quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Segundo impeachment de Trump tem o efeito de punição profilática

A impugnação do presidente pela Câmara dos EUA tenta romper com um padrão de comportamento radical, considerado inaceitável para um estadista. Comentário de Sandra Cohen.

A carnificina que o presidente Donald Trump prometeu erradicar dos EUA há quatro anos, no discurso de posse, acabou por consumi-lo e dominar o fim de um mandato violento e melancólico. Na Câmara dos Representantes, congressistas imprimiram a marca da derrota a Trump não apenas como o único presidente a sofrer dois impeachments, mas como o homem mais perigoso que já ocupou o Salão Oval, conforme asseverou o deputado democrata Joaquin Castro, do Texas.

O segundo impeachment, após 13 meses, atesta também a ruptura de dez republicanos com o discurso do ódio propagado por Trump. Os 197 que votaram contra a sua destituição não se preocuparam em defender o presidente da acusação de incitamento à insurreição. Focaram seus ataques no processo sumário, sem investigações ou audiências, liderado pela presidente da Câmara, Nancy Pelosi.


Nancy Pelosi, a Presidente da Câmara dos Deputados, assina a comunicação ao Senado Federal da instauração de processo contra Donald Trump, que se torna o 1º presidente dos EUA a sofrer dois impeachments — Foto: Reprodução

Todos que votaram nesta quarta-feira, contra ou a favor do impeachment do presidente, foram testemunhas da invasão ao Capitólio. Os democratas, contudo, estavam movidos por impor o impeachment como uma medida profilática: romper com um padrão considerado inaceitável para um estadista, o de insuflar partidários a resistir ao resultado eleitoral que tornou Joe Biden presidente eleitoral.

No discurso à massa de apoiadores que precedeu à invasão do Capitólio, Trump pronunciou pelo menos dez vezes o verbo lutar, a maioria na versão imperativa. A resposta veio na forma de depredação e pilhagem da Casa do Povo, com centenas de congressistas acuados e forçados a fugir do plenário.

O impeachment agora é fato consumado, mas não implica na destituição do presidente. O processo só chegará ao Senado após a posse de Biden, no dia 20, e será transformado em julgamento num ambiente político distinto: Trump estará fora da Casa Branca, e a Câmara Alta, dominada pelos democratas.

Dezessete senadores republicanos precisarão ser convertidos para alcançar a maioria de dois terços necessária à condenação. Caso isso se confirme -- não há precedentes de um processo de impugnação de um ex-presidente -- será necessária uma votação adicional para impedir que ele se torne elegível.

Cortar o mal pela raiz parece ser, em última análise, a meta dos democratas. Os 70 milhões de votos conquistados por Trump, no entanto, são o indício mais forte de que seu movimento radical ainda permanecerá no cenário político americano.

Sandra Cohen é Jornalista especializada em temas internacionais, foi repórter, correspondente e editora de Mundo em 'O Globo'. Publicado originalmente por G1, em 14.01.2021

Brasil registra mais 1.131 mortes por covid-19

País tem ainda mais de 67 mil novos casos de coronavírus em 24 horas. Total de infectados chega a 8,3 milhões, enquanto óbitos ligados à doença passam de 207 mil.


Caixão é sepultado em cemitério em Manaus

O Brasil registrou, pelo terceiro dia consecutivo, mais de mil mortes ligadas à covid-19 em apenas 24 horas, ao somar 1.131 óbitos nesta quinta-feira (14/01), segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

O país registrou ainda 67.758 novos casos confirmados da doença. Com isso, o total de infecções oficialmente identificadas subiu para 8.324.294, enquanto os óbitos chegaram a 207.095.

Ao todo, 7.277.195 pacientes se recuperaram da doença no país, segundo dados do Ministério da Saúde divulgados na quarta-feira. O Conass não divulga número de recuperados.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais de casos e mortes devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes está em 98,5 no Brasil, a 21ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Andorra e Liechtenstein.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 23,2 milhões de casos, e da Índia, com 10,5 milhões. Mas é o segundo em número de mortos, já que mais de 386 mil pessoas morreram em território americano.

Em todo o mundo, mais de 92,7 milhões de pessoas já contraíram o coronavírus, e 1,98 milhão de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle, há 34 minutos.

Porandubas Políticas

 Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com uma historinha do Piauí.

Hermenegildo

Recebi de Raimundo Junior uma historinha do Piauí que foi contada por seu pai, Raimundo Dias, ao nosso amigo Sebastião Nery, com quem estudou no Seminário. Vejam o inelegível: O candidato contra Jorcelino chamava-se Hermenegildo. O advogado de Hermenegildo, na impugnação de Jorcelino, era Benjamin Lustosa. O dr. Benjamin ficou a audiência inteira tentando provar que Jorcelino era "inelegível". Era "inelegível prá cá, inelegível prá lá". Quando saíram, Jorcelino disse a seu advogado, Raimundo Dias:

- Doutor, o senhor viu como o Dr. Benjamin está louco?

- Por quê?

- Ele passou o tempo todo dizendo que eu era Hermenegildo.

(A fonética entrou mal nos ouvidos de Jorcelino).

Panorama

Como tenho dito e escrito, projetar cenários é um desafio dos mais instigantes para os analistas da política. Principalmente quando fatores imprevisíveis baixam sobre o planeta. Mesmo assim, arriscamo-nos a fazer o exercício. Na esfera mundial, são visíveis certos fenômenos que tendem a se avolumar na esteira da desigualdade, que se expande na economia e seus impactos sobre as Nações. Dentre estes, podemos apontar a polarização política, o enfraquecimento dos partidos de esquerda e centro-esquerda, o declínio das ideologias, a indignação das bases com entes partidários e seus protagonistas, a fragmentação das classes médias, enfim, o solapamento de valores clássicos da democracia.

A crise da democracia

Em seu clássico Sociologia Política, Roger-Gérard Schwartzenberg descreve com primor alguns desses fenômenos, mostrando a ascensão de outros vetores da política - como a emergência dos técnicos/burocratas, firmada sobre a aliança entre políticos e círculos de negócios. Norberto Bobbio, por sua vez, em O Futuro da Democracia, mostrou as promessas não cumpridas pelos sistemas democráticos: a educação para a cidadania, o combate ao poder invisível, a transparência dos governos, a permanência das oligarquias. Já Adam Przeworski, autor do livro Crises da Democracia, ao analisar a recente invasão do Capitólio, a sede do Poder Legislativo, é peremptório: "agora os EUA não podem mais se vender como bastião da democracia". Afinal, o que está acontecendo lá fora e por aqui?

O fanatismo

O fracasso dos governos contemporâneos tem expandido a ira social. Ira que se transforma em busca de "novos profetas e salvadores da Pátria", manifestações populares e mesmo a devastação de espaços públicos. Claro, com a eleição de figuras que mais se identificam com o estilo outsider, como Trump e Bolsonaro, mesmo sendo este um político que passou quase três décadas no Parlamento. Esse fanatismo se encontra com outros eixos, como o religioso, particularmente os credos engajados na extrema direita e comprometidos com defesa da família e de valores tradicionais.

O nacional-populismo

Onde esses grupos encontram um escoadouro para jogar as suas mágoas e encontrar motivação para seu engajamento na vida político-institucional? Na corrente nacional-populista, que defende um escopo pátrio, de fundo populista, com políticas que venham ao encontro de seus anseios, como defesa do emprego para os nativos, não para imigrantes, que deverão ser proibidos de entrar no país.

"Cinturão da ferrugem"

É o caso dos Estados Unidos, onde Trump, na campanha de 2016, foi intensamente votado no "cinturão da ferrugem", região localizada no Nordeste dos Estados Unidos, composta pelos Estados de Michigan, Minnesota, Ohio, Iowa, Pensilvânia e Wisconsin, que tiveram uma indústria bem desenvolvida até o século 20, mas depois sofreram com o declínio da economia, desemprego, redução da população e decadência urbana. O nome faz referência às fábricas hoje abandonadas na região. Aí Trump, em 2016, foi consagrado sob o lema o lema "Keep America First" ("Os Estados Unidos em primeiro lugar").

O empobrecimento das classes médias

As classes médias têm perdido seu poder de fogo. Na esteira da crise que se expande para além da pandemia, deteriorando as economias, a sociedade busca novas fontes de poder. As classes médias, que sempre exerceram seu papel de pedra jogada no meio do lago para formar ondas que correm até as margens, dividem-se em grupos com afinidades profissionais, dando origem às bancadas especializadas de representação política, como médicos, advogados, ruralistas, mulheres, transgêneros etc. Ou seja, as vozes que tocam na tuba de ressonância social agora fazem parte de orquestras mais fechadas. As massas acorrem às ruas quando convocadas por suas categorias profissionais. O empobrecimento das classes médias integra o painel do empobrecimento global. Os tais três trilhões de dólares que corriam, como nuvens, para descer nos mercados mais promissores, estão se evaporando.

Outra tuba

Quem está enriquecendo, e muito, são os empreendedores nas áreas do conhecimento tecnológico e inteligência artificial, os promotores de negócios nas áreas de serviços, os apostadores nas invenções que poderão mudar o curso da Humanidade, como carros elétricos, aeronaves para prospectar condições sobre o futuro da civilização noutros planetas e aqueles que se aproveitam para atender novas demandas dos consumidores. Esse bloco tem como suporte a nova tuba de ressonância social, as redes tecnológicas da Internet.

Explosão

As massas carentes juntam-se aos grupos insatisfeitos e, em caso de agravamento de sua situação - hipótese que leva em conta o destroço das economias - podem formar um gigantesco barril de pólvora. Sinais de erupção já se vêem aqui e ali. Se o "mundo de cima" não der respostas satisfatórias ao "planeta de baixo", não podemos esperar que cresça o Produto Nacional da Felicidade nas Nações. Canaliza-se a insatisfação para os tanques dos movimentos populistas, que poderão eleger figuras estrambóticas e escandalosas. E pior é quando tais figuras ameaçam mobilizar seus simpatizantes com propostas antidemocráticas. Atentem: a invasão do Capitólio ocorreu no seio da maior democracia ocidental, como é conhecida a Pátria de George Washington.

Haverá perigo?

Adam Przeworski acha que a democracia não está em perigo. Suas palavras: "nos últimos 20 anos, mais ou menos, houve um aumento claro de partidos radicais de direita, mas parece que o apoio para esse tipo de radicalismo de direita fica sempre na faixa de 20% a 25%. O fato é que as instituições representativas tradicionais não funcionam muito bem. Se você é uma pessoa pobre no Brasil, no México, na Espanha, na Grécia, e se pergunta o que essas instituições fizeram por você ao longo da vida, a resposta será 'muito pouco'. Desigualdade em alta é sintoma de algo errado com as instituições. A crise veio para ficar, mas não ameaça a existência da democracia na maior parte dos países".

E por aqui?

Por nossas plagas, os fatos ocorridos na contemporaneidade se relacionam a alguns fatores acima citados. Mas algumas situações merecem destaque. Por exemplo, a gestão governamental Federal no combate à pandemia é um caso sui generis de despreparo, desleixo, incúria, irresponsabilidade. Um país de 210 milhões de habitantes, um território continental de riquezas inigualáveis, uma economia que, apesar dos pesares, ainda é uma das maiores do mundo vive um clima de futrica em torno das vacinas e de seus protagonistas. Quem vacinará primeiro? O governo Federal ou o governo de São Paulo? Triste ver o nosso mandatário-mor usar a vacina como mote de suas piadas e os mais de 200 mil mortos como coisa absolutamente natural. "Vacina transformará a pessoa em jacaré".

Autoritarismo

Quase todos os dias vemos cenas de descontrole e falta de planejamento por parte das autoridades Federais. E, no meio da bagunça, sobram espaços para piadas e chistes, declarações que não dizem nada - "a vacinação vai começar no dia D na hora H". Essa pérola de autoria do ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, deve brilhar no museu da esquisitice. Mas é preocupante a relação de coisas absurdas que se espraiam: uma investigação criminal sobre os jornalistas Ruy Castro e Ricardo Noblat, o primeiro por ter sugerido, em artigo na FSP, que tanto Trump e Bolsonaro poderiam seguir o caminho do suicídio para ganhar fama na história. O segundo, Noblat, por ter publicado o texto em seu blog. O tom de galhofa com que Castro se refere a Bolsonaro é bem diferente da defesa da tortura que o presidente sempre fez e faz questão de fazer nos tempos do regime militar.

Ausência de líderes

Infelizmente, nos horizontes de nossa política, não se enxergam líderes, perfis de respeito, autoridade e sapiência que possam traduzir a chama da esperança. Os nossos representantes vivem na arena da política de interesses, saindo de uma eleição e já se preparando para outra, não dando tempo nem para limpar destroços das administrações em fim de mandato. Uma eleição atrás da outra, com poucas opções de escolha, acaba amortecendo a motivação de eleitores. E quando o bolso apertar mais ainda, com a extinção ou diminuição do auxílio emergencial, é possível prever contingentes desesperados saindo às ruas para cobrar o que lhes prometeram. Da mesma forma, a fome, como a vacina, não tem ideologia.

Na padaria

Conversa entre dois senhores de cabelos grisalhos esperando pelo pão. "Fulano, como eu tenho também a nacionalidade portuguesa, corri a Lisboa para me vacinar. Me vacinei e aqui estou de volta". Números de contaminados sobem diariamente.

Gaudêncio Torquato, cientista político, é Professor Titular na Universidade de São Paulo.

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Sem auxílio emergencial, Brasil deve ter mais de 20 milhões em pobreza extrema

Entre 10% e 15% da população viverão com menos de R$ 155 por mês em janeiro, cinco meses após alcançar mínima histórica de 2,3%, prevê economista. Em meio à pandemia, opção seria pagar valor menor a menos pessoas.

Segunda onda da covid-19 deve tornar cenário ainda mais difícil para famílias pobres

O fim do pagamento do auxílio emergencial enquanto a economia ainda não se recuperou da pandemia e os números de casos e mortes por covid-19 seguem em alta deve elevar a parcela de brasileiros vivendo em pobreza extrema, com renda familiar per capita menor que R$ 155 por mês, a 10% a 15% da população, algo entre 21 milhões e 31 milhões de pessoas.

A cifra é de duas a três vezes maior que o último dado disponível, de novembro, quando o valor do auxílio emergencial já havia sido cortado à metade, e 5% da população, ou 10,7 milhões de pessoas, viviam nessa condição de escassez extrema. Os números foram calculados pelo economista Daniel Duque, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).

A evolução é mais dramática se comparada à taxa de pobreza extrema de agosto de 2020, a menor da história do país, quando apenas 2,3% da população vivia nessa situação, ou 4,8 milhões de pessoas. Cinco meses depois, o Brasil deve voltar a ter uma taxa de pobreza extrema comparável à do período de 2006 a 2010, segundo os cálculos de Duque.

O auxílio emergencial chegou a 68 milhões de pessoas, cerca de um terço dos brasileiros. O benefício pagou R$ 600 por mês (ou R$ 1,2 mil por mês para mães chefes de família) de abril a setembro, e metade desse valor de outubro a dezembro. Custou cerca de R$ 320 bilhões, ou 4,4% do PIB de 2019, despesa que só se tornou possível graças ao Orçamento de Guerra aprovado para combater a pandemia, que liberou o governo para gastar acima do que o Orçamento e o teto de gastos permitiam.

Duque afirma que o primeiro trimestre será especialmente difícil para as famílias mais pobres não somente pelo fim do auxílio, mas também pelo encerramento de outros programas do governo para estimular a economia, pelo padrão histórico de alta no desemprego nos primeiros meses de todos os anos e pela alta de casos e mortes por covid-19, que já está levando ao aperto das restrições à circulação de pessoas.

Ele diz que o governo tinha alternativas em 2020 para criar um novo programa social permanente, mais abrangente que o Bolsa Família, mas não o fez, e agora o espaço no Orçamento é muito limitado. O economista defende, no entanto, uma prorrogação do auxílio com um valor abaixo de R$ 300 e para um número menor de pessoas. "Mas isso é enxugar gelo, a melhor solução não foi tomada, e agora a gente só pode conseguir algo mais permanente no ano que vem", considera.

Duque alerta também para uma maior dificuldade de medir a pobreza ao longo deste ano. Em maio de 2020, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) começou a realizar mensalmente uma edição especial da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, a Pnad Covid, para avaliar os impactos da pandemia na população. Essa série foi encerrada em novembro, e a divulgação dos dados voltou a ser anual.

"A Pnad Covid permitiu que analisássemos mês a mês como estavam caminhando a pobreza e a pobreza extrema. É uma pena, pois estamos em plena segunda onda e seria relevante esse dado", diz.

DW Brasil: Como será o primeiro trimestre do ano para as famílias mais pobres, sem auxílio emergencial?

Daniel Duque: O mercado de trabalho vai combinar três fatores muito difíceis. O primeiro é a segunda onda da pandemia, que já está levando ao aumento de restrições, fazendo com que a economia sofra um novo baque. Adicionalmente, temos uma questão sazonal, o desemprego sempre aumenta no primeiro trimestre em relação ao último trimestre do ano anterior, normalmente já tem essa piora da renda de parte da população. E o terceiro é o fim não só do auxílio emergencial, mas de outros estímulos do governo, como o Programa de Manutenção de Emprego e Renda. Temos uma conjunção que vai atuar para uma piora da vida dos rendimentos da população e que vai afetar principalmente os mais pobres.

E há uma agravante, os instrumentos que o governo já está pensando em usar para diminuir um pouco o efeito negativo na economia são ligados à economia formal, como adiantamento do 13º salário e do abono salarial. Isso não vai beneficiar diretamente a população mais pobre, que em grande parte vive na informalidade.

É possível medir o impacto da redução do valor do auxílio emergencial em setembro, de R$ 600 para R$ 300, na pobreza e na desigualdade?

Sim. A pobreza extrema [famílias com renda mensal per capita menor que R$ 155] chegava a 2,3% da população em agosto, ou 4,8 milhões de pessoas. Em novembro, pulou para 5%, ou 10,7 milhões de pessoas, mais do que dobrou.

Em relação a todos os que estão abaixo da linha da pobreza [famílias com renda mensal per capita menor que R$ 455] a gente saltou de 18,4% em agosto, ou 38,9 milhões de pessoas, a mínima histórica, para 23,9%, ou 50,1 milhões.

O principal aumento aconteceu na região Nordeste. Lá, a pobreza extrema estava em agosto em 3% da população da região [1,7 milhão de pessoas], uma proporção muito baixa, e em novembro chegou a 9,9% [5,6 milhões de pessoas].

E agora que o auxílio acabou de vez, qual será o impacto na pobreza e na pobreza extrema?

A população em pobreza extrema no mês de janeiro deve ficar entre 10% e 15% [21 milhões a 31,6 milhões de pessoas], e em relação a todos abaixo da linha de pobreza, de 25% e 30% [52,7 milhões a 63,3 milhões de pessoas].

Quando sairão os dados oficiais sobre pobreza de janeiro?

Infelizmente, só no ano que vem, porque a Pnad Covid, que era mensal, acabou. Agora só vamos ter a Pnad Contínua Anual, que é divulgada um ano depois do ano corrente. A Pnad Covid permitiu que analisássemos mês a mês como estavam caminhando a pobreza e a pobreza extrema. É uma pena, pois estamos em plena segunda onda [da epidemia de covid-19]e seria relevante esse dado. O que temos agora é a Pnad Contínua, que só tem a renda do trabalho, não inclui a renda de outros rendimentos ou fontes.

E quanto à desigualdade, qual foi o impacto da redução do valor do auxílio pela metade?

A desigualdade [medida pelo índice de Gini] chegou a um mínimo em agosto, estava em 47,4, a menor já registrada no país. Em novembro, foi para 49,7, maior do que a do início de maio, quando estava em 49,2 [quanto maior o número, mais desigual é a renda].

Tem projeção de como a desigualdade vai evoluir em janeiro?

Não, desigualdade não dá muito como fazer. Uma coisa é projetar quantas pessoas estarão abaixo ou acima de uma certa linha. Outra é projetar como vai se comportar a distribuição de todos os rendimentos, é mais complicado.

Há estimativas do impacto do fim do auxílio na taxa de desemprego?

Não exatamente. Mas temos uma projeção de que em 2021 a média do desemprego será de 15,3%, aumento de quase dois pontos em relação à média de 2020, nossa projeção da média para o ano passado é de 13,4%. Isso devido à alta na população que estava fora da força de trabalho, para a qual o auxílio emergencial teve um papel importante, e que vai voltar agora.

Quem não estava procurando emprego e vai começar a procurar?

Sim, 12 milhões de pessoas perderam suas ocupações durante a pandemia, e grande parte não procurou um novo trabalho porque teve o auxílio emergencial como forma de recompor o rendimento do trabalho perdido. No entanto, com o fim do auxílio, as pessoas não terão outra opção a não ser procurar uma ocupação novamente, e vão entrar no status de desempregado.

A inflação no ano passado ficou um pouco acima do centro da meta do governo, em 4,52%, mas teve maior impacto entre os mais pobres. O preço dos alimentos, por exemplo, subiu 14% no ano passado, maior alta desde 2002. A inflação contribuiu para o aumento da pobreza

Geralmente, quando calculo a população abaixo da linha da pobreza, assumo uma variação de preços igual para todo mundo. No entanto, fiz um pequeno estudo tentando estimar qual teria sido a diferença da taxa de pobreza, levando em conta a inflação das diferentes faixas de renda. Por enquanto, como o tempo acumulado de alta de preços é pequeno, o efeito é limitado. O percentual da população abaixo da linha da pobreza seria 0,2 ponto maior.

No ano que passou, milhões de famílias pobres tiveram ganho de renda durante a pandemia, comparado ao que ganhavam antes. Como avalia esse fenômeno?

Foi uma consequência de dois fatores. O primeiro é que, como tínhamos que implementar uma política de transferência sem saber exatamente quanto a pessoa ganhava, como acontece para o Bolsa Família, tínhamos que cobrir os rendimentos de uma faixa grande da população, desde quem ganhava muito pouco até os em nível razoavelmente mediano. Se a gente colocasse um valor menor do auxílio, teríamos muita gente com uma perda mais relevante de renda. Entre ter muita gente perdendo e muita gente ganhando, o governo preferiu ter muita gente ganhando. Foram 68 milhões de beneficiados pelo auxílio emergencial, um terço da população, e a desigualdade de renda nesse um terço da população é relevante. O número de pessoas que perdeu renda entre os mais pobres e que receberam o auxílio foi muito pequeno. No entanto, aumentou o custo do auxílio emergencial. Um ponto mais de equilíbrio talvez fosse próximo de R$ 500.

A vacinação ainda não começou no Brasil, e a pandemia se estenderá por vários meses. Você defende alguma proposta já em discussão para a retomada do auxílio?

Acho muito difícil fazer essa discussão neste momento. Eu teria partido de um pressuposto diferente, de uma situação em que o governo já teria encontrado uma solução para uma expansão permanente da política social do Brasil. Seja com realocação de recursos de programas menos efetivos como abono, seja por aprovação de reformas que iriam liberar recursos de despesas obrigatórias, como a reforma administrativa e PEC emergencial. Ou [cortar] gastos com privilégios, como remunerações acima do teto no serviço público. Tudo isso eram opções que o governo tinha para aumentar os recursos da política social de forma permanente.

No entanto, isso não foi feito. Agora, qualquer tipo de ação do governo vai ter um caráter muito limitado, porque a gente está com um espaço no orçamento muito pequeno para fazer realocações. A maior possibilidade seria fazer algo que permita que as pessoas mais pobres tenham uma renovação do auxílio com um valor menor do que R$ 300, e com uma base menor de pessoas. Mas isso é enxugar gelo, a melhor solução não foi tomada, e agora a gente só pode conseguir algo mais permanente no ano que vem.

Um dos argumentos do governo para não prolongar o auxílio já em janeiro era apostar na recuperação da economia e do mercado de trabalho para alavancar a renda dos mais pobres. Em dezembro, foram criadas 414 mil vagas formais de emprego com carteira assinada, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Essa recuperação do mercado de trabalho não será suficiente para repor a renda dos mais pobres?

O Caged sempre foi um bom termômetro do mercado de trabalho, mas isso deixou de acontecer em 2020. Um dos fatores possíveis, que acredito ter sido mais forte no meio da pandemia, entre maio e julho, seria a subnotificação de demissões. Mas, mesmo depois desse período, os números começaram a surpreender muito positivamente. Estamos tendo geração de empregos digna do boom econômico de 2010, o que não faz muito sentido, tendo em vista que a atividade econômica, por mais que esteja se recuperando, não está a um crescimento de 8% anualizado. Estou com um pé atrás com o Caged. Tem um estudo recente do Bruno Ottoni que mostra que há mudanças não desprezíveis no Caged de 2020 em relação ao antigo. Mudou a forma de captação, de modo que já não conversa muito com a série antiga. Teremos que esperar um pouco para poder confiar e dizer o que significam os números do Caged a partir de 2020.

Mas o fato é que a economia estava se recuperando, e o mercado de trabalho junto, talvez não no passo do Caged, mas havia uma recuperação também registrada na Pnad Contínua e na Pnad Covid. O problema é se isso vai continuar com a segunda onda. A gente não sabe ainda se essa segunda onda não vai ter também um impacto negativo significativo no mercado de trabalho.

Deutsche Welle, em 14.01.2021

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Brasil é motivo de escárnio do mundo com sua política desastrosa sobre a vacina, informa Juan Arias

Enquanto em vários países as pessoas já estão sendo vacinadas, no Brasil não se sabe nem se haverá uma campanha para incentivar a imunização ou se prosseguirá a política subterrânea de boicote



O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia no Palácio do Planalto em 12 de janeiro.ADRIANO MACHADO / REUTERS

O Brasil está aparecendo aos olhos do mundo como um pária, incapaz de oferecer uma solução de esperança às pessoas amedrontadas com a pandemia. E isso apesar de ser um dos três países com mais vítimas fatais e com o maior número de infectados.

É um país que o próprio presidente confessa que está quebrado economicamente e, em suas reuniões de Governo, em vez de buscar soluções rápidas para combater a pandemia, única forma de fazer frente à dura situação econômica e aos milhões de desempregados que crescem a cada dia produzindo um rio de pobreza, parece se divertir com o desconcerto que criou com o negativismo sobre a vacina.

No mundo inteiro, dos reis aos chefes de Estado de todas as cores políticas, dos Estados Unidos ao Vaticano, os líderes das nações estão demonstrando seu empenho em combater a epidemia, e estão se vacinando em público diante das câmeras de televisão. 

No Brasil, chegou-se à situação de escárnio em que o Governo decretou sigilo de cem anos sobre o cartão de vacinação de Jair Bolsonaro. Embora ele já tenha anunciado que não se vacinará, algo inédito no mundo, tenta-se impor o silêncio sobre se, afinal, o presidente se vacinará ou não. Quem são, então, os covardes?

Enquanto em vários países de todos os continentes as pessoas já estão sendo vacinadas, no Brasil ainda não sabemos quando começará a imunização. Reinam o caos e o silêncio sobre o assunto no país. E o pouco que se sabe é que as autoridades ainda não decidiram quase nada. Como se já não fosse pouco, o que começam a oferecer é uma ofensa. Trata-se da vacina que até hoje oferece o menor índice de imunidade, 50,38%, enquanto as de outros países chega a 75%. Ainda não sabemos se para economizar dinheiro as autoridades decidiram oferecer só uma dose em vez de duas, como nos outros países. Não sabemos se a maioria da população será vacinada, ou se apenas alguns poucos serão. Não sabemos se haverá uma campanha para incentivar as pessoas a se vacinar ou se prosseguirá a política subterrânea de boicotá-la para que se vacine o menor número possível de pessoas.

Tudo isso foi alimentado depois que o presidente Bolsonaro teve o descaramento de zombar do crescente número de vítimas e respondeu a um jornalista: “E daí? Não faço milagres”. Ou quando tachou de covardes e maricas os que temiam o vírus. Ou quando disse que atletas como ele eram imunes à epidemia. Ou que importava pouco ou nada que morressem idosos e enfermos, já que “todos nós vamos morrer”. Ele só estava interessado em que não morressem os mais fortes para assegurar a força de trabalho.

Tudo o que envolveu a política sobre a pandemia desde o início, com a atitude suicida do presidente, foi único no mundo, onde todos os chefes de Estado se preocupam em como melhor salvar vidas, sobretudo as dos mais frágeis. Na verdade, a política do Brasil desde o início da pandemia de covid-19 foi minimizar, negar, boicotar até os ministros da Saúde e criar um clima nacional de desinteresse pelas vítimas que iam se amontoando.

Obrigou assim os profissionais de saúde a serem heróis que se destacaram diante da covardia do Governo e foram dos que mais morreram no mundo.

Tudo isso por interesses mesquinhos da baixa política de Bolsonaro, que não queria que os governadores adversários iniciassem a vacinação antes que ele tomasse a decisão. Perderam-se assim meses preciosos.

Um dia a história contará a atitude de Bolsonaro e suas hostes de zombar da pandemia como um dos maiores casos de aberração política já conhecidos.

Na já épica reunião do Presidente com seus ministros em abril, entre risos e brincadeiras, o ministro do Meio Ambiente propôs aproveitar a pandemia, com o país preocupado e distraído com seus mortos, para deixar “passar a boiada” na Amazônia. Existe zombaria maior da dor do país?

Tudo isso me fez lembrar da cena que Santiago H. Amigorena narra em seu livro O Gueto Interior, quando os chefões nazistas se reuniam para discutir qual seria o método mais econômico para matar milhões de judeus. Pensaram que o fuzilamento seria muito lento e caro, então decidiram que era melhor o extermínio nos campos de concentração, nas câmaras de gás ou com trabalhos forçados e pesados, quase sem alimentá-los, o que os levava em seguida à morte.

Existe hoje no mundo uma política de socorro às pessoas, pela qual seus líderes se esforçam em busca de programas para salvar vidas, melhorar suas condições econômicas e garantir seus direitos fundamentais.

É triste constatar, mas tudo leva a crer que o presidente brasileiro dorme tranquilo, sem pensar em como salvar vidas e melhorar a terrível desigualdade social do país. Sua única obsessão parece ser trabalhar para que os brasileiros, principalmente os mais necessitados, continuem aparecendo para o mundo como um rebanho sem pastor, enquanto continua brincando com os mortos da pandemia e usando Deus como seu talismã para fazer os mais pobres e necessitados se esquecerem de sua vida dura e sacrificada.

Em vez de seu lema “Deus acima de todos”, poderia trocá-lo por:

“Aqueles que sofrem dor física e moral acima de tudo”.

Penso nos milhões de brasileiros sem cultura e sem recursos econômicos abandonados à própria sorte enquanto seu presidente alardeia ser atleta e imortal e brinca de Deus

Triste Brasil.

Publicado por EL PAÍS, em 18.01.2021.

Brasil tem 1.274 mortes por covid-19 em 24 horas

Óbitos ligados ao coronavírus superam 205 mil no país. Mais de 60 mil novos casos de infecção são registrados, e total vai a 8,25 milhões. EUA batem recorde diário de mortos, com 4.327 vítimas.


Balões e cruzes dipostas em homenagem às vítimas da covid-19 em praia no Rio de Janeiro

Pelo segundo dia consecutivo, o Brasil registrou mais de mil mortes ligadas à covid-19 em apenas 24 horas, ao somar 1.274 óbitos nesta quarta-feira (13/01), segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

O país registrou ainda 60.899 novos casos confirmados da doença. Com isso, o total de infecções oficialmente identificadas subiu para 8.256.536, enquanto os óbitos chegaram a 205.964.

Entre as vítimas desta quarta-feira está o ex-governador de Goiás e prefeito licenciado de Goiânia, Maguito Vilela (MDB), aos 71 anos. Ele estava internado na UTI do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, lutando contra uma infecção pulmonar causada pela covid-19.

Ao todo, 7.273.707 pacientes se recuperaram da doença no país, segundo dados do Ministério da Saúde divulgados na terça-feira. O Conass não divulga número de recuperados.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais de casos e mortes devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes está em 98,0 no Brasil, a 21ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Andorra e Liechtenstein.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 22,9 milhões de casos, e da Índia, com 10,4 milhões. Mas é o segundo em número de mortos, já que mais de 383 mil pessoas morreram em território americano.

Os EUA registraram seu recorde de óbitos por covid-19 em apenas um dia, ao reportar 4.327 vítimas na terça-feira, com Arizona e Califórnia entre os estados mais atingidos.

As mortes cresceram acentuadamente nos últimos dois meses e meio no país, que vive sua fase mais mortal da epidemia, mesmo em meio aos esforços de vacinação. Mais de 9,3 milhões de americanos já tomaram a primeira dose do imunizante.

Em todo o mundo, mais de 92 milhões de pessoas já contraíram o coronavírus, e 1,97 milhão de pacientes morreram em decorrência da doença. Na terça-feira, o planeta também registrou recorde de mortos em apenas um dia, com 17.186 vítimas em 24 horas, segundo dados da Universidade Johns Hopkins.

Deutsche Welle, em 13.01.2021

Câmara dos EUA aprova novo impeachment de Trump

Presidente foi acusado de "incitar insurreição" ao instigar turba a invadir e vandalizar o Congresso. É a primeira vez na história americana que um presidente enfrenta dois processos de impeachment.


A Câmara dos Representantes dos Estados Unidos aprovou nesta quarta-feira (13/01) a abertura de um novo processo de impeachment contra o presidente Donald Trump. Desta vez, o republicano é acusado de "incitação a insurreição".

Foram 232 votos a favor e 197 contra – eram necessários 217 votos para aprovar o impeachment. Todos os 222 democratas da Câmara votaram a favor. A maioria dos republicanos votou contra, mas ocorreram dez dissidências entre os 211 deputados do partido, incluindo a conservadora Liz Cheney, filha do ex-vice-presidente Dick Cheney. O placar contrastou com o impeachment anterior de Trump, quando todos os deputados republicanos cerraram fileiras com o presidente.

Nos debates que precederam a votação nesta quarta-feira, representantes democratas afirmaram que Trump cometeu "traição" e que as ações do presidente foram uma "tentativa de golpe" e uma "ação terrorista".

A presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi, chamou Trump de um "perigo claro e presente" ao país. Mais tarde, em pronunciamento durante a cerimônia em que assinou o artigo de impeachment aprovado, ela afirmou: "Hoje, de forma bipartidária, a Câmara demonstrou que ninguém está acima da lei, nem mesmo o presidente dos Estados Unidos."

Trump, que teve suas contas suspensas nas redes sociais e perdeu sua principal plataforma de comunicação, divulgou, após a votação na Câmara, um vídeo previamente gravado, mas sem mencionar o impeachment.

No discurso, o presidente se concentrou na invasão ao Capitólio, em Washington, perpetrada por seus apoiadores na quarta-feira passada, que justamente impulsionou a abertura do processo de destituição. "Quero ser muito claro, condeno inequivocamente a violência que vimos na semana passada. Violência e vandalismo não têm absolutamente nenhum lugar em nosso país e nenhum lugar em nosso movimento", disse.

Trump afirmou que os envolvidos no ataque à sede do Congresso americano serão levados à Justiça. Ele também pediu união do povo americano e que sejam evitados mais atos de violência, a fim de que uma transição de poder pacífica seja garantida em 20 de janeiro.

"Conclamo todos os americanos a superarem as emoções do momento e a se unirem como um só povo americano. Vamos escolher seguir em frente unidos pelo bem de nossas famílias", completou o presidente, num discurso bem diferente dos que vinha proferindo até então.


Ataque insuflado por Trump

Na semana passada, o presidente instigou num discurso uma turba de apoiadores a marcharem em direção ao Capitólio para pressionar legisladores. A ação ocorreu ao mesmo tempo em que a Câmara e o Senado se reuniam para oficializar a vitória do democrata Joe Biden nas eleições presidenciais de novembro – e consequentemente a derrota de Trump no mesmo pleito.

Os procedimentos foram interrompidos quando centenas de manifestantes, entre eles neonazistas e supremacistas brancos, invadiram o prédio. Eles vandalizaram gabinetes e agrediram policiais. Cinco pessoas morreram, incluindo um agente de segurança, que foi agredido com um extintor de incêndio.

O episódio foi a conclusão de dois meses de tentativas de Trump de minar a confiança no sistema eleitoral e reverter sua derrota nas eleições presidenciais de 2020, alegando ter sido vítima de fraude, mesmo sem apresentar provas.

Segundo o pedido de impeachment, Trump "deliberadamente fez declarações que encorajaram ações ilegais" e "continuará sendo uma ameaça à segurança nacional, à democracia e à Constituição se for autorizado a permanecer no cargo".

O documento ainda cita outras ações de Trump, como a pressão exercida sobre uma autoridade eleitoral da Geórgia, a quem Trump pediu para que "encontrasse votos" para mudar o resultado da eleição no estado.

Após o ataque ao Congresso, Trump não demonstrou arrependimento, e na terça-feira, na véspera da votação do impeachment, disse que seu discurso para apoiadores foi "totalmente apropriado".

Turba formada por apoiadores de Trump invadiu Congresso na semana passada

Processo segue para o Senado

Apesar de o processo ter sido aprovado, Trump não será afastado do cargo, como ocorre pelas regras brasileiras de impeachment. Nos EUA, o presidente só é afastado após o aval do Senado, responsável pelo julgamento do caso.

No entanto, o processo não deve ser concluído até o fim do mandato de Trump, que deixa o cargo em 20 de janeiro. A ação contra o republicano está sendo encarada como uma forma de excluir Trump da política.

Se condenado, ele pode ser impedido, numa votação separada no Senado, de se candidatar novamente a cargos políticos. Ele ainda pode perder privilégios reservados a ex-mandatários, como segurança, plano de saúde e aposentadoria.

Com a votação desta quarta-feira, Trump se tornou o primeiro presidente da história dos EUA a enfrentar dois processos de impeachment. Em dezembro de 2019, a Câmara, que conta com maioria democrata, já havia votado pelo afastamento de Trump no caso conhecido como a "pressão na Ucrânia", que envolveu manobras do presidente para intimidar o governo ucraniano a iniciar uma investigação contra o então ex-vice-presidente e agora presidente eleito Joe Biden e seu filho, Hunter, que era membro do conselho de uma empresa ucraniana. O episódio rendeu a Trump duas acusações: abuso de poder e obstrução dos poderes investigativos do Congresso.

No entanto, o processo anterior acabou sendo barrado em fevereiro de 2020 pelo Senado, que conta com maioria republicana. Apenas um senador republicano, Mitt Romney, votou contra o presidente em relação a uma das acusações.

Dúvidas sobre a postura republicana

No novo processo de impeachment aprovado nesta quarta, os democratas ainda continuam em desvantagem no Senado para condenar o presidente. São necessários dois terços dos votos dos senadores para uma condenação. Os democratas contam com 50 dos 100 senadores – e a partir de 20 de janeiro com mais o voto de minerva da vice-presidente eleita Kamala Harris, que vai ocupar paralelamente a presidência do Senado.

Ainda não se sabe como parte dos senadores republicanos vai se comportar nesse novo processo. Especialistas especulam que eles podem se sentir mais inclinados a abandonar Trump sem a pressão de uma Casa Branca republicana. Por outro lado, Trump ainda mantém uma base de apoiadores fiel e capital político, apesar do ataque ao Congresso.

Mesmo com as dúvidas sobre como os senadores republicanos vão se comportar, o cenário é bem diferente do impeachment de Trump em 2020. Há mais sinais de fissuras na bancada do partido, e a imprensa americana aponta que o influente senador Mitch Mcconnell não deve se esforçar para salvar Trump desta vez.

Agentes montam barricada na Câmara para impedir entrada de manifestantes. Democratas chamaram ações de Trump de "terrorismo" e "golpe"

Inicialmente, o novo processo de impeachment contra Trump foi apresentado na segunda-feira pelos democratas como forma de aumentar a pressão sobre o vice-presidente, Mike Pence, para que ele invocasse a 25ª Emenda, um dispositivo constitucional que prevê que um presidente pode ser removido do cargo sob a justificativa de incapacidade. No entanto, Pence se recusou. Dessa forma, os democratas colocaram o pedido de impeachment em votação nesta quarta-feira.

Uma pesquisa de opinião divulgada no domingo apontou que a maioria dos americanos quer que Trump deixe o cargo antes da posse de seu sucessor, em 20 de janeiro. Segundo o levantamento feito pela ABC News e o instituto Ipsos, 56% dos entrevistados disseram que o presidente deveria ser removido do posto antes do fim do mandato.

Um percentual ainda maior, 67%, enxerga Trump como responsável pela violência no Capitólio na quarta-feira passada.

O impeachment nos EUA

Esta foi a quarta vez na história dos EUA que a Câmara dos EUA aprovou o impeachment de um presidente ao longo dos seus 230 anos. Em 1868, Andrew Johnson foi acusado de remover um ministro sem autorização do Senado. Em 1998, foi a vez de Bill Clinton ser acusado de perjúrio e obstrução da Justiça. Os dois, porém, foram absolvidos no Senado. Em 2019, foi a vez de Trump no caso da Ucrânia, com o processo sendo barrado depois pelo Senado.

Um quarto presidente, Richard Nixon, renunciou em 1974 pouco antes de a Câmara votar acusações de obstrução da Justiça e abuso de poder.

Deutsche Welle, em 13.01.2021

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Brasil tem 1.110 mortes por covid-19 em 24 horas

Total de óbitos por coronavírus desde o início da epidemia é de 204 mil. País registra ainda 64 mil novos casos em um dia, e soma de infectados chega a 8,19 milhões.

O Brasil voltou a registrar mais de mil mortes ligadas à covid-19 em apenas um dia, ao somar 1.110 óbitos nesta terça-feira (12/01), segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

O país registrou ainda 64.025 novos casos confirmados da doença nas últimas 24 horas. Com isso, o total de infecções oficialmente identificadas subiu para 8.195.637, enquanto os óbitos chegaram a 204.690.

Ao todo, 7.207.483 pacientes se recuperaram da doença, segundo dados do Ministério da Saúde divulgados na segunda-feira. O Conass não divulga número de recuperados.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes está em 97,4 no Brasil, a 21ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Andorra e Liechtenstein.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 22,7 milhões de casos, e da Índia, com 10,4 milhões. Mas é o segundo em número de mortos, já que mais de 379 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 91,3 milhões de pessoas já contraíram o coronavírus no mundo, e 1,95 milhão de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle, em 12.01.2021 

'No governo Bolsonaro, país vive um aumento das violações de direitos humanos', diz superintendente do Fundo Brasil

A frente da instituição que distribui recursos para organizações da sociedade civil, Ana Valéria Araújo acredita que, em 2021, brasileiros não verão avanços nos direitos humanos. Trabalho será para 'conter retrocessos'


Superintendente do Fundo Brasil, Ana Valéria Araújo Foto: Divulgação

O ano de 2020 ficará marcado na história. A Covid-19 assolou o Brasil e uma de suas inúmeras consequências foi o agravamento das violações de direitos humanos já vividas por muitas comunidades e populações tradicionais do país e o aprofundamento das desigualdades de gênero, raça e classe. O desafio foi ainda maior em função do discurso governista antidireitos, avalia a advogada Ana Valéria Araújo.

Ela está à frente do Fundo Brasil de Direitos Humanos, uma fundação instituída por Abdias do Nascimento, Margarida Genevois, Rosie Marie Muraro e Dom Pedro Casaldáliga em 2006 com o objetivo de encontrar formas alternativas para garantir a sustentabilidade de organizações que atuam na defesa dos direitos humanos Brasil afora. Desde sua criação, a organização já distribuiu R$ 29,5 milhões a mais de 550 projetos pelo país.

Especializada em direitos indígenas e na defesa dos direitos socioambientais, a superintendente do Fundo Brasil ressalta as violações sofridas pelos povos indígenas durante a pandemia — de acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), 161 povos foram afetados pela doença, 44.261 casos foram confirmados e 921 indígenas morreram por causa da Covid-19.

Em entrevista à CELINA, ela afirma que o governo de Jair Bolsonaro atua em duas frentes: fortalece uma narrativa que permite o recrudescimento da violência contra defensores dos direitos humanos e contra populações vulneráveis e também promove o desmonte de estruturas institucionais criadas para assegurar o cumprimento desses direitos e a participação desses atores nos espaços de decisão.

— Embora tenha sido precarizada em 2020, a sociedade civil organizada está atuante e é graças a ela que está sendo possível resistir a um desmonte maior. Nós não estamos num momento de trabalhar para avançar em direitos, mas de resistir para que não haja retrocessos.

CELINA: O ano que passou foi desafiador. As pessoas que já tinham seus direitos humanos violados ficaram ainda mais vulneráveis no Brasil?

Ana Valéria Araújo: Sem dúvida. A pandemia agrava a situação para toda a população brasileira, mas, para os mais vulneráveis, ela criou uma série de dificuldades de sobrevivência, de acesso material à alimentação, à saúde e à higiene. A gente tem um país onde direitos humanos são violados de formas muito diversas. Basta olhar para os povos indígenas, que estão em uma situação absolutamente difícil de disputa territorial, com questões que há tempos tinham sido superadas voltando à tona nos últimos dois anos, fortalecidas pelo discurso do governo de que é preciso desenvolver a Amazônia a qualquer custo. Isso faz com que os indígenas sejam vistos como um obstáculo. As queimadas e o desmatamento aumentaram nas terras indígenas, mas isso é negado pelo governo. Junto com os indígenas, pode colocar os quilombolas e todas as comunidades tradicionais que vivem no campo. O panorama para elas é similar.

Todas essas populações que têm seus direitos recorrentemente violados, no ano de 2020 ficaram ainda mais vulneráveis, seja porque tiveram que brigar por outros direitos e se expuseram ainda mais, seja porque mal conseguiram colocar luz sobre suas lutas porque a pandemia tomou conta da pauta. O pouco recurso que as organizações da sociedade civil tinham para implementar as lutas de defesa de direitos foram deslocados para o que era emergencial, ou seja, saúde e alimentação.

Historicamente, embora o Estado seja o maior responsável por garantir e assegurar os direitos humanos, ele também viola esses direitos. A senhora avalia que isso piorou nos últimos anos?

No governo Bolsonaro, vivemos um quadro de aumento de violações de direitos humanos. Se a gente olhar para o campo, a entidade que tem a obrigação constitucional de defender terra indígena, demarcar terra quilombola e proteger e buscar solucionar os conflitos no campo passou a  incentivar esses conflitos. No discurso, o governo incentiva invasão de terra, invasão por garimpeiro, diz que não tem desmatamento nem queimada e vai incrementando uma violência que já é forte. Além dos órgãos de participação, também teve desmonte no Ibama, no ICMbio e na Funai. Desde que o Bolsonaro assumiu, esse é um governo que age dos dois lados: procura desmontar a estrutura de direitos e incentiva com o discurso que a violência recrudesça.

Isso também se reflete na cidade. Quando você tem um governo que faz piada do racismo, das mulheres e das religiões de matriz africana, com uma narrativa quase oficial incentivando a população a fazer o mesmo, aqueles que já eram racistas, homofóbicos e machistas se sentem absolutamente liberados. A gente vê a coisa recrudescer de uma forma muito violenta.

Qual papel devem exercer a sociedade civil organizada e o setor privado neste contexto, em 2021?

Embora tenha sido precarizada em 2020, a sociedade civil organizada está atuante e é graças a ela que está sendo possível resistir a um desmonte maior. Existe um movimento grande de impedir que se passem leis ainda piores no Congresso, de levar às questões ao Judiciário. Nós não estamos num momento de trabalhar para avançar em direitos, mas de resistir para que não haja retrocessos. Isso está sendo feito de uma maneira heroica, por organizações muito precarizadas por conta da situação econômica e da pandemia, mas conduzidas por lideranças muito fortes, que enfrentam essas ameaças e que estão lá, à frente dessas lutas.

Fortalecer a sociedade organizada é fundamental. E quem é que pode fazer isso? A própria sociedade, enquanto cidadãos, reconhecendo a importância dessas organizações e se colocando ao lado delas. A imprensa e o setor privado têm um papel fundamental nisso. Até porque a luta da sociedade organizada precisa não só de apoio político, mas de recursos. O Fundo Brasil de Direitos Humanos faz isso, mobiliza esses recursos para destinar para organizações que atuam na ponta.

O que podemos esperar para 2021?

A pandemia continua sendo um desafio. O Fundo Brasil teve um fundo emergencial em 2020 e distribuiu mais de R$ 2,5 milhões para ações em todas as partes do país. Agora temos quatro editais — um específico para enfrentamento ao racismo, outro de justiça criminal, um terceiro para a população LGBTQIA+ e outro mais geral, que vai contemplar trabalhadores informais. Vamos apoiar cerca de 75 projetos nos próximos 18 meses, com cerca de R$ 3,5 milhões. Esses recursos são flexíveis para que as organizações os coloquem nas suas maiores necessidades e 30% podem ser alocados para necessidades impostas pela Covid.

Em 2021, seria fundamental que a gente pensasse a sociedade civil organizada dessa maneira. Ainda vai ser necessário algum aporte para a resposta à pandemia, mas é preciso que esses recursos também possam ser utilizados na reestruturação das organizações para que elas possam se reerguer e, com isso, apoiar se não os avanços, as ações necessárias para conter as tentativas de desmonte.

Na última década, a defesa dos direitos humanos passou a ser questionada por uma parcela da sociedade, que a considera 'mi mi mi' ou uma pauta de esquerda. Como reverter isso?

Eu fico me perguntando como chegamos a esse ponto. Há uma desinformação muito grande sobre os direitos humanos e também uma necessidade enorme de comunicar para a população que eles são os direitos de todos e todas. A partir do momento em que a sociedade compreender isso, vai ter mais empatia. A gente peca pela falta de compreensão, que, historicamente, se deu porque a sociedade civil organizada é pequena e faz três milhões de coisas ao mesmo tempo.

As organizações que defendem os direitos humanos estão defendendo sobretudo o avanço civilizatório do nosso país e o fortalecimento da nossa democracia. A gente vinha num processo crescente de educação e comunicação nesse sentido. Mas, de um tempo para cá, isso começa a retroceder em função desse novo governo, que tem um discurso radicalmente antidireitos. Há uma disputa de narrativa muito forte que nós traz para onde estamos agora. Estávamos avançando e fazendo o que era preciso em termos de comunicação e discurso, mas fomos, digamos assim, atropelados por essa contra narrativa.

Leda Antunes / O GLOBO, Caderno Celina, em 11.01.2021.

Merval Pereira sobre a bolsonarização dos quartéis: ainda dá tempo

O presidente Jair Bolsonaro tem um projeto de poder muito perigoso. Ele, que cultiva desde o início de sua carreira os grupos militares, e sempre foi representante corporativo deles, como tenho debatido aqui nos últimos dias, tem marcado presença em várias formaturas, não apenas das três Armas - Exército, Marinha e da Aeronáutica -, mas também das polícias Militar, Federal, e Rodoviária Federal.

Dois projetos de lei que estão na Câmara, de autoria de deputados bolsonaristas, revelados pelo jornal Estado de S. Paulo, restringem o poder dos governadores sobre braços armados do estado, com mudanças na estrutura das polícias Civil e Militar, certamente saíram dessa tentativa de Bolsonaro de cooptar as Forças Armadas e as forças policiais auxiliares, que fazem parte do sistema de defesa nacional, mas não têm nenhum tipo de autonomia funcional, que sempre quiseram. Ainda dá tempo de pará-lo. 

Transformar a PM numa polícia independente, que não seja uma força auxiliar, acaba criando uma quarta força armada, o que é temerário. Já há uma preocupação muito grande com essa bolsonarização dos quartéis e da Polícia Militar, com mais de quatro mil militares em diversos escalões no governo, da ativa e da reserva, inclusive no ministério, numa tentativa de influenciar ideologicamente as forças auxiliares e as baixas patentes das Forças Armadas.

O primeiro levante de uma PM na Nova República aconteceu em 1997 em Minas, e o ex-deputado Marcus Pestana, que era secretário do governo, lembra que o Estado Maior perdeu totalmente o controle da tropa. “Como se falava na época, os coronéis começaram a obedecer ao cabo (Cabo Júlio foi o líder simbólico na época)”. Conquistaram espaços parlamentares corporativos, e nunca mais os princípios da hierarquia e disciplina foram os mesmos.

Os projetos de seus aliados criam ainda uma nova estrutura na organização das Polícias Militares, com cargos de oficiais superiores. Teríamos, pois não creio que os projetos sejam aprovados, generais de quatro, três e duas estrelas nas Polícias Militares. Vários governadores estaduais, que perderiam na prática o comando das polícias militares e civis, estão se movimentando, e o de São Paulo, João Doria reagiu: “Não há nenhuma razão que justifique, exceto a militarização desejada pelo presidente Jair Bolsonaro para intimidar governadores através de força policial militar”.

Os projetos preveem mudanças na estrutura das polícias, estabelecendo mandatos de dois anos para os comandantes-gerais da PM, dos Bombeiros e delegados-gerais de Polícia Civil, escolhidos por uma lista tríplice. O ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, confirmou que seu ministério está acompanhando a tramitação dos projetos, e tem se reunido com representantes das categorias envolvidas e deputados federais.

As propostas de bolsonaristas são a concretização de um projeto de poder militar que sustente os avanços de Bolsonaro sobre as limitações que as instituições democráticas lhe impõem. O presidente da República usa seus poderes para, de um lado, dar protagonismo aos militares em seu governo, ao mesmo tempo que cuida de seus proventos e dos projetos que mais lhes são caros, como o submarino nuclear.

Os projetos de defesa nacional são importantes, mas não poderiam ser prioridades neste momento de pandemia e crise social aguda. Ao mesmo tempo que se queixa de que o país “está quebrado” e que não pode fazer nada, Bolsonaro permite o contigenciamento de verbas sociais e para o combate da COVID-19, e proíbe o bloqueio das verbas militares.

Censura descabida

 A anunciada decisão do ministério da Justiça de processar Rui Castro, e por tabela Ricardo Noblat, que transcreveu parte da crônica do primeiro, por um suposto incentivo ao suicído dos presidentes Trump e Bolsonaro, seria cômico se não fosse trágico.

  Muito antes deles, Jair Bolsonaro, em campanha, convocou seus apoiadores no Acre a “fuzilar esses petralhas”, segurando um tripé simulando uma metralhadora. Ainda como deputado, Bolsonaro sugeriu que os militares na ditadura deveriam ter assassinado 30 mil brasileiros, a começar pelo ex-presidente Fernando Henrique.

 Mas, na época, havia governos democráticos no país. 

Merval Pereira, Jornalista e Escritor, membro da Academia Brasileira de Letras, é analista de política n'O GLOBO e na GloboNews. Este artigo foi publicado originalmente em 12.01.2021.

Medidas impulsionam ‘audácia antidemocrática’ das polícias, diz antropólogo

Ex-secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares afirma que o Rio já é exemplo de como governadores são reféns das forças policiais e critica projeto para dar mais ‘autonomia’ às corporações

Entrevista com Luiz Eduardo Soares, antropólogo e ex-secretário nacional de Segurança Pública

Uma das maiores autoridades do País em Segurança Pública, o antropólogo Luiz Eduardo Soares critica o projeto que busca dar mais “autonomia” às polícias Civil e Militar, revelado pelo Estadão na segunda-feira, 11. A ideia, diz, tornaria as corporações ainda mais alheias a controles externos. Isso, segundo o ex-secretário nacional de Segurança Pública, já ocorre desde que as polícias criaram para si o que chama de “enclave” pós-ditadura militar - que as teria deixado de fora da cultura democrática construída no País.

“Se as medidas propostas forem aprovadas, o enclave se libertará dos constrangimentos que hoje ainda limitam sua audácia antidemocrática”, afirma o pesquisador. 

O antropólogo e professor da Uerj Luiz Eduardo Soares Foto: Acervo Pessoal

Coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania no governo do Rio entre 1999 e 2000, quando foi demitido pelo governador Anthony Garotinho após denunciar a existência de uma “banda podre” na polícia, Soares diz que os mandatários estaduais são reféns das corporações. O status de secretaria dado pelo governador afastado Wilson Witzel (PSC) às polícias Civil e Militar, por exemplo, seria fruto disso. 

“O Rio engrenou o retrocesso antes do conjunto do País. O fim da Secretaria de Segurança foi o último gesto de um processo que pode ser definido como a rendição do poder civil à força das corporações policiais, das quais os governadores tornaram-se reféns”, aponta. 

Confira abaixo a entrevista ao Estadão

Como o senhor avalia essas medidas que buscam dar mais “autonomia” às polícias, como a criação de um Conselho Nacional de Polícia Civil e lista tríplice para escolher o comandante-geral da PM?

Analisadas em conjunto, as medidas propostas apontam numa mesma direção: a autonomização das polícias, relativamente às autoridades política, civil e republicana. A intenção é blindar as instituições policiais dos controles externos e torná-las ainda mais opacas do que já são. Esse movimento que visa ao insulamento corporativo é extremamente grave porque, se bem sucedido, consolidaria o enclave em que as polícias se encapsularam desde a promulgação da Constituição. Elas formaram um enclave institucional, refratário à Constituição e à cultura democrática. Desde 1988, elas nunca se submeteram aos poderes da República. 

Como assim?

As polícias, a despeito de contradições e resistências internas respeitáveis – porém isoladas –, formaram um “gueto” não homogêneo, que cultiva e preserva valores, visões de mundo, crenças e práticas da ditadura. Enquanto a sociedade, apesar das contradições, começava a enfrentar o racismo e as desigualdades, o enclave permanecia impermeável aos avanços sociais, reativando a memória da escravidão e a violência típica do regime militar. O enclave foi viabilizado pela cumplicidade de segmentos importantes do MP e da Justiça, assim como de governadores e políticos. Se as medidas propostas forem aprovadas, o enclave se libertará dos constrangimentos que hoje ainda limitam sua audácia antidemocrática.

O Rio foi na linha desse projeto de lei ao dar status de secretaria para as polícias. O que o senhor tem achado dessa experiência de fim da Secretaria de Segurança?

O Rio engrenou o retrocesso antes do conjunto do País. O fim da Secretaria de Segurança foi o último gesto de um processo que pode ser definido como a rendição do poder civil à força das corporações policiais, das quais os governadores tornaram-se reféns.

Bolsonaro tem os militares como base e costuma frequentar cerimônias de formatura País afora, especialmente no Rio (onde três a cada quatro agendas dele são com militares). O senhor vê uma tentativa de “bolsonarizar” as polícias? Qual é o perigo disso?

A maioria dos policiais era de bolsonaristas avant la lèttre, antes de Bolsonaro. O presidente apenas deu corpo e inscreveu no campo político a cultura do enclave: as crenças e práticas herdadas da ditadura, refratárias ao Estado democrático de direito, insubmissas ao controle externo e à autoridade civil republicana. As milícias são apenas a hipertrofia mais ostensiva de uma patologia institucional patrocinada pela pusilanimidade que se generalizou.

Caio Sartori, O Estado de São Paulo, em 12 de janeiro de 2021

MDB escolhe Simone Tebet para disputar presidência do Senado

Decisão da bancada é tomada um dia depois de o PT anunciar apoio ao candidato do DEM, Rodrigo Pacheco

 A bancada do MDB escolheu nesta terça-feira, 12, a senadora Simone Tebet (MS), para disputar a presidência do Senado. A decisão foi tomada um dia depois de o PT anunciar apoio ao candidato do DEM, Rodrigo Pacheco (MG), em decisão que chamou a atenção pelo fato de o senador também ter o aval do presidente Jair Bolsonaro.

Desde que Bolsonaro acertou com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (AP), o respaldo à candidatura de Pacheco, os governistas do MDB traçaram outra estratégia. Os líderes do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (PE), e no Congresso, Eduardo Gomes (TO), atenderam ao apelo de Bolsonaro e desistiram de entrar no páreo. Eduardo Braga, líder do MDB no Senado, seguiu o mesmo caminho ao perceber que não teria chance.

A senadora Simone Tebet (MDB-MS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) Foto: Gabriela Biló/Estadão

Presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Tebet é apontada nos bastidores do Congresso como um nome que vai para a disputa apenas para marcar posição e indicar independência do partido em relação ao Planalto, mas sem ser competitiva. A senadora sempre foi próxima do grupo Muda Senado e defensora da Lava Jato e do ex-juiz Sérgio Moro.

Na Câmara, o MDB apresentou a candidatura do deputado Baleia Rossi (SP), que preside o partido e tem como principal rival Arthur Lira (Progressistas-AL), chefe do Centrão. O PT aderiu à campanha de Baleia, mas avaliou que, com seu apoio no Senado, o MDB ficaria muito forte e se aliou a Pacheco, mesmo estando do mesmo lado de Bolsonaro.

“O PT resolveu apoiar quem eu tenho simpatia no Senado”, ironizou Bolsonaro, nesta terça-feira, 12, em conversa com apoiadores, no Palácio da Alvorada. “Eu nunca conversei com deputado do PT, PC do B e PSOL, nem eles procuraram falar comigo. Eu já sei qual é a proposta deles”.

No Senado, o MDB é a maior bancada e tenta voltar ao comando do Legislativo após ser derrotado por Alcolumbre, em 2019. Ainda nesta terça, o partido filiou dois novos senadores: Veneziano Vital do Rêgo (PB), que deixou o PSB, e  Rose de Freitas (ES), antes no Podemos. Com isso, a bancada aumentou de 13 para 15 integrantes.

A eleição que renovará a cúpula da Câmara e do Senado está marcada para fevereiro. Os chefes das duas Casas têm poder de pautar projetos de lei e vetos de Bolsonaro. Os ocupantes desses cargos também têm papel chave na eleição presidencial, em 2022, pois comandarão as pautas do Legislativo no período.

Daniel Weterman, O Estado de São Paulo, em 12 de janeiro de 2021

Depender da soja brasileira é o mesmo que apoiar o desmatamento da Amazônia, diz Macron

Em vídeo publicado em rede social, o presidente francês Emmanuel Macron relaciona a soja brasileira com o problema ambiental e fala em produzir o grão na Europa

 O presidente da França, Emmanuel Macron, fez críticas ao desmatamento da Amazônia e citou especificamente a soja brasileira, relacionando-a ao problema ambiental. "Continuar a depender da soja brasileira seria apoiar o desmatamento da Amazônia", afirmou Macron, em sua conta oficial no Twitter. A publicação dele é acompanhada de um vídeo, no qual comenta a 

 "Nós somos coerentes com nossas ambições ecológicas, estamos lutando para produzir soja na Europa", afirmou o presidente francês. Macron comanda nesta semana o "One Planet Summit", uma cúpula formada por cerca de 30 chefes de Estado, empresários, representantes de Organizações Não Governamentais (ONGs), evento do qual o Brasil não participa. O tema neste ano foi dedicado à preservação da biodiversidade.

O presidente francês, Emmanuel Macron.  Foto: Valda Kalnina/EFE/EPA

Embora a França não seja individualmente um dos principais compradores da soja brasileira, quase 20% das exportações para a União Europeia, bloco do qual os franceses fazem parte, são de soja e farelo de soja produzidos pelo Brasil, mostram dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Economia consultados pelo Estadão/Broadcast.

No ano passado, o Brasil enviou US$ 28,342 bilhões em exportações para o bloco europeu, sendo US$ 2,9 bilhões em farelo de soja (10%) e US$ 2,6 bilhões em soja (9,3%).

Individualmente, o Brasil exportou US$ 27,1 milhões em soja para a França, além de US$ 544 milhões de farelo de soja, de um total de US$ 1,983 bilhão em embarques para o país europeu.

Apesar do baixo valor, técnicos ponderam que a União Europeia tem uma dinâmica própria do bloco, tendo Países Baixos e Espanha como as principais portas de entrada dos embarques de soja feitos pelo Brasil, devido à sua estrutura portuária. Depois de ingressar na UE é que a soja segue para o destino final.

Por isso, a análise dos dados agregados pode ajudar mais a mostrar o que está em jogo. Segundo os dados, Países Baixos receberam US$ 1,11 bilhão em soja brasileira no ano passado, enquanto a Espanha, US$ 957 milhões. Juntos, esses países responderam por 7,2% das exportações de soja feitas pelo Brasil.

Procurados pela reportagem, os ministério da Economia e da Agricultura disseram que não comentariam as declarações de Macron.

A declaração de Macron é dada no momento em que a União Europeia e o Mercosul negociam um acordo comercial, mas o fracasso brasileiro na proteção ambiental, na opinião de algumas autoridades europeias, seria um entrave para avançar no tema.  O desmatamento nas florestas brasileiras está no holofote de governos da Europa e grandes investidores globais, que passaram o último ano pressionando o governo de Jair Bolsonaro por medidas para conter o problema ambiental, sob a ameaça de retirada de investimentos do País.

“A França hoje deixa claro que não quer mais contribuir com o desmatamento, mesmo que seja por meio da sua demanda de soja. O cerco está de fato apertando e o Brasil precisa mandar sinais claros de que está preocupado e disposto a solucionar o desmatamento”, afirma o pesquisador da iniciativa Trase, plataforma de fiscalização de cadeias de commodities, André Vasconcelos, sediada em Londres.  Ele frisa que o sinal não vem apenas da França.

“Hoje, a Bélgica e a Espanha anunciaram a entrada no grupo 'Amsterdam Declaration Partnership' - formado por nove países europeus, incluindo a França - que se comprometeu a eliminar o desmatamento associado às suas importações de commodities, como a soja”, diz. 

Desmatamento em fazendas de soja

Estudo recente elaborado pela Trase, conjuntamente com a Imaflora e ICV, apontou que no maior Estado brasileiro produtor de soja, Mato Grosso, 27% de todo o desmatamento observado entre 2012 e 2017 ocorreu em fazendas do grão.  O estudo mostrou que 80% do desmatamento ilegal em fazendas de soja ocorreu em 400 imóveis, que representam apenas 2% do número total de fazendas de soja no Estado.

Em sua maioria, ao contrário do que se imagina, essas fazendas são grandes imóveis rurais (73%).  A estimativa, ainda, é que mais de 80% da soja produzida em fazendas onde ocorreu desmatamento ilegal tenha sido exportada para mercados globais – 46% para a China e 14% para a União Europeia. 

Em 2019, a área total de soja no Brasil era de 36,3 milhões de hectares, sendo que cerca de 15% (5,1 milhões de hectares)  no bioma da Amazônia, segundo informações da MapBiomas. 

Divergências entre Macron e Bolsonaro

Macron tem sido há tempos uma das vozes mais ativas nas críticas internacionais às queimadas na Floresta Amazônica. E se tornou um forte alvo das queixas do governo brasileiro, sobretudo do grupo militar, que reclama de intervenção externa e ameaça à soberania na região.

As posições do presidente francês em relação à Amazônia já levaram a reações inflamadas do presidente  Jair Bolsonaro. Em 2019, após Macron levar ao G-7 uma proposta de apoio financeiro ao Brasil para combate às queimadas na floresta, Bolsonaro reagiu: "Macron promete ajuda de países ricos à Amazônia. Será que alguém ajuda alguém, a não ser uma pessoa pobre, sem retorno? O que ele está de olho na Amazônia?", disse. 

As farpas chegaram até ao lado pessoal. Em agosto de 2019, o perfil do presidente Jair Bolsonaro na rede social Facebook postou uma mensagem de risadas após um comentário ofensivo sobre a esposa do presidente da França, a primeira-dama Brigitte Macron, feito por um de seus seguidores. 

Em um post em que falava da Amazônia, um dos seguidores da página do presidente postou uma montagem com duas fotos. Na de cima, Brigitte aparecia atrás de Macron e, na de baixo, o presidente aparecia com a primeira-dama do Brasil, Michelle Bolsonaro, à frente. Ao lado das fotos, há um texto dizendo “Entende agora pq Macron persegue Bolsonaro?” A página do presidente da República respondeu ao seguidor com “não humilha cara. Kkkk”. 

Macron respondeu posteriormente: "Bolsonaro fez comentários extremamente desrespeitosos sobre minha mulher", disse. "O que eu posso dizer? É triste, mas é triste primeiro por ele e pelos brasileiros. Como tenho uma grande amizade e respeito pelo povo brasileiro, espero que tenham rapidamente um presidente que se comporte à altura."

Gabriel Bueno da Costa, Fernanda Guimarães, Francine De Lorenzo e Idiana Tomazelli, O Estado de São Paulo, em 12 de janeiro de 2021 

Por que a Ford decidiu trocar o Brasil pela Argentina?

Segundo analistas, mudança não tem a ver com a situação econômica dos países, e sim com a estratégia global da montadora, de se concentrar em carros elétricos e utilitários-esportivos

 Apesar de ter uma economia mais instável que a brasileira e enfrentar uma crise mais profunda, com queda do PIB podendo chegar a 12,9% em 2020 - o terceiro ano consecutivo de recessão -, a Argentina passará a concentrar, com o Uruguai, a produção de veículos da Ford na América Latina. Na segunda-feira, 11, a montadora americana divulgou a decisão de fechar suas três fábricas no Brasil.

O anúncio assustou o País, mas não especialistas do setor automotivo, que explicam facilmente não só a decisão da empresa de parar de produzir no Brasil, mas também a de continuar com as operações argentinas. A mudança não tem a ver com questões estruturais ou conjunturais dos países, mas decorre de uma transformação na indústria automotiva e das estratégias da Ford.

“A Ford tem anunciado há uns três anos que não vai mais produzir carros de passeio. A saída do Brasil está alinhada a isso. Não é sobre o Brasil. É sobre ter uma produção alinhada com o portfólio futuro deles, focado em veículos elétricos e SUVs (utilitários)", diz Marcus Ayres, sócio-diretor da consultoria Roland Berger.

Na Argentina, a montadora produz hoje, por exemplo, a Ford Ranger, um de seus carros-chefes. Não só a Ford, mas a maioria das montadoras foca suas produções argentinas em veículos maiores, enquanto carros leves e SUVs pequenos são fabricados no Brasil.

Esse modelo reflete uma tendência cultural. Dos veículos comprados na Argentina, 20% costumam ser pickups; no Brasil, 15%, de acordo com o consultor Cássio Pagliarini, da Bright Consulting.


Especialista diz que a Ford deixará de produzir carros leves em todo o mundo. Isso porque, nos SUVs, é possível acrescentar mais ferramentas tecnológicas. Foto: Nacho Doce/Reuters

No fim do ano passado, a Ford inclusive anunciou um investimento de US$ 580 milhões na Argentina para fabricar o novo modelo da Ranger, que é montada na planta de General Pacheco, na Região Metropolitana de Buenos Aires. Por outro lado, dois anos antes, a empresa havia encerrado a produção argentina do Focus, lembra Pagliarini. 

Ayres acrescenta que a Ford deixará de produzir carros leves em todo o mundo. Isso porque, nos SUVs, é possível acrescentar um maior volume de ferramentas tecnológicas. “Nesse século, o carro vai ser um computador sobre rodas. O movimento da Ford segue essa tendência. Não tem como embarcar muita tecnologia em um Fiesta, porque o preço não comporta”, explica. 

Com a mudança, a companhia deverá vender mais veículos na faixa dos R$ 200 mil do que na dos R$ 50 mil, focando no que é mais rentável. Além dos SUVs, modelos elétricos também estarão no centro das atenções da Ford e das outras montadoras.

Questionado sobre a possibilidade de a empresa usar as fábricas no Brasil para produzir veículos elétricos, Pagliarini diz que seria necessária uma política industrial para avançar nessa agenda.

Também para um economista argentino que falou sob condição de anonimato, a decisão da Ford faz parte de uma estratégia global. Ele admite que as condições macroeconômicas da Argentina são mais instáveis para as empresas do que as brasileiras e afirma que há uma alteração frequente entre os países de qual é o mais caro para se produzir. Ambos, no entanto, são caros, tanto quando se consideram questões tributárias como trabalhistas, diz ele.

O economista destaca ainda que as fábricas brasileiras da Ford são maiores e mais difíceis de se tornarem competitivas, comparadas às argentinas. Dado o elevado grau de ociosidade da indústria automotiva em toda a América Latina, é benéfico para a companhia fechar as unidades brasileiras.

Luciana Dyniewicz, O Estado de São Paulo, em 12 de janeiro de 2021

Coronavac tem eficácia geral de 50,38%, diz Butantan

Taxa é mais baixa do que a divulgada inicialmente, mas suficiente para cumprir exigências da OMS, que estabelece eficácia mínima de 50%. Instituto afirma que índice de 78% divulgado na semana passada abordava recorte.

    

Profissional de saúde aplica vacina no braço de uma mulher, durante testes da Coronavac em São Paulo

Eficácia geral da Coronavac está acima dos 50% requeridos pela Anvisa e recomendados pela OMS

A vacina Coronavac teve eficácia global de 50,38% nos testes clínicos realizados no Brasil, segundo informou nesta terça-feira (12/01) o Instituto Butantan, que desenvolve o imunizante contra a covid-19 em parceria com a empresa chinesa Sinovac.

A chamada taxa de eficácia global indica a capacidade da vacina de proteger contra todos os casos da doença, sejam leves, moderados ou graves.

Dados divulgados pelo Butantan na semana passada haviam mostrado que a Coronavac tem eficácia de 78% em casos leves de covid-19, em que os pacientes necessitaram de atendimento médico, mas não a ponto de internação.

O instituto também havia divulgado eficácia de 100% em casos graves e moderados, protegendo assim contra mortes e complicações mais severas, embora esse índice tenha sido calculado com base em apenas sete pacientes que desenvolveram esse quadro da doença, todos do grupo que tomou placebo, e não a vacina. O número é considerado pequeno para uma análise final, e mais casos deverão ser analisados.

Na semana passada, contudo, o Butantan não chegou a divulgar a taxa de eficácia global, nem os dados completos dos testes clínicos realizados no Brasil. Isso acabou gerando desconfiança na comunidade científica, uma vez que não seguiu os mesmos protocolos de outros laboratórios desenvolvedores de vacinas contra a covid-19.

Apesar de mais baixa do que a registrada por imunizantes como o da Pfizer-Biontech e da Moderna, a eficácia geral da Coronavac está acima dos 50% requeridos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

"Nenhum dos participantes do grupo precisou de hospitalização. O dado geral está dentro do cumprimento das exigências da Organização Mundial da Saúde. A vacina tinha que ter uma menor eficácia nos casos mais leves e maior eficácia nos casos graves. Temos uma vacina que consegue controlar a pandemia, que é a diminuição da intensidade da doença clínica", afirmou Ricardo Palácios, diretor da pesquisa no Instituto Butantan, em coletiva de imprensa.

A cifra de 50,38% inclui pessoas que foram infectadas pelo coronavírus mas não apresentaram sintomas que requeressem atenção médica, durante o estudo de fase 3 realizado pelo Butantan.

O índice tem como base o registro de 252 casos de infecção por covid-19 ao longo dos testes, sendo que 85 desses voluntários receberam a Coronavac, e o restante, placebo. Os casos variaram de muito leves a graves. Todos os participantes foram testados após o estudo.

Aval da Anvisa

Na sexta-feira passada, o Butantan entrou com pedido de registro emergencial da vacina na Anvisa, que tem até dez dias para fazer a análise dos dados e responder se autoriza seu uso.

No dia seguinte ao pedido, a agência reguladora afirmou que o Butantan entregou documentação incompleta sobre os testes realizados no país e pediu mais informações.

De acordo com um painel de acompanhamento disponibilizado pela Anvisa na internet, a agência concluiu 40,7% da análise da documentação enviada, e 37,64% ainda estão pendentes de complementação. Outros 16,19% estão em análise, e 5,47% da documentação não foi apresentada.

Também no fim de semana, o Ministério da Saúde anunciou que a vacinação contra a covid-19 ocorrerá de forma simultânea em todo o país, com distribuição proporcional de doses entre os estados. Contudo, ainda não há data prevista para o início da imunização.

A pasta fechou um acordo com o Butantan para que todas as doses da Coronavac produzidas pelo laboratório sejam compradas com exclusividade pelo governo federal e distribuídas simultaneamente aos estados por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).

Na segunda-feira, a Coronavac foi aprovada para uso emergencial na Indonésia, onde os testes apontaram uma eficácia global de 65,3%. Já no estudo realizado na Turquia a vacina apresentou eficácia global de 91%. A diferença nos dados de país para país é considerado normal, uma vez que a vacina não foi aplicada à mesma população.

Guerra das vacinas

O anúncio de hoje deve finalmente encerrar as dúvidas sobre a eficácia geral do imunizante. Desde a metade de dezembro, o Butantan e o governo paulista vinham informando apenas recortes, evitando indicar a eficácia global. A estratégia de comunicação sobre a Coronavac e seguidos adiamentos na divulgação da eficácia geraram críticas.

Os problemas também serviram de combustível para ofensiva do presidente Jair Bolsonaro contra o imunizante promovido pelo seu desafeto político, o governador paulista João Doria. Mas a situação parecia ter se acalmado após o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, ter anunciado que o governo federal pretende comprar 100 milhões de doses da Coronavac. Tal como o governo paulista, o ministério apostou inicialmente todas as suas fichas em apenas um imunizante, a chamada vacina de Oxford. No entanto, até agora, o governo federal não tem nenhuma dose em seus estoques e ainda não há uma definição de quando a imunização vai começar. 

Mesmo com o governo federal acumulando problemas com sua iniciativa de vacinação, figuras próximas do presidente zombaram nesta terça-feira do anúncio da eficácia da Coronavac, num sinal de que o governo pode voltar a tentar enfraquecer os esforços de São Paulo. O assessor de assuntos internacionais de Jair Bolsonaro, Filipe G. Martins, chamou a Coronavac de "vacina xing ling”, um termo usado para produtos falsificados com origem na Ásia. 

Deutsch Welle, em 12.01.2021