Os Estados Unidos estão arrependidos de não terem levado a cabo um impeachment contra Trump antes que ele envenenasse o país. O Brasil também pode se arrepender de não ter parado antes o envenenamento que Bolsonaro está fazendo. Análise de Juan Árias, do EL PAÍS.
Donald Trump e Jair Bolsonaro em Washington, no início de 2020.CARLOS BARRIA / REUTERS
A periculosidade de Donald Trump prestes a deixar o poder é revelada pelo fato da presidenta do Congresso americano Nancy Pelosi anunciar ter pedido que o alto comando militar do Exército tirasse de Trump os códigos nucleares da já mítica maleta que sempre acompanha os presidentes em todas as suas viagens dentro e fora do país. Com eles, ele pode criar em qualquer momento um conflito atômico. Pelosi justificou tal pedido porque considera o presidente psiquicamente “instável”.
Não é só isso: anunciou que nos próximos dias abrirá no Congresso um proesso de impeachment contra Trump, caso ele não renuncie. Agora já não há mais tempo de se chegar ao final do processo, mas é outro gesto de como as autoridades norte-americanas levam a sério a periculosidade de Trump e seu exército de fanáticos.
Há 75 anos os americanos lançaram a bomba atômica na cidade japonesa de Hiroshima, e nenhum dos países que possuem arsenal atômico voltou a usá-la. O simples ato de temer que Trump possa hoje usar a bomba atômica indica o índice de periculosidade do político que já anunciou que não irá à posse oficial do presidente eleito Joe Biden e ameaçou não sair da Casa Branca.
O Brasil não tem bomba atômica, mas Bolsonaro já suspira por ela. Chegou ao cúmulo da imbecilidade ao falar de um possível ataque do Brasil aos Estados Unidos, quando disse que “quando acabar a saliva, tem que ter pólvora”, algo que supera todos os limites da loucura diplomática.
O perigo real no Brasil é que aqui as autoridades não levam a sério as bravatas de Bolsonaro, como nos Estados Unidos no começo não levaram a sério as do também desequilibrado personagem a quem Bolsonaro segue fielmente e se esforça para acompanhar as pegadas. E já há quem considere que o presidente, da mesma forma que o líder americano, é psiquicamente “instável”, que é a maneira diplomática de dizer que sofre de transtornos psiquiátricos graves como acabam de afirmar à revista Crusoé meia dúzia de prestigiosos psiquiatras e psicanalistas.
O que Bolsonaro diz não se escreve porque se revelou o rei da mentira. Mas esse modo esquizofrênico de negar hoje o que falou ontem tem nele uma lógica. A de manter viva a chama da dúvida para confundir as pessoas. É um malabarista perigoso que pode levar o Brasil a uma insurreição como a que tentou Trump ao incitar o golpe de invadir o Capitólio, centro da democracia mundial.
Bolsonaro, ignorante em tantas coisas, é especialista no jogo sujo. É o Trump dos trópicos com as mesmas loucuras para continuar no poder. Anda por aí às cegas, mas pode ser tão ou mais perigoso do que o ex-caudilho americano.
Os dois são unidos especialmente por sua política do engano e por resolver os problemas com a mesma psicopatia e as mesmas ânsias de poder absoluto.
No começo, Trump também era visto mais como um excêntrico, como um elefante em uma loja de cristais e existia até quem risse de suas excentricidades.
Hoje vimos onde chegou fazendo balançar a maior potência bélica e a mais sólida democracia do mundo empurrando-a para uma guerra civil.
Isso faz refletir o que o Trump tropical poderia fazer em um país muito mais frágil em suas instituições. E o pior é que Bolsonaro já insinuou com uma guerra civil aqui no Brasil se sua política de morte e destruição das instituições democráticas não for seguida.
E já começou sua política destrutiva antecipando que o Brasil está quebrado, negando a pandemia e agora colocando obstáculos à vacina. E já sabemos quais são seus planos para aproveitar a crise da política para suas ambições de se perpetuar no poder. Já começou por insinuar que Trump foi roubado nas eleições e antecipou que no ano que vem ele também não aceitará o resultado das eleições se perder a votação.
Hoje os Estados Unidos estão arrependidos de não ter levado a cabo um impeachment contra Trump antes que envenenasse mais o país. O Brasil também pode se arrepender de não ter parado antes o envenenamento que Bolsonaro está fazendo no país.
A grave responsabilidade recai principalmente nas outras instituições do país que em vez de colocar um fim às loucuras do mito até começam a flertar com ele pensando que se trata das bravatas de um excêntrico inofensivo.
Dois anos de seu desastroso Governo com a instrumentalização que fez da pandemia seriam suficientes para entender que não se trata somente de ameaças infantilóides, e sim de um perigo real do maníaco por poder. Assim começou o nazismo e hoje sabemos os resultados de não ter detido antes o louco e sangrento Adolf Hitler. Não é por acaso que um dos líderes da invasão ao Parlamento americano tinha gravado em suas roupas os macabros símbolos do nazismo.
E Bolsonaro, assim como Trump, está hoje mais próximo do nazismo do que do fascismo. Por isso o perigo é mais grave. A História deveria ser a professora das forças democráticas para não repetir os tempos lúgubres nos quais foi assassinada a democracia e o sangue correu pelas ruas.
É isso que queremos para o Brasil? Trump fará todo o possível para que continue acesa a chama de seu protesto contra Biden e para não deixá-lo governar em paz. Continuará atiçando o fogo de protesto de seus sequazes e já preparando a próxima campanha eleitoral como já anunciou. Os americanos perceberam e agora tentam —não será tarde demais?— afastá-lo totalmente do poder.
É verdade que as instituições americanas são sólidas, mas diante dos loucos e caudilhos isso vale pouco. Sempre têm capacidade para manter viva a chama não só da polêmica, como do instinto de morte e destruição de seus seguidores, todos inimigos duros da democracia. Seus seguidores são violentos por vocação e só esperam um sinal para colocar em ação sua violência como vimos no dia da ocupação do Congresso em Washington que chamou a atenção mundial. Até do papa Francisco.
Com Bolsonaro já começou a acontecer a mesma coisa quando os bolsonaristas lançaram fogos de artifício contra o Congresso em Brasília. Bastou que o mito lhes dissesse “agora chega, porra” para desencadear a rebelião da qual ele mesmo participou sem que até agora as instituições lhe pedissem explicações.
Ainda é difícil, por exemplo, entender porque o TSE não tenha exigido até agora que ele apresente as provas que diz ter da fraude nas urnas que lhe deram a vitória em 2018. Segundo Bolsonaro, ele teria vencido no primeiro turno caso não houvesse trapaça nas urnas. A acusação é gravíssima e a Justiça já deveria ter exigido que ele apresentasse as provas que diz ter para manter aceso o fogo da rebelião de seu exército de seguidores fanáticos.
Bolsonaro já havia dito que a ditadura se equivocou por não ter assassinado, na época, 30.000 ativistas. Para ele o derramamento de sangue faz parte de sua idiossincrasia violenta.
As instituições brasileiras são muito mais frágeis do que as americanas e uma revolta popular no Brasil poderá ter consequências mais desastrosas. É melhor que impeçam esses seus instintos de violência antes de que possa incendiar as ruas como Trump. Quando ocorreu a revolta popular do Chile, Bolsonaro imediatamente avisou que se acontecesse aqui no Brasil seria sufocada sem piedade.
Essa é a democracia de Bolsonaro, e seu desejo de armar a população e sua complacência com os policiais que atiram “na cabecinha” sem que possam ser julgados e condenados.
A pergunta que se fazem os analistas políticos é se o Brasil irá continuar se divertindo com as macabras ameaças de instabilidade política esperando que já não exista a possibilidade de deter seus impulsos psicopatas quando talvez seja tarde demais?
Hoje os Estados Unidos se arrependem por não realizarem antes um impeachment de Trump para deter seu desequilíbrio mental e evitar ao país o vexame que por esses dias viveu envergonhado diante do mundo.
O Brasil entrará em uma zona sombria e perigosa se continuar ignorando a real periculosidade que Bolsonaro representa para o país e para o mundo.
Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como ‘Madalena’, ‘Jesus esse Grande Desconhecido’, ‘José Saramago: o Amor Possível’, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente. Publicado em 10.01.2021.