sábado, 23 de janeiro de 2021

Manifestantes fazem carreatas pró-impeachment de Bolsonaro em diversas capitais

Na Câmara, 56 pedidos já foram protocolados; nos bastidores, foram reforçadas as conversas sobre instalar uma CPI para investigar as ações e omissões do governo durante a pandemia

Carreatas pró-impeachment do presidente Jair Bolsonaro foram registradas nas maiores cidades brasileiras neste sábado, 23. Organizadas por entidades e partidos da oposição, as manifestações cobraram o chefe do Executivo por sua atuação na pandemia. Os pedidos de vacina e de afastamento foram a tônica dos atos, marcados por crítica aos atrasos na imunização da população contra a covid-19.

Em Brasília, de acordo com a assessoria da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), cerca de 500 veículos participaram do protesto. O Batalhão de Trânsito da PM fez o acompanhamento do ato e nenhuma ocorrência havia sido registrada até a publicação deste texto. No Rio, a manifestação reuniu cerca de 100 carros, causou lentidão no trânsito, mas sem ocorrências, de acordo com a Polícia Militar, ocupando uma faixa de uma das principais avenidas da cidade, a avenida Presidente Vargas.


Manifestantes pedem impeachment de Bolsonaro em Brasília Foto: Gabriela Biló/Estadão

Em Fortaleza, a concentração começou após as 16h e partiu da Praia de Iracema em direção ao Mercado dos Peixes. Membros de sindicatos, movimentos sociais e partidos políticos de esquerda fizeram um percurso entre carros, bicicletas e manifestantes a pé.

Na capital mineira, duas carreatas pelo impeachment do presidente Jair Bolsonaro foram realizadas neste sábado, 23. Uma pela manhã, organizada por partidos como o PT e PC do B, com o apoio de sindicatos, e outra à tarde, chamada pelo Movimento Acredito, que reúne lideranças e parlamentares do PDT e PSB. No interior do estado, foram registradas carreatas em Uberlândia, Varginha e Montes Claros. Havia ainda previsão de manifestações em Alfenas, Contagem, Ipatinga, Januária, Juiz de Fora, Muriaé, Ouro Preto, Pedro Leopoldo, Poços de Caldas e Uberaba.

Em Curitiba, centenas de carros, além de dezenas de ciclistas que foram à frente da manifestação. A concentração ocorreu na Praça Nossa Senhira Salete,  na frente do Palácio Iguaçu e percorreu as principais ruas da capital em um percurso de 12 quilômetros.

Centenas de veículos circularam pelas principais vias da região central e de bairros de classe média e alta da cidade em Porto Alegre. Por onde passava, a carreata recebia apoio de porto-alegrenses favoráveis ao impeachment, que acompanhavam o ato em suas residências. A concentração ocorreu às 16h no Largo Zumbi dos Palmares, no bairro Cidade Baixa, reduto progressista da capital gaúcha.

Em João Pessoa, a carreata pró-impeachment reuniu centenas de carros com buzinaço na principal avenida da capital, a Epitácio Pessoa. Além de partidos de esquerda, haviam faixas do Movimento dos Policiais Antifascistas, CUT, Sindicato dos Correios, Levante Popular da Juventude e ADUFPB. A organização do evento disse que o ato é suprapartidário e aberto a todos os movimentos que compartilhem do apoio ao impeachment, independentemente da orientação ideológica.


Moradores da capital em protesto contra o presidente Jair Bolsonaro  Foto: Gabriela Biló/Estadão

Ao longo do dia, dezenas de cidades paulistas também receberam protestos dentro e fora de carros. Nas redes sociais, políticos da oposição divulgaram o evento.

Na avaliação da porta-voz do partido Rede Sustentabilidade no DF, Ádila Lopes, a mobilização deste sábado foi um “esquenta” para o ato previsto para o dia 31 de janeiro – na véspera das eleições para a presidência da Câmara e do Senado.

Para Lopes, o apoio de movimentos de direita ao impeachment de Bolsonaro mostra uma oportunidade de convergência em prol da democracia. “Quando você chega a situações delicadas como a que a gente tem, essas movimentações tendem a ir caminhando para um funil, de modo que em algum momento se encontrem”, disse.

A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, que também marcou presença na carreata, convocou a população a manter as cobranças pela saída do presidente da República em manifestações, panelaços e pressão nas redes sociais. “Para aqueles que dizem que colocar o impeachment agora é gerar instabilidade no Brasil, nós temos que responder que a instabilidade já está acontecendo e a crise está grave. E a instabilidade tem nome: Jair Bolsonaro”, declarou.

“Ao lado da luta da vacina para todos, pelo fortalecimento do SUS (Sistema Único de Saúde), ao lado da luta pela renda emergencial para que nosso povo não passe fome, a principal luta política é tirar Bolsonaro. Por isso é muito importante as manifestações que estamos fazendo”, acrescentou.

Para este fim de semana, movimentos de esquerda, de direita e representantes da sociedade civil convocaram atos em favor do impeachment em ao menos sete capitais e no Distrito Federal. Conforme o Estadão mostrou, atores políticos que estiveram em lados opostos durante o impeachment da presidente Dilma Rousseff agora pedem juntos a saída de Bolsonaro. É o caso da Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo, que apoiaram a petista em 2016, e o MBL e o Vem Pra Rua, que defenderam a queda da petista.

Entretanto, os protestos organizados por cada grupo estão sendo marcados para dias separados. O Acredito, movimento de renovação política, e os grupos de esquerda organizaram seus protestos neste sábado, enquanto os grupos de direita marcaram seus atos para domingo, 24.

Popularidade

Influenciada pela situação da pandemia da covid-19 no País, marcada pela crise no fornecimento de oxigênio na rede de saúde de Manaus (AM), a popularidade do presidente já se mostra abalada. Pesquisa Datafolha divulgada ontem indicou aumento do número de insatisfeitos com Bolsonaro: 40% da população avalia sua atuação como ruim ou péssima, comparado com 32% que assim o consideravam na edição anterior da sondagem, no começo de dezembro.

Debates sobre o impeachment do presidente Jair Bolsonaro ganharam força nas últimas semanas 

O número de participantes que avaliam o governo como ótimo ou bom teve leve queda também passando para 31% ante 37% em dezembro. A taxa de avaliação regular ficou em 26%, comparada com 29% anteriormente.

No entanto, mesmo com o desgaste da imagem do governo Bolsonaro, a taxa de brasileiros contrários ao impeachment cresceu, indo de 50% em dezembro para 53% agora. Os que defendem a abertura de um processo contra o presidente por crime de responsabilidade são 42%, enquanto no mês passado, eram 46%. Outros 4% não responderam.

Na Câmara dos Deputados, há 56 pedidos de impeachment protocolados contra Bolsonaro. Nos bastidores, foram reforçadas as conversas sobre instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as ações e omissões do governo durante a crise sanitária do novo coronavírus – possibilidade já levantada inclusive pelo atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Nas mídias sociais, levantamento feito na última semana pelo banco Modalmais e a consultoria AP Exata mostrou que a popularidade do presidente enfrenta desgaste no ambiente digital. Levantamento feito com base em perfis públicos nas redes sociais mostrou que 37,2% das menções ao presidente foram classificadas como ruins ou péssimas. O percentual de menções avaliadas como positivas (boas ou ótimas) foi de 34,8%.

Sobre pedidos de impeachment, as principais hashtags encontradas em posts que mencionaram o presidente ao longo da semana citaram o processo, houve proporção de 58% a favor e 42% contra. Os destaques foram #ForaBolsonaro e #QueremosBolsonaroAte2026.

Enquanto manifestações pela saída do presidente ocorriam nesta manhã em capitais pelo País, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho 02 de Bolsonaro, afirmou em suas redes sociais: “O intuito de todos que saquearam o Brasil é óbvio: criar narrativas diárias usando os garganta$ profunda$, institutos, vibradores e afins, para enfraquecer o Presidente diante da opinião pública e assim investir com o Impeachment do único que vai contra seus intere$$e$!"
       
Emilly Behnke, Gabriela Biló e Denise Luna, O Estado de S.Paulo
23 de janeiro de 2021 | 12h19 / Colaboraram Janaína Araújo, Lorrane Mendonça, Leonardo Augusto, Julio Cesar Lima e Lucas Rivas / Atualizado 23 de janeiro de 2021 | 19h29

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Trump pagou US$ 2,7 milhões a organizadores de manifestação que levou à invasão do Capitólio

Funcionários da campanha de reeleição do republicano são listados na permissão para comício em que ex-presidente discursou antes do motim

O então presidente americano Donald Trump pagou mais de US$ 2,7 milhões (cerca de R$ 14 milhões) a indivíduos e empresas que organizaram a manifestação de 6 de janeiro que culminou na invasão do Capitólio. A informação é da organização Center for Responsive Politics (CRP). 

Os pagamentos, feitos durante a campanha de reeleição de Trump, constam nos documentos da Comissão Eleitoral Federal, que os monitorou até o dia 23 de novembro. A solicitação para fazer a manifestação, que aconteceu em propriedade federal, foi feita um dia após essa data. 

O protesto, que depois levou à invasão do Capitólio, aconteceu no parque federal Elipse, que fica próximo à Casa Branca, e foi organizado pelo grupo Women for America First (Mulheres pelos Estados Unidos em primeiro lugar, em tradução livre). Foi nesse evento que Trump encorajou seus apoiadores a impedir que o Congresso ratificasse a vitória de Joe Biden na eleição presidencial.

Para usar o espaço, os organizadores pediram uma permissão especial para o Serviço Nacional de Parques. Os nomes de oito funcionários da campanha do republicano aparecem na autorização. Entre eles está o de Maggie Mulvaney, sobrinha de Mick Mulvaney, ex-chefe de Gabinete de Trump que renunciou ao cargo de enviado especial à Irlanda do Norte após o motim. Até 23 de novembro, ela recebeu US$ 138 mil da campanha do republicano, segundo informou o Center for Responsive Politics

Outro nome listado é o de Megan Powers, que aparece na autorização como uma das duas gerentes de operações do comício. Ela recebeu US$ 290 mil da campanha de Trump entre fevereiro de 2019 e novembro do ano passado. Powers foi diretora de operações da campanha de Trump.

Também receberam dinheiro da campanha de Trump uma importante arrecadadora de fundos do Partido Republicano, Caroline Wren, listada na autorização como conselheira do comício, e Ronald Holden, o gerente dos bastidores.

Quem mais recebeu, segundo o relatório do CRP, foi a empresa Event Strategies Inc., que ganhou mais de US$ 1,7 milhão por trabalho na campanha de Trump e pelo comitê conjunto de arrecadação de fundos. Os proprietários da empresa, Justin Caporale e Tim Unes, atuaram como gerente de produção do comício e gerente de palco, respectivamente.

Além disso, de acordo com o CRP, a Women for America First tinha uma relação financeira com a America First Policies, a organização sem fins lucrativos pró-Trump formada para avançar sua agenda logo depois que o republicano assumiu a Presidência. Em uma declaração de impostos recente, esta última fez uma doação de US$ 25 mil para a Women for America First em 2019.

Da Bloomberg. Publicado originalmente no Brasil por O GLOBO, em 22/01/2021 - 16:32 / Atualizado em 22/01/2021 

Juristas já veem motivos para abertura de impeachment de Bolsonaro

Para advogados e professores ouvidos pelo ‘Estadão’, presidente pode ser enquadrado em crime por violar direito à saúde

 Diante do agravamento da pandemia de covid-19, os entraves à vacinação e a insistência em tratamentos sem comprovação científica são apontados por juristas como fatores que podem levar ao impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Advogados e professores ouvidos pelo Estadão citam diversos trechos da lei federal que trata de crimes de responsabilidade, entre eles a violação ao direito e à garantia à saúde, como motivos para o Congresso remover o presidente do cargo.

Os pedidos de impeachment contra Bolsonaro se multiplicaram desde o início da pandemia de coronavírus. Na terça-feira, 26, o PT, PDT, PSB, Rede e PCdoB também vão protocolar uma ação que pede a saída do chefe do Executivo, tendo como um dos argumentos o fato de que ele não agiu para conter a tragédia no Amazonas e no Pará, onde pacientes morreram em hospitais por falta de oxigênio.

Desde o início do mandato de Bolsonaro, 61 pedidos de impeachment contra ele foram protocolados na Câmara. Cabe ao presidente da Casa dar andamento ou arquivar as solicitações. Esse é um dos motivos pelos quais Bolsonaro está empenhado em eleger o novo presidente da Câmara, já que o atual, Rodrigo Maia (DEM-RJ), deixa o cargo em 1.º de fevereiro.

A Lei dos Crimes de Responsabilidade, de 1950, também prevê outras condutas que podem levar ao impeachment, como “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo” e “intervir em negócios peculiares aos Estados ou aos Municípios com desobediência às normas constitucionais”. A Constituição também descreve como crime de responsabilidade atos que atentem contra o texto constitucional e o exercício dos direitos sociais da população, entre os quais está incluído o da saúde.

O professor Rafael Mafei, da Faculdade de Direito da USP, disse que Bolsonaro violou o direito à saúde, quebrou o decoro e agiu para intervir na atuação dos Estados e municípios contra a covid-19. Na sua avaliação, o presidente transformou as medidas recomendáveis para o enfrentamento da pandemia, como distanciamento social, uso de máscara e vacinação, em tema de disputa com adversários políticos.

“O presidente deixou claro preferir que pessoas morram sem vacina a dar o braço a torcer e dar um prêmio a adversários, que poderão dizer que, desde o começo, estavam certos. É um cálculo político que ele (Bolsonaro) faz: oferecer a vida dos brasileiros ao perecimento e ao risco por razões políticas suas”, afirmou Mafei ao Estadão.

De acordo com o professor, Bolsonaro quebra o decoro ao propagar desinformação sobre o tratamento contra covid-19 e fazer propaganda de remédios sem eficácia comprovada. “Ele mente e tem consciência disso”, disse. Além disso, Mafei disse que o presidente sabotou uma tentativa de campanha nacional de vacinação. Citou como exemplo as idas e vindas do governo federal em relação à compra de imunizantes de vários países.

“Não é só o abuso do poder retórico, mas abuso do poder legal de proibir o Ministério da Saúde de tomar medidas”, observou Mafei. “Como vai fazer campanha nacional de vacinação com um governo que sabota compra de vacina, faz campanha antivacina, engana a população sobre tratamento precoce?”, indagou.

O professor de Direito Ivar Hartmann, do Insper, disse ao Estadão que o impeachment de Bolsonaro é “questão de urgência” em função do número de mortes no País. No seu entender, o presidente faz uso da administração pública para promover tratamento que, sabidamente, não é eficiente, provocando até mesmo riscos de efeitos colaterais.

“Embora as práticas e os ilícitos que ele está cometendo não tenham começado só agora, pois esse crime está sendo cometido há diversos meses, apenas agora os efeitos estão mais fortes”, destacou Hartmann, um dos mais de 60 ex-alunos da Universidade de Harvard que assinaram um manifesto a favor do impeachment de Bolsonaro.

Além de apontar a violação ao direito à saúde, a advogada constitucionalista Vera Chemim afirmou que Bolsonaro retardou intencionalmente as ações do Executivo no combate à pandemia, “primeiro em relação às medidas médicas adequadas e agora no tema da vacinação”.

Para Chemin, a prática pode ser enquadrada no artigo 9, inciso I, da Lei de Crimes de Responsabilidade. Na sua opinião, o presidente também cometeu o crime de “servir-se de autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua” (Art. 7º da Lei de Crimes de Responsabilidade).

Os crimes de responsabilidade de Bolsonaro, segundo a constitucionalista, vão além da pandemia. “Há que se reconhecer igualmente condutas e atos que remetem, por exemplo, ao artigo 9.º, inciso 5, da Lei de Crimes de Responsabilidade, que é ‘infringir, no provimento de cargos públicos, as normas legais’. Não se pode olvidar as tentativas de nomeação e nomeações de pessoas para determinados cargos, que foram flagrantemente inconstitucionais. As referidas nomeações foram efetivadas de acordo com interesses e objetivos pessoais e políticos, afrontando os princípios constitucionais elencados no caput do artigo 37 da Carta Magna”, disse ela, citando, como exemplo, a nomeação de diretor da Polícia Federal, Alexandre Ramagem.


Com ela concorda o professor Diogo R. Coutinho, da USP, para quem Bolsonaro cometeu uma série de crimes de responsabilidade que não se limitam ao comportamento adotado na pandemia. No seu diagnóstico, porém, foi durante a crise sanitária que Bolsonaro violou mais claramente direitos e garantias, bem como direitos sociais, previstos no art. 7 da Lei dos Crimes de Responsabilidade.

“A política de saúde, um direito social, foi vilipendiada e sabotada constantemente pelo negacionismo e pelo obscurantismo. Os efeitos disso já podem ser vistos e a responsabilidade direta do Planalto será apurada e registrada pela história. Não se pode dizer, a não ser com muita desfaçatez, que não há razões para o impeachment. As condições jurídicas para o impeachment de Bolsonaro estão sendo dadas em abundância e de forma inequívoca”, disse Coutinho.

Rafael Mafei, por sua vez, avalia que um eventual processo de impeachment deveria se centrar na atuação de Bolsonaro na pandemia, para que não se perca o foco. Mesmo assim, ele enxerga outras infrações à Lei de Crimes de Responsabilidade. “Seria possível até fazer um bingo da Lei 1.079 com cada crime de responsabilidade cometido”, disse.

Professor da FGV Direito SP, Carlos Ari Sundfeld afirmou que as omissões e ações diretas de Bolsonaro, bem como de seu governo, para sabotar medidas de prevenção e tratamento têm sido sistemáticas. “É um comportamento continuado, que atenta contra o direito social à saúde, garantido pelo art. 196 da Constituição. É possível ao Congresso Nacional enquadrá-lo como crime de responsabilidade, por atentado contra o direito social à saúde. A punição é o impeachment”, declarou.

No entender de Sundfeld, a abertura de um processo assim pode ser importante mesmo que não resulte no afastamento. “A passividade do Congresso está fazendo mal ao próprio governo porque, de certa forma, o Congresso está estimulando as condutas inadequadas do presidente da República, que não encontram barreiras políticas”, argumentou ele. “Abrir o processo permite que o presidente receba uma mensagem jurídica forte. Existem fundamentos jurídicos e o presidente está precisando de um cutucão político”.

Bolsonaro também poderia ser acusado de crimes comuns, dizem juristas

Além dos crimes de responsabilidade, há no meio jurídico a visão de que o presidente também poderia ser acusado de crimes comuns. Enquanto a análise de crimes de responsabilidade é de atribuição do Congresso, a investigação e eventual denúncia de crimes comuns de presidentes são atribuição do procurador-geral da República. Também caberia ao Congresso, no entanto, autorizar a abertura de eventual ação penal, o que levaria ao afastamento do presidente.

Nesta terça-feira, o procurador-geral Augusto Aras — indicado ao cargo por Jair Bolsonaro — emitiu uma nota dizendo que todas as medidas cabíveis, com relação ao combate à pandemia de covid-19, vêm sendo tomadas. A manifestação de Aras foi vista como desastrosa por integrantes do Supremo e interpretada no meio político como um sinal de que ele não pretende investigar Bolsonaro por crimes comuns.

Para juristas ouvidos pelo Estadão, no entanto, há indícios de que Bolsonaro também cometeu crimes comuns na condução da pandemia. Um dos artigos do Código Penal citados é o que criminaliza expor a vida ou a saúde de pessoas a perigo direto e iminente. Outro é “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”, na medida em que o presidente desencorajou as medidas de isolamento determinadas por Estados e municípios e recomendadas pela Organização Mundial de Saúde. Um terceiro crime seria o de prevaricação: “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.

O que diz a legislação

Crimes de responsabilidade

Na Constituição:

Art. 85. “Atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: (...) III. O exercício dos direitos (...) sociais.”

NA LEI DOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE:

Art. 4º. “Atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra: (...) IV - A probidade na administração.”

Art. 6º. “São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos poderes legislativo e judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados: (...) nº 8 - Intervir em negócios peculiares aos Estados ou aos Municípios com desobediência às normas constitucionais.”

Art. 7º. nº 9. “São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais (...) violar patentemente qualquer direito ou garantia individual constante do art. 141 e bem assim os direitos sociais assegurados no artigo 157 da Constituição.”

Art. 9º. “São crimes de responsabilidade contra a probidade na administração: (...) 3 - não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição; (...) 4 - expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição; (...) 7 - proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.”

Crimes comuns

Código Penal:

Art. 131. “Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.”

Art. 132. “Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente.”

Art. 268. “Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa.”

Art. 319. Prevaricação. “Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.”

Breno Pires, O Estado de São Paulo, em 22 de janeiro de 2021 | 18h58

Brasil dobra doses de vacinas disponíveis e ganha respiro na campanha contra a covid-19

2 milhões de doses da AstraZeneca chegaram da Índia nesta sexta e a Anvisa aprovou o uso de mais 4,8 milhões do Butantan. Estados acordam destinar 5% de novo lote da Coronavac ao Amazonas

Dois milhões de doses de vacinas AstraZeneca / Oxford da Índia são descarregadas no Aeroporto Internacional de São Paulo em Guarulhos.AMANDA PEROBELLI / REUTERS

Com a chegada das 2 milhões de doses da vacina contra a covid-19 da AstraZeneca fabricado na Índia e a aprovação do uso emergencial de mais 4,8 milhões de doses da Coronavac pela Anvisa, o Brasil dobra a quantidade de vacinas disponíveis e consegue um respiro nesta primeira etapa da campanha de imunização. São 12,8 milhões de doses já autorizadas para uso pela agência de vigilância sanitária, incluído aquelas que foram distribuídas entre os Estados nesta semana. Administradas em duas doses como determina a bula, os imunizantes disponíveis só serão suficientes para vacinar pouco mais de 6 milhões de pessoas ―ou cerca de 3% de toda a população. Em um cenário de corrida global pelos medicamentos, o país ainda tem muitas incertezas no seu cronograma de vacinação diante das dificuldades que enfrenta para conseguir importar a matéria-prima necessária para produzir mais doses em território nacional.

As vacinas da AstraZeneca chegaram a São Paulo no final da tarde desta sexta-feira e serão enviadas à noite para o Rio de Janeiro. Durante a madrugada e a manhã de sábado, elas serão rotuladas (com etiquetagem das caixas com informações em português) pela Fiocruz para, a partir daí, serem distribuídas aos Estados. A operação logística pode ser iniciada ainda no fim da tarde de sábado. Um pouco antes da chegada dos imunizantes, a Anvisa aprovou por unanimidade o uso emergencial de doses produzidas pelo laboratório chinês Sinovac e importadas a granel para serem envasadas e rotuladas pelo Instituto Butantan. Na semana passada, o aval havia sido dado apenas para as doses prontas importadas da China. Daqui em diante, poderão ser aplicadas tanto as vacinas importadas prontas quanto as envasadas pelo Butantan (ambas já analisadas pela agência). Uma nova análise será necessária apenas se o Butantan passar a produzir outras etapas do imunizante no país ou se houver alterações na cadeia fabril chinesa.

Anvisa indica a aplicação de duas doses

A relatora do pedido feito à Anvisa, Meiruze Freitas, também orientou que cada usuário deve receber duas doses do imunizante, como consta na bula, e defendeu que o melhor cenário é ampliar o acesso ao maior número de vacinas. “No contexto de vacinação no Brasil, ninguém pode ficar para trás. Somos uma só nação”, declarou, repetindo o slogan do Governo Bolsonaro para a imunização. Há no Brasil e em outros países a discussão sobre vacinar um maior número de pessoas com as doses disponíveis e espaçar os intervalos, mas não há respaldo científico para isso. “É fundamental seguir isso para que se assegure uma vacinação adequada”, endossa o gerente-geral de medicamentos e produtos biológicos da Anvisa, Gustavo Mendes Lima Santos. A segunda dose da vacina da AstraZeneca deve ser aplicada em um intervalo de quatro a doze semanas enquanto a Coronavac deve obedecer o prazo de até 21 dias após a primeira aplicação.

Esta é uma questão importante no cenário de escassez de imunizantes no Brasil, já que os gestores precisam reservar a segunda dose aos usuários que estão sendo vacinados para garantir a eficácia relatada nas pesquisas dos medicamentos. O próprio Ministério da Saúde reforçou nesta semana este ponto, já que alguns municípios planejavam usar todas as doses recebidas num momento em que não existe regularidade e previsão para novas entregas. Foi essa situação que levou governadores a cederem 5% dos novo lote da Coronavac e do primeiro lote da AstraZeneca ao Amazonas diante da situação dramática que o Estado enfrenta com a alta de casos e mortes por covid-19. O colapso do sistema de saúde amazonense, marcado pela escassez até de oxigênio, já avançou pelo interior. As demais doses devem ser rateadas aos Estados proporcionalmente à população, como ocorreu com a primeira remessa realizada.

A diretoria da Anvisa também voltou a salientar a aprovação de uso emergencial das vacinas diante da falta de alternativas terapêuticas a contra a covid-19 e da gravidade da pandemia no país, ressaltando ainda a importância de seguir o monitoramento dos usuários que estão recebendo os imunizantes. O presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, disse que as vacinas são experimentais e que a “modalidade ora em curso é baseada no voluntariado”, preconizando um termo de consentimento. Depois da reunião da Anvisa, em entrevista coletiva, Mendes esclareceu que o termo já havia sido orientado nas aprovações de domingo, mas sua implantação cabe ao Plano Nacional de Imunizações (PNI). “A Anvisa não vai cobrar a execução. Colocou para estar alinhada à prática de outros países, mas a execução deve estar alinhada no PNI”, afirmou.

O Brasil ainda enfrenta problemas para conseguir importar os insumos necessários para a produção de imunizantes tanto pelo Instituto Butantan e pela Fiocruz (que produzirá a vacina da AstraZeneca), o que pode atrasar o cronograma de entrega de doses por ambas as instituições nos próximos meses. Apesar de haver contratos prévios firmados, a exportação da matéria-prima (o chamado IFA) ainda não foi aprovada pelas autoridades chinesas. Em um ofício ao Ministério Público Federal, a Fiocruz já admitiu que não conseguiria entregar ao Ministério da Saúde as doses previstas para fevereiro. Por conta dos entraves que podem causar descontinuidade na campanha de vacinação iniciada nesta semana, o Governo tenta negociar a compra de mais doses prontas e até alguns Estados se mobilizam para tentar ampliar a aquisição.

BEATRIZ JUCÁ, de São Paulo para o EL PAÍS, em 22 JAN 2021 - 19:27

"China está ofendida com Brasil, mas mira relação de longo prazo"

Para diplomata, dificuldade em importar insumos para vacina tem mais a ver com prioridades da China, embora "falta de maturidade política" do governo Bolsonaro não ajude. O mesmo vale para doses vindas da Índia.

Os presidentes Xi Jinping e Jair Bolsonaro em encontro do Brics em Brasília, em novembro de 2019

Apesar do histórico conflituoso da gestão do presidente Jair Bolsonaro com a China, maior parceiro comercial do Brasil, e de divergências com a Índia, Fausto Godoy, que atuou como diplomata por 40 anos, com passagens por esses dois países asiáticos, não acredita que esses atritos pesem nas atuais dificuldades enfrentadas pelo Brasil quanto à obtenção de doses e insumos para a produção de vacinas contra a covid-19. Embora certamente não ajudem.  

"A China está desgostosa, ofendida. Mas ela credita às pessoas que estão no poder o descarrilamento do trem, e ela aposta nas relações de longo prazo", afirma o diplomata, que se aposentou como embaixador em 2015. Hoje, coordena o núcleo de estudos asiáticos da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e é membro da diretoria da Câmara de Comércio Brasil-Índia.

Godoy destaca as prioridades tanto da Índia quanto da China de vacinar suas populações de mais de 1 bilhão de pessoas e de dar preferência a exportações para países vizinhos como fatores determinantes para a importação tanto de doses quanto de insumos. Mas faz uma ressalva quanto a Pequim.

"Evidentemente, se a gente tivesse um relacionamento mais simpático, mais fluido, certamente a posição da China seria mais proativa. Tem uma série de fatores que criam essa situação, a começar por esses ataquezinhos [à China de autoridades brasileiras], o que é absolutamente infantil", comenta.

O Brasil se vê às voltas em tratativas para obter insumos da China para produzir vacinas no Instituto Butantan e na Fiocruz. Nesta quinta-feira (21/01), o presidente do Butantan, Dimas Covas, afirmou que a matéria-prima já está quase esgotada no Brasil e pediu que o presidente e o ministro das Relações Exteriores ajudem a "aplainar a relação com a China".

No histórico de relações diplomáticas entre o Brasil e o país asiático há uma série de atritos desde 2019. Em março de 2020, por exemplo, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) declarou que a China era a culpada pela pandemia. No mês seguinte, o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, insinuou que o país asiático teria ganhos com a disseminação do coronavírus Sars-Cov-2 e fez piada com o sotaque chinês.

À época, o embaixador chinês em Brasília, Yang Wanming, manifestou repúdio e exigiu um pedido de desculpas por parte do governo brasileiro.

Em outubro, Jair Bolsonaro afirmou que não compraria a vacina chinesa – em claro embate com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB) – e que ela não seria segura. A seguir, seu filho Eduardo acusou a China de fazer espionagem por meio de sua tecnologia de rede 5G. A embaixada reagiu novamente com repúdio.

Além de matéria-prima, o Brasil ainda aguarda a chegada de 2 milhões de doses do imunizante da Oxford/AstraZeneza da Índia, que finalmente tiveram a exportação autorizada nesta quinta, após o Ministério da Saúde ter anunciado que chegariam no último domingo. No final de semana, autoridades indianas afirmaram que o governo brasileiro estava se precipitando e que o país ainda não exportaria vacinas. Na terça, a índia começou a exportar, mas apenas para vizinhos.

A liberação veio após o Brasil recuar, nesta semana, de um posicionamento contrário para neutro, à proposta indiana e sul-africana para quebra de patentes de produtos relacionados ao combate do Sars-Cov-2 na Organização Mundial do Comércio (OMC). Godoy, no entanto, não vê uma relação direta entre a liberação indiana e esse recuo.

Em entrevista à DW Brasil, ele fala também da amplitude das relações com os parceiros comerciais e do que considera falta de maturidade política por parte da gestão Bolsonaro. 

DW Brasil: Em que medida a política conduzida pela gestão do presidente Jair Bolsonaro em relação à China, incluindo postagens em redes sociais de aliados políticos, afetam as relações diplomáticas entre os dois países?

Fausto Godoy: Nossa percepção sobre a China é muito desfocada, e isso se reflete nas pessoas que ocupam o poder. É um país que está se tornando a maior potência do planeta e que tem 4 mil anos de história. Onde os brasileiros entram? Com ataques, com esses achincalhamentos. Essas declarações revelam falta de maturidade política e de sólida envergadura política e a maneira tosca de ver um país como a China.

Você tem nas autoridades federais e no governo pessoas que tiveram atitudes muito radicais. Você tem um deputado, presidente da Comissão de Relações Exteriores [Eduardo Bolsonaro], que criou uma briga absolutamente inútil. Eu sei que o embaixador da China, em qualquer lugar do mundo, não teria palavras ásperas se não houvesse autorização explícita do governo chinês. A manifestação dele foi excessivamente veemente para o perfil diplomático da China, então é evidente que a China ficou ofendida. Mas até onde vai essa ofensa?

A China sabe pesar as coisas, ela mandou as cartas [de repúdio] e está repensando momentaneamente as relações com o governo brasileiro, mas não com o Brasil. Isso quer dizer que ela vai romper? Não, porque o Brasil é muito importante para ela, porque tem a questão do agronegócio, das matérias-primas. A China tem uma parceria estratégica com o Brasil desde 1993.

Em que medida a atual dificuldade de obtenção de insumos para vacinas vindos da China é resultado da política externa brasileira conduzida desde 2019?

A China está desgostosa, ofendida. Mas ela credita às pessoas que estão no poder o descarrilamento do trem, e ela aposta nas relações de longo prazo. Ela está agindo para prejudicar o Brasil com a [questão dos insumos para a] vacina? Não. Não se esqueça de que a China também tem 1,3 bilhão de pessoas para vacinar. Outra coisa: a China tem compromissos com vários outros países, com o continente africano, importante para ela. Ela vai atender o Brasil? Vai, mas no ritmo dela.

Agora, evidentemente, se a gente tivesse um relacionamento mais simpático, mais fluido, certamente a posição dela seria mais proativa, e não simplesmente uma posição profissional. Tem uma série de fatores que criam essa situação, a começar por esses ataquezinhos, o que é absolutamente infantil.

No caso da negociação com a Índia, a afirmativa de que o país exportaria veio apenas na quinta-feira, após o Brasil recuar de sua posição na OMC na questão das patentes. É possível correlacionar esses dois fatos?

A prioridade da Índia é a Índia, e ela tem 1,3 bilhão de habitantes para vacinar. Ela é a maior produtora de vacinas do mundo, mas você imagina o que é vacinar com urgência toda essa população. Outra questão é a vizinhança e a presença da Índia na região. Qual é a prioridade da Índia no mundo? A região próxima. E ela priorizou Ilhas Seychelles, Bangladesh, Myanmar, etc.

Nós é que fomos afoitos em, antes de fechar isso de maneira consolidada, sair alardeando aos quatro ventos. Isso é imaturidade das autoridades, principalmente um assunto de tamanha importância. Resultado: isso criou uma pressão sobre o primeiro-ministro Narendra Modi, que teve que aceitar essa situação. A Índia tem muito empenho conosco porque o Brasil é um mercado crescentemente importante para eles. Mas antes de atender à importância do Brasil, ela tem que atender as suas necessidades internas. Nós é que fomos afoitos dizendo que estava líquido e certo.

Então não há relação direta com a postura do Brasil na OMC?

Que país pode tomar uma atitue baseada nisso ou naquilo? Talvez tenha influenciado em algo, mas isso define uma atitude de política externa? Uma coisa é pensar, eles devem ter ficado de uma certa maneira pensando sobre, mas eu acompanho os jornais indianos e não tenho lido nada disso, não vi nada disso sobre a OMC e o Brasil. Eles têm as prioridades deles.

De maneira geral, pode-se afirmar que, nesses casos específicos, a condução da política externa brasileira não foi definidora para gerar as dificuldades, mas também não ajudou?

Sim, nesses casos específicos é isso. As relações internacionais não são preto ou branco, são vários tons de cinza. Não é nem sim nem não, depende. O que move os países não é amizade, é interesse. Se você tem interesses que coincidem, então eles são amigos.

Deutsche Welle, em 22.01.2021.

Senado dos EUA aprova Lloyd Austin como secretário de Defesa; general é o 1º negro a comandar o Pentágono

General de 4 estrelas da reserva tem 67 anos e teve seu nome aprovado por 93 votos a favor e 2 contrários.

Lloyd Austin, o novo secretário de Defesa dos Estados Unidos, teve seu nome aprovado pelo Senado por 93 votos a favor e 2 contrários e será o 1º negro a comandar o Pentágono — Foto: Greg Nash/Pool via AP

O Senado dos Estados Unidos confirmou nesta sexta-feira (22) o nome do general Lloyd Austin como secretário de Defesa, tornando-o o primeiro afro-americano a comandar o Pentágono.

O nome de Austin, que tem 67 anos, foi aprovado pelos senadores por 93 votos a favor e 2 contrários. O general de 4 estrelas nomeado pelo novo presidente dos EUA, Joe Biden, passou para a reserva em 2016, após 41 anos no Exército –onde é amplamente respeitado, segundo o jornal “The New York Times”.

“É um momento histórico extraordinário”, afirmou o senador Jack Reed, democrata de Rhode Island e presidente do Comitê das Forças Armadas. “Uma parte significativa de nossas Forças Armadas hoje é de afro-americanos ou latinos, e agora eles podem se ver no topo do Departamento de Defesa”.

Há uma lei nos EUA que determina que militares só podem assumir o cargo de Secretário de Defesa depois de sete anos na reserva. A ideia é que os civis comandem as Forças Armadas.

Assim, a Câmara e o Senado precisaram antes aprovar uma exceção para o general da reserva assumir o cargo.

Austin foi o primeiro negro a liderar o Comando Central dos EUA, responsável pelos militares no Iraque, Afeganistão, Iêmen e Síria, e é o segundo nome do alto escalão de Biden a ser aprovado pelo Senado (uma exigência no país).

Gabinete de Biden

O primeiro nome foi o de Avril Haines, a primeira mulher a dirigir a inteligência americana. Ela foi aprovada com 84 votos a favor e 10 contrários ainda na quarta-feira (20), no dia da posse de Biden – uma tradicional demonstração de boa-fé do Congresso com o presidente em seu primeiro dia no cargo.

A expectativa é que o novo presidente americano consiga a aprovação de outros integrantes do seu gabinete nos próximos dias, incluindo Antony Blinken como secretário de Estado – cargo equivalente ao de ministro das Relações Exteriores na maioria dos países.

G1, em 22.01.2021, atualizado há 5 horas.

40% reprovam governo Bolsonaro e 31% aprovam, aponta pesquisa Datafolha

No levantamento anterior, de dezembro, 37% consideram governo ótimo ou bom e 31%, ruim ou péssimo. Para 42%, Bolsonaro deve sofrer impeachment; 53% são contra.

Levantamento do instituto Datafolha divulgado na tarde desta sexta-feira (22) pelo site do jornal "Folha de S.Paulo" informa que cresceu a reprovação ao governo do presidente Jair Bolsonaro diminuiu a aprovação.

Em resumo, os resultados da pesquisa são os seguintes:

Ótimo/bom: 31%

Regular: 26%

Ruim/péssimo: 40%

Não sabe: 2%

A pesquisa ouviu 2.030 pessoas nestas quarta (20) e quinta (21) por telefone em razão das limitações motivadas pela pandemia de Covid-19. A margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos.

De acordo com o Datafolha, 40% dos entrevistados classificaram o governo como ruim ou péssimo — eram 32% no levantamento anterior, entre 8 e 10 de dezembro.

Os que consideravam o governo ótimo ou bom eram 37% e agora são 31% e os que julgavam regular eram 29% e agora são 26%, segundo o instituto.

Segundo o levantamento, 53% dos entrevistados rejeitam o impeachment de Bolsonaro e 42% são favoráveis.

Confiança

O Datafolha aferiu o grau de confiança dos entrevistados em relação às declarações de Bolsonaro:

Nunca confiam: 41% (eram 37% na pesquisa anterior)

Às vezes confiam: 38% (eram 39%)

Sempre confiam: 19% (eram 21%)

Não sabem: 2% (eram 3%)

Gestão da crise

Acham o presidente capaz: 46% (eram 45%)

Acham o presidente incapaz: 52% (eram 50%)

G1 — Brasília / 22/01/2021 18h12  Atualizado há 8 minutos

Porandubas Políticas

 Por Torquato Gaudêncio

Abro a coluna com uma historinha de PE, já contada e sempre requisitada.

"O verbo não vareia"

A Câmara Municipal de Paulista/PE vivia sessão agitada em função da discussão de um projeto enviado pelo prefeito, que pedia crédito para assistência social. Um vereador da oposição combatia de maneira veemente a proposição. A certa altura, disse que "era contra o crédito porque a administração municipal não merecia credibilidade". O líder da bancada governista intervém, afirmando que "o nobre colega não pode jogar pedras no telhado alheio, pois já foi acusado de algumas trampolinagens".

- Menas a verdade - retrucou o acusado. Sou homem honesto, de vida limpa.

- Vejam, senhores, - disse o líder - o nobre colega, além de um passado nada limpo, ainda por cima é analfabeto, pois, "menas" é verbo, e verbo não "vareia". (Historinha de Ivanildo Sampaio).

Ufa, a vacina chega

Depois de querelas e muita polêmica, a vacina chega aos postos de saúde e hospitais. Vestida do vermelho chinês da Sinovac e de verde e amarelo do Butantã, é aprovada pela Anvisa e abre o processo de vacinação no país. Houve uma queda de braço entre Jair Bolsonaro e João Doria. Este venceu. A vacina da AstraZeneca, sob o selo da Fiocruz, ostentada como trunfo do governo, está em compasso de espera. Os atores são chamuscados.

Bolsonaro e Pazuello

O militar que Bolsonaro impôs no Ministério da Saúde ganha o TI - Troféu da Incompetência. Diz e desdiz o que disse. Entra bem no traje de comediante. Ou de uma personagem mais tétrica, porque o país vive uma tragédia, não uma comédia. O Imponderável pregou mais uma das suas. A "vacina chinesa de João Doria", que o Brasil não compraria, segundo promessa do presidente, acabou se tornando a grande esperança nacional. E os chineses, agora, terão condições de esnobar. Como?

Insumos

Lembra a professora Margareth Dalcomo, da Fiocruz, que todas as vacinas, repito, todas usam insumos produzidos na China. O Brasil não fabrica insumos para doenças pandêmicas. De modo que o mundo todo usa vacinas com o tempero chinês. E qual a melhor vacina, professora? Ela responde: a primeira que chegar. Uma vacina que propicia 50% de possibilidade de uma pessoa não ser afetada é, segundo ela, uma enorme vantagem. Ainda sob as hipóteses de que alguns podem ter leves/moderados danos ou graves, mas estes não morrerão por Covid-19. Viva a Coronavac.

Heróis do momento

Vale homenagear os heróis do momento: os contingentes mobilizados na frente da saúde, aqueles que estão nos hospitais, enfermeiras (os) e médicas (os), e os cientistas que comparecem aos meios de comunicação para explicar, de forma didática, todo o aparato informativo necessário para os leigos entenderem melhor o fenômeno.

A Anvisa

Merece os aplausos dos brasileiros por ter dado uma decisão sob parâmetros técnicos, condenando, ainda, as alternativas de tratamento precoce como cloroquina, vermífugos e quetais. Um tapa com mão de luva nos cloroquínicos e adjacentes.

E agora, José

Tentarei responder Drummond.

A festa não acabou. A fogueira vai continuar acesa por todo o ano de 2021. Queimará as pestanas de alguns protagonistas da política, a partir de Bolsonaro. E esquentará os corações das pessoas de fé.

A luz apagou.

Apagou no Amapá, um pouco em Teresina e continuará a apagar com os danos em equipamentos mal conservados.

O povo sumiu

Sumiu nada. Vai reaparecer em alguns espaços, bastando a confiança voltar a habitar suas cabeças. E vai voltar reivindicando outras coisas, como auxílio emergencial.

A noite esfriou.

Pouco, esse ano. Apenas em partes do sul do país.

E agora, José? E agora, Pazuello? Qual a logística para vacinar todo o país, se vocês execram a China?

E agora, Bolsonaro?

Você que é sem nome.

Sem nome? Ora, carrega o nome de Messias.

Que zomba dos outros.

Pois é, Excelência, não zombe dos outros, dos que tomarão vacina, daqueles que põem fé na Ciência. E acreditam que a terra é redonda.

Impactos na política

Bolsonaro será atingido por respingos de protestos e indignação de milhões de brasileiros que enxergam incúria, desleixo, má gestão no enfrentamento da pandemia. Pazuello descarrega um caminhão de lixo sobre a imagem das Forças Armadas. A curto prazo, o desgaste na frente política será pequeno, não devendo mudar o curso das eleições na Câmara e no Senado. Mas os pontinhos de queda na pesquisa do Antonio Lavareda, esta semana, serão atentamente acompanhados pelo corpo parlamentar. Os políticos são pragmáticos. Com um olho, enxergam benesses da máquina governamental; com outro, a reação das ruas. Se a economia não melhorar a condição do bolso das margens carentes, auxílio emergencial acabando, pandemia ainda com seus surtos, ante um quadro como esse, a esfera política acaba tomando distância de Bolsonaro.

Governadores

Os governadores, uns mais, outros menos, procurarão tirar algum proveito da vacinação em seus Estados. Entrarão nas molduras fotográficas sob certa desconfiança. 2021 será um laboratório de experiências. Saúde estará liderando o rol de demandas. Deverá ocorrer um realinhamento partidário, com a saída e entrada de representantes e governantes. Mas a pandemia marcará a política com sinais de desconfiança, descrédito, certo desprezo e até rancor.

O milagre de Maomé

Alguns tentarão fazer como Maomé, que levou o povo a acreditar que poderia atrair uma montanha. Do cume, faria preces para aqueles que o seguissem. O povão reuniu-se. Maomé chamou a montanha diversas vezes. E a montanha quieta desafiava o profeta, que não se deu por vencido. Gritou para a massa: "se a montanha não quer vir até Maomé, Maomé irá ter com a montanha". Ensina Francis Bacon: "assim, esses homens que prometem grandes prodígios e falham vergonhosamente, passam por cima de tudo, dão meia volta e realizam os seus feitos". São audaciosos.

O espírito da naçã

A fé é a mola que impulsiona a vida social. Por mais que seja amortecida por crises intermitentes - sanitária, econômica, política - a fé tem a capacidade de renascer e fortalecer os ânimos. O povo brasileiro padece de uma grande crise de fé. Futricas, apropriação do bem público, conluios, emboscadas, traições, maquinações são alguns dos ingredientes que entram nesse caldeirão da fé. É evidente que a autoestima do brasileiro está em baixa. Uma questão de ausência de fé no amanhã. O Produto Nacional Bruto da Felicidade está entre 0 e 3 numa escala de 10.

Enem, um fracasso

Aplicou-se a lei. Fez-se o Enem, o exame do Ensino Médio. Mas a voz do bom senso pedia o adiamento desse exame, ameaça nesse momento em que a epidemia volta ao pico. Mais de 50% de abstenção. E onde está ou esteve o Ministério da Educação? Ganha um picolé de araçá (ih, como eu apreciava essa frutinha na infância) quem disser, agora, o nome do ministro da Educação.

Trump saindo pelos fundos

O general Figueiredo detestava Sarney. Saiu por uma porta lateral do Palácio do Planalto, não por uma porta dos fundos, como se conta para aumentar o impacto. Mas Donald Trump está saindo, com sua trupe, de forma a evitar flagrantes. Sai pelos fundos. Mas vai ser difícil escapar ao retrato. Trump tem ainda um batalhão de simpatizantes, proprietários rurais e desempregados do Círculo da Ferrugem (Arizona, Ohio,etc.). Sai de forma arrogante, com seu sobretudo preto, que não consegue apagar o contraponto: um sobrenada (rsrs).

Reversão de expectativas

Roberto Campos era um crânio, como se diz na linguagem para designar um homem de extraordinários conhecimentos. Ele sempre dizia que a pior coisa que pode ocorrer com um governo/governante é "uma reversão de expectativas". Ou seja, o governante promete tudo. E o povo recebe nada. Ministro do Planejamento do presidente Castelo Branco, foi a Recife, em 1965, e na Sudene fiz a ele a pergunta: "ministro, sua estratégia é a de pulverizar a distribuição de verbas no Nordeste"? Embutia a ideia de uma distribuição pequena, migalhas, para cada Estado. Pegou este iniciante de surpresa, gerando uma reversão de expectativas. Ao lado esperando resposta, ouvi dele: "o que o jovem entende por pulverização"? Fiquei pasmo e mudo.

Fecho a coluna com mais uma historinha de PE.

"Só expectorante"

Reunião de vereadores com o chefe político da região numa pequena cidade de Pernambuco. Cada um tinha de falar sobre os problemas do município, reivindicações, sugestões, etc. Todos falaram alguma coisa, com exceção de um deles, meio acabrunhado no canto da sala. O chefe político cobrou dele a palavra:

- E você, amigo, não tem nada a dizer?

O vereador, tonto com a provocação, não teve saída. Respondeu:

- Não, doutor, estou apenas expectorante.

Abriu a gargalhada dos companheiros espectadores. ("Causo" contado por Marco Maciel e relatado à Coluna por Geraldo Alckmin.)

Gaudêncio Torquato, Professor Titular na USP, é cientista político e consultor de marketing político.

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Livro Porandubas Políticas

A partir das colunas recheadas de humor para uma obra consagrada com a experiência do jornalista Gaudêncio Torquato.

Em forma editorial, o livro "Porandubas Políticas" apresenta saborosas narrativas folclóricas do mundo político acrescidas de valiosas dicas de marketing eleitoral.

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Elena Landau: Bolsonaro falou, Bolsonaro avisou

O que esperamos para impedir o avanço do mal que o presidente representa?

Bolsonaro é um mentiroso contumaz. Ele sabe que mente quando diz que o STF o impediu de agir na pandemia. Mente também quando compara a covid-19 a uma gripezinha. Mente quando fala que defende o meio ambiente. Mente quando alega que houve fraudes nas eleições de 2018. Mente quando nega usar órgãos do governo para proteger seu filho. Mente o tempo todo, sem enrubescer.

A mentira contagiou o ministro da Saúde. Os dois tiveram que engolir a vacina do Doria. Irritados, inventaram um apoio financeiro ao Butantan – que não existiu. O governo boicotou como pôde. Em ato falho, o presidente chegou a lamentar a aprovação da Anvisa ao falar: “Apesar da vacina”, em uma entrevista.

Dizem até que apagou de suas contas a defesa da propaganda da cloroquina. Eu não o sigo. Mas os prints não mentem, são eternos.

Há método na sua suposta loucura, burrice ou negacionismo. Tratar seus atos como coisa de maluco é tudo que ele quer. Como no Brasil não temos a emenda 25 para apear incapazes do comando, a vida segue.

Ele mentiu na campanha quando disse que não iria tentar a reeleição. Desde o primeiro dia de seu mandato, ela é sua obsessão. Já avisou que se perder em 2022 vai melar o jogo. O que aconteceu no Capitólio há duas semanas pode ser tentado aqui em maior escala. A militarização de seu governo, os privilégios concedidos aos policiais e militares, o desmonte dos mecanismos de controle de armas e munições são sinais de sua intenção.

Não é admissível que um presidente não seja sequer cobrado por suas atitudes. Foto: Alan Santos/PR

Não consegue esconder sua irritação com o sucesso do Butantan e o fiasco da gestão de seu governo na compra e distribuição de vacina. E, previsivelmente, subiu o tom dizendo que as Forças Armadas é que decidem se temos democracia ou não. A sorte dos brasileiros é que, se depender da competência dos “pazuellos” em sua volta, o golpe fracassará por questões de logística.

Diante de tudo isso, é inexplicável a passividade dos nossos parlamentares. Maia comandou a pauta reformista, a começar pela mudança na Previdência, e sua gestão será marcada positivamente por isso. Mas também será lembrada pelo engavetamento de dezenas de pedidos de impedimento de Bolsonaro. Notas de repúdio não adiantaram nada. Às vésperas de entregar o cargo, é tarde demais para espernear.

Crime de responsabilidade é o que não falta. É só escolher. Quando o vírus começou a se espalhar no Brasil, muitas vozes se colocaram contra o impeachment porque poderia agravar a crise sanitária. Pois é, hoje são mais de 210 mil mortes, que continuam crescendo. Nem os melhores modelos estatísticos conseguem fazer prognósticos, porque a incompetência do ministro da Saúde e de seu chefe é fora de qualquer padrão.

No futuro, quando a história cobrar as responsabilidades, Pazuello, como Eichmann, vai alegar que estava só obedecendo ordens. Bolsonaro é um simples capitão reformado, quando deveria ter sido expulso do Exército, mas, como presidente da República, é o comandante em chefe das Forças Armadas.

Afastar o presidente é a mais importante ação de combate à pandemia e redução de mortes potenciais, sem contar os riscos à democracia.

Dizer que impeachment é ato político deixa nossos deputados em uma zona de conforto. Muitos usam Collor e Dilma para justificar sua inação. Só foram afastados quando perderam apoio. Mas quem retira esse apoio senão o próprio Congresso? Não temos certeza do número de parlamentares favoráveis à abertura do processo de afastamento. Indiferente a isso, as redes sociais iniciaram a contagem de votos e começam a pressionar seus deputados. Mesmo sem passeatas, podemos nos manifestar.

Bom lembrar também que não afastar um presidente por medo das ruas, pode torná-lo mais ousado. Lula foi reeleito após o Mensalão, e terminamos com o Petrolão, escândalo muito maior.

Não é admissível que um presidente não seja sequer cobrado por suas atitudes. Bolsonaro escapou impune de atos contra segurança nacional, ameaças de morte a presidentes, elogios à tortura e crimes de homofobia e misoginia. Se acha invulnerável. Sem limite, vai radicalizando. Com sua campanha contra vacina e uso de máscaras, e o estímulo à aglomeração, comete crime continuado de responsabilidade contra a saúde dos brasileiros.

Penso em meu pai neste momento. Sou filha de pai judeu e mãe católica. Meu pai, ateu, nem sequer fez seu bar mitzvah. O judaísmo para ele não tinha relação com religião. Quando dei a ele o livro da Hannah Arendt, sobre o julgamento de Eichmann, vi meu pai se transformar. Pela culpa de ter conseguido fugir da Romênia, cobrava internamente de seus parentes não terem ficado para lutar contra o nazismo, de terem visto o antissemitismo crescer sem reagir, pensando que “não vai acontecer comigo” ou “alguém vai parar esse monstro”.

Pois é como me sinto agora. O que estamos esperando para impedir o avanço do mal que Bolsonaro representa.

Elena Landau, a autora deste artigo, é economista e advogada. Publicado originalmente n'O Estado de São Paulo, edição de 22.01.2021.

Eliane Cantanhede: no mundo do jet ski

Motivos para processo de impeachment há, o que não há são condições políticas e objetivas

Que o governo Jair Bolsonaro é um desastre nas mais variadas áreas, senão em todas, ninguém minimamente informado e conectado à realidade tem dúvida. Daí a imaginar que o impeachment está à vista é apenas um sonho de verão, ou de tempos de pandemia. Motivos há de sobra. O que falta são ambiente político e condições objetivas, por enquanto.

Como esquecer a reação do presidente quando o Brasil ultrapassou cinco mil mortes por covid-19: “E daí? Querem que faça o quê?”. Como esquecer a cena do presidente passeando de jet ski no dia em que o número de mortos passou de dez mil? A gota d’água é a falta de gotas de vacina. “Querem que eu faça o quê?” Que governe o País, garanta e defenda as vacinas, salve vidas.

Bolsonaro, porém, nunca deixou de passear no seu jet ski pela realidade virtual em que vive, feliz, todo sorrisos, fazendo campanha antecipada pela sua reeleição, em vez de fazer campanha imediata pela vacinação. Ultrapassa todos os limites de provocação, irresponsabilidade, falta de respeito e bom senso. E é o principal culpado por trazer de volta a palavra impeachment ao cotidiano nacional

Pelo temor de a pandemia gerar processo de impeachment e descambar para crise social, política e institucional, o procurador-geral da República, Augusto Aras, deixou o País de prontidão com uma nota em que admite até estado de defesa, previsto pelo artigo 136 da Constituição para restringir liberdades individuais em cenários de caos.

Soou como ameaça, por vários motivos: Aras é aliado e se sente devedor do presidente, que o pinçou para a PGR fora da lista tríplice; Bolsonaro ultrapassa limites todo santo dia; a incúria do governo compromete a vacinação da população; o auxílio emergencial acabou e milhões ficarão na miséria, cara a cara com a fome. Logo, a hipótese de impeachment não é mais absurda.

A reação a Aras foi forte, de ministros do Supremo, parlamentares e dos próprios procuradores, que focaram em dois pontos da nota: 1) a ameaça de estado de defesa, num ambiente em que o presidente enaltece ditadores e atiça as Forças Armadas e 2) a versão de Aras de que crimes de responsabilidade praticados por agentes públicos são de competência do Legislativo. A avaliação é de que o procurador tenta lavar as mãos e que uma autoridade saber com antecedência do risco iminente de falta de oxigênio e não evitar que pessoas morram sufocadas é crime comum, logo, compete aos tribunais e ao Ministério Público

A nota de Aras embola Bolsonaro, pandemia, os erros do governo e algo de imensa importância no mundo e no Brasil, que é a troca de Donald Trump por Joe Biden nos EUA. O governo é um desastre internamente e o último fiapo da política externa esgarçou. Em vez de reagir corrigindo os erros, Bolsonaro dobra a aposta e teme-se que, acuado, sinta-se tentado a chutar o pau da barraca, recorrendo a instrumentos excepcionais, como o estado de defesa.

Como imaginar impeachment, porém, se o candidato de Bolsonaro é favorito a presidente da Câmara, o PT apoia o candidato dele no Senado, governadores e prefeitos são investigados por desvios de recursos para leitos e respiradores e, agora, políticos, empresários e imorais de toda sorte furam fila para roubar as (já poucas) vacinas dos profissionais de saúde?

É dramático admitir, mas Bolsonaro é resultado e parte desse descalabro e conta com súditos fiéis para garantir pontos nas pesquisas e até bater bumbo pelas duas milhões de doses que devem pingar hoje no País, vindas da Índia. Chegam atrasadas, não resolvem nada, são uma gota no oceano para os brasileiros, mas os seguidores de Bolsonaro são craques em trocar a realidade pela versão do mito. Que vai ficando.

Eliane Cantanhede, a autora deste artigo, é comentarista da Rádio Eldorado, da Rádio Jornal (PE) e do Telejornal GloboNews "Em Pauta". Publicado originalmente por O Estado de São Paulo, em 22.01.2021. 


Pedidos de impeachment

Existem 56 pedidos de impeachment de Jair Bolsonaro. O País não pode ficar refém de alguém que despreza a vida da população.

Em geral, grandes adversidades oferecem aos governantes a oportunidade de exercer uma liderança que, em tempos normais, dificilmente ocorreria. Não é preciso realizar feitos extraordinários. Muitas vezes um comportamento mediano é capaz de assegurar, numa grande crise, novo patamar de reconhecimento a muitos governantes. Jair Bolsonaro, no entanto, conseguiu o exato oposto.

Em vez de representar uma oportunidade de aplainar resistências e consolidar uma natural liderança – afinal, vigora no País o regime presidencialista –, a pandemia do novo coronavírus significou, para Jair Bolsonaro, uma multiplicação do número de pedidos de impeachment.

Desde 2019, 61 denúncias contra Jair Bolsonaro a respeito de crimes de responsabilidade foram protocoladas na Câmara dos Deputados. Desse total, 54 foram apresentadas depois de março de 2020, quando começou a pandemia no País.

No futuro, historiadores vão querer estudar e entender como o presidente Jair Bolsonaro realizou esse feito. O fato é que ele conseguiu. No meio de uma pandemia, com inúmeras preocupações e desafios a serem enfrentados, cidadãos das mais diversas orientações políticas e ideológicas, bem como partidos e entidades, viram-se na obrigação de denunciar o presidente da República por crime de responsabilidade.

Em tese, o impeachment deveria ser a última coisa a se pensar numa pandemia. Com um vírus mortal circulando pela sociedade, a causar morte e sofrimento e a exigir sérias restrições da atividade social e econômica, não se deveria cogitar de afastar do cargo o presidente da República. Esse raciocínio foi, no entanto, inteiramente invalidado pela conduta de Jair Bolsonaro. Suas ações e omissões na pandemia impuseram à Nação uma nova preocupação, dentro de um quadro que já era bastante desafiador.

Não se diga que essa reação foi apenas nos primeiros meses da pandemia, nos quais poderia haver alguma perplexidade do poder público perante um fenômeno completamente novo. Mesmo agora, com protocolos bem consolidados pela comunidade internacional e vacinas contra a covid-19 aprovadas, o presidente Jair Bolsonaro continua se mostrando completamente incapaz de lidar responsavelmente com a crise sanitária.

A reiterada conduta de Jair Bolsonaro motivou, por exemplo, a apresentação por cinco partidos da oposição (PT, PDT, PSB, Rede e PCdoB) de uma nova denúncia coletiva, baseada, entre outros pontos, na morte por falta de oxigênio de pacientes no Amazonas e no Pará.

Esse excepcional conjunto de pedidos de impeachment durante a pandemia não pode ser ignorado. Entre outras coisas, manifesta que o sistema de controle amplo dos crimes de responsabilidade, previsto no Direito brasileiro, está funcionando. Segundo a Lei 1.079/1950, qualquer cidadão pode denunciar o presidente da República ou ministro de Estado por crime de responsabilidade perante a Câmara dos Deputados.

Segundo o Estado apurou, dos 61 pedidos de impeachment apresentados desde janeiro de 2019, apenas 5 foram arquivados, por descumprimento de requisitos formais, como a falta de assinaturas. Existem, assim, 56 pedidos sobre a mesa do presidente da Câmara dos Deputados, a quem compete verificar o preenchimento dos requisitos legais e, se for o caso, submetê-los à apreciação de comissão especial, composta por representantes de todos os partidos. O caráter especial dos tempos atuais – apesar do início da vacinação, o País ainda está distante de vencer a pandemia – não deve significar a inviabilidade, por princípio, de qualquer pedido de impeachment.

A maioria das denúncias contra o presidente da República por crime de responsabilidade ocorreu precisamente em função de sua conduta no enfrentamento da crise sanitária. Depois de quase um ano de pandemia, Jair Bolsonaro deu mostras mais que suficientes de que não vai mudar. O Direito e a Política dispõem de instrumentos para sanar essas situações. Que o presidente da Câmara não tenha receio de usá-los. O País não pode ficar refém de alguém que despreza não apenas a Constituição, mas a vida e a saúde de sua população.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em 22 de janeiro de 2021 

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Anvisa avalia o uso emergencial de mais 4,8 milhões de doses da Coronavac nesta sexta-feira, 22

Uso emergencial pode ser concedido a vacinas em fase de desenvolvimento, desde que estudos clínicos tenham sido feitos no País; agência aguarda envio de dados do Butantan, até 28 de fevereiro, sobre duração da eficácia e segurança da vacina

 A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reunirá a sua diretoria colegiada nesta sexta-feira, 22, para avaliar se permite o uso emergencial de mais 4,8 milhões de doses da Coronavac.

No último domingo, 17, a agência liberou o uso de 6 milhões de doses desta vacina, desenvolvida pelo Instituto Butantan e pela farmacêutica chinesa Sinovac. Agora, a Anvisa avalia o aval ao lote de imunizantes que foi envasado pelo Butantan.


A vacina contra o novo coronavírus da Sinovac passou por testes clínicos de fase três em Brasil, Indonésia e Turquia Foto: REUTERS/Thomas Peter/Arquivo

Na mesma reunião do dia 17, a Anvisa também aprovou a aplicação de 2 milhões de doses prontas da vacina de Oxford/AstraZeneca, que deve chegar na sexta, 22, ao País após negociações para a liberação da importação da Índia. 

O uso emergencial pode ser concedido a vacinas que estão em fase de desenvolvimento, desde que estudos clínicos tenham sido feitos no Brasil. A Anvisa aguarda o envio de dados do Butantan, até 28 de fevereiro, sobre a duração da eficácia e segurança da vacina, como ficou acordado em termo de compromisso.       

Mateus Vargas, O Estado de São Paulo, em 21 de janeiro de 2021 | 19h21

Ascanio Seleme: O Exemplo de Trump

O caminho que ele percorreu até a derrota para Biden é o mesmo que Bolsonaro trafega

Trump seria muito provavelmente reeleito se não houvesse o coronavírus, que o desmascarou. Suas mentiras, apesar de contadas aos milhares, eram absorvidas como mais do mesmo. Pareciam uma bobagem. Não eram, como se veria mais tarde. Seu estado de confrontação permanente também não assustava no princípio. Seus adversários do Partido Democrata tampouco se entusiasmaram com a campanha que viam se encaminhar para uma derrota inevitável. Por isso, talvez, Biden tenha sido o candidato escolhido para a disputa, por ser o mais talhado para o sacrifício.

Embora seja um político valoroso, de trajetória impecável, Biden era visto como um homem velho, de outra época. Eleito, seria o mais velho presidente a tomar posse nos Estados Unidos. Além disso, ou talvez por isso mesmo, seus lapsos de memória eram considerados até por seus mais fiéis aliados como um problema político sério. Biden foi gago na juventude. Corrigiu o problema com tempo e terapia, mas eventualmente tropeça numa palavra ou engasga no meio de uma frase. Um problemão num debate eleitoral.

E foi assim, atropelando aqui e ali uma palavra que não conseguia pronunciar, esbarrando num detalhe, numa cifra, numa referência de que não podia se lembrar, que Biden foi tocando a campanha até ganhar a eleição com margem folgada. Surpresa? Vista desde janeiro de 2020, imensa surpresa. Mas, como a campanha refletiu a negligência de Trump com a pandemia e o transformou num símbolo do negacionismo, a vantagem substancial do republicano foi aos poucos evaporando.

Não foi a economia. Em janeiro do ano passado, a economia americana bombava, e o emprego era pleno. O presidente Donald Trump tinha autoridade, embora sua arrogância tenha sido seguidamente confundida com liderança. Claro que foi enorme o impacto do vírus sobre a vida econômica americana, como de resto em todo o mundo. Milhões de pessoas perderam o emprego, milhares de empresas fecharam suas portas definitivamente. Um número sem tamanho de esperanças e sonhos foi sepultado com os 400 mil americanos que perderam a vida para a Covid-19.

Mas o eleitor saberia interpretar o problema como uma tragédia global e não o atribuiria ao candidato Donald Trump, não fosse ele o mais antidemocrático, mentiroso, arrogante, beligerante e perverso presidente da história americana. Seu descaso negacionista com o vírus contribuiu para a exorbitância das mortes. Trump rejeitou sistematicamente o uso de máscaras, repetiu que o vírus era perigoso apenas para cardíacos e idosos e, já em outubro do ano passado, disse aos americanos: “Não deixem que o vírus domine suas vidas, não tenham medo, saiam às ruas”.

O caminho que Trump percorreu desde sua posse até a derrota para Biden é o mesmo que Jair Bolsonaro trafega no Brasil. E seu desfecho tem tudo para ser o mesmo. 

Se Bolsonaro não for cassado antes, muito provavelmente vai perder a eleição de 2022. Como ocorreu com Trump, a confiança popular, que era seu maior patrimônio quando tomou posse, foi se deteriorando pelos mesmos motivos que destruíram o ídolo norte-americano: a mentira, o ódio, o desprezo à vida e o desrespeito à democracia.

No Brasil, a pandemia contaminou o governo Bolsonaro da mesma forma que destruiu o de Trump. Uma boa parte das mais de 210 mil vítimas brasileiras deve ser atribuída à negligência e ineficiência do governo federal. A ilusão do tratamento precoce e o descaso com cuidados básicos, além dos maus exemplos, da politização do vírus e do atraso deliberado na compra de vacinas, aumentaram a conta de brasileiros mortos. Bolsonaro, seus pazuellos e ernestos um dia pagarão pelos crimes agora cometidos.

E agora, quando percebeu estar encurralado, tornou a ameaçar a democracia. Uma de suas velhas retóricas, a mais infame delas, voltou a brotar na boca do presidente. Os brasileiros devem dar ao golpismo de Bolsonaro o mesmo destino que os americanos deram ao de Trump: o lixo. Se não for já, que seja logo mais, em outubro do ano que vem.

Ascanio Seleme é Jornalista. Publicado originalmente n'O GLOBO, em 21.01.2021

Guga Chacra, a distópica posse de Biden

Em um discurso que buscou defender a união, Biden acertou ao dizer que a democracia prevaleceu. Mas por pouco. O sistema democrático dos EUA correu enorme risco nos últimos dois meses. 

Um derrotado não aceitou a vitória do adversário e mentiu ao inventar fraudes inexistentes. Dezenas de deputados republicanos, bajuladores do agora ex-presidente, insistiram nesses ataques à democracia ao se recusarem a reconhecer a vitória do democrata.

Soldados da Guarda Nacional se posicionam em frente ao Capitólio durante posse do presidente dos EUA, Joe BidenSoldados da Guarda Nacional se posicionam em frente ao Capitólio durante posse do presidente dos EUA, Joe Biden | Stephanie Keith /AFP

Apenas duas semanas atrás, vândalos supremacistas e fascistas invadiram o Capitólio em uma insurreição contra o Congresso dos EUA após serem incitados pelo então presidente, agora ex, Donald Trump. Candidato derrotado nas eleições e um mentiroso compulsivo, o republicano sofreu um impeachment na Câmara dos Deputados pelo seu ato na semana passada e pode ser condenado no Senado. Insisto: todos estes acontecimentos ocorreram nas duas últimas semanas. Pense na velocidade e na anormalidade dos acontecimentos.

Diante deste cenário hostil à democracia americana, houve uma cerimônia de posse de um presidente dos EUA ontem em uma Washington tomada por militares para evitar novas ações violentas de grupos extremistas de viés trumpista, como Three Percenters, Proud Boys, Oath Keepers e Boogaloo. Para completar, Trump se recusou de forma repugnante a participar da solenidade de juramento de Joe Biden, eleito presidente dos EUA democraticamente com mais de 80 milhões de votos.

Em um discurso que buscou defender a união, Biden acertou ao dizer que a democracia prevaleceu. Mas por pouco. O sistema democrático dos EUA correu enorme risco nos últimos dois meses. Um derrotado não aceitou a vitória do adversário e mentiu ao inventar fraudes inexistentes. Dezenas de deputados republicanos, bajuladores do agora ex-presidente, insistiram nesses ataques à democracia ao se recusarem a reconhecer a vitória do democrata.

Pense em como este cenário é surreal. É uma distopia. Seria impensável anos atrás, antes de Trump assumir. Todos estávamos acostumados à normalidade das posses americanas com Clinton, Bush, Obama. Um exemplo de democracia, com um presidente entregando ao poder ao outro ao longo de décadas. Com o hino nacional entoado, o juramento com a Bíblia, seguido de um discurso a centenas de milhares de pessoas. Desta vez, não estava presente o incumbente, que de forma infantil viajou para a Flórida. Simbolicamente, fez falta. Na prática, deixou a cerimônia mais leve.

Além deste momento delicado da democracia americana, amenizado em parte pela presença de alguns integrantes do Partido Republicano, observamos uma cerimônia de posse na qual todos os participantes vestiam máscaras para se protegerem do coronavírus. Será esta a imagem que jamais esqueceremos nas próximas décadas. Biden assumiu a Presidência um dia depois de os EUA ultrapassarem a marca de 400 mil mortos pela pandemia de Covid19. Nunca, mas nunca imaginaríamos um momento tão dramático como este não apenas nos EUA como em todo o planeta. Tínhamos de ver o sorriso da Kamala Harris pelo brilho de seus olhos.

Aliás, Kamala é outro marco histórico. Por 45 vezes, dois homens tomaram posse como presidente e vice dos EUA. Foram 90, ao todo. Destes, 89 brancos, dos quais 87 protestantes e um católico (o segundo é Biden). Apenas um negro, Barack Obama. Ontem, os EUA finalmente e tardiamente viram uma mulher, negra de origem jamaicana e indiana, ocupar a Vice-Presidência. Ao longo de toda a história, pensem nisso, nunca uma pessoa do sexo feminino tomou posse na chapa presidencial. Quem sabe, um dia, vejamos uma mulher na Casa Branca como presidente.

Vamos torcer para Biden conseguir atingir seu objetivo de unir o país. Não será fácil, com milhões de americanos contaminados pelas mentiras propagadas pro Trump. O importante agora é combater a pandemia e tentar reconstruir a economia americana.

Guga Chacra, Jornalista, é correspondente da GloboNews em New York (USA). Este artigo foi publicado originalmente n'O GLOBO, em 21.01.2021.

Ruth de Aquino, o orgulho de ser brasileira

Para Margareth, “não há nada neste momento, a não ser a desídia absoluta, a incompetência diplomática do Brasil”, que impeça cada um dos brasileiros de ser vacinado nas próximas semanas ou meses.

A Dra Margareth Dalcolmo, (acima), pesquisadora e pneumologista da Fiocruz, apela à consciência cívica pela vacina ao receber prêmio São Sebastião A Dra Margareth Dalcolmo, pesquisadora e pneumologista da Fiocruz, apela à consciência cívica pela vacina ao receber prêmio São Sebastião | Reprodução

Não faço ideia de onde e quando serei vacinada contra a Covid. Só sei que estou na “segunda fase”. Vejo amigos argentinos, portugueses, franceses, americanos recebendo a informação precisa. Data, lugar e hora em alguns países. E nós? A resposta mais honesta é: não temos previsão.

Não suporto mais ver o general Pazuello repetindo o fim de frases, num eco de sua ignorância ou suas mentiras. A fala do ministro da Saúde é tão constrangedora que agora trocaram um coronel por um marqueteiro como assessor. Por que tanta ansiedade, tanta angústia? Com seringas, agulhas, oxigênio, vacinas? 

Fomos ingênuos ao acreditar que o insumo para produzir vacinas no Brasil chegaria logo da China. Por mais que um Ernesto Araújo hesitante venha negar agora problemas políticos com chineses, é desastrosa nossa performance. Felizmente, a Índia decidiu enfim enviar a vacina de Oxford, depois de ter ignorado o Brasil na primeira leva. Se não fosse pelo Doria, nenhum brasileiro teria sido vacinado ainda. Ponto para o governo paulista, ponto para o Butantan, ponto para a ciência.

Apesar de tudo isso, eu me orgulho de ser brasileira. Meu orgulho tem nome e sobrenome. Uma mulher de minha idade. Gigante no que faz. Dra Margareth Dalcolmo. Pneumologista e pesquisadora da Fiocruz. Nasceu no Espírito Santo, mas no Rio de Janeiro fincou raízes. “Como dizia a grande escritora Marguerite Yourcenar, é onde nós vivemos que formamos nossa consciência”, disse ao receber o prêmio São Sebastião, da Arquidiocese, no feriado do padroeiro do Rio de Janeiro. A médica abandonou o discurso protocolar. Ela me representa e às famílias de mais de 210 mil mortos por Covid-19.

“É absolutamente inaceitável que nesse momento no Brasil nós tenhamos acabado de receber a notícia de que as vacinas não virão agora da China”, disse Margareth, sem elevar a voz. A Fiocruz está pronta para receber o insumo e produzir.  Mas não poderá cumprir seu cronograma inicial de imunização. A não ser que os chineses se apressem e esqueçam as piadas indecorosas de Bolsonaro. E também esqueçam o chanceler Ernesto Araújo, um ministro insustentável. Com ele, o embaixador chinês aparentemente não fala mais. 

Margareth dedicou sua vida à Medicina. Não teve filhos. Casou-se na igreja em 2015 com o educador Candido Mendes, hoje com 92 anos. Ela lembrou o que viveu na pandemia: “Ao longo desses 10, 11 meses, mais do que uma gestação, eu como tantos colegas estamos em centros de terapia intensiva com pacientes gravíssimos. Essa vivência nos tornou não mais poderosos, não mais sábios, mas mais humildes. Nos tornou mais atentos com o outro”. 

Para Margareth, “não há nada neste momento, a não ser a desídia absoluta, a incompetência diplomática do Brasil”, que impeça cada um dos brasileiros de ser vacinado nas próximas semanas ou meses. Quando era pequena, Margareth queria ser diplomata. Fala inglês e francês perfeitamente. Aos 17 anos, na ditadura militar, avisou aos pais que não queria representar um governo que torturava. E mudou para Medicina. Hoje, faz um apelo. “Conclamo a todos que tenhamos consciência cívica para reivindicar aquilo que é nosso direito e a única solução”. A vacina. 

Uma lástima que o presidente, seus filhos e seus ministros estejam tão abaixo de Margareth em todos os aspectos. Na moral, na competência, na compostura, no conhecimento, na responsabilidade. O Brasil que está no poder é um país que me envergonha. Olho o Trump e penso: vai passar. 

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A vacinação aos pés do Cristo foi um oba-oba cafona e inadequado, com aglomeração e provável contágio. Menos euforia e mais discrição, por favor. Prefeito Eduardo Paes, fiscalize direito as praias e os bares abarrotados se quiser evitar lockdown.

Ruth de Aquino é Jornalista. Publicada originalmente n' O GLOBO,(digital) em 21.01.2021, às 15:40 h

Os militares e a próxima eleição presidencial, avalia Antonio Carlos Will Ludwig, Professor Aposentado da Academia da Força Aérea

Ainda há tempo de buscar medidas para evitar a concretização dos delírios do capitão

A invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, por um grupo de fanáticos chefiado por Donald Trump estimulou analistas políticos a escreverem sobre a possibilidade de uma ocorrência parecida em nosso país caso o atual presidente da República perca as eleições em 2022, haja vista a semelhança política dele com o ex-governante estadunidense. Trump fracassou em seu intento golpista porque não contou com o respaldo dos militares norte-americanos, uma vez que estes são árduos defensores da democracia.

Os alertas emitidos servem muito bem para evitarmos que o desvairado comandante da Nação venha a praticar um perigoso ato similar na próxima eleição. Tal como pode ser visto, uma condição necessária para concretizá-lo diz respeito à existência de uma massa populacional disposta a obedecer prontamente às ordens do líder. Para alcançar o objetivo almejado, porém, é imprescindível contar com outra condição mais importante, ou seja, uma homogênea sustentação das Forças Armadas.

Muitos sabem que o capitão presidente, desde que tomou posse, demonstra ter por metas principais concretizar um projeto autoritário de governo, aproveitar-se do status de seu cargo para tentar barrar as ameaças da Justiça sobre ele e sua família e obter um novo mandato na próxima eleição presidencial.

Quanto à primeira meta, ele já se valeu de diversos expedientes: uso das redes sociais para disseminar notícias falsas e atacar adversários e instituições, criação e empenho do “gabinete do ódio”, escolha de pessoas de perfil direitista para ocupar cargos no governo, distanciamento das Casas Legislativas, exibição da conduta de culto à violência e às armas, ameaças aos meios de comunicação, desmantelamento de conselhos sociais e incentivo às manifestações grupais apoiadoras de suas ações doidivanas.

O recurso mais perigoso escolhido diz respeito à liberalização das armas de fogo. O primeiro documento relativo a ela tratou da aquisição pelos donos de comércio, indústrias e habitantes urbanos. Outro se voltou para a autorização de seu porte a diversas categorias profissionais. Um terceiro se destinou ao aumento de munição por arma e um quarto incidiu em zerar a alíquota de importação de revólveres. Uma das medidas mais polêmicas foi a que revogou três portarias do Exército relativas ao controle de armas e munições.

É muito preocupante também sua conduta de aproximação a policiais. Começou com a greve no Ceará. Seguiu com o oferecimento de cargos no governo, a proposta de desconto na compra de alimentos, o discurso a soldados asseverando que a imprensa sempre estará contra eles e a proposta referente à criação da patente de general para as Polícias Militares, rejeitada nas Forças Armadas, e de um conselho nacional da polícia civil, criticada por juristas renomados.

Outro expediente empregado é pertinente aos agrados às Forças Armadas. A esse respeito podem ser citados a reestruturação da carreira militar, a verba extra para o Ministério da Defesa, o incentivo à construção de submarinos e o discurso contra o sucateamento dos estabelecimentos bélicos. Sua indigência intelectual insta levá-lo a supor que tais deferências à área castrense são capazes de angariar o apoio dos colegas da ativa às pretensões políticas antidemocráticas que continua nutrindo. Deve acalentar também a provável e insana expectativa de obter o respaldo deles no momento reservado ao pronunciamento da falsa denúncia sobre a inexistência de lisura na próxima eleição presidencial e na hora de encorajar a néscia população armada e os incautos policiais a se rebelarem contra um possível resultado desfavorável.

Mas, tal como ocorreu com Trump, os militares brasileiros tampouco lhe prestarão o socorro almejado. Ocorrências do passado, tais como as Diretas-já, os comandos civis no Ministério da Defesa, a convivência com partidos de centro-esquerda, a atuação da Comissão Nacional da Verdade e, principalmente, a perda de prestígio perante a sociedade, o qual já foi recuperado, contribuíram para a transformação da conduta militar e a manutenção do respeito à democracia.

Acontecimentos mais próximos tendem a mostrar que os servidores fardados, acertadamente, querem dele se distanciar. Vale citar as críticas às suas aparições defronte a um quartel durante manifestações, a impassividade em face das ameaças dele e de seus áulicos aos Poderes constituídos, a fala referente às Forças Armadas como instituições do Estado e a pressão pela saída do ministro da Saúde. Deduz-se, então, que excluso o impeachment ele não deverá contar com o apoio dos estabelecimentos bélicos, mas poderá vir a utilizar o avilanado povo armado e os obtusos policiais para tentar alcançar seu intento.

Há, contudo, bastante tempo ainda para buscar medidas preventivas no sentido de evitar a provável concretização de seu delirioso ato e garantir a celebração da democracia.

Antonio Carlos Will Ludwig, o autor deste artigo, Professor aposentado da Academia da Força Aérea, é autor de "Democracia e Ensino Militar" (Cortez) e "A Reforma do Ensino Médio e a Formação Para  a Cidadania" (Pontes). Publicado originalmente por O Estado de São Paulo, em 21.01.2021.

A alternativa a Bolsonaro

O mais inepto presidente da história só se segura porque não foram reunidas condições políticas para afastamento constitucional.    

Está claro para um número cada vez maior de cidadãos que Jair Bolsonaro não reúne mais condições de continuar na Presidência e que sua permanência no poder põe em risco a vida de incontáveis brasileiros em meio à pandemia de covid-19, em razão de sua ignominiosa condução da crise. O mais inepto presidente da história pátria só se segura no cargo, do qual jamais esteve à altura, porque ainda não foram reunidas as condições políticas para seu afastamento constitucional.

Essas condições políticas dependem majoritariamente de um entendimento não em relação aos muitos crimes de responsabilidade que Bolsonaro já cometeu, hoje mais que suficientes para um robusto processo de impeachment, e sim em relação ao projeto de país que se pretende articular para substituir o populismo raivoso do bolsonarismo.

Nunca é demais lembrar que o bolsonarismo só triunfou na campanha presidencial de 2018 porque as forças de centro não foram capazes de apresentar uma alternativa eleitoralmente poderosa ao PT, enquanto Jair Bolsonaro falava abertamente em “fuzilar” petistas. Depois de tantos anos de empulhação lulopetista, marcados por corrupção, arrogância e incompetência, o eleitorado se deixou seduzir pela “autenticidade” de Bolsonaro, que espertamente se apresentou como o único capaz de derrotar Lula da Silva e impedir a volta do PT ao poder.

Faltou aos partidos tradicionais compreender as aflições de milhões de brasileiros frustrados com a falta de perspectiva de crescimento pessoal e indignados com tantas promessas descumpridas pelos políticos, em especial depois da passagem pelo poder dos mercadores de ilusão liderados pelo demiurgo de Garanhuns. Historicamente, esses cidadãos formam a clientela preferencial dos populistas, com suas soluções fáceis e radicais – muitas vezes em detrimento dos pilares institucionais que sustentam a democracia.

Assim, a tarefa dos partidos genuinamente interessados na manutenção da democracia e na criação de condições para o crescimento sustentado do País é muito mais complexa: a política tradicional deve ser capaz de convencer os eleitores de que é preciso fazer sacrifícios para que haja desenvolvimento e, sobretudo, de que não se alcançam soluções reais para os problemas, dos mais comezinhos aos mais graves, fora da concertação política proporcionada pelo debate público legitimado pelas instituições democráticas. Ou seja, a negação do bolsonarismo.

Não será nada fácil – especialmente tendo em vista a qualidade sofrível de muitas das atuais lideranças políticas –, mas a crise brasileira não admite acomodação ou discursos vazios. Não basta ir às redes sociais para atacar Bolsonaro e cobrar o impeachment; é preciso construir um discurso político forte o bastante para reduzir a clientela do presidente e oferecer uma alternativa concreta aos desencantados que ele cooptou.

Como disse em entrevista ao Estado o cientista político alemão Jan-Werner Müller, autor do livro O que é populismo?, “não é suficiente dizer ‘não somos Trump’ ou algum outro autoritário”, em referência ao ex-presidente norte-americano Donald Trump e seus discípulos, como Jair Bolsonaro. “É preciso oferecer uma visão positiva que responda aos problemas reais das pessoas.”

Além disso, enfatizou Müller, as elites “precisam ter a coragem de romper com os populistas”. As elites a que se refere o estudioso alemão são aquelas que, voltadas exclusivamente para seus interesses privados, emprestam seu peso socioeconômico a um governo que, a título de salvar o Brasil do comunismo e do lulopetismo, se notabiliza pela indecência e pela irresponsabilidade.

Ao mesmo tempo, é preciso reformar o que Müller chama de “infraestrutura crítica da democracia”, especialmente o sistema político, para torná-lo mais representativo do conjunto dos cidadãos, e valorizar a informação de qualidade contra a usina de patranhas disseminadas por redes sociais. Sem isso, eleitores continuarão a se encantar com a mendacidade patológica de Bolsonaro, dando sobrevida política a quem já deveria ter sido banido da vida pública há muito tempo.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em 21 de janeiro de 2021