segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Trump funda uma ‘nova religião’ para 2024

Presidente dos EUA alimenta a ideia de outra corrida presidencial vinculada à farsa da fraude eleitoral, decidido a se manter no centro das atenções enquanto o Partido Republicano prende a respiração


Donald Trump, após um comício no Arizona, em 28 de outubro passado.ISAAC BREKKEN / GETTY IMAGES

Quando ainda estudava se candidatar às eleições presidenciais de 2012, Donald Trump deu seus primeiros passos na política apoiando-se na teoria de que Barack Obama não havia nascido nos Estados Unidos, mas no Quênia —e, portanto, era um presidente ilegítimo. A notícia falsa, fomentada sobretudo por membros do movimento conservador Tea Party contra o primeiro presidente negro da história do país, encontrou no magnata nova-iorquino seu melhor embaixador. Trump passeou por todos os canais de TV incentivando essas especulações, oferecendo inclusive doações milionárias se alguém lhe desse uma prova do nascimento de Obama em solo americano.

A mentira circulou e se agigantou como uma bola de neve, até que, em abril de 2011, o democrata se viu obrigado a mostrar publicamente sua certidão de nascimento: 4 de agosto de 1961 em Honolulu (Havaí). Ainda assim, Trump continuou espalhando dúvidas e questionando a veracidade dos documentos. O birtherismo (do inglês “nascimento”), como é conhecida essa teoria da conspiração, sobreviveu durante anos, transformada quase em ideologia, apelando de forma tácita ao racismo. Trump só se retificou em setembro de 2016 (e creditou o embuste a Hillary Clinton, outra falsidade). Na época, 21% dos norte-americanos (33% no caso dos eleitores republicanos) acreditavam que o presidente democrata havia nascido fora dos EUA e 21% diziam ignorá-lo.

Agora, com a ideia de que eleições fraudulentas estão a ponto de colocar na Casa Branca um presidente ilegítimo, Trump encontrou um novo apelo, uma nova religião com a qual pretende manter suas bases unidas e ativas. O republicano não perdeu contra Joe Biden; roubaram-lhe a vitória através de múltiplas manobras em todos os Estados importantes. Esse relato, que mais da metade de seus eleitores consideram fidedigno (segundo as diversas pesquisas realizadas desde o dia da eleição, 3 de novembro), prepara o caminho de sua nova cruzada. Uma cruzada pela democracia e, como ele disse numa festa semana passada, um objetivo final: vencer as eleições presidenciais novamente em 2024.

Somente Grover Cleveland, o primeiro presidente democrata eleito após a Guerra Civil (1885-1889), conseguiu ao longo da história dos EUA voltar à Casa Branca para um segundo mandato (1893-1897) quatro anos depois de ter perdido nas urnas. Outros, como Ulysses Grant e Theodore Roosevelt, tentaram e fracassaram. “Depois que os presidentes perdem, embora hoje seja difícil de imaginar, o interesse público por sua figura cai notavelmente, e é difícil reconstruir esse apoio para uma nova campanha eleitoral. Além disso, o fato de que um presidente perca uma eleição indica fraqueza, e os partidos políticos relutam em investir seus recursos e seu futuro em alguém que possa não lhes conseguir de novo a Casa Branca”, explica Julian Zelizer, historiador e professor de Políticas Públicas da Universidade de Princeton.

Ninguém hoje sabe ao certo em Washington se Trump está falando sério —e o que ele pretende ao deixar claro que aspira a uma nova presidência. Mas é evidente seu interesse em que todos falem disso. O republicano espalhou a ideia de voltar a se candidatar em 2024 entre seu entorno desde as eleições. E na última terça-feira, durante uma festa com republicanos na Casa Branca, voltou a afirmar isso com suas próprias palavras ante um público numeroso. “Foram quatro anos fabulosos. Estamos tentando ter outros quatro. Se não der, eu os verei daqui a quatro anos”, declarou, num discurso gravado por assistentes e difundido pelos jornais. Trump terá 78 anos, os mesmos que Biden tem agora. Algumas fontes do círculo do presidente, sob condição de anonimato, chegaram a dizer que ele anunciará formalmente sua candidatura antes do fim do ano —ou no mesmo dia da posse de Biden, 20 de janeiro, para tirar o protagonismo do novo mandatário.

A diferença entre Trump e Grover Cleveland, o único presidente da história que recuperou a Casa Branca após perdê-la, é que Cleveland ganhou as duas eleições também com maioria de votos populares. Trump foi presidente obtendo quase três milhões de votos individuais a menos que Clinton em 2016 —e, desta vez, perdeu para Biden por uma diferença de seis milhões. Ainda assim, os republicanos observam sua capacidade de agitar as massas e os 74 milhões de votos que ele amealhou (11 milhões a mais que em 2016) como um termômetro e guardam silêncio apesar do desvario em que se transformou sua cruzada judicial contra o pleito.

A equipe jurídica de Trump perdeu cada uma das dezenas de ações impetradas. Na última sexta-feira, num período de três horas, entre demandas e recursos, os tribunais rechaçaram cinco de suas últimas iniciativas, em Minnesota, Michigan, Arizona, Wisconsin e Nevada. As autoridades republicanas e democratas desses Estados respaldaram as garantias do sistema. Mas, como ocorreu com a certidão de nascimento de Obama, nada disso é suficiente. E é muito provável que, dentro de alguns anos, milhões de norte-americanos continuem respondendo nas pesquisas que em novembro de 2020 houve uma grande fraude eleitoral e Biden ganhou de forma suja.

Desde o dia das eleições, agitando os fantasmas da fraude, a campanha de Trump já arrecadou 200 milhões de dólares (cerca de 1,03 bilhão de reais) em doações. A maior parte dos recursos se destina a um Comitê de Ação Política cujo objetivo é financiar suas empreitadas políticas pós-presidenciais, sob o nome de Salve a América. Segundo uma pesquisa da empresa Morning Consult e do site Politico publicada semana passada, 53% dos eleitores republicanos apoiariam Trump em eleições primárias para 2024. Bem atrás dele vêm outros nomes que poderiam ser futuros candidatos: o vice-presidente Mike Pence (12%), o senador Tom Cotton e a ex-embaixadora na ONU Nikki Haley (ambos com menos de 5%).

Trump volta a marcar o ritmo de um Partido Republicano, que, como ocorreu com o Partido Democrata após a derrota de 2016, deve agora abrir seu processo de reflexão e seleção de um líder para recuperar o Governo. “A ideia de que [Trump] seja candidato em 2024 me parece absurda, mas todo o tempo que ele passar ameaçando fazer isso, ou considerando, ou mesmo fazendo, será prejudicial para o Partido Republicano, porque os novos candidatos ficarão congelados. Não serão capazes de captar financiamento, de recrutar voluntários. Devem esperar que ele deixe o palco”, afirma o estrategista republicano Rick Tyler. “Também não vejo nenhum dos possíveis substitutos com uma capacidade de liderança e uma visão alternativa que levem os seguidores de Trump a abandoná-lo. Assim, ele dominará o campo republicano todo o tempo que quiser, mas não voltará a ser presidente.”

Enquanto isso, Trump ganha dinheiro: boa parte de sua atividade política serviu para engrossar a receita de seus negócios, com estadas em seus luxuosos estabelecimentos, e isso pode continuar. Por exemplo, os possíveis ganhos ilegais cobrados por seu hotel da cidade de Washington por ocasião da posse presidencial, em janeiro de 2017, estão agora nos tribunais.

Fora da Casa Branca, o mandatário deverá demonstrar sua capacidade de se manter no centro das atenções e pautar a agenda republicana; de ganhar o jogo contra o tempo e o precedente da história. Mas também o esperam outros desafios mais prosaicos que podem frustrar qualquer dessas aspirações atuais: os mais de 400 milhões de dólares (2,06 bilhões de reais) de dívida que pesam sobre seu grupo empresarial e o risco de até uma dúzia de possíveis crimes federais, pelos quais não podia ser processado enquanto exercia a presidência: de obstrução da Justiça a fraude fiscal, passando por difamação e financiamento ilegal de campanha

Os republicanos prendem a respiração enquanto isso. Em 5 de janeiro, o Partido disputa na Geórgia o segundo turno da eleição para duas cadeiras do Senado que podem decidir sua maioria na Casa e, com ela, a possibilidade de deixar a Administração de Biden de mãos atadas. Desautorizar Trump pode tirar votos. Corroborar as acusações de fraude pode desmobilizar os eleitores e gerar atritos com as autoridades locais, também republicanas. Por enquanto, o silêncio impera: o The Washington Post consultou semana passada os 249 membros republicanos do Senado e da Câmara de Representantes (deputados) em Washington, e 221 se negaram a apontar Biden como ganhador. O ainda presidente deve comparecer este sábado à Geórgia, receber um banho de massas e, provavelmente, promover a teoria do roubo eleitoral. O agente do caos continua no palco.

AMANDA MARS, de Washington, DC, para EL PAÍS, em  07 DEC 2020

UE rejeita como ilegal vitória do chavismo em eleição

Bloco europeu diz que eleição legislativa que deu vitória à coligação de Nicolas Maduro na Venezuela viola regras internacionais e democráticas.

O chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, afirmou nesta segunda-feira (07/12) que a União Europeia (UE) não reconhece os resultados das eleições venezuelanas de domingo. Segundo ele, o pleito, que deu vitória à coligação do presidente Nicolás Maduro, viola as regras internacionais e democráticas. 

 "As eleições venezuelanas para a Assembleia Nacional decorreram, lamentavelmente, sem um acordo nacional sobre as condições eleitorais e não cumpriram as normas internacionais mínimas para um processo credível e para mobilizar o povo venezuelano a participar", critica o alto representante da UE para a política externa em comunicado.

No domingo, com abstenção próxima a 70%, a aliança de partidos que apoiam o governo Nicolás Maduro venceu as eleições legislativas, com mais de 67% dos votos, segundo o Conselho Nacional Eleitoral (CNE).

Uma aliança liderada pelos partidos tradicionais Ação Democrática (AD) e o Comitê de Organização Política Eleitoral Independente (Copei) ficou em segundo lugar, com 17,95%.

Tanto o AD como o Copei sofreram intervenção do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). A corte impôs como líderes de ambos os partidos antigos militantes que haviam sido expulsos das legendas, sob acusação de corrupção por seus correligionários.

Para Josep Borrell, "esta falta de respeito pelo pluralismo político e a desqualificação e perseguição dos líderes da oposição não permitem à UE reconhecer este processo eleitoral como credível, inclusivo ou transparente, e os seus resultados como representativos da vontade do povo venezuelano".

O chefe da diplomacia europeia insiste, por isso, que "a Venezuela necessita urgentemente de uma solução política para pôr fim ao atual impasse e permitir a prestação da assistência humanitária urgentemente necessária ao seu povo".

"A UE apela às autoridades e líderes venezuelanos a darem prioridade aos interesses do povo venezuelano e a unirem-se urgentemente para iniciar um processo de transição liderado pela Venezuela, a fim de encontrar uma solução pacífica, inclusiva e sustentável para a crise política, através de eleições presidenciais e legislativas credíveis, inclusivas e transparentes", afirma Josep Borrell.

Em terceiro lugar no pleito ficou outra aliança liderada pelo Vontade Popular (VP), o partido de Leopoldo López e Juan Guaidó, que também sofreu a ingerência do STJ, e que inclui ainda o Venezuela Unida (VU) e o Primeiro Venezuela (PV). Esta aliança obteve 4,19%.

A taxa de participação, de 31%, segundo o CNE, é ligeiramente superior à de 2005, quando a oposição tradicional também não participou, e o 'chavismo' conquistou a maioria absoluta das cadeiras por um período de cinco anos.

Com o resultado, o chavismo retomou o controle do Legislativo, órgão que serviu aos opositores para lançar sua ofensiva contra o governo de Maduro, que governa o país desde 2013.

O chavismo controla 19 dos 23 estados, comanda 305 das 335 prefeituras, tem 227 dos 251 deputados das assembleias legislativas regionais. Além disso, quase nove em cada dez vereadores respondem às diretrizes do chavismo.

No entanto, à medida que ganha poder, o chavismo perde legitimidade dentro do país e no exterior, algo que vem acontecendo desde 2017, quando a Assembleia Nacional Constituinte foi instaurada – uma entidade que não é reconhecida pela oposição e por parte da comunidade internacional.

O líder da oposição Juan Guaidó reiterou que não reconhece as eleições, que qualificou como fraudulentas, e alertou que as divergências políticas entre o chavismo e a oposição vão se aprofundar após as eleições.

Guaidó proclamou um governo interino no final de janeiro de 2019, com base na sua interpretação de vários artigos da Constituição e protegeu, em sua posição de chefe do Parlamento, o único corpo que era controlado pela oposição. Ele foi imediatamente reconhecido como presidente da Venezuela por cerca de 50 países, incluindo os EUA, Brasil e vários países da América Latina e da Europa.

Mas o boicote às eleições parlamentares deste domingo e a consequente derrota nas urnas significam que Guaidó perderá o status de chefe do Legislativo a partir do dia 5 de janeiro, quando os novos parlamentares serão empossados.

Deutsche Welle, em 07;12.2020

Alexandre de Moraes: Bolsonaro não pode deixar de prestar depoimento

Em despacho da AGU, o presidente da República havia declinado de prestar informações presencialmente. Ministro do STF, relator do caso, decide que Bolsonaro pode permanecer em silêncio, mas não pode recusar oitiva

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, decidiu que caberá ao plenário da Corte definir sobre a forma em que o presidente da República, Jair Bolsonaro, será intimado no âmbito do inquérito que investiga suposta interferência política do chefe do Executivo na Polícia Federal para fins pessoais. A apuração teve início após acusação do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro.

Moraes é o relator do caso, que antes estava com o ministro Celso de Mello, aposentado desde outubro. Ele determinou que o presidente do Supremo, Luiz Fux, seja comunicado da decisão e pediu urgência na inclusão do assunto em pauta.

A Advocacia-Geral da União (AGU) havia enviado um despacho ao Supremo no último dia 26, dizendo que o presidente declinava “do meio de defesa que lhe foi oportunizado unicamente por meio presencial” e pedia o “pronto encaminhamento dos autos à Polícia Federal para elaboração de relatório final”.

Moraes, então, pediu uma manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR), que se posicionou afirmando que “inexiste razão para se opor à opção do presidente de não ser interrogado”. “Na qualidade de investigado, ele está exercendo, legitimamente, o direito de permanecer calado”, pontuou.

Oitiva

O ministro, entretanto, avalia que o presidente tem direito de permanecer em silêncio, mas não de não comparecer à oitiva. “Em momento algum, a imprescindibilidade do absoluto respeito ao direito ao silêncio e ao privilégio da não autoincriminação constitui obstáculo intransponível à obrigatoriedade de participação dos investigados nos legítimos atos de persecução penal estatal ou mesmo uma autorização para que possam ditar a realização de atos procedimentais ou o encerramento da investigação”, pontuou.

Conforme Moraes, a “Constituição Federal consagra o direito ao silêncio e o privilégio contra a autoincriminação, mas não o ‘direito de recusa prévia e genérica à observância de determinações legais’ ao investigado ou réu. “Ou seja, não lhes é permitido recusar prévia e genericamente a participar de atos procedimentais ou processuais futuros, que poderá ser estabelecidos legalmente dentro do devido processo legal, mas ainda não definidos ou agendados, como na presente hipótese”, afirmou.

O ministro, ao decidir que a forma do interrogatório seja definida pelo plenário, determinou que apenas após esta decisão a autoridade policial decida o dia, local e horário, ou envie por escrito as perguntas (se a Corte entender que ele poderá prestar depoimento por escrito). Moraes ainda indeferiu o pedido de encaminhamento dos autos à PF para elaboração do relatório final.

Sarah Teófilo, do Correio Braziliense, em 07.12.2020

STF confirma que recondução na Câmara e no Senado é inconstitucional

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal decidiu, no final da noite deste domingo (6/12), barrar a possibilidade de reeleição dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado.

Os três últimos votos foram proferidos pelos ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Luiz Fux, que foram contra a possibilidade de reeleição para presidência das casas legislativas.

O placar ficou em 6 a 5 contra a reeleição de Davi Alcolumbre (DEM-AP), no Senado, e 7 a 4 contra a de Rodrigo Maia (DEM-RJ), na Câmara.

Relator do caso, o ministro Gilmar Mendes defendeu que o Congresso pudesse alterar a regra internamente por uma mudança regimental, questão de ordem ou "qualquer outro meio de fixação de entendimento próprio à atividade parlamentar", e não necessariamente pela aprovação de uma PEC (proposta de emenda à Constituição).

Maia está no seu terceiro mandato consecutivo à frente da Câmara. Ele assumiu a cadeira pela primeira vez em setembro de 2016, em um mandado tampão, após a renúncia do mandato do ex-presidente da Casa Eduardo Cunha (MDB-RJ), e não largou mais.

Depois disso, na mesma legislatura, conseguiu parecer técnico favorável a que participasse de nova disputa, em 2017. No início de 2019, em uma nova legislatura, o que é permitido pela Constituição, disputou novamente e venceu.

No julgamento do Supremo, que ocorreu no Plenário virtual, Kassio Nunes foi o único a sustentar que a regra não deveria valer para quem já foi reeleito, o que impediria Maia de buscar mais um mandato no comando da Câmara.

A decisão foi provocada pela Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.524, ajuizada pelo PTB. Segundo a legenda, o regimento interno da Câmara não considera recondução a eleição para o mesmo cargo em legislaturas diferentes, ainda que sucessivas. Cada legislatura tem quatro anos.

O partido pedia que o Supremo dê interpretação conforme a Constituição ao artigo 5º, parágrafo 1º, do regimento da Câmara e ao artigo 59 do regimento do Senado, a fim de estabelecer que a vedação constitucional à reeleição ou recondução às mesas das duas casas se aplica às eleições que ocorram na mesma legislatura ou em legislaturas diferentes.

O julgamento da ADI 6.524 movimentou o mundos jurídico e político. Semana passada, o jurista Ives Gandra Martins publicou artigo na ConJur defendendo a literalidade do dispositivo constitucional. No texto, ele explicou que o artigo 57 da Constituição da República é de uma clareza solar e que "dois anos não são quatro, vedação não é permissão e mesmo cargo não é outro cargo".

Gandra defende que o único caminho para mudança nas regras é uma emenda constitucional, com 60% dos votos em duas votações nas duas casas, autorizando a reeleição. Esse entendimento prevaleceu no Plenário do STF.

Por Rafa Santos e Emerson Voltare, do Consultor Jurídico, em 07.12.2020

'Passei a cozinhar com carvão': como a inflação deve afetar os mais pobres em 2021

Anely ao lado do seu fogareiro de carvão.

A máscara esconde o sorriso, mas a simpatia está toda lá. E é com ela que Anely Rodrigues dos Santos, de 48 anos e moradora do Guará I, cidade-satélite de Brasília (DF), apresenta para a câmera do celular o cardápio do dia.

"Minha dobradinha está pronta aqui, feita no fogão à lenha. Meu arroz também está prontinho. E a salada: brócolis, tomate e batata com tomatinho cereja", diz Santos no vídeo, postado em um grupo de moradores do Guará no Facebook.

A alegria no registro esconde a história de dificuldades que levou a ex-doméstica a passar a cozinhar marmitas para fora, como forma de conseguir alguma renda, após perder o emprego na pandemia.

"Antes, eu trabalhava numa casa de família, como mensalista. Mas, sem escola e creche, e sem nenhum lugar que eu pudesse pagar, meu filho não tinha onde ficar, então tive que sair", conta Santos.

"Você está acostumada a receber todo mês seu salário, aí fica sem dinheiro, você fica apavorada. Aí comecei a fazer as marmitas de fim de semana", diz a cozinheira, que contou ainda com a renda do auxílio emergencial, agora reduzido a R$ 300.

"Faço dobradinha, feijoada, sarapatel, essas comidas assim grosseironas. Fiz um fogareiro e estou cozinhando no carvão, que é mais rápido e mais barato do que o gás."

Com o fogareiro a carvão, a moradora do Distrito Federal dribla o desemprego e a alta de preços do gás.

Mas a perspectiva para 2021 é de que os preços controlados pelo governo, que foram um fator de alívio para a inflação na maior parte deste ano, voltem a pesar no bolso dos brasileiros, num momento em que a alta de preços dos alimentos deve perder força.

Rodada de reajustes

Na última quinta-feira (3/12), a Petrobras anunciou mais um reajuste de 5% do botijão de gás às distribuidoras.

No ano, o combustível de maior peso na renda das famílias mais pobres já acumula alta de 21,9% no atacado, acompanhando o aumento da cotação internacional e a variação do dólar.

Ainda nesse fim de ano, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) surpreendeu a todos, ao antecipar para dezembro a reativação da bandeira vermelha nas contas de luz, gerando uma cobrança adicional de R$ 6,24 para cada 100 KWh (quilowatt-hora) consumidos.

Antes disso, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) determinou que o reajustes de planos de saúde adiados em 2020 sejam aplicados a partir de janeiro de 2021, de forma diluída, em 12 parcelas. Esse é um aumento de preços que pesa mais para a classe média.

E, a partir de janeiro, são esperados ainda os reajustes do transporte público e as correções anuais das contas de luz, que devem tornar a energia ainda mais cara, para além do acionamento da bandeira tarifária. A gasolina e o diesel também devem subir no próximo ano.

moeda de um real

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Inflação atinge os mais pobres com mais força


'Bondade hoje pode ser maldade amanhã'

"A natureza dos preços monitorados é que eles dependem de decisões governamentais. Esse ano, por conta da pandemia, existiram decisões espraiadas por todo o Brasil de atrasar reajustes, reduzi-los, mitigá-los ou até mesmo anulá-los", diz Fabio Romão, analista de inflação da LCA Consultores.

"Isso foi feito para preservar principalmente a renda das famílias menos abastadas. Dois grandes exemplos disso são a energia elétrica e a taxa de água e esgoto", cita o economista. "A bondade de hoje pode ser a maldade de amanhã, chega uma hora que será preciso reajustar esses preços e talvez até ter compensações ao alívio gerado em 2020."

A estimativa da LCA é de uma alta de 2,42% para os preços administrados em 2020 e de 3,70% em 2021. Antes, a projeção era de altas em torno de 1% e 4,5% respectivamente, mas o reajuste foi antecipado pela decisão da Aneel de acionar a bandeira vermelha já em dezembro.

arroz e feijão

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Aumento do preço dos alimentos atinge com maior força os mais pobres

Inflação dos mais pobres

"Esse ano, a inflação dos mais pobres ficou bem mais alta do que a geral, por conta de alimentos", observa Maria Andreia Lameiras, economista e pesquisadora do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

Segundo o Indicador Ipea de Inflação por Faixa de Renda, a inflação da população de renda muito baixa chegou a 5,33% no acumulado de 12 meses até outubro, comparada a alta de 3,92% do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), indicador oficial de inflação do país, no mesmo período.

Na sexta-feira (4/12), o IPC-C1 (Índice de Preços ao Consumidor - Classe 1) da FGV (Fundação Getúlio Vargas), que mede a inflação para famílias com renda mensal entre 1 e 2,5 salários mínimos, mostrou quadro semelhante, com uma alta acumulada em 12 meses de 5,82% até novembro, puxada por avanço de 17,06% dos alimentos no período.

"Sabemos que, no ano que vem, teremos um alívio nos preços dos alimentos. Ainda vai haver aumentos em 2021, mas em proporção muito menor", diz Lameiras, citando o crescimento de safras e menor desvalorização cambial como fatores para essa mudança.

"Mas, em compensação, energia elétrica e transportes, que vão fechar 2020 com uma variação muito baixa, no ano que vem, vão trazer uma variação mais alta."

A economista lembra que esse efeito no transporte público é comum, com reajustes menores em anos de eleições municipais e correções maiores nos primeiros anos de mandato. Em 2021, esse efeito deve ser agravado pelo prejuízo bilionário e perda de passageiros do setor de transportes devido à pandemia, que poderão ser compensados na próxima rodada de ajustes.

Aumento dos combustíveis afeta do preço de produtos ao transporte público

Outro peso importante no orçamento dos mais pobres, o aluguel sofre a pressão de um IGP-M (Índice Geral de Preços - Mercado) em alta de 24,52% em 12 meses até novembro. Por outro lado, diz Lameiras, o elevado número de imóveis ociosos reduz um pouco dessa pressão, com muitos proprietários aceitando reajustes mais baixos, apesar do indexador disparado em alta.

Preços em alta, renda em baixa

A pesquisadora do Ipea destaca que um problema dos itens que vão pressionar a inflação no próximo ano é que eles dificilmente podem ser substituídos.

"No caso do gás de botijão, na pior das hipóteses, as pessoas vão para fogareiro nas comunidades mais pobres. Já na energia elétrica e no transporte público, não existe essa substituição. Assim como com o arroz, feijão e leite, com a energia elétrica, a pessoa pode até diminuir um pouco o consumo, mas precisa de um mínimo para garantir sua subsistência."

Esse aumento de itens cujo consumo é pouco elástico vai se dar num momento em que a renda dos mais pobres estará desafiada pelo fim do auxílio emergencial.

"O que esperamos é que, com a melhora da atividade econômica em 2021, essas pessoas consigam voltar ao mercado de trabalho, recuperando sua renda", diz Lameiras. "Mas isso está muito condicionado ao que vai acontecer com a economia brasileira em 2021."

Desequilíbrio fiscal é risco

Para a economista, será importante no próximo ano que as reformas estruturais planejadas pelo governo avancem, sinalizando ao mercado que há um plano de controle das contas públicas e que a dívida pública não vai explodir.

Outro fator de incerteza, destaca a pesquisadora, é como a pandemia vai evoluir nos próximos meses.

"Geralmente, as famílias mais pobres têm baixa qualificação e estão muito ligadas aos setores de comércio e serviços. E são esses setores os mais penalizados quando há um quadro de pandemia se agravando."

André Braz, coordenador de índices de preço do Ibre-FGV, prevê que os preços monitorados devem ter alta de cerca de 1,5% a 2% esse ano, contra uma inflação que deve fechar o ano acima de 4%.

Já em 2021, Braz espera uma alta acima de 5% para os administrados e avanço maior do que 4% para o IPCA como um todo, superando a meta de inflação do próximo ano, que é de 3,75%.

Para o economista, o principal risco para uma piora da inflação no ano que vem é se houver um descontrole maior das contas públicas.

"Temos um déficit público que já está praticamente do tamanho do PIB e isso representa um risco de o país não ter recursos para arcar com as suas contas, o que pode criar um desequilíbrio na inflação, tanto por desvalorização cambial, quanto por emissão de moeda, caso isso aconteça", afirma, defendendo a necessidade de o governo voltar à política de contenção de gastos no próximo ano, retomando a agenda de reformas.

Thais Carrança, da BBC News Brasil em São Paulo, em 07.12.2020.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Um governo cruel

O governo federal é a expressão viva da indiferença e da falta da sensibilidade que marca a triste passagem de Jair Bolsonaro pela Presidência

Comandado por um presidente que tem evidente dificuldade para demonstrar empatia autêntica por qualquer um que não leve seu sobrenome, o governo federal é a expressão viva da indiferença que marca a triste passagem de Jair Bolsonaro pelo poder. A ministros sem currículo e sem o mínimo cabedal para as nobres tarefas que lhes foram concedidas pela irresponsabilidade bolsonarista, só resta empenhar-se em agradar ao chefe – e o fazem emulando fielmente a truculência tão característica de Bolsonaro.

Tome-se o exemplo do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Como se fosse titular do Ministério da Doença, o sr. Pazuello, inspirado no presidente, parece trabalhar em favor do coronavírus, facilitando-lhe a dispersão entre os brasileiros e agravando a pandemia. Na quarta-feira passada, contra todas as evidências, o ministro disse que a recém-encerrada campanha eleitoral, com suas aglomerações, “não trouxe nenhum tipo de incremento ou aumento de contaminação”, razão pela qual “não podemos mais falar em lockdown nem nada”.

Ora, o que aconteceu, segundo as informações disponíveis, foi o exato oposto. Tanto é assim que vários governos decidiram reforçar algumas das restrições que haviam sido abrandadas. Ao desestimular o isolamento social e fazer crer que as contaminações estão diminuindo, o ministro semeia confusão e colabora para desmoralizar os esforços de quem demonstra preocupação com o vírus. 

Enquanto isso, o secretário executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, a propósito das recomendações para os brasileiros nas festas de fim de ano, menosprezou o isolamento social, pois segundo ele “não tem eficácia”, malgrado seja preconizado pela comunidade científica mundial para reduzir a pandemia. Já em caso de suspeita de contaminação, Élcio Franco defendeu o “tratamento precoce”, que não existe senão no discurso dos xamãs bolsonaristas.

Sabe-se lá quantos brasileiros mais ficarão doentes, correndo risco de morte, como resultado do conflito de mensagens estimulado pelo governo. Para os propósitos de Bolsonaro, como se sabe, isso não tem a menor importância, já que, em suas inolvidáveis palavras, “todos vamos morrer um dia”. A única coisa que importa é livrar-se da responsabilidade pelas consequências da pandemia.

Assim, não surpreende que o governo tenha demorado tanto para formular um plano de vacinação e, também, que esse plano, afinal apresentado na terça-feira passada, seja tão aquém do necessário. A vacinação não somente se estenderá por um ano ou talvez até mais, como será destinada a uma parcela muito pequena da população. 

Sem jamais ter sido prioridade do governo – ao contrário, o próprio presidente disse e repetiu em voz alta que a vacinação não seria obrigatória, como se a vacina fosse uma aspirina que se escolhe tomar ou não –, a imunização dos brasileiros contra o coronavírus entrará para a já extensa e variada lista das obrigações que Bolsonaro, como presidente da República, está deixando de cumprir. E neste caso colocando em risco a saúde de todos.

À inépcia junta-se o autoritarismo explícito, única promessa de campanha que Bolsonaro cumpre à risca. Uma portaria do Ministério da Educação publicada na quarta-feira determinava o retorno às aulas presenciais nas universidades federais e nas faculdades particulares a partir de janeiro. De uma tacada só, a ordem violava a autonomia universitária e, sem qualquer consulta aos gestores universitários, atropelava os esforços para reduzir o contágio entre estudantes e professores.

O ministro da Educação, Milton Ribeiro, expressou surpresa com a repercussão negativa. Ou seja, foi simplesmente incapaz de perceber a violência da medida, evidente por si mesma. É, portanto, muito pior do que a simples incompetência: trata-se de um governo sem qualquer sensibilidade, movido exclusivamente pelos delírios bolsonaristas de poder, nos quais o presidente e alguns de seus principais ministros não demonstram compaixão pelos pobres e os doentes.

Com um presidente que é fã declarado de torturadores, quem haverá de se dizer surpreso, afinal?

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo / 04 de dezembro de 2020 

Ex-ministro, Nelson Jobim se diz 'perplexo' com discussão sobre reeleição de Maia e Alcolumbre

Contrário às reconduções, Jobim cita que a Constituição, que ajudou a elaborar, é clara ao abordar a questão

 Deputado constituinte e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim afirmou ter ficado "perplexo" com a discussão na Corte sobre a possibilidade de os presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), se reelegerem nos cargos. Contrário à recondução, ele citou que a Carta Magna de 1988, que ajudou a elaborar, é clara ao abordar a questão.

“Não é assunto para se estar discutindo porque tem uma regra expressa na Constituição”, afirmou Jobim em entrevista ao Estadão, de sua casa em São Paulo, onde se recupera após contrair covid-19. Aos 74 anos e parte do grupo de risco da doença, ele disse estar bem, apenas com sintomas leves, como cansaço.

O ex-ministro da Justiça e do STF Nelson Jobim, em evento na capital paulista nesta quarta-feira, 13 Foto: Tita Fotografia/Insper

O julgamento de uma ação do PTB que trata sobre o tema foi iniciado pela Corte na madrugada desta sexta-feira no plenário virtual. Os ministros têm até o dia 14 para declarar seus votos. Hoje pela manhã, no entanto, 5 dos 11 integrantes da Corte já disseram ser a favor da possibilidade de reeleição no Congresso. Apenas um, Kássio Nunes Marques, fez a ressalva de que no caso de Maia, que já foi reeleito duas vezes no cargo, não há a possibilidade de mais uma recondução.

Na conversa com o Estadão, Jobim afirmou que a possibilidade de reeleição no Congresso não deveria nem ser considerada pelo Supremo.  "Tem regra expressa na Constituição (contra reeleição)", repetiu o ex-presidente da Corte, que ocupou a cadeira que hoje é de Luiz Fux entre 2004 e 2006. No ano seguinte, Jobim assumiu o Ministério da Defesa, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, cargo que também ocupou no início da gestão de Dilma Rousseff. Antes, já havia sido ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso.

Um dos poucos políticos no País com passagens destacadas pelos três Poderes - Executivo, Judiciário e Legislativo -, Jobim argumentou que admitir a reeleição no Congresso “é desconsiderar a Constituição Federal". Ele se refere ao § 4º do artigo 57 da Constituição, que diz:  “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.

O então deputado esteve ao lado de Ulysses Guimarães, que presidiu a Assembleia Nacional Constituinte, entre 1987 e 1988, e conheceu o “espírito do legislador”  ao cunhar a regra sobre a reeleição no Legislativo. Segundo Jobim, o veto foi uma “decisão pessoal” de Ulysses, chamado até hoje de "pai da Constituição" que garantiu ao País seu mais longo período democrático.

“Eu me lembro das razões”, contou Jobim. “A decisão do 'Doutor Ulysses' era para evitar a perpetuação de presidentes." O ex-presidente do STF afirmou ainda que, na época, foi citado como um dos objetivos da regra se evitar a repetição de precedentes, como a chamada "emenda Flávio Marcílio", apresentada em 1979, ainda durante a ditadura militar, que permitia a reeleição no comando das duas casas do Legislativo. O então deputado Flávio Marcílio, da Arena, partido ligado aos militares, ocupou por três vezes a presidência da Câmara.

“Está tudo muito claro”, reforçou Jobim, que participou do processo de elaboração do Regimento da Assembleia Nacional Constituinte e foi sub-relator da Comissão de Sistematização.

Em seu voto a favor da possibilidade de reeleição de Maia e Alcolumbre, o relator da ação, ministro Gilmar Mendes, considerou que a proibição à reeleição no Legislativo surgiu no regime militar. Ele argumentou que a emenda constitucional que liberou a recondução do presidente da República, em 1997, permitiu um "redimensionamento" de toda a Constituição.

Até o início da tarde, outros três ministros haviam concordado com esse entendimento. São eles: Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski. Na prática, os votos abrem caminho para que Maia e Alcolumbre concorram à reeleição em fevereiro de 2021, quando está marcada a disputa pela cúpula do Congresso. Maia nega ser candidato a mais dois anos à frente da Casa.

Tânia Monteiro, O Estado de SãoPaulo / 04 de dezembro de 2020 | 14h01

País tem 175.432 óbitos e 6.496.050 diagnósticos de Covid-19

Veja os números consolidados:

175.432 mortes confirmadas

6.496.050 casos confirmados

Na quinta-feira, às 20h, o balanço indicou: 175.307 mortes confirmadas, 776 em 24 horas. Com isso, a média móvel de mortes no Brasil nos últimos 7 dias foi de 544. A variação foi de 0% em comparação à média de 14 dias atrás, indicando tendência de estabilidade nas mortes por Covid, quando não há aumento ou queda significativos.

Em casos confirmados, desde o começo da pandemia 6.487.516 brasileiros já tiveram ou têm o novo coronavírus, com 50.883 desses confirmados no último dia. A média móvel nos últimos 7 dias foi de 40.421 novos diagnósticos por dia, a maior desde 31 de agosto --quando chegou a 40.526. Isso representa uma variação de +37% em relação aos casos registrados em duas semanas, o que indica tendência de alta nos diagnósticos.

Brasil, 3 de dezembro

Treze estados apresentaram alta na média móvel de mortes: PR, RS, SC, ES, MS, AC, AP, RO, CE, PB, PE, RN e SE.

Também vale ressaltar que há estados em que o baixo número médio de óbitos pode levar a grandes variações percentuais. Os dados de médias móveis são, em geral, em números decimais e arredondados para facilitar a apresentação dos dados.

Estados

Subindo (13 estados): PR, RS, SC, ES, MS, AC, AP, RO, CE, PB, PE, RN e SE

Em estabilidade, ou seja, o número de mortes não caiu nem subiu significativamente (10 estados + o DF): MG, SP, DF, MT, AM, PA, RR, TO, BA, MA e PI

Em queda (3 estados): RJ, GO e AL

G1 / 03.12.2020.

Bolsonaro ficará 'isolado em autoritarismo' sem 'companheiro Trump', diz ex-chanceler do México

O ex-ministro das Relações Exteriores do México (2000-2003), Jorge Castañeda, acredita que o Brasil ficará muito isolado, em termos de mudança climática, na era do presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden.

Donald Trump e Jair Bolsonaro: presidente brasileiro considerava colega americano como importante aliado. (Foto: Alan Santos, Presidência da República.)

Segundo ele, o isolamento brasileiro envolve ainda a "falta de responsabilidade" durante a pandemia do novo coronavírus e atitudes em relação aos direitos individuais. "Muito isolado em seu autoritarismo, em sua postura contraria a tudo sobre os direitos de gênero, de outras minorias, de LGBT e etc. O Brasil está indo, claramente, contra a corrente. Bolsonaro achava que com sua aliança com Trump tinha um companheiro. Tinha. Já não tem mais", disse em entrevista à BBC News Brasil.

Professor da Universidade de Nova York, autor de uma biografia sobre o ex-guerrilheiro argentino-cubano Ernesto 'Che' Guevara, Castañeda disse ainda que as esquerdas na América Latina têm o desafio de se modernizar e que para Biden "não será fácil" tentar retomar iniciativas do governo do ex-presidente Barak Obama.

Nesta entrevista, ele falou ainda sobre as semelhanças entre Bolsonaro e o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador (AMLO), que, apesar de opostos ideologicamente, são, na sua visão, muito parecidos. "Os dois odeiam os meios de comunicação, os dois são populistas, são autoritários e nepotistas", disse. E ligados a Trump, acrescentou.

A seguir, os principais pontos da entrevista à BBC News Brasil:

BBC News Brasil - Qual a sua expectativa para a relação entre o governo Biden e a América Latina, depois que ele anunciou nomes da época do ex-presidente Obama para a área de política externa (Antony Blinken, secretário de Estado) e um latino (Alejandro Mayorkas, nascido em Cuba) para a área de política migratória?

Jorge Castañeda - Antes de mais nada, são pessoas competentes e com experiência. Mas, ao mesmo tempo, são pessoas que não têm grande vocação latino-americana. Não é que não saibam, e não conheçam (a região). Mas não tem ninguém com grande envolvimento com a América Latina. Mas acho que o importante não é quem são eles, mas sim o que Biden disse sobre os diferentes assuntos vinculados com a América Latina.

Ele já falou sobre os temas migratórios, que são muito importantes para o México, para a América Central, para o Caribe e para o Equador, pelo menos. Ele já disse que mudará as políticas de restrição, racista e punitiva, de Trump. Biden também já disse que buscará caminhos alternativos, no caso da Venezuela, mas sem definir, porém, quais serão estes caminhos alternativos. E também disse que enfatizará o assunto de mudança climática. E aí sim acho que haverá certas tensões com o Brasil.


Ex-ministro das Relações Exteriores do México, Jorge Castañeda, acredita que o Brasil sofrerá impactos negativos após derrota de Trump. (Foto, Juan Manoel Herrera, OAS)

BBC News Brasil -Quando ainda era candidato, em um dos debates com o presidente Trump, Biden sugeriu que o Brasil poderia receber sanções econômicas diante do desmatamento na Amazônia brasileira. Como ex-chanceler e por sua experiência, o senhor acha que essa 'tensão' seria específica sobre a Amazônia? Ou algo mais amplo?

Castañeda - Acho que pode ser algo pontual. Mas é também importante ressaltar que para Biden o assunto mudança do clima é uma prioridade interna e externa. A nomeação de (John) Kerry, neste sentido, é muito marcante. O retorno ao Acordo de Paris, que ocorrerá nos primeiros dias do governo, também é muito marcante. Portanto, onde existam políticas claramente diferentes das que Biden colocará em prática nos âmbitos interno e externo, haverá tensões. Neste caso, tanto com Brasil como com México.

O governo mexicano colocou muito foco em fontes de energia não renováveis, no petróleo e no carvão. E, então, certamente, também haverá tensões com México. Acho que estas tensões com o Brasil poderão ser encapsuladas, restritas ao tema da Amazônia, mas vai depender muito da posição do Brasil. As posições de Biden são muito claras. Não acho que chegarão ao grau de sanções econômicas, mas acho que Biden terá uma postura mais parecida, digamos, a de (Emmanuel) Macron (presidente da França) do que a de Trump.

BBC News Brasil - O que o senhor quer dizer com 'encapsular'? Isolar este tema ambiental?

Castañeda - Sim, que o tema ambiental não contamine os outros assuntos (dos EUA) com Brasil. Mas isso não é simples. É um assunto muito sensível no Brasil, mas também nos EUA.

BBC News Brasil - Os presidentes do Brasil e do México ainda não tinham reconhecido a vitória de Joe Biden. Eles são antíteses em termos ideológicos. Qual a sua opinião sobre esta atitude de Bolsonaro e de López Obrador? Esse fato pode chegar a complicar a relação com o governo Biden?

Castañeda - Em primeiro lugar, os dois podem estar em lados ideológicos opostos, mas se parecem muito. Os dois odeiam os meios de comunicação, os dois são populistas, são autoritários e nepotistas. O fato que os dois, junto com (Vladimir) Putin, não tenham parabenizado Biden reflete que são muito parecidos e que os dois eram partidários e amigos de Trump. Não acho que essa atitude (de não parabenizar Biden) afetará a relação no longo prazo, mas a afetará, no curto prazo, de maneira inevitável. Deixa, digamos, um gosto ruim. Não necessariamente por parte de Biden, mas as equipes (dele) são mais sensíveis, mais pé no chão, e podem sentir esta falta de amabilidade por parte de Bolsonaro e de López Obrador.

BBC News Brasil - O senhor observa o Brasil isolado do mundo na era Bolsonaro?

Castañeda - O Brasil ficará muito isolado, em termos de mudança climática, com Biden. Muito isolado por não ter sido responsável com a pandemia. Muito isolado em seu autoritarismo, em sua postura contraria a tudo sobre os direitos de gênero, de outras minorias, de LGBT e etc. O Brasil está indo claramente contra a corrente. Bolsonaro achava que com sua aliança com Trump tinha um companheiro. Tinha. Já não tem mais.

BBC News Brasil - Pode aparecer outro protagonista na América Latina na era Biden, já que Brasil e México, nas eras de Bolsonaro e Obrador, tinham afinidade com Trump?

Castañeda - Não. Os dois países têm peso muito grande.

BBC News Brasil - O senhor escreveu uma biografia do ex-guerrilheiro argentino-cubano Ernesto Che Guevara (A vida em vermelho) e é estudioso das esquerdas na América Latina. Como o senhor vê as esquerdas na região hoje?

Castañeda - Acho que a situação da esquerda hoje não se restringe ao fato de voltar ou não a governar, mas sim como governar e como governa onde já governa. Em muitos casos, como no México e, de certa forma, também na Argentina, esquemas muito antiquados, de outra época, com nostalgia de outras épocas.

A atualização da esquerda ocorreu sim no Chile (Concertación) e Uruguai (Frente Amplio) e em parte no Brasil, com Lula (ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva), mas não nestes outros casos que mencionei. E ainda na Venezuela, na Nicarágua ou em Cuba. Mas os dois casos mais decepcionantes são México e Argentina. Agora temos que ver se as esquerdas latino-americanas podem aproveitar as crises econômicas provocadas pela pandemia e como também os democratas nos EUA giram à esquerda para entrarem num processo de modernização.

BBC News Brasil -Foram realizadas eleições municipais no Brasil e o Partido dos Trabalhadores (PT), dos ex-presidentes Lula e Dilma, teve um resultado fraco, principalmente em São Paulo, a maior cidade brasileira. O PT ficou em quarto lugar e o destaque, na esquerda, foi o candidato do PSOL para Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos (que perdeu para Bruno Covas, do PSDB, neste domingo). Na sua visão, o PT continua sendo um partido importante?

Castañeda - Eu acho que sim, mas também acho que desde que Lula saiu do governo, ocorreram condutas muito erráticas. Em muitos casos e de muitos aspectos. De Dilma (Rousseff) e de outros, como governadores. E acho que isso fez com que o PT perdesse muito de seu prestigio e de sua liderança. Os resultados em São Paulo de certa forma confirmam isso. Mas o assunto é se o PT pode se refazer, se reinventar, ou se vai continuar com a nostalgia do passado e que, claramente, não é atraente para muitos brasileiros.


Presidente eleito nos EUA, Joe Biden, durante discurso (Getty Images)

Discurso de Joe Biden sobre atenção especial às mudanças climáticas deve ser problema para governo Bolsonaro, aponta especialista

BBC News Brasil - O fato de a esquerda latino-americano tenha sido acusada de corrupção, como nos casos de Rafael Correa, do Equador, Cristina Kirchner, na Argentina, Lula e etc., também pode ter afetado estes resultados?

Castañeda - Em termos gerais, em toda a América Latina, claro que sim. E, inclusive, no caso do Chile que não é um país com grande tradição de corrupção, mas também ocorreram pequenos escândalos de corrupção (durante o governo da ex-presidente Michelle Bachelet). Na Venezuela, são grandes escândalos. E todos conhecemos os efeitos (de casos de corrupção) no Brasil, na Argentina e, inclusive, na Bolívia, com Evo Morales, no Equador, com Correa, e na Nicarágua com Daniel Ortega. E se todos se mantém amarrados ao passado, será difícil que as pessoas voltem a acreditar numa esquerda que, em muitos casos, deixou um legado de corrupção e também de má administração econômica. Acho que estes temas vão surgir constantemente. Por isso, a pandemia é uma oportunidade para que a esquerda dê uma nova formulação de como construir um estado de bem-estar na América Latina. Bem-estar que não existe, como a pandemia mostrou.

BBC News Brasil - Na sua visão, as esquerdas têm algum forma de responsabilidade diante da eleição de Bolsonaro?

Castañeda - Sempre que surge um líder autoritário, de extrema direita, racista, sexista, homofóbico e etc, quase sempre há, em alguma parte, uma responsabilidade da esquerda. No caso específico do Brasil não quero fazer um julgamento rigoroso porque não segui muito os fatos desde que Bolsonaro ganhou. Mas, claramente, quando isto acontece, em qualquer país, quase sempre a esquerda tem uma parte de responsabilidade

BBC News Brasil -O fato de Biden ter falado primeiro com o presidente do Chile, Sebastián Piñera, que é de direita, significa alguma coisa? Um jogo de cintura política de Biden? Ou o que significa na sua visão?

Castañeda - O lógico teria sido que Biden falasse com México, primeiro, junto com Canadá, e depois com o Brasil. Mas, bem, se o México e o Brasil não querem, e a Argentina é um assunto mais complicado... Por isso acho que ele falou com o presidente do Chile e não (necessariamente) com Sebastián Piñera. Ou seja, se a presidente chilena fosse Michelle Bachelet também teria falado com o presidente do Chile. Acho que para Biden o importante é o que Chile representa para a América Latina e não o governo de Piñera. Mas, sim, os últimos 30 anos e também o desafio de responder a um movimento social através de uma base institucional. Acho que Biden levou estes fatos em consideração.

BBC News Brasil -A América Latina está, digamos, condenada, e ainda mais agora com a pandemia, a não reagir contra seus problemas? É a região mais castigada com a desigualdade social e pobreza. O que acontece?

Castañeda - De fato foi a região mais afetada pela pandemia. Talvez as exceções tenham sido Uruguai e Costa Rica. Os demais a administraram muito mal. O México, o Brasil, mal, muito mal. A Argentina muito mal também, não sei se por sua culpa, mas muito mal também. É muito difícil que as situações não sejam bem administradas e depois esperar que não aconteça nada. Tudo tem consequências.


Para especialista, números da covid-19 em diversos países da América Latina ilustram os problemas enfrentados pelas administrações locais. (Foto: Fábio Teixeira / Anadolu Agency via Getty Images)

BBC News Brasil -O ex-presidente Barak Obama teve uma política de aproximação com Cuba. Havia uma preocupação com os imigrantes nos EUA e seus familiares na Ilha. O senhor acha que Biden seguirá esta mesma linha de Obama?

Castañeda - Acho que sim, mas também acho que será um assunto complexo para Biden. No caso de Cuba, da Venezuela, do Irã e dos imigrantes mexicanos, voltar a um estágio, sem levar em conta o período de Trump, vai ser muito difícil. Não vai ser fácil voltar ao acordo com Irã, como estava, suprimir todas as medidas migratórias de Trump para voltar a situação de Obama, suspender todas as sanções para os governantes venezuelanos e deixar de reconhecer a (Juan) Guaidó e etc.

E no caso de Cuba, voltar à normalização de Obama, exatamente como era, será muito difícil. Tudo isso será muito difícil porque vai significar ou significariam decisões unilaterais, controvertidas do ponto de vista de política interna dos EUA e, em alguns casos, com consequências complicadas para os EUA. Então, por exemplo, no caso de Cuba, há muito que pode ser feito, mas é preciso ver se será feito, unilateralmente, incondicionalmente, expondo-se a uma reação muito negativa na Flórida (imigrantes cubanos e com eleitorado de Trump) e afastando-se dos republicanos e dos conservadores ou se vai tentar voltar ao que Obama fez e pedindo aos cubanos alguns gestos novos e importantes que possam ir além do que foi acordado na época de Obama. Não sei. O que sei é que em qualquer uma das alternativas que falei, é difícil. Não é fácil ignorar Trump.

BBC News Brasil - Trump teve uma votação maior do que era esperada. E seria complicado contrariar esse eleitorado? Seria isso?

Castañeda - O eleitorado e, principalmente, alguns senadores importantes, de Estados importantes. Não é tão fácil, simplesmente, voltar (à época de Obama). Biden queria voltar ao acordo conjunto com Irã, como era, mas não acho que poderá. Existe Trump, os republicanos, Israel. São muito fatores.

Marcia Carmo, de Buenos Aires para a BBC News Brasil / 02.12.2020.


quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

O ‘cancelamento’ estatal e o Estado ‘lacrador’

O problema do presidente e asseclas nem é ideológico, é da ordem da cognição

Por Eugênio Bucci

Tem sido comum ouvirmos queixas sobre a prática do “cancelamento”. São procedentes. Na etiqueta sem etiqueta das redes sociais, o “cancelamento” consiste numa avalanche de turbas virtuais que, em questão de horas, derruba a lista de seguidores de uma pessoa e acaba com seu prestígio digital. Basta uma opinião fora da ortodoxia das turbas para o sujeito se expor ao “cancelamento”. Há exemplos diários. O “cancelado” é banido. Os que eram seus admiradores se convertem em seus “detratores” (guardemos essa palavra, pois ela vai nos pegar de tocaia alguns parágrafos adiante).

Trata-se de uma pena afetiva: “Ei, nós não gostamos mais de você, ponha-se daqui para fora!”. Podem sobrevir repercussões políticas e econômicas. Políticas porque o “cancelamento” destrói os laços virtuais pegajosos que davam popularidade à infeliz criatura “cancelada”, que se vê de repente degredada, como se tivesse sido expulsa do partido. As pessoas entram em depressão. E econômicas porque os influencers (e eu que achava que nunca escreveria tal barbarismo), que ganham dinheiro com o número de likes, engajamentos, retuítes e coraçõezinhos piscantes, perdem faturamento. As pessoas entram em inadimplência.

Estamos falando de um flagelo cultural. Escritores e intelectuais são vítimas desse empastelamento simbólico perpetrado por maiorias barulhentas, intolerantes e implacáveis.


Mas não se trata propriamente de uma novidade tecnológica. Parecerá incrível, mas Alexis de Tocqueville, que morreu em 1859, sem desfrutar os prodígios gozosos dos smartphones, anotou o germe de tudo isso em seu Democracia na América: “A maioria traça um círculo formidável em torno do pensamento. Dentro desses limites o escritor é livre, mas ai dele se ousar sair!”.


Portanto, a moda do “cancelamento” nada mais faz do que trazer a máxima de Tocqueville para os dispositivos interconectados que funcionam na velocidade da luz. Nos nossos dias, a tal América ocupa o epicentro dessa prática nefasta, seguida de perto pelo Brasil. Aqui, no entanto, além das pessoas físicas – de carne, osso, mas sem muita massa cinzenta –, a própria máquina de governo decidiu ingressar com estardalhaço no esporte de “cancelar” a reputação de cidadãos honestos.

Agora, nesta semana, o jornalista Rubens Valente, do UOL, descobriu e noticiou que uma agência de comunicação, a pedido do governo federal, preparou uma lista de 77 influencers (reincidi), entre os quais aparecem 44 jornalistas, e os dividiu em três grupos: os “detratores” (eis a palavra), que criticam o governo, os “neutros” e os “favoráveis” (que los hay, los hay). Pela legislação ordinária e pelos princípios constitucionais, o governo não pode discriminar cidadãos pela opinião que emitam, mas, como o atual governo não liga para a lei, promove discriminações a toda hora. A lista sugere que as autoridades adotem condutas diferentes para falar com uns e outros. Uns merecem “parcerias”. Quanto aos demais, bem, um pouco de “cancelamento” estatal talvez ajude.

Esse pessoal na Esplanada dos Ministérios não tem modos? Aliás, será que ninguém ali pensa? Aliás, de novo, o problema do presidente da República e de seus asseclas mais próximos não é nem ideológico – é da ordem da cognição. Há sentidos que eles não apreendem, independentemente de concordarem ou não com o postulado. Que conduzam os negócios públicos como se fizessem arruaça em redes sociais é apenas mais um sintoma da limitação cognitiva profunda.

O “cancelamento” estatal vem junto com o Estado “lacrador”. Expliquemos o adjetivo. Entre os adictos das redes, o termo “lacração” se refere àquele post ou àquela atitude performática que “causa”, mas “causa” muito, tipo “causa” assim demais, cara, você não tem ideia, e fere outras pessoas, mas, tipo assim, tudo bem. E daí? (Essa interrogação cairia bem de epitáfio.) O que conta é “lacrar”, tá ligado? O Estado “lacrador”, pilotado por “lacradores”, desconhece a diferença entre “curti” e “voto aprovado”. Lacra. Cancela.

Falando em diferenças não percebidas, o presidente não capta a que existe entre um gabinete clandestino que distribui calúnias anônimas e um órgão de imprensa registrado em cartório, que recolhe impostos, tem endereço certo e um diretor de redação com nome e CPF. Não é que, por motivações ideológicas, ele negue a distinção. Ele simplesmente não a alcança.

Em 28 de maio de 2020, na entrada do Palácio da Alvorada, quando protestou contra o inquérito do Supremo Tribunal Federal que desbaratou uma indústria ilegal de fake news e discursos de ódio, o presidente, sem querer, confessou que não tem ideia dessa diferença essencial para a democracia: “Querem acabar com a mídia que tenho a meu favor!”.

O governante brasileiro acha que as fake news são uma “mídia” como qualquer outra – e como usa as palavras “mídia” e “imprensa” como sinônimas, fica evidente: não consegue distinguir entre a mentira e a verdade factual, assim como não aprendeu o que separa a ditadura da democracia. Para ele, só o que conta é a histeria das redes e suas milícias digitais. Adeus, República. #cancelamentoestatal.

Eugênio Bucci, Jornalista, é Professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Publicado originalmente por O Estado de São Paulo, edição de 03.12.2020.

JORNALISTA, É PROFESSOR DA ECA-USP

Brasil supera marca de 175 mil mortes por covid-19

País registra 755 óbitos associados à doença em 24 horas, com mais de 50 mil infecções por coronavírus. Mundo ultrapassa total de 1,5 milhão de vítimas, com 65 milhões de casos desde o início da pandemia.

Brasil acumula mais de 175 mil mortes por covid-19 desde o início da epidemia no país

O Brasil registrou oficialmente 755 mortes ligadas à covid-19 e 50.434 casos confirmados da doença nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados nesta quinta-feira (03/12) pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) e pelo Ministério da Saúde.

Com o novo número, o total de infectados no país vai a 6.487.084, enquanto o total de óbitos chega a 175.270. Segundo o Ministério, 5.725.010 pacientes se recuperaram da doença. O Conass não divulga número de recuperados.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais de casos e mortes devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

São Paulo é o estado brasileiro mais atingido pela epidemia, com 1.267.912 casos e 42.637 mortes. O total de infectados no território paulista supera os registrados na maioria dos países do mundo, exceto Estados Unidos, Índia, Rússia, França, Espanha, Reino Unido, Itália, Argentina e Colômbia.

Minas Gerais é o segundo estado com maior número de casos, somando 428.790, seguido de Bahia (412.685), Santa Catarina (383.577), Rio de Janeiro (365.185) e Rio Grande do Sul (337.003).

Já em número de mortos, o Rio é o segundo estado com mais vítimas, somando 22.891 óbitos. Em seguida vêm Minas Gerais (10.187), Ceará (9.657), Pernambuco (9.098) e Bahia (8.336).

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 83,4 no Brasil, uma das dez mais altas do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino e Andorra.

A cifra brasileira só fica abaixo das registradas na Bélgica (148.06), Peru (112,43), Espanha (97,99), Itália (94,40), Reino Unido (89,93), Argentina (88,0), Macedônia do Norte (87.62) e México (85,24). 

A taxa brasileira também fica um pouco abaixo da registrada nos EUA (83,58), nação mais atingida pela pandemia no planeta.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 14 milhões de casos, e da Índia, com 9,5 milhões. Mas é o segundo em número de mortos, depois dos EUA, onde morreram mais de 275 mil pessoas.

A Índia, que chegou a impor uma das maiores quarentenas do mundo no início da pandemia e depois flexibilizou as restrições, é a terceira nação com mais mortos, somando mais de 138 mil.

Ao todo, quase 65 milhões de pessoas já contraíram o coronavírus no mundo, e mais de 1,5 milhão de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle, 03.12.2020

Covid-19 aumentará miséria em países mais pobres, alerta ONU

Pandemia causa pior recessão em 30 anos nas 47 nações menos desenvolvidas do planeta e pode levar à pobreza extrema até 32 milhões de pessoas, diz relatório da ONU

Mulher de véu e máscara protetora diante de ônibus amarelos

Situação nas nações menos desenvolvidas afeta as metas globais de saúde, educação e sustentabilidade, diz a UNCTAD

Em 2020, os países menos desenvolvidos do mundo (LDCs, na sigla em inglês) terão seu pior desempenho econômico em 30 anos devido à pandemia de covid-19, diz o relatório divulgado nesta quinta-feira (03/12) pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), órgão intergovernamental que busca promover a integração dos países em desenvolvimento na economia mundial.

No texto, intitulado Relatório dos Países Menos Desenvolvidos de 2020, a UNCTAD prevê que a queda dos níveis de renda, o desemprego generalizado e os crescentes déficits fiscais causados ​​pela pandemia podem levar até 32 milhões de pessoas à pobreza extrema nos 47 países considerados como "menos desenvolvidos" pela ONU.

Embora o impacto inicial do coronavírus na saúde tenha sido menos grave nesses países do que muitos temiam, o impacto econômico foi devastador, segundo o relatório. As previsões de crescimento econômico para esses países foram revisadas para baixo, de 5% para -0,4% entre outubro de 2019 e outubro de 2020, o que deve levar a uma queda geral na renda per capita de 2,6% em 2020.

"Os países menos desenvolvidos hoje estão passando pela pior recessão em 30 anos", escreve o secretário-geral da UNCTAD, Mukhisa Kituyi, no prefácio do documento. "Seus padrões de vida já baixos estão caindo. Suas taxas de pobreza teimosamente altas estão aumentando ainda mais, revertendo a lenta melhora que haviam alcançado antes da pandemia. O progresso em direção a avanços em nutrição, saúde e educação está sendo anulado por conta da crise."

Especialistas acreditam que a experiência anterior em lidar com epidemias, assim como com fatores demográficos, incluindo menor densidade populacional e uma população relativamente jovem, ajudou muitos dos países menos desenvolvidos a resistir aos primeiros meses do surto de covid-19. Mas a UNCTAD adverte que um aumento futuro na disseminação do coronavírus nesses países representaria um choque para os sistemas de saúde, que continuam subdesenvolvidos.

Vítimas da economia global

A recessão econômica global provavelmente teve um impacto maior nas economias desses países do que a retração do mercado doméstico. Uma grande queda na demanda global por produtos desses mercados causou uma queda nos preços das principais exportações. Os países cujas economias dependem fortemente da exportação de alguns produtos, como minerais, metais ou vestuários, sofreram choques particularmente graves, já que os preços e o volume do comércio exterior caíram repentinamente.

Uma crise econômica prolongada também pode causar perda de empregos permanente e ameaçar o empreendedorismo de uma forma que prejudicaria seriamente o potencial de produção futura nesses países, alerta o texto.

Gráfico com países menos desenvolvidos

Os níveis globais de pobreza e insegurança alimentar também devem aumentar, com crises temporárias de pobreza se prolongando. A proporção daqueles que vivem abaixo da linha de pobreza de 1,90 dólar (cerca de 9,90 reais) por dia nos países menos desenvolvidos deverá aumentar 3 pontos percentuais para 35,2%, representando mais 32 milhões de pessoas, conforme o relatório.

"Os países menos desenvolvidos empregaram seus limitados meios para conter a recessão, mas se encontram entre os mais atingidos por uma crise pela qual não são responsáveis, semelhante à sua situação em relação às mudanças climáticas", ressalta Kituyi. "Isto é uma injustiça que precisa ser corrigida."

Meta de desenvolvimento global em risco

A situação nessas nações representa um risco particular para as metas globais de saúde, educação e sustentabilidade, de acordo com a UNCTAD. As populações podem ser levadas implementar estratégias de enfrentamento da crise prejudiciais, incluindo a redução do consumo de alimentos saudáveis ​​e a retirada de seus filhos da escola.

Apoiar os países menos desenvolvidos será fundamental para alcançar as metas globais estabelecidas na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que visa alcançar um futuro sustentável e mais equitativo para a população global. Os objetivos incluem a erradicação da pobreza.

"Reconstruir essas economias na época pós-covid será especialmente difícil se suas capacidades de produção – já baixas antes da pandemia – não forem melhoradas", frisa o relatório. A capacidade produtiva de um país é sua capacidade de produzir bens e serviços e alcançar crescimento e desenvolvimento.

"Melhorar essa área permitirá que essas nações superem as barreiras estruturais que constituem a fonte de sua vulnerabilidade", argumenta a UNCTAD. Isso inclui pobreza generalizada, dependência excessiva de importações de bens e serviços essenciais e mercados de exportação excessivamente concentrados.

Para tanto, Kituyi pede à comunidade internacional que apoie essas economias vulneráveis ​​com um plano de ação que vise o desenvolvimento de capacidades produtivas nesses países. "Esta é a única maneira de garantir o desenvolvimento sustentável e superar os desafios de desenvolvimento de longo prazo dos países menos desenvolvidos", sublinha secretário-geral da UNCTAD.

Deutsche Welle, 03.12.2020

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Brasil tem 698 mortes por covid-19 em 24 horas

Ao todo, óbitos ligados ao coronavírus se aproximam de 175 mil. País registra ainda quase 50 mil novos casos em um dia, e total de infectados chega a 6,43 milhões.


Funcionários de cemitério em São Paulo enterram caixão

O Brasil registrou oficialmente 698 mortes ligadas à covid-19 e 49.863 casos confirmados da doença nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados nesta quarta-feira (02/12) pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) e pelo Ministério da Saúde.

Com o novo número, o total de infectados no país vai a 6.436.650, enquanto o total de óbitos chega a 174.515. Ao todo, 5.698.353 pacientes se recuperaram da doença, segundo o ministério. O Conass não divulga número de recuperados.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais de casos e mortes devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

São Paulo é o estado brasileiro mais atingido pela epidemia, com 1.259.704 casos e 42.456 mortes. O total de infectados no território paulista supera os registrados na maioria dos países do mundo, exceto Estados Unidos, Índia, Rússia, França, Espanha, Reino Unido, Itália, Argentina e Colômbia.

Minas Gerais é o segundo estado com maior número de casos, somando 424.155, seguido de Bahia (409.417), Santa Catarina (378.621), Rio de Janeiro (361.397) e Rio Grande do Sul (331.279).

Já em número de mortos, o Rio é o segundo estado com mais vítimas, somando 22.764 óbitos. Em seguida vêm Minas Gerais (10.121), Ceará (9.640), Pernambuco (9.802) e Bahia (8.315).

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 83,0 no Brasil, uma das dez mais altas do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino e Andorra.

A cifra brasileira só fica abaixo das registradas na Bélgica (146,96), Peru (112,43), Espanha (97,40), Itália (93,26), Reino Unido (88,96), Argentina (87,49), Macedônia do Norte (86,03) e México (84,61). Ainda supera a dos EUA (82,72), nação mais atingida pela pandemia no planeta.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 13,8 milhões de casos, e da Índia, com 9,4 milhões. Mas é o segundo em número de mortos, depois dos EUA, onde morreram mais de 272 mil pessoas.

A Índia, que chegou a impor uma das maiores quarentenas do mundo no início da pandemia e depois flexibilizou as restrições, é a terceira nação com mais mortos, somando 138 mil.

Ao todo, mais de 64,2 milhões de pessoas já contraíram o coronavírus no mundo, e 1,48 milhão de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle / 02.12.2020.

A dura travessia até 2022

Presidente sem partido, sem projeto e sem aliados é uma situação perigosa

Por Elio Gaspari

No meio de uma pandemia e de uma recessão, o Brasil ficou com um presidente sem partido, sem projeto e sem aliados. Para quem não gosta dele, pode ser motivo de alegria, mas daqui a pouco vai se perceber como é perigosa essa situação.

O capitão Bolsonaro nunca foi um admirador das instituições democráticas. Em dois anos, falando em “minhas Forças Armadas”, tentou armar conflitos com o Supremo Tribunal Federal e com o Congresso. Foi dissuadido, mas tentou. Tem um chanceler que se sente bem como “pária”. Sempre que pode, arruma confusão com a China. Atravessou a linha do Equador para escorregar na casca de banana da política americana. Falava em “menos Brasília e mais Brasil”, e nem a estatal do trem-bala conseguiu fechar. Prometia combater a corrupção, e até hoje seu governo não explicou a origem do edital que torraria R$ 3 bilhões, mandando computadores para escolas públicas. Uma delas receberia 117 laptops para cada um de seus 255 alunos. Registre-se que a girafa foi denunciada pela Controladoria-Geral de seu o próprio governo.

O que seria uma nova política tornou-se um reaparecimento do Centrão. É mais do mesmo. O novo resume-se ao fingimento daqueles que dizem acreditar na sua fidelidade.

A crise sanitária, os números da economia e o resultado da urnas mostraram que o negacionismo de Bolsonaro foi além das derrotas. Ele saiu de moda, mas ficará no Planalto, sem rumo. Presidente desorientado é coisa perigosa. Em julho de 1961, o tresloucado Jânio Quadros cogitava alguma aventura nas Guianas, onde existiria “intenso trabalho autonomista ou de emancipação nacional, com a presença de fortes correntes de esquerda, algumas, reconhecidamente, comunistas”.

Nos dias 23 e 24 de agosto, voltou à questão, dirigindo-se aos três ministros militares, referiu-se à ameaça do surgimento de uma “estrutura soviética” na Guiana Inglesa. No dia seguinte tentou a maluquice da renúncia.

Bolsonaro disse que a Covid era “gripezinha”, não acredita nas urnas eletrônicas e admitiu que uma empresa americana fosse capaz de desenvolver um projeto de transmissão de energia elétrica sem fios. Lá atrás, ele teve uma ideia que permitiria ao governo arrecadar bilhões. Era a legalização da jogatina e, em abril passado, o economista Paulo Guedes, com seu currículo de Chicago, endossou a sugestão. (Eles a ouviram de um bilionário americano numa suíte do Copacabana Palace, à qual chegaram entrando pela cozinha do hotel.)

A onda de 2018 tinha um componente de irracionalismo, que foi tolerado diante da soberba do comissariado petista. Em dois anos, Bolsonaro radicalizou a onda, tirou-lhe plumagem e saiu de moda, mas ainda não se produziu uma alternativa sólida. Apareceram sinais esparsos, mas eles só se juntam no respeito às instituições democráticas. É pouco, mas é o suficiente para conter aventuras e crises artificiais, até porque, em matéria de problemas, o Brasil tornou-se uma vitrine.

As crises artificiais podem ser barulhentas, mas destinam-se sempre a esconder os verdadeiros problemas. Como capitão e deputado do baixo clero, Jair Bolsonaro foi um mestre na fabricação desse tipo de episódios e, graças a isso, chegou aonde chegou e lá deverá continuar até o final de 2022.

Elio Gaspari, Jornalista e escritor. Este artigo foi publicado originalmente em O Globo, edição de 02.12.2020.

Voo cego e sem rumo

Mais inquietante que a piora das contas públicas é o fato de nenhum roteiro de reconstrução econômica ter sido apresentado

Mais inquietante que a piora das contas públicas, confirmada mês a mês por dados oficiais, é a indefinição do governo quanto a políticas de ajuste e de sustentação do crescimento. Ninguém consertará em um ano uma dívida igual ou superior a 95% do Produto Interno Bruto (PIB), mas nenhum roteiro de reconstrução econômica foi apresentado pela administração federal. É inútil cobrar do presidente qualquer esclarecimento, porque o assunto, como quase todos os temas ligados ao ato de governar, está obviamente fora de suas preocupações. Mas quem dará uma resposta, se nem sobre o Orçamento de 2021 há um acordo mínimo entre as autoridades?

Com ou sem estratégia governamental, os fatos seguem seu curso, e em quatro semanas acabará um dos anos mais desastrosos da história brasileira. O ano terminará, mas seus efeitos continuarão – e tanto piores, provavelmente, quanto menos planejado for o rumo da política econômica. Os números já divulgados dão ideia de como será o balanço de 2020.

Estropiadas pela pandemia, as contas públicas acumularam déficit de R$ 919,46 bilhões de janeiro a outubro, valor correspondente a 15,37% do PIB. Em um ano o rombo quase triplicou. Nos dez meses correspondentes de 2019 o déficit geral, de R$ 337,56 bilhões, havia sido equivalente a 5,65% do PIB, segundo relatório do Banco Central (BC).

Esse resultado resume o balanço mais amplo dos três níveis de governo e das estatais, excluídas Petrobrás e Eletrobrás. A soma inclui o custo dos juros. O valor geral corresponde, no jargão das finanças públicas, ao saldo nominal.

Excluídos os juros, obtém-se o resultado primário, correspondente ao saldo de receitas e despesas não financeiras, típicas do dia a dia da administração. O saldo primário do setor público, no período de janeiro a outubro, foi um déficit de R$ 632,97 bilhões, soma equivalente a 10,58% do PIB. O governo central acumulou nos dez meses saldo negativo de R$ 680,21 bilhões.

Dois dos componentes desse conjunto, o Tesouro Nacional e o BC, foram superavitários, mas o resultado final foi determinado pelo déficit de R$ 252,38 bilhões do INSS. O resultado primário do setor público foi ainda atenuado pelos saldos positivos de governos subnacionais e de estatais.

O buraco das contas públicas foi ocasionado, neste ano, principalmente pelas ações de enfrentamento da pandemia e por medidas de apoio à atividade e às famílias mais vulneráveis. Pelas contas do Tesouro, até outubro as ações de resposta à pandemia consumiram R$ 468,9 bilhões. Além dos gastos extraordinários e das facilidades fiscais, em parte já revertidas, também a baixa da atividade afetou a receita pública.

Pelos cálculos do Tesouro, de janeiro a outubro o governo central arrecadou R$ 1,17 trilhão, 11,2% menos que no ano anterior, descontada a inflação. A receita de outubro, de R$ 153,57 bilhões, foi, no entanto, 9,6% maior que a de um ano antes. A receita fiscal tem refletido a reação econômica iniciada em maio, depois da forte contração de março-abril. Com a retomada parcial da atividade, a arrecadação tributária tem melhorado. Além disso, impostos e contribuições diferidos no pior momento já estão sendo regularizados. Mas a recuperação, na atividade e no recolhimento de tributos, é ainda parcial.

O PIB deste ano deve ser 4,5% menor que o de 2019, segundo as projeções correntes no mercado e no setor público. O déficit primário do governo central deve chegar a R$ 844,3 bilhões, ou 11,7% do PIB, pelas novas estimativas do Tesouro. A dívida bruta do governo geral atingiu em outubro R$ 6,57 trilhões, 90,7% do PIB, com alta de 0,2 ponto porcentual em um mês. Em dezembro deverá estar em 95% do PIB, segundo cálculos correntes, e nos anos seguintes poderá superar 100%.

O financiamento dessa dívida poderá ficar complicado, se aumentar a insegurança em relação à política fiscal, e toda a economia será prejudicada. É urgente uma sinalização do governo a respeito de como pretende cuidar de suas contas e da atividade a partir de 2021. Já faz muita falta um plano de voo.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, edição de 02.12.2020

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Idosos acima de 75, profissionais de saúde e indígenas serão os primeiros vacinados contra covid

Previsão do ministério é que imunização comece em março e chegue até toda a população somente em dezembro de 2021

 Idosos acima de 75 anos, profissionais de saúde e indígenas serão os primeiros a ser vacinados contra a covid no País, segundo cronograma apresentado nesta terça-feira, 01, pelo Ministério da Saúde em reunião com um comitê de especialistas.

No encontro, a pasta informou ainda que a perspectiva é começar a vacinação contra a doença em março de 2021 e finalizar a campanha somente em dezembro, quando haveria doses suficientes para imunizar toda a população.

Uma possível vacina contra a covid-19 poderá ser aprovada se tiver eficácia mínima de 50%

Uma possível vacina contra a covid-19 poderá ser aprovada se tiver eficácia mínima de 50% Foto: Alex Silva/ Estadão

Segundo especialistas presentes na reunião, o ministério ainda considera como principal imunizante do SUS a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e a farmacêutica AstraZeneca, mas não descartou a compra de outros imunizantes.

Participaram da reunião mais de 70 especialistas tanto do ministério, Estados e municípios quanto de sociedades científicas.

Fabiana Cambricoli, O Estado de S.Paulo / 01 de dezembro de 2020 

Politização da Justiça e ativismo judicial

Independência e harmonia dos Poderes são indispensáveis ao Estado de Direito

 Por Ruy Martins Altenfelder Silva

Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu, nasceu em 18 de janeiro de 1689 em Bordeaux, na França, e morreu em 10 de fevereiro de 1775 em Paris. Foi político, filósofo e escritor. Ficou famoso por sua teoria da separação dos Poderes, incluída em muitas Constituições mundo afora, como a brasileira.

A teoria da tripartição dos Poderes do Estado foi desenvolvida por Montesquieu no livro O Espírito das Leis, escrito em 1748. O autor partia das ideias de John Locke, cerca de um século antes. A tese da existência de três Poderes remonta a Aristóteles. Montesquieu dividiu os Poderes separando-os em Executivo, Judiciário e Legislativo.

A Constituição brasileira de 1988, em seu artigo 2.º, dispõe que os Poderes são independentes e harmônicos entre si, tornando tal disposição cláusula pétrea.

A tríade una do poder do Estado está constituída pelo Poder Legislativo, competente, em razão do poder constitucionalmente outorgado pelo povo, para elaboração das leis que regerão a Nação; pelo Poder Executivo, exercido por pessoas escolhidas pelo povo e encarregado da gestão administrativa do Estado, do controle e administração das finanças, da segurança, da saúde, da educação e do desenvolvimento do Estado; e o Poder Judiciário, que tem a competência de interpretar e aplicar as leis e fazer cumprir as suas decisões, garantindo a eficácia do Direito e da ordem jurídica.

O poder político institucional do Estado é uno, embora dividido em três unidades que devem dar efetividade às suas respectivas competências e funções de forma autônoma e independente, harmônica, confluindo todas as particulares ações para o bem-estar social, concorrendo para a paz e a segurança da sociedade, assegurando, assim, a unicidade do poder.

O excesso de demandas levadas à Justiça acarreta a conduta ativa do Poder Judiciário (judicialização da política e politização da Justiça). A atuação expansiva e proativa do Poder Judiciário ao interferir em decisões dos outros Poderes (Legislativo e Executivo) pode ser caracterizada e mesmo definida como ativismo judicial.

O ativismo judicial pode ser considerado como um fenômeno jurídico, uma postura positiva do Judiciário nas opções políticas dos demais Poderes. O protagonismo do Judiciário, notadamente no Supremo Tribunal Federal (STF), pode ser classificado como “ativismo judicial”.

A edição do Estado do último dia 26 de outubro publicou, na primeira página, sob o título Supremo tem dez liminares valendo há mais de 5 anos, matéria do competente jornalista Breno Pires noticiando que o Supremo Tribunal Federal necessita de um esforço concentrado para poder acabar com uma pilha de liminares pendentes de julgamento. O jornal identificou decisões monocráticas, tomadas por relatores há mais de cinco anos, suspendendo desde resoluções, a leis estaduais e federais, até emendas à Constituição.

Todas em pleno vigor por decisão de um único ministro e que até hoje nem sequer começaram a ser julgadas pelo plenário do Supremo Tribunal.

São 65 liminares concedidas por um único julgador, pendentes de julgamento pelo plenário, caracterizando o que tecnicamente pode ser classificado como “ativismo judicial”. Por isso a desmonocratização anunciada pelo ministro Luiz Fux, que assumiu recentemente a presidência da Suprema Corte, é bem vista pelos que estudam e participam da vida judiciária.

Uma das ideias é que todas as liminares sejam levadas ao chamado plenário virtual imediatamente após tomadas. Dependeria disso a validade da decisão do ministro relator. Isso valeria não apenas daqui para a frente, mas também para decisões monocráticas antigas. Uma das mais antigas e de grande repercussão foi a que garantiu o pagamento de auxílio-moradia e que até hoje aguarda julgamento do plenário.

Em outra liminar que alcança o Poder Legislativo, o ministro Dias Toffoli decidiu que em casos de eventual vacância no Senado Federal, por cassação pela Justiça Eleitoral da chapa eleita, o candidato imediatamente mais bem votado na eleição assume o cargo interinamente, até que seja empossado o senador eleito em pleito suplementar. A decisão é de 31 de janeiro deste ano, em ações apresentadas à Suprema Corte, diante da cassação do mandato da senadora Selma Arruda pela Justiça Eleitoral.

Além dessas, outras decisões antigas de igual repercussão aguardam julgamento pelo plenário.

Uma das mais emblemáticas se refere à distribuição dos royalties do petróleo. O STF é órgão colegiado e, como tal, suas decisões devem privilegiar decisões conjuntas, reduzindo o risco de insegurança jurídica derivada de entendimentos que abalam a credibilidade do próprio Poder Judiciário.

Independência e harmonia dos Poderes são indispensáveis para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito e, consequentemente, para o País.

Ruy Martins Altenfelder Silva, advogado, é Presidente da Academia Paulista de Letras e do Conselho Superior de Estudos Avançados. Este artigoi publicado originalmente em O Estado de São Paulo, ediçao de 01.12.2020.

Um novo e positivo cenário

Ao rechaçar extremismos ideológicos e optar por candidaturas de centro, o eleitor deu uma eloquente manifestação de confiança na política

O resultado das eleições de 2020 sinaliza uma mudança significativa do eleitorado em relação às escolhas feitas em 2018. Ao rechaçar extremismos ideológicos e optar por candidaturas de centro, o eleitor deu uma eloquente manifestação de confiança na política. Naturalmente, é ainda muito cedo para traçar prognósticos para o cenário eleitoral de 2022 ou para listar os principais candidatos da próxima disputa presidencial. A importância do pleito de 2020 não reside em suas eventuais consequências sobre as eleições de 2022. Tanto no primeiro turno como no segundo, o que se destacou – e é extremamente positivo para a democracia – foi a maturidade do eleitor.

O resultado das eleições de 2020 revela, de forma contundente, um eleitor capaz de repensar escolhas políticas feitas em um passado recente, em especial, as propostas do bolsonarismo e as do lulopetismo. O eleitorado mostrou-se inclinado a superar a visão da política como terra arrasada pela corrupção, que, de tão difundida por integrantes da Lava Jato, chegou a ganhar nome correspondente: o lavajatismo.

Aos que anunciaram, depois das eleições de 2018, a morte da chamada política tradicional, o pleito deste ano mostrou que velhos partidos políticos podem ainda ter especial força e representação. Quando são capazes de apresentar candidatos e propostas consistentes, legendas há muito conhecidas continuam tendo apelo entre os eleitores. Basta ver que os cinco maiores partidos, em porcentual do eleitorado governado por seus prefeitos, foram PSDB, MDB, DEM, PSD e Progressistas (ex-PP).

O PSDB elegeu 533 prefeitos, que governarão cerca de 17% do eleitorado a partir de 2021. Em seguida está o MDB, cujos prefeitos eleitos governarão cerca de 13% da população. Além de ser campeã em número de prefeituras conquistadas (803 ao todo), a legenda conquistou neste ano cinco capitais: Porto Alegre, Goiânia, Teresina, Boa Vista e Cuiabá.

Outro destaque das eleições de 2020 foi o DEM, partido com maior crescimento em número de prefeitos eleitos. Em 2016, conquistou 277 prefeituras. Agora, foram 476, a representar cerca de 12% do eleitorado. A principal vitória do antigo PFL ocorreu na cidade do Rio de Janeiro. No segundo turno, o ex-prefeito Eduardo Paes ganhou do prefeito Marcelo Crivella, que tentava a reeleição com o apoio do presidente Jair Bolsonaro. O DEM ganhou ainda as prefeituras de Salvador, Curitiba e Florianópolis.

O PSD e Progressistas também cresceram nas eleições deste ano. Junto ao DEM, os três partidos devem governar quase um terço do eleitorado (32%). Em 2016, as prefeituras conquistadas pelas três legendas representavam cerca de 17% do eleitorado.

Esses resultados contrastam com os números do bolsonarismo e do lulopetismo. Ao longo da campanha eleitoral, o presidente Bolsonaro pediu voto para 16 candidatos a prefeito. Apenas quatro se elegeram – Tião Bocalom em Rio Branco (AC), Roberto Naves em Anápolis (GO), Gustavo Nunes em Ipatinga (MG) e Mão Santa em Parnaíba (PI). O PSL elegeu 92 prefeitos (1,3% do eleitorado).

Além da rejeição ao bolsonarismo, houve também o inédito sumiço do PT na gestão das capitais. A partir do ano que vem, nenhuma das 27 capitais do País será governada por um prefeito petista, fato que nunca tinha ocorrido desde a redemocratização. Nos próximos quatro anos, os prefeitos eleitos do PT deverão governar cerca de 3% do eleitorado. Trata-se de uma situação muito diferente da que se viu anos atrás. Nas eleições de 2012, por exemplo, o partido de Lula foi o campeão no ranking de prefeitos por porcentual de eleitorado, com mais de 19%.

As eleições de 2020 confirmam, assim, que para superar um extremismo ideológico não é preciso inventar outro extremo. Não é necessário o bolsonarismo para vencer o lulopetismo ou vice-versa. A política pode e deve oferecer outras soluções, mais viáveis e mais responsáveis. E, como se viu nos resultados dos dois turnos, o eleitor está atento a essas outras opções. Há amplo espaço para a política.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, 01 de dezembro de 2020 

Casos e mortes por coronavírus no Brasil em 1° de dezembro

País tem 173.229 óbitos e 6.344.345 diagnósticos de Covid-19, segundo levantamento junto a secretarias estaduais de Saúde.

Brasil tem média de 35,4 mil casos de Covid por dia na última semana.

Desde o balanço das 20h de segunda-feira (30), 6 estados atualizaram seus dados: CE, GO, MG, MS, PE e TO.

Veja os números consolidados:

173.229 mortes confirmadas

6.344.345 casos confirmados

Na segunda-feira, às 20h, o balanço indicou: 173.165 mortes confirmadas, 317 em 24 horas. Com isso, a média móvel de mortes no Brasil nos últimos 7 dias foi de 518. A variação foi de -7% em comparação à média de 14 dias atrás, indicando tendência de estabilidade nas mortes por Covid, quando não há aumento ou queda significativos.

Em casos confirmados, desde o começo da pandemia 6.336.278 brasileiros já tiveram ou têm o novo coronavírus, com 22.622 desses confirmados no último dia.

A média móvel nos últimos 7 dias foi de 35.468 novos diagnósticos por dia, a maior desde 6 de setembro --quando chegou a 39.356. Isso representa uma variação de 20% em relação aos casos registrados em duas semanas, o que indica tendência de alta nos diagnósticos.

Brasil, 29 de novembro

Oito estados apresentaram alta na média móvel de mortes: Santa Catarina, Espírito Santo, Acre, Amazonas, Rondônia, Ceará, Pernambuco e Sergipe.

Também vale ressaltar que há estados em que o baixo número médio de óbitos pode levar a grandes variações percentuais. Os dados de médias móveis são, em geral, em números decimais e arredondados para facilitar a apresentação dos dados.

Estados

Subindo (8 estados): SC, ES, AC, AM, RO, CE, PE e SE

Em estabilidade, ou seja, o número de mortes não caiu nem subiu significativamente (7 estados): PR, RS, RJ, AP, PA, BA e MA

Em queda (11 estados + DF): MG, SP, DF, GO, MS, MT, RR, TO, AL, PB, PI e RN

Essa comparação leva em conta a média de mortes nos últimos 7 dias até a publicação deste balanço em relação à média registrada duas semanas atrás (entenda os critérios usados pelo G1 para analisar as tendências da pandemia).

Por G1 / 01/12/2020 13h06


Biden confia o comando da recuperação da economia a uma equipe dominada por mulheres

A diversidade, a experiência e o foco no emprego caracterizam os escolhidos pelo presidente eleito dos EUA para pilotar a crise


Neera Tanden, escolhida para dirigir o Escritório de Administração e Orçamento dos EUA, em foto de 2016, na Filadélfia.

As contas do Governo Biden, assim como sua voz, serão femininas. O presidente eleito dos Estados Unidos completou nesta segunda-feira suas equipes econômica e de comunicação, e ambas terão presença majoritária de mulheres nos altos cargos. As nomeações incluem várias mulheres de diversas origens, em linha com a promessa do próximo presidente democrata de formar um Governo que reflita a sociedade norte-americana.

Na equipe à qual Biden vai entregar a tarefa da recuperação de uma economia abalada pela pandemia, além da prestigiada economista e ex-presidente do Federal Reserve Janet Yellen para secretária do Tesouro, cuja nomeação foi anunciada na semana passada, estará também Neera Tanden, filha de imigrantes indianos e presidente do progressista Center for American Progress. Ela será a primeira mulher não branca a chefiar o influente Escritório de Administração e Orçamento, órgão encarregado de auxiliar o presidente a atingir seus objetivos políticos, orçamentários, regulatórios e de gestão. Cecilia Rouse, reitora da Escola de Políticas Públicas de Princeton, será a primeira mulher afro-americana à frente do Conselho de Consultores Econômicos. Os outros dois membros do conselho, que desempenha papel fundamental no assessoramento do presidente em questões econômicas, serão os economistas Heather Boushey e Jared Bernstein.

Tanto Rouse como Tandem têm ampla experiência pública, tendo servido nas duas últimas Administrações democratas (Bill Clinton e Barack Obama). Este também é o caso de Brian Deese, eleito para chefiar o Conselho Econômico Nacional, e Wally Adeyemo, indicado por Biden para ser o adjunto de Yellen no Departamento do Tesouro (ele será o primeiro afro-americano no cargo). Deese foi assessor de Obama e Adeyemo também fez parte dessa Administração e, depois, chefiou a organização sem fins lucrativos do ex-presidente.

Outra característica compartilhada por vários dos nomeados para a equipe econômica, como Yellen, Rouse, Bourshey e Bernstein, é a especialização em políticas de emprego. Além da diversidade e da experiência, com essas escolhas o presidente eleito manda uma terceira mensagem: a política econômica de seu Governo terá como foco o emprego como motor do crescimento econômico.

Os anúncios nesse campo se somam aos deste domingo para a equipe de comunicação da Casa Branca, cujos sete principais postos serão ocupados por mulheres. Jennifer Psaki, uma veterana da Administração Obama, terá o papel mais visível como secretária de imprensa. Kate Bedingfield, assessora de longa data de Biden e também durante a campanha, é a escolhida para ser diretora de comunicações. Será a primeira vez que a cúpula da equipe encarregada de falar em nome do presidente e de dar forma a sua mensagem será formada inteiramente por mulheres.

PABLO GUIMÓN, EL PAIS /  Washington - 30 NOV 2020