinhas, que sofrem ano após ano com as enchentes, é irrelevante para Bolsonaro diante de sua necessidade de impor um revés político para alguém que ele trata não como um governador de Estado que lhe faz oposição, e sim como um inimigo figadal. A obra está orçada em R$ 300 milhões e seria financiada pela Caixa, de acordo com o secretário estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente, Marcos Penido. Mas, de uma hora para outra, a linha de crédito foi “congelada”. A fim de concluir a obra, o governo paulista vai buscar recursos no Tesouro do Estado.

A construção de uma ponte entre Santos e Guarujá é mais uma obra atrasada em função das disputas políticas entre o governo federal e o Estado de São Paulo. Não há desembolso de dinheiro público na obra, que será custeada pela concessionária Ecovias, mas a ponte precisa passar por uma área do Porto de Santos, que está sob responsabilidade federal. Sem a autorização do Palácio do Planalto, a obra não anda.

Por meio de nota, tanto a Caixa como o Ministério da Infraestrutura afirmaram que pautam a análise dos projetos “por critérios estritamente técnicos” e de maneira “isenta”. Espera-se que seja assim. Mas é no mínimo estranho que as obras que dependem do governo federal justamente no Estado governado pelo maior desafeto de Bolsonaro tenham um andamento tão acidentado.

A ira de Jair Bolsonaro contra João Doria aumentou significativamente após o início da vacinação contra a covid-19 em São Paulo, mas não é de hoje que o presidente atua para dificultar o avanço de projetos importantes para os paulistas e para os paulistanos.

Há muito tempo se negocia a devolução da área do Campo de Marte para a Prefeitura de São Paulo. Mas, no que depender de Jair Bolsonaro, o Campo de Marte pode até deixar de ser um aeroporto, mas não será reintegrado pelo Município. O presidente tem planos de instalar ali uma escola cívico-militar.

Em abril de 2019, Bolsonaro também firmou compromisso com o governo paulista para transferir a gestão da Ceagesp para o âmbito estadual. A ideia do governador João Doria é mudar o entreposto da Vila Leopoldina para outro local. Mas, no final do ano passado, o presidente renegou a própria assinatura e afirmou que nada muda na Ceagesp enquanto ele ocupar o cargo.

O presidente age contra os interesses dos brasileiros, os de São Paulo em particular.   

Editorial / Notas&Informações, O Estado de São Paulo, em 25 de janeiro de 2021 

Empresários e apoiadores criticam Bolsonaro na crise sanitária, e luz amarela acende no Planalto

Empresários e apoiadores do presidente Jair Bolsonaro passaram a reclamar da conduta dele na crise sanitária de Covid-19 diretamente ao Palácio do Planalto, fazendo acender a luz amarela dentro do governo.

Segundo assessores presidenciais, as queixas começaram a ser feitas com maior intensidade nas últimas semanas e chegaram ao presidente.

No empresariado, as reclamações estão sendo feitas tanto por empresários não bolsonaristas, mas que apoiam a agenda econômica do governo, quanto pelos bolsonaristas.

Eles estão se queixando principalmente da lentidão do programa de vacinação e do risco de falta de vacinas. Avaliam que o presidente Bolsonaro tem responsabilidade no agravamento da crise e pedem correções de rumo.

"Os empresários, bolsonaristas e não bolsonaristas, estão mandando o recado de que o presidente precisa mudar, porque a crise está se agravando e a vacinação é que irá garantir a recuperação da economia. Sem ela, o país vai travar de novo. É o alerta que os empresários estão fazendo", disse ao blog um interlocutor do presidente da República.

Outros grupos de apoiadores também estão reclamando diretamente ao Palácio do Planalto pelo agravamento da crise, entre eles, o grupo dos evangélicos.

Os pastores reclamaram com a equipe presidencial que, sem vacinação em massa, o país não voltará à normalidade, e as atividades, como os cultos nas igrejas, vão seguir paralisadas.

Líderes de igrejas evangélicas avaliam que o governo precisa se empenhar mais para resolver o problema da falta de vacinas, principalmente nas negociações com a China para liberação dos princípios ativos que vão permitir a fabricação de vacinas no país pelo Instituto Butantan e Fiocruz.

Além das queixas diretas ao Planalto, a última pesquisa Datafolha, mostrando que a avaliação negativa do governo subiu de 31% para 40%, ultrapassando a positiva, que caiu de 37% para 31%, também serviu como um alerta dentro do governo de que é preciso fazer correções de rumos.

"O presidente precisa mudar a sua postura, porque agora ele começou a perder apoio entre seus apoiadores", acrescentou um interlocutor presidencial.

Valdo Cruz, comentarista de política e economia da GloboNews. Cobre os bastidores das duas áreas há 30 anos. Publicado por G1, em 25.01.21

Putin rejeita denúncia de Navalny e nega ser dono de palácio

Em documentário já visto por milhões, líder oposicionista russo afirma que presidente é proprietário, por intermédio de laranjas, de suntuoso palácio na costa do Mar Negro.

    

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, negou nesta segunda-feira (25/01) ser o proprietário de um suntuoso palácio na costa do Mar Negro, como denunciou o líder opositor Alexei Navalny em documentário.

"Nada do que ali se mostra como propriedade minha me pertence ou a algum familiar meu próximo e jamais me pertenceu", afirmou o líder russo numa videoconferência com estudantes, ao comentar uma reportagem em vídeo feita por Navalny.

Putin disse que não assistiu ao documentário inteiro por "falta de tempo", mas viu trechos escolhidos por seus assessores.


Vista aérea de um palácio na costa do Mar Negro que seria de Putin

Na semana passada, Navalny publicou um documentário no YouTube no qual denuncia a maior trama de corrupção da história da Rússia. Nele, o opositor mostra um palácio na costa do Mar Negro que valeria mais de 1 bilhão de dólares e que teria sido dado a Putin pela "elite corrupta da Rússia".

Navalny afirma que o palácio é de Putin, mas está em nome de laranjas. O documentário já foi visualizado mais de 85 milhões de vezes.

O palácio, de 17 mil metros quadrados, está rodeado por um terreno de 7 mil hectares pertencente ao serviço secreto russo FSB, a antiga KGB, e que forma uma espécie de perímetro de contenção para evitar visitas indesejadas.

Navalny afirmou que o documentário provocou a ira de Putin. O opositor convocou protestos antigoverno, que no sábado reuniram milhares de pessoas em toda a Rússia e foram reprimidos pela polícia, com mais de 3 mil detenções.

Os atos ocorreram não apenas em Moscou e São Petersburgo, mas também em cidades de menor porte, como Novosibirsk, Nizhny Novgorod, Voronezh, Kazan e Jabarovsk.

Navalny foi detido ao retornar à Rússia, em 17 de janeiro, depois de cinco meses na Alemanha, onde se recuperou de um envenenamento. Ele é acusado de violar as regras de liberdade condicional de uma condenação de 2014, fruto de um processo considerado politicamente motivado e declarado ilícito pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos.

Navalny deve permanecer em prisão preventiva até pelo menos 15 de fevereiro. Vários instituições internacionais e países, inclusive a União Europeia, já apelaram à libertação imediata do opositor russo.

Deutsche Welle, em 25.01.21

Bolsonaro e seu entorno fizeram 580 ataques à imprensa em 2020

Presidente e seus filhos lideram ranking de atos hostis contra jornalistas da ONG Repórteres sem Fronteiras. Ataques foram promovidos principalmente nas redes sociais.


O presidente Jair Bolsonaro dá declarações à imprensa no Palácio da Alvorada, em Brasília
Palácio da Alvorada se tornou um "palco de humilhações públicas de jornalistas", diz ONG

A organização não governamental Repórteres sem Fronteiras contabilizou 580 ataques à imprensa brasileira promovidos por pessoas ligadas ao presidente Jair Bolsonaro em 2020.

No topo da lista da ONG dos que mais atacaram e ofenderam jornalistas e empresas de comunicação está a própria família do presidente.

O primeiro da lista é o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), com 208 ataques a jornalistas. Em seguida vêm o presidente da República, com 103 ataques, o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), com 89, e o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), com 69.

A seguir aparecem outras pessoas do entorno do presidente, como os ministros Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Onyx Lorenzoni (Cidadania) e o vice-presidente Hamilton Mourão.

O principal meio para a difusão dos ataques são as redes sociais. Pelo Twitter foram 409 ataques à imprensa, outros dez pelo Facebook e 17 durante transmissões ao vivo (lives).

Mas também aparições públicas ou entrevistas foram usadas para desferir ataques a jornalistas ou empresas. A RSF dá como exemplo as entrevistas coletivas informais do presidente em frente ao Palácio da Alvorada, em Brasília, que fizeram da residência oficial um "palco de humilhações públicas de jornalistas".

"Foi lá que, no dia 3 de março, Jair Bolsonaro saiu de seu veículo oficial acompanhado por um humorista disfarçado de presidente, a quem pediu para distribuir bananas aos jornalistas presentes. Essa cena surreal foi transmitida ao vivo nas redes sociais da Presidência", recorda o relatório.

A ONG ainda denuncia processos abusivos contra a imprensa, que chamou de esporte nacional. Entre os processados ou ameaçados de processo estão os jornalistas Luís Nassif, Patrícia Faermann, Hélio Schwartsman, Ruy Castro, Ricardo Noblat e o cartunista Aroeira, e também veículos da imprensa, como Folha de S. Paulo, Ponte Jornalismo, The Intercept, TV Globo e UOL.

Destaque especial no relatório recebem ainda os ataques de cunho misógino. São mencionadas as jornalistas Patrícia Campos Mello, Bianca Santana, Vera Magalhães, Constança Resende, Lola Aronovitch e Maria Júlia (Maju) Coutinho como vítimas dessas ofensas.

O relatório ainda denuncia favoritismo na distribuição de verbas públicas a canais de televisão próximos da linha oficial da Presidência da República, em especial SBT e Record.

"Até o momento, nada indica que o 'sistema Bolsonaro' vá interromper sua lógica de ataques e sua operação orquestrada para desacreditar a mídia. O desafio para a imprensa brasileira é imenso. O caminho para enfrentá-lo aponta na direção da coragem e da resiliência", afirma a ONG.

O Brasil ocupa a 107ª colocação no ranking mundial da liberdade de imprensa de 2020 da RSF.

domingo, 24 de janeiro de 2021

Miriam Leitão: Impeachment pelo passado e futuro

Dos argumentos contra o impeachment do presidente Jair Bolsonaro, o mais fraco é o de que não podemos “banalizar” esse instrumento. A lei é para ser usada, e em nenhum outro caso anterior a este fez tanto sentido iniciar o processo de punição que é previsto na Constituição e em lei de 1950 para o caso de o presidente cometer crime de responsabilidade. Bolsonaro incorreu em vários crimes, inclusive comuns, desde que assumiu o cargo.

Não é a primeira vez que escrevo isso neste espaço. Em maio do ano passado escrevi que era necessário não ter medo de encarar o impedimento, sempre traumático, mas agora necessário para salvar vidas. Em outras colunas, listei os artigos das leis do país que ele tem ferido constantemente. No ano passado ele escalou nos ataques às instituições justamente quando o Brasil começava o enfrentamento a um vírus mortal. É uma dupla perversidade.

O impeachment da presidente Dilma não foi apenas por um preciosismo fiscal, por uma singela pedalada, como ficou na memória de muita gente, da mesma forma que Collor não foi abatido por um Fiat Elba. Com seus erros de decisão, sequenciais, Dilma desmontou a economia. A recessão destruiu 7% do PIB em dois anos, a inflação voltou a dois dígitos, o desemprego escalou, o déficit e a dívida deram um salto. Tudo isso derrubou sua popularidade e ela não teve sustentação política. Não foi um golpe. Foi o uso do impeachment por crime de responsabilidade fiscal, e num contexto de descobertas de assalto aos cofres da Petrobras para financiamento político.

Os crimes de Jair Bolsonaro estão em outro patamar de gravidade, porque atentam contra a vida. A falta de coordenação federal da pandemia matou brasileiros. Ele estimulou o agravamento da pandemia por atos, palavras e omissões. Se permanecer intocado e com o seu mandato até o fim, a história será reescrita naturalmente. O impeachment da presidente Dilma parecerá injusto e terá sido. E isso porque diante de crimes muito mais graves do que os que provocaram a desordem econômica, as instituições cruzaram os braços e lavaram suas mãos deixando Bolsonaro protegido.

O presidente faz seus movimentos ameaçadores diante de instituições inertes ou coniventes. A nota do procurador-geral da República, Augusto Aras, é inconcebível. Ele não apenas diz que não fará seu papel constitucional, como ameaça o país com uma insinuação de estado de defesa. Isso é a antessala de um golpe. Bolsonaro mais uma vez, nos últimos dias, usou as Forças Armadas para intimidar o país. E elas silenciam. Ajudaram desde o início o presidente com seus silêncios, suas palavras ambíguas, e sua presença ao lado de um ex-tenente que virou capitão quando passou, com desonra, para a reserva.

O Congresso é o próximo passo que está sendo dado pelo presidente. Ter políticos submissos na presidência das duas Casas será a etapa final para a blindagem. Bolsonaro avança nesse propósito com a ajuda inclusive dos partidos de esquerda, como PT e PDT, que deram oficialmente seu apoio a Rodrigo Pacheco (DEM-MG), o senador que diz serem “escusáveis” os erros do governo. Que escusa existe para o caso de Manaus? Pessoas morreram sufocadas porque o governo não ouviu os alertas dos próprios funcionários do Ministério da Saúde, numa terrível cronologia da tragédia. O ministro lá esteve e voltou prescrevendo tratamento que a ciência comprovou que é ineficaz. E o estado precisava de oxigênio. Na Câmara também avança o candidato com o apoio do Planalto.

Bolsonaro quer demonstrar superioridade e que tudo está dominado. Tem chances de colocar submissos nas presidências das duas Casas, a PGR já está em suas mãos, as Forças Armadas aceitam ser o espantalho dos democratas. Muitos dizem não ser estratégica a defesa do impeachment agora, porque ele seria barrado pela anomia das instituições. Isso não é argumento para não defender o impeachment do presidente Bolsonaro. Ele cometeu inúmeros crimes e precisa responder por eles. Se a democracia brasileira não tiver forças para tanto, ela mudará o passado. Serão injustos os impeachments anteriores. O mais grave, contudo, não é a mudança do passado, mas a do futuro. Brasileiros estão morrendo hoje pela gestão criminosa da pandemia. Em nome dos sem futuro a democracia brasileira precisa encarar o seu maior desafio.

Míriam Leitão, jornalista há mais de 40 anos, é colunista d'O Globo desde 1991. É autora, entre outros, do livro Saga Brasileira, ganhador do Jabuti de Livro do Ano (2012). Entre seus prêmios, recebeu o Maria Moors Cabot da Columbia University (NY). Publicado originalmente n'O Globo, em 24.01.21. Com Alvaro Gribel (de São Paulo).

Rolf Kuntz: Doentes sufocados e democracia ameaçada: o país de Bolsonaro

Riscos para o Brasil se multiplicam enquanto se prolonga o atual desgoverno

O mais incompetente e mais tosco chefe de governo da História do Brasil seria menos danoso se fosse apenas – apenas? – um destruidor do meio ambiente, como parecem considerá-lo alguns estrangeiros. Mas ele é muito pior que isso. Suas ações e omissões afetam a economia, comprometem a saúde e a segurança dos brasileiros, sujam a imagem do País e ameaçam as instituições democráticas. “Quem decide se um povo vai viver na democracia ou na ditadura são as suas Forças Armadas”, disse o presidente Jair Bolsonaro no dia 18, em mais uma arenga de tom golpista, uma de suas atividades mais notórias em janeiro.

Na mesma semana, recém-iniciada a vacinação contra a covid-19 no Brasil, os governos da China e da Índia retardaram remessas de vacinas e de insumos, em clara retaliação a ofensas e a decisões diplomáticas subordinadas à orientação do presidente Donald Trump. O governo brasileiro havia se desentendido com dois dos cinco Brics, sócios do País num banco de desenvolvimento e com alto potencial de cooperação. O reinício dos embarques foi pouco depois anunciado por autoridades indianas e chinesas, mas o recado transmitido nos dias anteriores havia sido inequívoco. Ainda assim, Bolsonaro insistiu em prestigiar publicamente seu desastroso ministro das Relações Exteriores – afinal, um cumpridor das ordens do presidente e de seus filhos.

Enquanto o governo federal se enrolava nos próprios erros, doentes sufocavam e morriam com falta de oxigênio, no Amazonas, por onde o ministro da Saúde havia passado, pouco antes, pregando uso da cloroquina e tratamento precoce. Quando a tragédia virou escândalo nacional, e logo mundial, o governo de Jair Bolsonaro se mexeu para mandar oxigênio a Manaus, onde familiares e amigos de doentes buscavam cilindros, como pudessem, para conter a mortandade.

Os mais crentes poderiam recorrer ao aplicativo TrateCOV, do Ministério da Saúde, com instruções para diagnósticos e tratamento precoce, incluído um kit para náusea e diarreia. Na quinta-feira, 21, o ministério tirou do ar o aplicativo. Segundo alegação ministerial, a plataforma era um projeto-piloto e o aplicativo havia sido invadido e ativado indevidamente.

O sistema, no entanto, havia sido lançado em Manaus, na semana anterior, e o Conselho Federal de Medicina e o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) haviam pedido sua retirada.

As mortes por falta de oxigênio compuseram um dos capítulos mais dramáticos da crise sanitária, em janeiro, quando o quadro da pandemia piorou em todo o País e o susto aumentou por causa de novas cepas de coronavírus. Médicos e autoridades apontaram como causas principais as imprudências no período de festas. Em alguns casos, governos estaduais e locais podem ter falhado. Quanto ao presidente, ou se omitiu ou errou, de forma explícita, combatendo a prevenção, menosprezando as mortes e dando os piores exemplos ao aparecer sem máscara e ao frequentar aglomerações.

Alguns desses ajuntamentos foram manifestações golpistas, com pedidos de intervenção militar. Em janeiro, o presidente encontrou inspiração no ataque de trumpistas ao Congresso americano. Algo pior, disse Bolsonaro, poderá ocorrer no Brasil se as eleições de 2022 forem realizadas sem voto impresso.

Foi uma clara ameaça, rechaçada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e por muitos políticos. Mas o presidente insistiu. Dias depois atribuiu aos militares o poder, impensável à luz da Constituição, de decidir sobre democracia ou ditadura. Chegou a usar o pronome “nós”, identificando-se como militar e inventando uma conspiração socialista. “Por que sucatearam as Forças Armadas ao longo de 20 anos? Porque nós, militares, somos o último obstáculo para o socialismo.”

Conspirações imaginárias são mentiras típicas do populismo e do golpismo. Trump falou da covid-19 como doença produzida na China, também acusada de espionagem por meio da tecnologia 5G. Bolsonaro imitou essa patacoada, agravada por atingir o maior cliente externo do agronegócio brasileiro. O presidente falou em “vachina”, fazendo campanha contra a vacina do Butantan e envolvendo Pequim em sua disputa com o governador de São Paulo.

Polimático na incompetência, Bolsonaro errou em quase tudo. Em 2019, omitiu-se e deixou a economia derrapar. Em seguida, no primeiro trimestre de 2020, o produto interno bruto (PIB) foi 1,5% menor que nos três meses finais de 2019. A crise econômica, por aqui, precedeu a covid-19. Houve esforço, como em todo o mundo, para atenuar os efeitos da doença. Mas a política de saúde, enquanto dependeu do poder central, foi catastrófica, a partir da militarização do setor.

Por tantas barbaridades, e principalmente pelos desmandos durante a pandemia, tornou-se muito difícil pensar na recuperação do País sem o impeachment de Bolsonaro. Crimes de responsabilidade, como falhas no combate à pandemia e participação em manifestações golpistas, têm sido apontados por especialistas. Podem faltar condições políticas para o processo. Quanto a bons motivos, sobram e multiplicam-se dia a dia.

Rolf Kuntz é Jornalista. Publicado n'O Estado de São Paulo, em 24 de janeiro de 2021

Apedeutas cívicos

Que as instituições do País não se intimidem e exponham as patranhas do presidente

Sempre que sua escandalosa incompetência fica clara para todo o País, como é o caso de sua conduta criminosa ao longo da crise causada pela pandemia de covid-19, o presidente Jair Bolsonaro tenta maliciosamente atrair os brasileiros para seu universo delirante – em que o inimigo a ser combatido não é o coronavírus ou o desemprego, que são bem reais e ameaçam de fato a vida e o bem-estar de todos os brasileiros, mas o comunismo, que só existe no discurso demente dos camisas pardas bolsonaristas.

Nesse mundo, a democracia não é uma conquista dos cidadãos brasileiros, consubstanciada na Constituição de 1988, mas uma concessão das Forças Armadas. “Quem decide se um povo vai viver na democracia ou na ditadura são as suas Forças Armadas”, declarou Bolsonaro na segunda-feira, dia 18, a um punhado de devotos. “Não tem ditadura onde as Forças Armadas não apoiam.”

Quando é necessário esclarecer ao presidente da República que, numa democracia, as Forças Armadas não são um poder moderador e estão submetidas ao poder civil livremente escolhido pelos eleitores, é porque a Presidência está ocupada por um apedeuta cívico.

Mas há apedeutas e apedeutas. Há os que não tiveram a educação cívica necessária para a convivência democrática saudável e acreditam que a democracia é mesmo um presente dos militares, como é o caso dos tolos que se dizem saudosos da ditadura, e há os espertalhões que, uma vez no poder, pretendem insidiosamente arrastar as Forças Armadas para uma desvairada aventura autoritária. Nem é preciso dizer qual apedeuta é mais perigoso.

“O pessoal parece que não enxerga o que o povo passa, para onde querem levar o Brasil. Para o socialismo. Por que sucatearam as Forças Armadas ao longo de 20 anos? Porque nós, militares, somos o último obstáculo para o socialismo”, disse Bolsonaro. Nem é o caso de comentar a sugestão ridícula de que as dificuldades orçamentárias dos militares foram deliberadamente causadas por “comunistas” para tomar o poder. O importante é que o presidente, ao se qualificar como “militar” – malgrado ter saído da caserna há mais de 30 anos, e de maneira desonrosa –, tenta amalgamar seu governo às Forças Armadas, como se fossem uma coisa só, na luta contra o “socialismo”.

Não foi a primeira vez que Bolsonaro fez isso, e nada indica que será a última, já que a ignorância e a má-fé deixaram uma marca indelével em seu caráter. Diante da significativa queda de popularidade detectada por recentes pesquisas e da crescente mobilização de parte da sociedade por seu impeachment, Bolsonaro tende a recrudescer sua guerra pessoal contra os brasileiros que não levam seu sobrenome ou não lhe devotam religiosa lealdade.

Nessa guerra tresloucada, a verdade, por ser a expressão da realidade, é a principal inimiga. A mentira tornou-se política de Estado sob Bolsonaro, e isso ficou ainda mais claro durante a pandemia. Na segunda-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) teve de soltar uma nota oficial para dizer que “não é verdadeira” a afirmação de que proibiu o governo federal de agir no enfrentamento da pandemia, desmentindo mais uma vez o presidente da República, que voltou a usar essa “decisão do STF”, que só existe em sua imaginação cavilosa, para justificar sua indecorosa inação.

Quando a principal Corte do País é obrigada a vir a público para expor uma mentira descarada do presidente da República, é porque já não se trata mais de apenas corrigir informações equivocadas eventualmente disseminadas pelo governo, e sim de impedir que a sistemática campanha mendaz do bolsonarismo atinja seu objetivo: destruir a confiança nas instituições democráticas, alimentar o antagonismo e abrir caminho para empreendimentos golpistas. 

“No Brasil temos liberdade ainda”, mas “tudo pode mudar”, advertiu Bolsonaro, usando o advérbio que indica uma circunstância provisória, incerta. Que as instituições não se intimidem, exponham as patranhas do presidente e deixem claro a quem interessar possa que a democracia no Brasil não é uma contingência frágil, e sim uma sólida construção coletiva, que resistirá até mesmo ao bolsonarismo.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de São Paulo, em 24 de janeiro de 2021 

53% apoiam impeachment de Bolsonaro, mostra pesquisa Atlas

Pico favorável a processo para saída do presidente só não é maior que em maio e se dá em meio ao recrudescimento da pandemia e a comoção com a crise de Manaus

Carreata contra Bolsonaro promovida por grupos de direita neste domingo em São Paulo.AMANDA PEROBELLI / REUTERS

Fora, Bolsonaro: a volta dos protestos de rua pelo impeachment

Cresce pressão por responsabilizar Bolsonaro por Manaus e ideia de impeachment volta a ser aventada

400 reais para respirar mais quatro horas em Manaus

Para 53% da população brasileira é hora de submeter Jair Bolsonaro a um processo de impeachment. O número emerge da pesquisa Atlas divulgada neste domingo, quando surgem carreatas em capitais como São Paulo e Rio de Janeiro pedindo a destituição do mandatário e o tema volta a ganhar atenção em Brasília em meio ao recrudescimento da pandemia e a crise do oxigênio em Manaus. O apoio ao impeachment ―que se espalha em todas as regiões e faixas de renda, mas é mais forte entre as mulheres e no Nordeste― está no patamar mais alto desde maio, quando alcançou 58% na série histórica medida pela empresa.

“Nós acompanhamos de perto esse número e há volatilidade, mas parece haver uma estabilidade desse patamar mais alto de apoio ao impeachment”, analisa Andrei Roman, CEO do Atlas, comentando o levantamento que tem margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos e cujas entrevistas foram encerradas neste domingo. “53% é um limite ainda muito perto entre ter maioria ou não ter maioria. Se esse número chegar a 60%, aí podemos falar de uma maioria contundente que coloca pressão sobre o Congresso como foi com Dilma Rousseff”, segue Roman.

O atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que é quem tem prerrogativa de levar à análise os pedidos de impeachment que chegam até ele e, até o momento, ele diz que não vai fazê-lo. A Câmara vai eleger em 1° de fevereiro o seu novo comando. Os dois principais nomes são Baleia Rossi (MDB), apoiado por Maia e pela oposição, e Arthur Lira (PP), apoiado pelo bolsonarismo ―nenhum se compromete a analisar os pedidos de impeachment, tornando o fator evolução da opinião pública ainda mais crucial na questão.

A pesquisa Atlas, que deve divulgar nos próximos dias aprovação do presidente Bolsonaro e cenários para as presidenciais de 2022, mostra três pilares de resiliência do bolsonarismo no momento: os mais pobres, os homens e os evangélicos. Se na população em geral o apoio ao impeachment vai a 53%, entre os evangélicos esse número cai para apenas 35%, entre os homens cai para 43%, contra 64% de apoio à destituição entre as mulheres. “É ali nos evangélicos que o bolsonarismo é mais resiliente, porque se combinam vários fatores, sociais, culturais”, analisa Roman.

Os números também mostram como Bolsonaro perdeu apoio entre os mais ricos, uma fatia essencial para pavimentar sua vitória eleitoral em 2018. Para que os que têm renda acima de 10.000 reais, o apoio ao impeachment é 63%, quase o mesmo patamar dos que apoiam a caída do ultradireitista no Nordeste (são 62% contra 46% na região Norte, por exemplo).

“Quando os mais ricos aderem ao impeachment, é natural que o tema ganhe mais proeminência porque eles têm mais influência na mídia, no setor produtivo”, afirma Roman. Uma das grandes perguntas nas próximas semanas é em que velocidade a “conversão” de uma fatia mais pobre ao bolsonarismo, alavancada pelo auxílio emergencial finalizado em dezembro, pode se desfazer.

Pandemia, crise de Manaus e a opinião pública

A crise de Manaus também foi um fator político relevante nos últimos dias. Foi, por exemplo, o estopim para o primeiro grande panelaço em meses contra o presidente e que o termo impeachment aumentou em buscas na internet. Foi também nesta esteira de reveses na gestão da pandemia, que inclui atrasos na campanha de vacinação, que surgiram novas manifestações de rua pela saída do presidente. Houve carreatas neste sábado em capitais como São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Fortaleza promovidas pela oposição e grupos de esquerda. Neste domingo, novas carreatas, desta vez puxadas pela direita, aconteceram ao menos em São Paulo e no Rio. A novidade foi a participação dos grupos que foram protagonistas na mobilização pela saída de Dilma: MBL (Movimento Brasil Livre) e Vem Pra Rua. Os atos foram modestos.

A pesquisa Atlas foi realizada entre 20 e 24 de janeiro, com a participação de 3.073 entrevistas feitas por questionários aleatórios via internet. Eles são calibrados por um algoritmo de acordo com as características da população brasileira (veja aqui os números na íntegra).

FLÁVIA MARREIRO, de São Paulo, para o EL PAÍS, em 24.01.21, às 18:34

Brasil registra mais 592 mortes por covid-19

Total de mortes no país passa de 217 mil. Casos identificados da doença passam de 8,8 milhões.

O Brasil registrou oficialmente 28.323 casos confirmados de covid-19 e 592 mortes ligadas à doença neste domingo (24/01), segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Com isso, o total de infecções identificadas no país subiu para 8.844.577, enquanto os óbitos chegam a 217.037.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o  Ministério da Saúde, 7.628.438 pacientes haviam se recuperado da doença na terça-feira.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 103,3 no Brasil, a 20ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Liechtenstein e Andorra.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 25 milhões de casos, e da Índia, com 10,6 milhões. Mas é o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 418 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 98,9 milhões de pessoas já contraíram o coronavírus no mundo, e 2,1 milhões de pacientes morreram.

Deutsche Welle, em 24.01.21

Brasil tem segundo dia de carreatas pelo impeachment de Bolsonaro

Protestos deste domingo foram organizados por grupos de direita que lideraram manifestações pela saída de Dilma Rousseff entre 2015 e 2016

Cidades brasileiras voltaram a ser palco neste domingo (24/01) de carreatas para exigir o impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Desta vez, os protestos foram liderados por grupos de direita: o Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem Para Rua, que lideraram as manifestações pela saída da presidente Dilma Rousseff entre 2015 e 2016.

Em 2018, os dois grupos apoiaram a candidatura de Jair Bolsonaro, mas posteriormente se distanciaram do presidente. Em publicação nas redes sociais para divulgar o protesto, o MBL afirmou que o governo Bolsonaro praticou "um dos maiores estelionatos eleitorais da história".

As carreatas deste domingo ocorrem um dia depois de protestos semelhantes organizados por grupos de equerda contra Bolsonaro. Os manifestantes afirmam que o presidente deve deixar o poder por causa da gestão catastrófica da pandemia e a falta de empenho do governo em garantir vacinas para os brasileiros.

Neste domingo, carreatas foram registradas em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e cidades do interior paulista. Em São Paulo, os automóveis se concentraram inicialmente em frente ao estádio do Pacaembu, antes se percorreram várias avenidas da capital. Veículos traziam mensagens como "Quadrilheiro, corrupto, vagabundo. Impeachment Fora Bozo".

Antes da carreata partir, os manifestantes cantaram o Hino Nacional e fizeram um minuto de silêncio em memória dos mortos pela covid-19.

"O ato de hoje foi revestido de simbolismo”, disse o coordenador nacional do MBL, Renan Santos, ao jornal O Estado de S. Paulo. "Fizemos o mesmo trajeto do primeiro ato contra Dilma, no dia 1º de novembro de 2014. Desta vez, de carro." Outro líder do MBL, o deputado federal Kim Kataguari (DEM-SP), escreveu no Twitter que "a direita democrática e republicana quer o impeachment de quem nos usou para se eleger e nos traiu depois de eleito!".

Ao longode 11 meses de pandemia no Brasil, Bolsonaro minimizou repetidamente a gravidade do coronavírus. Recentemente, o presidente de extrema direita passou a alimentar desconfiança infundada sobre as vacinas, preferindo continuar a apostar em medidas ineficazes como o desacreditado "tratamento precoce" com hidroxicloroquina. Bolsonaro também repetiu várias vezes nos últimos meses sem nenhuma base científica que a pandemia estava chegando ao fim, além de criticar o uso de máscaras e sabotar medidas de isolamento social.

Seu governo também vem sendo alvo de duras críticas por causa da inabilidade em garantir vacinas para a população. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, chegou a afirmar em dezembro que o governo contaria em janeiro com 15 milhões de vacinas da AstraZeneca, mas o governo só assegurou uma carga de 2 milhões de doses, importadas da Índia numa operação caótica. A produção local desse imunizante também está atrasada, e só deve começar em março.

No momento, o país só conta com estoques significativos de Coronavac, a vacina chinesa promovida pelo governo de São Paulo, que foi alvo de ataques de Bolsonaro nos últimos meses.

Pesquisa do Instituto Datafolha divulgada nesta semana revelou uma queda acentuada na aprovação do presidente. O presidente é avaliado como ruim ou péssimo por 40% da população, contra 32% em levantamento divulgado em dezembro.

Deutsche Welle, em 24.01.21

sábado, 23 de janeiro de 2021

Sob Bolsonaro, cresce número de inquéritos abertos pela PF com base em lei da ditadura

Ministro da Justiça tem determinado abertura de inquérito na Polícia Federal contra críticos de Bolsonaro

Ministro da Justiça, André Mendonça Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

O número de inquéritos abertos na Polícia Federal (PF) com base na Lei de Segurança Nacional (LSN), criada na ditadura militar, vem aumentando nos últimos anos. Foram 19 em 2018, 26 em 2019, no primeiro ano do governo do presidente Jair Bolsonaro, e 51 em 2020. A PF não detalha que inquéritos são esses, mas uma parte foi aberta por ordem do ministro da Justiça, André Mendonça, a quem a Polícia Federal é subordinada, para investigar críticos do presidente. A mesma lei, porém, foi usada no Supremo Tribunal Federal (STF) em inquéritos que têm aliados e apoiadores de Bolsonaro como alvos.

Os números, compilados pela PF em 13 de janeiro de 2021, foram revelados pela “Folha de S.Paulo” e confirmados pelo GLOBO. Um caso recente é do advogado Marcelo Feller, que, em entrevista à CNN Brasil, chamou Bolsonaro de “genocida” pela forma como enfrentou a pandemia de Covid-19. Ele publicou no Twitter o parecer do Ministério Público Federal (MPF), favorável ao arquivamento, segundo o qual a liberdade de expressão é um direito fundamental mesmo quando contraria os interesses dos governantes.

Em junho de 2020, Mendonça informou ter solicitado investigar uma publicação do jornalista Ricardo Noblat no Twitter com uma charge do cartunista Renato Aroeira mostrando Bolsonaro ao lado de uma suástica. Reservadamente, o ministro tem dito que está cumprindo seu dever legal, pois a a LSN trata como crime “caluniar ou difamar o presidente” e prevê que cabe a ele requisitar a abertura de inquérito.

No STF, a mesma lei baliza investigações contra críticos da Corte. Há no tribunal dois inquéritos que miram apoiadores de Bolsonaro: o dos atos antidemocráticos, e o das “fake news”, que investiga ataques à instituição.

Banalização

Juristas ouvidos pelo GLOBO avaliam que há um exagero no uso dessa lei. Cezar Britto, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), defende a derrubada completa dela, a exemplo do que ocorreu com a Lei de Imprensa da ditadura militar:

— As ações são claramente abusivas, inconstitucionais e com o objetivo de intimidar a liberdade de expressão, especialmente dos jornalistas. Há um abuso muito grande, porque está se pretendendo retirar um dos institutos fundamentais na democracia, o direito de discordar das autoridades.

Ele ressalta que sua opinião se refere às ações pedidas por Mendonça, visto que os inquéritos abertos pelo STF são sigilosos. Já o professor Fernando Reis, coordenador do mestrado e da graduação de Direito da Universidade Candido Mendes (UCAM), foi mais taxativo:

— Se você utiliza a Lei de Segurança Nacional para punir movimentos que estão criticando o Supremo, por mais que sejam argumentos falsos, mentirosos, podem ser enfrentados até por outras formas de responsabilização pelo Código Penal: difamação, calúnia. Não pela Lei de Segurança Nacional, a não ser que essa pessoas estejam criando um movimento armado, por exemplo. A grosso modo, parece que há uma banalização pelos dois lados.

Ele e o advogado Marcelo Bessa, do Instituto de Garantias Penais (IGP), avaliam que o uso exagerado da LSN pode configurar abuso de autoridade.

— Na universidade, peguei o regime militar. Era o mote para ser ameaçado: olha, vou te enquadrar na Lei de Segurança Nacional. Parece que está voltando agora. Num regime democrático, sua aplicação é uma exceção, não é uma regra — afirma Bessa.

André de Souza / O Globo, edição digital, em 23.01.21, às 04::30

Vacina da Pfizer ‘causaria frustração em todos os brasileiros’, diz Ministério da Saúde

Pasta afirma que laboratório ofereceu 2 milhões de doses no primeiro semestre e exigia cláusuas ‘abusivas’

Em nota divulgada na noite deste sábado, o Ministério da Saúde justificou a decisão do governo de não comprar a vacina contra a Covid-19 produzida pelo laboratório Pfizer, que está sendo aplicada em países da Europa e nos Estados Unidos. A nota diz que a compra desse imunizante “causaria frustração em todos os brasileiros”.

Em uma carta enviada em setembro ao presidente Jair Bolsonaro, o diretor-executivo da Pfizer, Abert Bourla, cobrou pressa do governo para decidir se comprava ou não a vacina. O Ministério da Saúde reconheceu a oferta, mas alegou, na nota, que as cláusulas contratuais estabelecidas pelo laboratório eram “leoninas e abusivas” e a empresa ofereceu “poucas doses” ao Brasil.

O governo diz que a empresa ofereceu que o primeiro e segundo lotes de vacinas fosse de 500 mil doses cada um e o terceiro de 1 milhão, no primeiro trimestre. Esse número foi considerado “insuficiente” pelo Ministério da Saúde, que também cita a “possibilidade de atraso na entrega”. Comprar essas doses, diz o ministério, seria uma "conquista de marketing, branding e growth para a produtora de vacina, como já vem acontecendo em outros países".

“Causaria frustração em todos os brasileiros, pois teríamos, com poucas doses, que escolher, num país continental com mais de 212 milhões de habitantes, quem seriam os eleitos a receberem a vacina”, disse a nota, que também critica os termos que teriam sido propostos pelo laboratório.

“As cláusulas leoninas e abusivas que foram estabelecidas pelo laboratório criam uma barreira de negociação e compra”, continua o texto. O ministério lembra que a vacina da Pfizer precisa ser armazenada e transportada entre -70°C e -80°C, prevendo um intervalo de três semanas entre primeira e segunda doses.

Segundo o Ministério da Saúde, além da quantidade de doses, a Pfizer exigiu que o Brasil constituísse um fundo com valores depositados em uma conta no exterior; que afastasse a jurisdição e as leis brasileiras no contrato; e isentar a empresa pos eventuais efeitos colaterais da vacina.

O governo, até agora, comprou doses da vacina do Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac) e da Astrazeneca/Oxford. As vacinas começaram a ser aplicadas no último domingo, após aprovação de uso emergencial pela Anvisa.

Para Ministério da Saúde, representantes da Pfizer criaram “situações constrangedoras para o governo brasileiro”.

“Em nenhum momento, o Governo Federal, por meio do Ministério da Saúde fechou as portas para a Pfizer”, diz a nota, acrescentando: “A Pfizer ainda não apresentou sequer a minuta do seu contrato - conforme solicitado em oportunidades anteriores e, em particular na reunião ocorrida na manhã de 19 de janeiro – e tampouco tem uma data de previsão de protocolo da solicitação de autorização para uso emergencial ou mesmo o registro junto à Anvisa.

Manoel Ventura para O Globo, edição digital, em 23.01.21, às 21:36

Com 1.176 mortes em 24 horas, Brasil ultrapassa marca de 216 mil mortos pela Covid-19

Pandemia provocou mais de 8,7 milhões de contágios, indica consórcio de veículos de imprensa, que contabiliza mais de 528 mil vacinados no país

O infectologista Estevão Portela é o primeiro brasileiro a receber a vacina da Oxford/AstraZeneca Foto: Cléber Júnior / Agência O Globo

O Brasil ultrapassou neste sábado a marca de 216 mil mortes por Covid-19. Foram contabilizados 1.176 novos óbitos nas últimas 24 horas, chegando a 216.475 vidas perdidas desde o início da pandemia, segundo o boletim dos veículos de imprensa. O levantamento também indicou 60.980 novas ocorrências da enfermidade, totalizando 8.816.113 contágios na história da doença no país.

O consórcio dos veículos de imprensa, uma parceria criada em junho para dar mais transparência aos dados sobre a Covid-19, é formado por O GLOBO, Extra, G1, Folha de S.Paulo, UOL e O Estado de S. Paulo e reúne informações divulgadas pelas secretarias estaduais de Saúde em um boletim divulgado às 20h.

O boletim inclui, desde a última quinta-feira, a divulgação do número de pessoas vacinadas no país. Treze estados disponibilizam os dados até o momento. Neles, foram imunizadas, até agora, 528.288 pessoas.

A média móvel de óbitos, também medida pelo levantamento, foi de 1.021. A média móvel de casos, por sua vez, ficou em 51.344, índice estável em relação a duas semanas atrás.

A "média móvel de 7 dias" faz uma média entre o número de mortes do dia e dos seis anteriores. Ela é comparada com média de duas semanas atrás para indicar se há tendência de alta, estabilidade ou queda. O cálculo é um recurso estatístico para conseguir enxergar a tendência dos dados abafando o "ruído" causado pelos finais de semana, quando a notificação de mortes se reduz por escassez de funcionários em plantão.

O Globo, edição digital, em 23.01.21, às 20:16

Chefe do Estado-Maior da Espanha pede demissão após furar fila da vacina

General recebeu dose sem fazer parte de grupos prioritários. Ministério da Defesa do país abre inquérito para investigar outros militares que contornaram regras para receber vacina

Apenas agentes de saúde militares deveriam ser vacinados nesta etapa da imunização na Espanha

O Chefe do Estado-Maior de Defesa da Espanha, general Miguel Ángel Villarroya, deixou o cargo neste sábado (23/01) após a imprensa do país revelar que ele e outros militares furaram a fila da vacina contra covid-19 no país, recebendo doses sem fazer parte dos grupos prioritários.

O comandante militar enviou carta ao ministro da Defesa apresentando sua demissão para "não prejudicar a imagem" das Forças Armadas. A ministra Margarita Robles aceitou a demissão, segundo fontes da pasta ouvidas pelo jornal El País.

Na carta, o general Villaroya defendeu sua decisão de obter vacinas para si e outros membros do Estado-Maior de Defesa, mesmo sem os militares pertencerem aos grupos prioritários, alegando que tomou a decisão "no cumprimento de suas obrigações, de acordo com os protocolos estabelecidos e com o único propósito de preservar a integridade, continuidade e eficácia da cadeia de comando das Forças Armadas".

Ele afirmou ainda que tomou "decisões que considerou corretas" e que não encarou o ato como uma forma de "tirar proveito de privilégios injustificáveis" e que está com a "consciência tranquila". No entanto, Villaroya disse que entendeu que o ato tem o potencial de prejudicar a imagem das Forças Armadas.

Na sexta-feira, o Ministério da Defesa espanhol abriu um inquérito interno para investigar chefes militares que burlaram a fila da vacina, depois que uma reportagem do site El Confidencial Digital revelou que vários generais haviam recebido doses do imunizante Pfizer/BioNTech mesmo sem fazer parte de grupos prioritários que estão sendo vacinados, como agentes de saúde, funcionários de asilos de idosos e pessoas com comorbidades severas. De acordo com as diretrizes do país, apenas agentes de saúde militares e soldados que integram missões de paz poderiam receber a vacina nesta etapa. Idosos acima de 70 anos devem começar a receber a vacina em março. O general Villaroya tem 63 anos.

O caso dos generais não é o único no país. Vários prefeitos admitiram que furaram a fila, enquanto o chefe regional de Saúde do enclave espanhol de Ceuta foi foi duramente criticado por ter se vacinado  antes da hora e por justificar a atitude dizendo que o fez por pressão de seus funcionários.

Esse episódios tem sido criticados pela sociedade espanhola e por setores políticos. "Os canalhas que se vacinaram furando a fila e usando sua posição privilegiada de funcionários públicos (cada vez mais aparecem a cada dia) devem, é claro, renunciar”, tuitou o porta-voz do partido de extrema esquerda Unidas Podemos, Pablo Echenique.

As taxas de infecção em todo o país dispararam desde o final de dezembro, com 42.885 novos casos adicionados à contagem na sexta-feira. A incidência de 14 dias do vírus subiu para um recorde de 829 casos por 100.000 pessoas, enquanto 400 mortes foram relatadas.

Ao mesmo tempo, o Ministério da Saúde permitiu que as autoridades regionais definissem suas próprias regras dentro das diretrizes nacionais, criando uma confusa colcha de retalhos de diferentes medidas para conter a propagação do vírus. Desde o início da pandemia, a Espanha, que tem 46,9 milhões de habitantes, registrou 2,5 milhõesde casos de covid-19. Mais de 55 mil pessoas morreram.

Deutsche Welle, em 23.01.21. Há 4 horas.

Parcela de brasileiros que quer se vacinar volta a crescer

Datafolha aponta que 79% dos brasileiros querem se imunizar contra covid-19. Crescimento ocorre em meio à percepção que epidemia está fora de controle no país. Índice é menor entre apoiadores de Bolsonaro.

Vacinação no Brasil começou no último domingo, com a Coronovac do governo paulista. Bolsonaro continua a alimentar boatos sobre a vacina

O número de brasileiros que pretende tomar uma vacina contra o novo coronavírus aumentou, segundo pesquisa Datafolha divulgada neste sábado (23/01). O levantamento aponta que 79% dos entrevistados afirmaram que querem se vacinar. Outros 17% disseram que não querem tomar vacina. E 4% declararam que não sabem.

O percentual de brasileiros que querem tomar a vacina é mais alto do que no último levantamento do Datafolha. Em dezembro, 73% afirmaram que pretendiam se vacinar. Outros 22% disseram que não queriam receber o imunizante.

A pesquisa de dezembro havia exibido um aumento significativo no percentual de brasileiros que rejeitavam a imunização. Em um levantamento anterior, em agosto, eles não passavam de 9%.

A pesquisa anterior também mostrou que a resistência era maior entre os apoiadores de Jair Bolsonaro. No levamento deste sábado, a tendência se repetiu.

Entre os brasileiros que avaliam o governo Bolsonaro como ruim ou péssimo, 88% afirmaram que querem se vacinar. Entre os que consideram o governo ótimo ou bom, o percentual cai para 68%.

Há meses o presidente de extrema direita vem alimentando desconfiança infundada sobre os imunizantes, preferindo apostar em medidas ineficazes como o desacreditado "tratamento precoce" com hidroxicloroquina. Bolsonaro também repetiu várias vezes nos últimos meses sem nenhuma base científica que a pandemia estava chegando ao fim.

Fora de controle

O Datafolha deste sábado também mostra que a maioria dos brasileiros não concorda com a visão do presidente sobre esse "finalzinho de pandemia". Para 62% dos entrevistados, a pandemia está fora de controle no Brasil. Outros 33% dos entrevistados acham que a doença está em parte controlada. E só 3% acreditam que a doença foi totalmente controlada no país.

O aumento da aceitação das vacinas no Brasil também ocorre paralelamente ao crescimento de pessoas que relataram ter medo de se infectar. Segundo o Datafolha, 77% dos entrevistados relataram esse temor, contra 73% em dezembro. Já a parcela daqueles que afirmam não ter medo caiu de 24% para 16%.

Coronavac

O Datafolha também apontou que diminuiu a desconfiança em relação à Coronavac, a vacina de origem chinesa promovida pelo governo de São Paulo, e que foi alvo de ataques por parte de Bolsonaro. Segundo o instituto, a rejeição caiu de 50% em dezembro para 39% em janeiro.

Mas a rejeição à Coronavac é mais uma vez superior entre aqueles que avaliam o governo Bolsonaro de maneira positiva. Neste grupo, 57% afirmam que não tomariam a Coronavac.

Por enquanto, a Coronavac é a única vacina disponvel em larga escala no Brasil, após o governo federal não cumprir a promessa de garantir para janeiro 15 milhões de doses do imunizante da empresa AstraZeneca produzido em parceria com a Universidade de Oxford. No momento, o governo só conta com uma carga de 2 milhões de doses dessa vacina, importadas da Índia. Já os planos de iniciar a produção em território brasileiro ficaram para março.

Pesquisa aponta que vacinas americanas tem aceitação maior entre bolsonaristas, mas o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, não fechou nenhum negócio com laboratórios dos EUA

O Datafolha aponta que vacinas produzidas pelos Estados Unidos sofreriam menos rejeição entre os apoiadores do governo. Neste grupo, 74% afirmam que tomariam um imunizante desenvolvido nos EUA. No entanto, o governo federal não fechou até agora nenhuma parceria com laboratórios americanos, como as empresas Pfizer e Moderna. A Pfizer inclusive fez diversas propostas ao governo brasileiro ao longo do ano passado, mas nenhuma foi aceita, em contraste com dezenas de outros países, que fecharam parcerias com o laboratório.

Os números do Datafolha foram divulgados num momento de nova alta de casos e de mortes por covid-19 em todo o país. Nas últimas semanas, o país tem superado regularmente a marca de mil óbitos registrados em 24 horas. Até a sexta-feira, o país acumulava 215.243 mortes por covid-19 e mais de 8,7 milhões de casos da doença.

O Datafolha entrevistou 2.030 brasileiros entre 20 e 21 de janeiro. A pesquisa foi realizada por telefone, para evitar contato pessoal com os entrevistados, segundo o instituto. A margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

Deutsche Welle, em 23.01.2021

Aloísio de Toledo César: Bolsonaro no caminho de Dilma

Omissão e pregação de condutas que resultam em morte devem ser punidas

No dizer do presidente Jair Bolsonaro, quem tomar a “vachina” correrá o risco de virar jacaré. Ele realmente afirmou que a Coronavac, vacina produzida pelo Butantan com insumos vindos da China, assim como todas as outras, pode causar doenças terríveis e até a morte.

Quando, na fase dos testes, um dos voluntários que tomaram essa vacina morreu, Bolsonaro ficou numa incrível felicidade, porque isso provaria que a “vachina” seria mesmo perigosa. Mesmo depois de saber que a morte foi por suicídio, ele continuou a tripudiar e a condenar a vacina, por ser proveniente da China e por ser do interesse daquele que ele elegeu como seu adversário nas eleições de 2012: o governador de São Paulo, João Doria.

Essa conduta poderia ser apenas inconsequente e reveladora da frágil inteligência de Bolsonaro, mas, como atingiu o governo chinês, do qual dependemos para obtenção dos insumos necessários à produção de vacinas, criou um incidente diplomático dos mais sérios. Sem os insumos da China, os governos do Brasil e de São Paulo não terão como produzir 1 milhão de vacinas por dia e, portanto, a campanha de vacinação terá de ser interrompida.

Bolsonaro, seus filhos e o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, não gostam da China e deixaram isso claro em sucessivas manifestações. Assumiram tal conduta não só por burrice, mas por aquela arrogância própria de quem está no poder e acha que pode fazer o que quiser.

Tal situação é grave e danosa a todos nós que estamos ansiosos para tomar a vacina. Agora, como resultado da desastrosa diplomacia brasileira, a população parece estar concluindo ser necessário afastar o presidente, antes que seja tarde demais.

Enfim, repetem-se em relação ao presidente Jair Bolsonaro os mesmos fatores jurídicos e políticos que levaram o Brasil a aprovar o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, dois anos atrás. Prova disso é que já são 61 os pedidos apresentados ao presidente da Câmara dos Deputados, ao mesmo tempo que aumenta progressivamente a insatisfação dos brasileiros, expressa nas ruas por panelaços e pelo incrível volume de manifestações nas redes sociais.

Resumidamente, os argumentos para os pedidos de impeachment são, principalmente, o crime de responsabilidade por omissão, ou seja, deixar de enfrentar o avanço da pandemia; e não fornecer aos Estados e municípios os insumos necessários para o atendimento aos doentes, o que também configura crime de responsabilidade. A falta de oxigênio, levando a mortes por asfixia, tornou ainda mais grave esse clima de descontentamento nos últimos dias.

A Constituição federal diz com toda a clareza que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco da doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (artigo 196).

No Direito brasileiro está cristalizado o entendimento de que existe crime por ação e por omissão. No caso, verifica-se não só a omissão do presidente Jair Bolsonaro, como também o seu estímulo à ocorrência de mais mortes, porque recomendou que os brasileiros não tomem a vacina.

Nas relações de Direito privado o silêncio é interpretado como concordância da parte silente em relação à pretensão da outra parte. No Direito público, envolvendo decisões de interesse coletivo, a situação é diversa, porque a omissão do administrador, o seu não decidir, a sua inércia configuram abuso de poder e podem, sim, ser interpretados como crime de responsabilidade num juízo político-jurídico perante o Congresso Nacional.

Diante das premissas fáticas, envolvendo omissão e pregação de condutas contrárias ao interesse público, que resultam em morte, o silogismo jurídico conduz a uma conclusão necessária: a de que o administrador faltoso precisa ser punido.

Os bolsonaristas sempre dizem que graças ao presidente acabou a corrupção no País, mas deixam de considerar que a compra de apoio político no Congresso Nacional, pagando com bens que a todos os brasileiros pertencem, constitui afronta das mais graves aos princípios da administração pública.

O poder concedido à autoridade pública tem limites certos e forma legal de administração, não é carta-branca para arbítrios ou favoritismos. Todo ato do administrador público deve estar de conformidade com a lei, com a moral e com o interesse público.

Há interesse pessoal, não público, em conceder nossas repartições a este ou àquele deputado ou senador, ou seja, comprar apoio com dinheiro nosso. Essa conduta reprovável cheira a abuso de poder e corrupção. Em certos casos mais graves, pode até configurar crime de responsabilidade.

Aperta-se o cerco em torno de Bolsonaro e, quando isso acontece, ele procura desviar a atenção do público para outro tema. Por isso, propositadamente, falou e repetiu uma enorme besteira: a de que as Forças Armadas podem decidir se teremos ou não uma ditadura. Não percebe que com isso provoca a irritação dos próprios militares.

Aloísio de Toledo César, o autor deste artigo, é Desembargador Aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Foi Secretário estadual de Justiça. Publicado originalmente n'O Estado de São Paulo, em 23 de janeiro de 2021. 


Marco Aurélio Nogueira: O presidente caricato

Democratas precisam evitar que Bolsonaro passe a controlar o Poder Legislativo

Surpreende que o mundo político, em sentido estrito – Congresso, parlamentares, partidos –, somente agora comece a cogitar de um possível impeachment presidencial por crimes de responsabilidade.

Quando o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ativo militante do moderantismo, veio a público declarar (15/1) que o afastamento de Bolsonaro do cargo de presidente da República “será debatido de forma inevitável no futuro”, ele deu o tom de uma inflexão que se poderá consolidar nos próximos meses. Aproveitou para chamar às falas o Congresso, que inexplicavelmente se mantém em recesso enquanto o País pega fogo.

Bolsonaro não havia sido, até agora, atingido por uma ameaça desse tipo. A primeira etapa de seu mandato foi um período de desgoverno e tragédia, em que ele pintou e bordou, agindo com uma mistura patética de tiranete, chefe de gangue e godfather tropical. O escárnio diante do vírus, do povo, da vacina e dos cientistas foi constante, mastigado com indiferença e como prova de “autenticidade” por uma população em grande parte anestesiada. Com a pandemia, sua personalidade desequilibrada e narcisista ganhou plena manifestação. Os meses foram se passando e os estragos, aumentando. Seu prontuário engordou.

O presidente fez política contra a política, empenhado em criar confusão para camuflar sua incompetência e atiçar seus seguidores. Em nenhum momento, porém, pôde proclamar-se vitorioso.

O padrão oposicionista seguiu roteiro conciliador, que travou os planos maléficos do presidente. Fez o rei ficar nu. Meio que em silêncio, com muito jogo de bastidores, possibilitou que houvesse alguma governação no Brasil, paralisando a Presidência da República.

Bolsonaro foi reduzido a uma caricatura de presidente, que fala compulsivamente, de modo agressivo, com cálculo de malandro, boca cheia de impropérios e grosserias, mas é inepto e pouco faz de positivo. Age como um animal encurralado, que ameaça sem morder. Continua a atacar as instituições, a instigar as Forças Armadas, a ameaçar retrocessos. Com os venenos que produz na cozinha do Palácio constrói um imaginário negativo, polarizador, que confunde e corrói. Suas orientações esvaziam e destroem setores estratégicos das políticas sociais, dos direitos humanos, da economia, da proteção ambiental. Sua indigência diplomática comprometeu até mesmo a produção das vacinas e a campanha de vacinação.

A oposição teve sucesso nessa que a mente afiada do cientista político baiano Paulo Fábio Dantas Neto chamou de “estratégia maricas”: o bolsonarismo foi forçado a negociar.

Os humores mudaram, porém. Quanto mais a pandemia se agravou, quanto mais os ministros de Bolsonaro mostraram sua desqualificação, quanto mais o País se foi marginalizando no sistema internacional e fracassando no comércio bilateral, mais aumentou a pressão para o encontro de uma solução.

Abriu-se assim uma nova etapa da luta política. Ainda que a “estratégia maricas” consiga continuar arrancando a fórceps decisões do governo federal, ela precisa ser complementada por uma estratégia mais contundente, que aperte o cerco, mas saiba evitar tentações polarizadoras, escolhos e armadilhas.

A nova fase transcorrerá em algumas frentes principais.

A primeira é a afirmação de um campo oposicionista democrático consistente, que consiga soldar os diferentes partidos e forças políticas numa unidade programática mínima, forjada sem vetos ideológicos, firulas acadêmicas e cálculos políticos sofisticados.

A segunda é a organização do clamor popular, com a invenção de formas de protesto que aumentem o som das panelas e contornem a dificuldade de se ter gente nas ruas.

A terceira é o processamento político das denúncias de crime de responsabilidade contra Bolsonaro. Disso dependerá a abertura ou não do impedimento constitucional do presidente. Por mais que esse seja um passo delicado, sobretudo quando se considera que o presidente tem apoio popular e parlamentar, há no Congresso lideranças com inteligência política e dignidade cívica para impedir que as labaredas da crise institucional incendeiem o País.

No curto prazo, uma quarta frente passa pelo desfecho da disputa pelas presidências da Câmara e do Senado. Muitos parlamentares estão em flutuação, marcando posição, sem compreender a importância de um evento que poderá definir muito do ritmo político daqui para a frente. Mas é o que se tem. Os operadores democráticos precisarão trabalhar dobrado, sensibilizar setores do Centrão e da esquerda para evitar que Bolsonaro passe a controlar o Poder Legislativo.

O recurso ao impeachment poderá catalisar o mal-estar que hoje, impregnado de horror, medo e repulsa, se espalha pela sociedade. Como está não pode ficar. A perspectiva conciliadora, vitoriosa em nossa História recente, só tem a ganhar se adquirir corpo e poder de direcionamento, contrapondo ao negativismo radical do presidente o ar renovado da política positiva. Sem o qual, aliás, nenhum vírus será derrotado.

Marco Aurélio Nogueira, o autor deste artigo, é Professor Titular de Teoria Política na UNESP. Publicado originalmente n' O Estado de São Paulo, em 23 de Janeiro de 2021. 

Os candidatos do governo

Seus compromissos estão muito distantes de qualquer agenda reformista.

Ante o empenho do Palácio do Planalto nas eleições para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado, poderia se ter a impressão de que as candidaturas do deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) e do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) representam uma benfazeja novidade para o País. Afinal, o governo foi eleito prometendo reformas, privatizações e um novo dinamismo no ambiente de negócios do País e – após dois anos iniciais bastante confusos, onde abundaram ineficácia e confusão – talvez o presidente Jair Bolsonaro tivesse finalmente entendido que a realização das propostas de campanha exige um relacionamento próximo com o Congresso.

Essa otimista possibilidade é, no entanto, pura fantasia. Sem nenhum pudor, os dois candidatos do Palácio do Planalto têm mostrado que seus compromissos e suas preocupações estão muito distantes de qualquer agenda reformista.

Por exemplo, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) já informou que tem dúvidas quanto à necessidade da privatização da Eletrobrás, justamente uma das prioridades do ministro da Economia, Paulo Guedes, para 2021. “Não pode ser entreguismo sem critério num momento de muita dificuldade econômica”, disse o senador.

O candidato do Palácio do Planalto à presidência do Senado também deixou claro qual é o seu compromisso com o equilíbrio fiscal. “O teto (de gastos) não pode ficar intocado em um momento de extrema necessidade em que é preciso salvar vidas. Obviamente, essa rigidez pode ser relativizada, mas vamos trabalhar muito para que não seja relativizada”, disse, em entrevista ao Estado. Não se poderá dizer depois que o senador Rodrigo Pacheco não avisou.

Por sua vez, o deputado Arthur Lira tem defendido o respeito ao teto de gastos. Ao mesmo tempo, esclareceu que “minha pauta não é liberal econômica por natureza, não. Eu voto as coisas que o Brasil precisa para se desenvolver”. O recado do líder do Centrão também foi dado.

Recentemente, o candidato do Palácio do Planalto à presidência da Câmara disse que a reforma tributária era um tema complexo. A respeito dele, no ano passado, Arthur Lira mostrou-se favorável à volta da CPMF, com a condicionante de que fosse aprovada com uma alíquota menor que a proposta pelo governo federal. Há indícios, pois, de que, sob eventual gestão sua, a aprovação da reforma tributária na Câmara enfrentará muitos percalços.

Além disso, no caso de Arthur Lira, também salta aos olhos sua proximidade com a área penal. Entre outras coisas, o Ministério Público acusou-o de chefiar na Assembleia Legislativa de Alagoas um esquema de “rachadinha”, que teria gerado um rendimento mensal de até R$ 500 mil. O deputado nega a acusação e, em dezembro do ano passado, o juiz da 3.ª Vara Criminal de Maceió arquivou o processo, afirmando que as provas eram ilegais.

Desde 2009, no entanto, a Receita Federal vinha cobrando do deputado R$ 1,9 milhão relativo a impostos não pagos sobre recursos de origem desconhecida, precisamente no período em que o Ministério Público o acusava de operar a “rachadinha” em Alagoas. Em 2017, ao aderir ao Programa Especial de Regularização Tributária (Pert), Arthur Lira reconheceu perante a Receita a existência de débito fiscal referente a valores não declarados.

Vale lembrar ainda que Arthur Lira tomou posse em 2018 como deputado federal graças a uma liminar do Tribunal de Justiça de Alagoas. Condenado em segunda instância por improbidade administrativa, o deputado estava, a princípio, inelegível por força da Lei da Ficha Limpa.

Os dois candidatos do Palácio do Planalto às presidências da Câmara e do Senado não propiciam, portanto, especiais esperanças à Nação. Mais parecem aportar riscos, com transigências em assuntos com os quais não se deve transigir.

É, no mínimo, estranho que um governo que nunca primou pela proximidade com o Legislativo – mesmo, por exemplo, durante a tramitação da reforma da Previdência, o Palácio do Planalto não hesitou em criar desnecessários conflitos – agora se empenhe tanto para apoiar duas candidaturas nada animadoras.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em 23 de janeiro de 2021 

João Gabriel de Lima: A Terra volta a ser redonda. Hora de o Brasil embarcar



Foi semana de benditas obviedades. Só falta o Brasil ajustar sua rotação com a do planeta

Stefani Germanotta, a Lady Gaga, cantou o hino dos Estados Unidos; Jennifer Lopez deu um twist latino à sua interpretação de God Bless America; e, no encerramento, a poeta Amanda Gorman, de 22 anos, declamou versos que resumem o sentimento da nova geração. Na posse do presidente Joe Biden, as três mulheres nos lembraram que os Estados Unidos são um país ítalo-americano, hispano-americano, afro-americano – sem contar outras etnias e misturas. Muito de sua força e riqueza se deve à bênção de ser uma nação de imigrantes.

Parece óbvio. É como dizer que a Terra é redonda.

No momento-chave de seu discurso, Biden disse: “Nós devemos tratar os outros com dignidade e respeito. Juntar forças, parar o tiroteio e baixar a temperatura. Sem unidade não há paz – só amargor e fúria. Não há progresso – só ultraje exasperante. Não há nação – só um estado de caos”.

Dignidade e respeito. Condições óbvias para o debate inteligente nas democracias. A Terra é redonda.

No mesmo dia da posse de Biden, Portugal assumiu a presidência rotativa do Conselho da União Europeia. Em Bruxelas, o primeiro-ministro António Costa traçou as linhas gerais dos próximos seis meses: foco no social, na economia digital e no combate às alterações no clima. “Temos um planeta para proteger, e não podemos perder mais tempo,” disse Costa em seu discurso.

A Terra é redonda, e temos que cuidar dela.

Aqui em Portugal vivemos o momento mais dramático da pandemia. O governo decretou confinamento total. A trajetória da covid no país confirma o mantra dos cientistas: as duas únicas formas de controlar uma pandemia são vacina e distanciamento social. Portugal achatou a curva quando optou pelo confinamento, em março passado e no início de dezembro. Quando abriu mão dele, no “alívio” de Natal e ano-novo, deu-se o inverso. Turbinados pela variante inglesa, os casos explodiram.

Seguir o que diz a ciência: outra obviedade.

Enquanto isso, no Brasil, as obviedades são colocadas em dúvida todos os dias. O distanciamento social é minimizado, a floresta que ajudaria a deter a mudança climática enfrenta recordes de desmatamento e o “tiroteio” e o “ultraje” se tornam a regra em Brasília. Em ensaio publicado recentemente, o cientista político José Álvaro Moisés – personagem do minipodcast da semana – examina as razões de vivermos em permanente crise política. Uma delas pode ser o sistema de governo. Segundo Moisés, o semipresidencialismo – que vigora em Portugal e na França – distribui melhor o poder e facilita a negociação.

Portugal vai às urnas neste domingo para escolher o presidente. O atual ocupante do cargo, Marcelo Rebelo de Sousa, é o favorito à reeleição. Marcelo, que os portugueses chamam pelo primeiro nome, é de centro-direita, e divide o poder com o primeiro-ministro Costa, de centro-esquerda. Eles conversam “com dignidade e respeito” – e, pela saúde dos cidadãos, foram capazes de unificar o discurso durante a pandemia, em pleno tiroteio eleitoral.

Respeito aos que pensam diferente e aos que vêm de países diferentes. Respeito à ciência. Foco no social num momento em que muitos ficam sem empregos. Foco no combate à mudança climática – se ela ocorrer, nada restará para nossos filhos e netos.

Foi uma semana de benditas obviedades. Como se a Terra, depois de um momento de loucura, tivesse voltado a ser redonda.

Só falta o Brasil ajustar sua rotação com a do planeta

João Gabriel de Lima é Jornalista. Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado de São Paulo, edição de 23 de janeiro de 2021.

O custo de ser pária

A permanência de Jair Bolsonaro na Presidência inviabiliza a recuperação da imagem do País e a retomada dos contatos produtivos e pacíficos com todas as nações.

O constrangedor isolamento do Brasil entre as nações civilizadas, resultado de uma política externa amalucada e irresponsável, deveria ser motivo mais que suficiente para que o chanceler Ernesto Araújo fosse demitido sem mais delongas. A pressão para que isso ocorra, aliás, nunca esteve tão forte. 

Parece estar se constituindo um consenso, inclusive em alguns setores do próprio governo, que a manutenção do sr. Araújo à frente do Itamaraty representa enorme risco para a imagem do Brasil, já tão desgastada, e justamente no momento em que o País, mergulhado numa pandemia mortal e numa crise econômica desafiadora, mais precisa da cooperação internacional.

A questão é que a demissão do sr. Araújo não resolveria nada, pois o problema não é o chanceler, mas o chefe dele. É a permanência do sr. Jair Bolsonaro na Presidência que inviabiliza a recuperação da imagem do País e a retomada dos contatos produtivos e pacíficos com todas as nações, que sempre foi a marca da diplomacia do Brasil.

É claro que o sr. Araújo é o responsável direto pela formulação da estapafúrdia doutrina externa bolsonarista e deve ter seu nome marcado na história, em letras maiúsculas, como o chanceler que se empenhou em destruir o legado do Barão do Rio Branco. Deve ser lembrado para sempre como aquele que conduziu a diplomacia nacional sob inspiração de um obscuro ex-astrólogo que vive nos Estados Unidos, espécie de guru de Bolsonaro et caterva.

Mas Ernesto Araújo não age por conta própria. É apenas o sabujo encarregado de colocar em palavras a mixórdia reacionária que resume a “visão de mundo” de Bolsonaro, o que, convenhamos, não é para qualquer um. 

Enquanto o Barão do Rio Branco, ciente das fragilidades brasileiras, fez do Brasil um país naturalmente voltado para o entendimento no concerto das nações, Bolsonaro escolheu comprar brigas gratuitas com algumas das maiores potências do planeta, para enfatizar a independência do País sob seu comando. Ao mesmo tempo, derretia-se de amores por Donald Trump quando este ocupava a presidência dos Estados Unidos, enquanto o resto do mundo civilizado, ciente do caráter daninho de Trump, tratava de se afastar dele. 

Em vez de independência, a doutrina bolsonarista isolou completamente o Brasil. Mas o sr. Araújo não se fez de rogado: anunciou que, se este era o preço a pagar por defender a “liberdade”, ou seja, “se isso faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária”.

Perfeitamente alinhado a seu chefe, o ainda chanceler teve o descaramento de chamar de “cidadãos de bem” os terroristas que invadiram o Congresso dos Estados Unidos para interromper a confirmação da eleição de Joe Biden como presidente. Adicionando o insulto à injúria, Ernesto Araújo aproveitou para corroborar a tese golpista promovida pelo trumpismo de que houve fraude nas eleições, mentira que o presidente Bolsonaro repetiu vezes sem conta.

Se o chanceler for demitido, portanto, não será por ter descumprido ordens ou por ter sido desleal, mas sim, ao contrário, porque foi absolutamente fiel a Bolsonaro – e, por isso, criou grandes e gravíssimos problemas para o Brasil, hoje visto com reticências pelas duas grandes potências globais, Estados Unidos e China, além de enfrentar má vontade na União Europeia e na Índia. É uma façanha.

O afastamento de Araújo pode ser o gesto que o mundo espera de Bolsonaro para mudar um pouco a percepção negativa sobre o Brasil. Mas seria ingênuo acreditar que seu eventual substituto terá atuação muito diferente. 

Pode haver algum pragmatismo nos próximos tempos, especialmente depois que Donald Trump, ídolo de Bolsonaro e Araújo, deixou a Casa Branca. Um sinal disso é a carta que o presidente brasileiro endereçou a Joe Biden, novo presidente norte-americano, pregando uma boa relação. 

Mas todos sabem que a tal carta não vale o papel em que foi escrita: Bolsonaro menospreza profundamente tudo o que Biden representa – democracia, diálogo e serenidade – e nada o fará mudar de ideia. O chanceler, portanto, pode ser qualquer um – é Bolsonaro quem deliberadamente faz do Brasil um “orgulhoso pária”.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em 23 de janeiro de 2021 

Planalto faz investida contra pressão por impeachment

Governo lança campanha na TV em defesa das vacinas aprovadas após aumento dos pedidos de impedimento, queda de popularidade e protestos pela atuação na pandemia

 O Palácio do Planalto montou uma ofensiva de comunicação para reagir à pressão pelo impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Após pesquisas indicarem queda de popularidade do presidente associada à forma como ele tem enfrentado a pandemia do coronavírus, o governo colocou na praça uma campanha publicitária dizendo que, com a união de todas as forças, “as vacinas aprovadas pela Anvisa” já estão sendo distribuídas em todo o Brasil. 

Embora auxiliares de Bolsonaro sustentem que não há apoio popular nem político para a abertura de um processo de impeachment, aliados do governo avaliam que o presidente paga o preço de suas idas e vindas sobre a vacinação e que é preciso mostrar todas as medidas tomadas para o combate à pandemia. Bolsonaro tenta se desvencilhar do colapso da saúde no Amazonas e voltou a dar entrevistas. 

Bolsonaro no Alvorada; para aliados, presidente precisa mostrar todas as ações do governo de combate à covid Foto: Sergio Lima / AFP)

Ainda na sexta-feira, 22, escalou três ministros para ir pessoalmente a São Paulo receber a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford em parceria com o laboratório AstraZeneca e fabricada na Índia. Além do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e do chanceler Ernesto Araújo, lá estava também o titular das Comunicações, Fabio Faria.

A nova campanha publicitária do governo para TV, rádio, meios digitais e impressos destoa da versão anterior, em que a vacina era sugerida para quem quisesse “exercer o direito” de vacinar se tivesse “indicação”. Sob o mote “Brasil Imunizado – Somos uma só Nação”, o comercial exibe pessoas com máscaras de proteção e não fala em vacina facultativa, algo que Bolsonaro insiste em repetir. Diz apenas que a vacinação é uma questão “humana e econômica”.

Pesquisa Datafolha divulgada ontem mostrou a queda na aprovação de Bolsonaro, já registrada nas redes sociais. O presidente foi avaliado como ruim ou péssimo por 40% dos entrevistados. Em dezembro, esse grupo representava 32%. O índice de ótimo ou bom caiu de 37% para 31%.

“Sem povo na rua e sem apoio parlamentar não se faz impeachment”, disse Marco Feliciano (Republicanos-SP), vice-líder do governo e integrante da bancada evangélica. “Para derrubar Dilma tivemos que botar um milhão de pessoas na Avenida Paulista. Não vi ainda 5 mil pessoas em um protesto contra o governo. E o resultado disso é o baixo apoio parlamentar a essa aventura.”

Atos

Após organizarem panelaços, movimentos de esquerda e de direita, além de representantes da sociedade civil, convocaram para sábado e domingo, 24, atos em ao menos 19 capitais, e no Distrito Federal, para pedir o impeachment de Bolsonaro. Os protestos ganharam a adesão de organizações que estiveram em lados opostos durante o afastamento da então presidente Dilma Rousseff, em 2016.

Apesar da pauta conjunta, as manifestações com o mote “Fora Bolsonaro” estão previstas para dias diferentes. A Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo, que apoiaram a petista, estão convocando carreatas anti-Bolsonaro para hoje, enquanto o MBL e o Vem Pra Rua, que defenderam a queda de Dilma em 2016, convocaram atos para amanhã.

Os pedidos de impeachment contra o presidente se multiplicaram desde o início da pandemia. Na próxima terça-feira, partidos de oposição, como PT, PDT, PSB, Rede e PCdoB também vão protocolar uma ação que pede a saída de Bolsonaro, sob o argumento de que ele não agiu para conter a tragédia no Amazonas e no Pará, onde pacientes morreram em hospitais por falta de oxigênio.

Desde o início do mandato de Bolsonaro, 61 pedidos de afastamento foram protocolados na Câmara. Cabe ao presidente da Casa dar andamento ou arquivar as solicitações. Esse é um dos motivos pelos quais o Planalto está empenhado em eleger o novo presidente da Câmara, já que o atual, Rodrigo Maia (DEM-RJ), deixa o cargo em 1.º de fevereiro.

O governo associa o crescente apoio à tese do impeachment à antecipação da disputa presidencial de 2022 e também à briga pelo comando da Câmara e do Senado. Nos bastidores, ministros dizem que Maia trabalha para desestabilizar o governo, em sintonia com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que derrotou o presidente ao sair na frente na guerra das vacinas, com a aquisição de doses da Coronavac. 

Doria é adversário de Bolsonaro e quer ser candidato ao Planalto, no ano que vem. O presidente pretende concorrer à reeleição e aposta na chegada das vacinas da Índia ao Brasil para reverter o clima desfavorável. Na outra ponta, no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, há a certeza de que os imunizantes acabarão em pouco tempo, a partir de abril. Adversários do Planalto dizem que, com o fim do auxílio emergencial e sem vacinas, Bolsonaro despencará.

Prestes a deixar o cargo, Maia apoia o deputado Baleia Rossi (MDB-SP) para a sua sucessão e construiu uma frente de centro-esquerda, incluindo o PSDB e até o PT, que pode ser o embrião de uma chapa para a disputa de 2022 contra Bolsonaro. O chefe do Executivo, por sua vez, avaliza a campanha de Arthur Lira, líder do Centrão. Está convencido de que Lira ganhará a presidência da Câmara e engavetará todos os pedidos de impeachment. / 

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo, em 23 de janeiro de 2021 | 05h00 / COLABOROU PAULA REVERBEL