sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Eleições nos EUA: o que o Brasil ganhou e perdeu com a proximidade entre Bolsonaro e Trump

Em 16 de maio de 2019, quando visitava a cidade de Dallas, nos Estados Unidos, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, adaptou seu tradicional bordão para o seguinte: "Brasil e Estados Unidos acima de todos", disse. Além disso, no mesmo evento comercial, o mandatário brasileiro bateu continência para a bandeira americana.

Meses depois, em setembro do mesmo ano, Bolsonaro demonstrou seu apreço por Donald Trump, em um evento em Nova York. "Eu te amo", disse o brasileiro, em um momento registrado pelas câmeras. O presidente americano, no entanto, não foi tão carinhoso e respondeu apenas: "Bom te ver de novo". Por outro lado, Trump já afirmou que Bolsonaro e ele são "grandes amigos".

As derrotas diplomáticas que o Brasil pode ter aceitado para ajudar Trump a se reeleger

Mas a gestão Bolsonaro defende que a aproximação de agendas dos países não é resultado apenas da simpatia mútua entre a dupla de políticos, mas o reconhecimento de que a relação até então morna com os americanos representava uma oportunidade desperdiçada de aumentar o fluxo de negócios bilaterais e a influência política brasileira na América Latina.

Mas até que ponto a dita amizade entre Trump e Bolsonaro de fato se reverteu em benefícios para o país latino-americano? Em quais pontos houve avanços e quais outros o Brasil saiu perdendo?

1 - Assimetria e política de imigração

Para Felipe Loureiro, professor e coordenador do curso de Relações Internacionais da USP, a relação entre Brasil e Estados Unidos nos dois últimos anos, com Trump e Bolsonaro no poder, pode ser classificada como "assimétrica".

"É assimétrica porque Brasil cedeu de maneira concreta em vários setores, mas recebeu em troca apenas promessas", afirma. "O governo Trump fez pouquíssimas concessões, de modo que o Brasil ganhou muito pouco nesse período."

Um desses pontos citados pelo acadêmico foram as políticas de visto e imigração. Enquanto Bolsonaro extinguiu a necessidade de visto para turistas americanos entrarem no Brasil, Trump não fez o mesmo nem anunciou qualquer mudança sobre as ações contra imigrantes brasileiros que estejam de maneira clandestina nos Estados Unidos. Pelo contrário: aviões fretados pelo governo brasileiro trouxeram centenas de imigrantes de volta ao país.

Em 2019, ao anunciar a medida sobre o visto, Bolsonaro justificou sua decisão afirmando que "americanos não vêm ao Brasil em busca de emprego". "Agora, alguém tem que estender os braços em primeiro lugar, estender as mãos em primeiro lugar, e fomos nós. Creio que podemos ganhar muito na questão do turismo", disse o presidente.

Para Loureiro, não houve reciprocidade dos Estados Unidos depois da decisão de Bolsonaro. "O governo brasileiro alegou que o fim da necessidade de visto aumentaria os investimentos e fluxo de turistas americanos ao Brasil. Isso não aconteceu na escala que foi anunciada, levando-se em conta o contexto da pandemia", afirma.

"O Brasil cedeu nesse ponto, e recebeu apenas uma promessa de revisão da política de imigração para os brasileiros, mas isso não se verificou. Muito pelo contrário: a política de imigração do governo Trump para latino-americanos é muito dura, e desrespeita a acordos internacionais que regem questões básicas de direitos humanos", completa Loureiro.

Bolsonaro já afirmou 'amar' Trump, mas não foi retribuído pelo americano

2 - Base de Alcântara, acordos comerciais e militares

Durante a visita de Bolsonaro aos Estados Unidos, em março de 2019, os dois governos anunciaram um acordo que prevê o uso pelos EUA do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão.

O governo Bolsonaro afirmou que o acordo estimulará o desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro e poderá gerar investimentos de até R$ 1,5 bilhão na economia nacional.

Críticos do pacto apontaram, porém, possíveis entraves à transferência de tecnologias para o Brasil, riscos à soberania nacional e efeitos nocivos para moradores de Alcântara, entre os quais remoções de comunidades quilombolas.

"Na minha visão, esse é um acordo assimétrico em que o Brasil cedeu muito, sem ter muita certeza do que ganhará em troca. Além da remoção forçada de comunidade tradicionais, o Brasil pode perder o direito ao acesso a uma parte do próprio território. Porém, apesar da assinatura, o acordo pouco evoluiu nos últimos meses", explica a analista Maiara Folly, diretora de programas e cofundadora da Plataforma Cipó, dedicada a análises sobre clima, paz e cooperação internacional.

Centro de Lançamento de Alcântara

Outro ponto celebrado por Bolsonaro foi um acordo de cooperação na área de equipamentos militares, assinado em março deste ano, pouco antes da pandemia de covid-19.

Segundo pronunciamento do Ministério da Defesa na época, o objetivo do projeto é "abrir caminho para que os dois governos desenvolvam futuros projetos conjuntos alinhados com o mútuo interesse das partes, abrangendo a possibilidade de aperfeiçoar ou prover novas capacidades militares".

Para Felipe Loureiro, da USP, o projeto pode ser bom para o Brasil. "Apesar de ter pouca coisa concreta até agora, não há dúvida de que ele pode ser benéfico se viabilizar a oferta de novos equipamentos, além de um modernização do setor no Brasil", diz.

Neste mês, Brasil e EUA também assinaram três acordos comerciais depois de meses de negociações.

Os termos preveem abolição de algumas barreiras não-tarifárias no comércio bilateral: a simplificação ou extinção de procedimentos burocráticos, conhecida no jargão empresarial como facilitação de comércio, a adoção de boas práticas regulatórias, que proíbem, por exemplo, que agências reguladoras de cada país mudem regras sobre produtos sem que exportadores do outro país possam se manifestar previamente, e a adoção de medidas anticorrupção.

3 - Entrada do Brasil na OCDE

Em 2019, o governo Bolsonaro fez uma série de concessões em troca do apoio dos Estados Unidos à entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A entidade, com sede em Paris, foi criada em 1961 e reúne 36 países-membros, a maioria economias desenvolvidas, como Estados Unidos, Japão e países da União Europeia. A organização é vista como um "clube dos ricos", apesar do ingresso de vários emergentes. Chile e México são os únicos representantes da América Latina.

Esse "fórum internacional" realiza estudos e auxilia no desenvolvimento de seus países-membros, fomentando ações voltadas para a estabilidade financeira e a melhoria de indicadores sociais.

Entre as concessões feitas por Bolsonaro, houve uma com maior potencial de impacto econômico: a renúncia do Brasil ao tratamento diferenciado, como país em desenvolvimento, nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC).

O tratamento diferenciado prevê benefícios para países emergentes em negociações com nações ricas. O Brasil tinha, por exemplo, mais prazo para cumprir determinações e margem maior para proteger produtos nacionais.


Para Maiara Folly, a retirada desse status foi prejudicial ao Brasil. "Há também um aspecto simbólico nessa medida, que tem a ver com a identidade da política externa brasileira. O Brasil tendia a se posicionar como um líder do mundo em desenvolvimento, o que garantia a liderança em discussões importantes, como combate à pobreza, questões ambientais, quebra de patentes e de direito intelectual. O Brasil era sempre uma voz ser ouvida, o que não ocorre mais", diz.

Inicialmente, os Estados Unidos afirmaram que iriam apoiar a entrada da Argentina na OCDE, posição reformulada no início deste ano, a favor do Brasil. Porém, ainda não se sabe quando o país vai entrar definitivamente na entidade, pois existe a dependência do apoio de outros membros do grupo.

4 - Exportação de aço e alumínio

No setor de siderurgia, Donald Trump também não favoreceu o Brasil. Essa área é bastante sensível para o governo do Partido Republicano, que foi pressionado por siderúrgicas locais a barrar as importações do produto de outros países, principalmente do Brasil.

Nos últimos dois anos, Trump ameaçou sobretaxar o aço e alumínio do Brasil, prejudicando os exportadores brasileiros e favorecendo a produção local. Nas redes sociais, o presidente ainda acusou o governo Bolsonaro de desvalorizar o real de propósito para colher mais lucros com as exportações da matéria-prima.

Em agosto deste ano, já em campanha pela reeleição, Trump reduziu a cota de exportações do aço semi-acabado do Brasil. Segundo Trump, a medida foi tomada porque houve mudanças significativas no mercado de aço americano, que se se contraiu em 2020.

O governo brasileiro não criticou a medida, o que foi visto por analistas como mais um indício do apoio de Bolsonaro à reeleição do republicano.

No geral, as exportações de produtos brasileiros caíram 25% no acumulado de janeiro a setembro deste ano em relação ao mesmo período de 2019, o menor patamar em 11 anos.

"Há uma influência da pandemia nessa queda, mas essa desaceleração das exportações para os EUA já vinha acontecendo nos últimos anos. Não dá para culpar apenas a pandemia", diz José Augusto de Castro, presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).

5 - A China e o 5G

O 5G é outro ponto de influência de Trump sobre o governo brasileiro, que terá de decidir como implementar a nova tecnologia em meio a uma das disputas mais acirradas da guerra comercial entre Estados Unidos e China. Um dos principais concorrentes do 5G no Brasil é a empresa chinesa Huawei.

À primeira vista, o 5G é apenas uma atualização dos sistemas de 4G já existentes no Brasil — o uso de frequências de rádio outorgadas pelo governo a operadoras de telefonia móvel para transmissão de dados digitais. Mas na prática ele será muito mais do que isso. A velocidade esperada nas conexões é da ordem de 10 a 20 vezes maior do que a tecnologia anterior.

Em qualquer cenário, as decisões sobre um leilão dessa magnitude — que será o maior já realizado no Brasil e um dos maiores do mundo — já seriam polêmicas e difíceis.

Mas o governo Bolsonaro vem sendo pressionado pelas duas superpotências mundiais. Donald Trump chegou a falar abertamente, em julho, que está em campanha contra os chineses na questão.

Nos últimos anos os EUA iniciaram uma ofensiva contra a Huawei, que, segundo os americanos, representa um perigo de segurança nacional aos países que comprarem seus equipamentos.

A acusação é baseada na seguinte lógica: se toda a sociedade estiver interconectada usando equipamento de uma empresa chinesa — o que incluiria sistemas de trânsito, de comunicação ou até mesmo de eletrodomésticos "inteligentes" dentro dos nossos lares — todos nós estaríamos vulneráveis a espionagem pelo governo da China.

A Huawei é uma empresa privada, mas uma lei de segurança aprovada pela China em 2017 permite, em tese, que o governo de Pequim exija dados de companhias privadas, caso a necessidade seja classificada como importante para soberania chinesa.

A China nega todas as acusações e diz que o único interesse dos EUA é minar o crescimento tecnológico chinês, que vem fazendo face aos americanos.

Os Estados Unidos querem que o Brasil adote uma licitação que exclua o uso de equipamentos da Huawei por parte das operadoras — algo que já foi adotado em outros países do mundo, como Reino Unido, Japão e Austrália.

"A relação entre Brasil e Estados Unidos, muitas vezes com um caráter de subserviência e automático por parte do governo brasileiro, tem causado muitos desgastes com a China, que é nosso principal parceiro comercial desde 2009. Seria muito bom se o Brasil conseguisse encontrar um equilíbrio para manter uma boa relação com os dois países, mantendo uma postura de independência", diz Maiara Folly.

6 - Covid-19 e meio ambiente

Durante a pandemia de covid-19, Bolsonaro teve posturas semelhantes ao de seu colega americano. Ambos apostaram na cloroquina como tratamento para a doença, mesmo sem provas científicas de que o medicamento era eficaz e mesmo ante indícios de que seus efeitos colaterais poderiam ser graves.

Trump e Bolsonaro também desdenharam repetidas vezes o poder destrutivo da doença, embora ambos tenham adoecido. Estados Unidos e Brasil são hoje os países do mundo com maior número de mortos pelo coronavírus, com 231,6 mil e 160 mil vítimas fatais, respectivamente (até esta terça, 3/11).

Na área do meio ambiente, os dois políticos também são vistos como negacionistas e negligentes — ou seja, eles negam informações científicas e evidências comprovadas do alcance das mudanças climáticas e da destruição de florestas, como a Amazônia.

Se de um lado Trump saiu do Acordo de Paris, tratado que cria regras e medidas para redução de gases de efeito estufa, do outro Bolsonaro culpou, sem provas, ONGs de defesa do meio ambiente e até indígenas pelo crescimento exponencial das queimadas na Amazônia em seu governo.

Para Felipe Loureiro, a imagem internacional do Brasil hoje, em função do descaso com o meio ambiente, tem mais relevância por questões negativas do que positivas.

"A questão do meio ambiente é muito importante e vai ser o tema principal da agenda internacional nos próximos anos. Se o Brasil não fizer a lição de casa, a tendência é que exista ainda mais pressão por boicote de empresas brasileiras no exterior e até sanções econômicas", explica o professor da USP.

Para José Augusto de Castro, da Associação de Comércio Exterior do Brasil, uma eventual vitória de Joe Biden nas eleições desta terça-feira criaria ainda mais pressão sobre o governo brasileiro na pauta ambiental. "Biden já se posicionou sobre isso. Quando falamos de meio ambiente, falamos de agronegócio. O Brasil vai precisar rever suas posições para não ficar cada vez mais isolado", diz.

Já Maiara Folly, da Plataforma Cipó, cita que as posições de Bolsonaro em relação à destruição do meio ambiente, além de postura reativa a questões de direitos humanos, "transformaram o Brasil em um Estado pária, arranhando a imagem do país" na comunidade internacional.

"Bolsonaro cultivou uma relação personalista com Trump, e não fez isso com o Partido Democrata. Não acredito que o Biden, caso vença como indicam as pesquisas, vá tomar uma atitude drástica em relação ao Brasil logo no começo. Mas, se o Brasil for um empecilho na questão ambiental, que é um das principais plataformas dos democratas, é possível que haja muitas tensões entre os dois países", diz.

Fonte: BBC News Brasil.


Com comida estragando e usando água da chuva, moradores do Amapá relatam desespero: 'Estamos abandonados'

Moradores de Macapá fazem fila em posto de gasolina para conseguir água em meio a apagão, em 6 de novembro

Moradores de Macapá, capital do Amapá, relataram à BBC News Brasil uma situação caótica no quarto dia sem energia elétrica na cidade: comida estragando na geladeira, falta de água nas torneiras e filas quilométricas para sacar dinheiro vivo e abastecer o carro.

"Estamos abandonados e desesperados. Não tem como esperar 10 ou 15 dias para essa situação se resolver", diz Luccas Cavalcante, de 20 anos, estudante de Direito.

A queda de energia, provocada por um incêndio em uma subestação na capital, ocorreu na noite de terça-feira (03/11) e atingiu 13 das 16 cidades do Estado.

O que causou o apagão que leva sede e caos ao Amapá

Em pronunciamento na sexta-feira (06/11), o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, afirmou que o restabelecimento dos 100% de energia elétrica no Amapá é "complexo" e deve demorar pelo menos dez dias.

Além disso, como máquinas de cartão de crédito e débito estão desligadas no comércio, milhares de pessoas esperam horas em frente aos poucos estabelecimentos com caixas eletrônicos que funcionam por meio de geradores — um deles está no aeroporto internacional de Macapá, lotado de pessoas em busca de dinheiro.

Calor e falta d'água

No bairro Jardim Marco Zero, zona sul da capital, a energia de algumas ruas foi retomada, mas a área onde vive o universitário Luccas Cavalcante segue às escuras. Ele tem ido a casas de amigos para conseguir carregar os celulares de sua família, além de buscar água e alimentos.

"Em casa nós perdemos toda a comida que havia na geladeira. Estamos usando água da chuva ou pegando de alguns moradores que têm poço artesiano. Também há uma única torneira funcionando, da empresa de saneamento, mas a água vem barrenta e não dá para beber", explica.

O estudante conta que, na noite de ontem, ficou duas horas na fila de um dos poucos postos de gasolina que estão abastecendo veículos. "Mas, em outros postos, mais centralizados, há pessoas esperando até oito horas para conseguir abastecer", diz.

Já no bairro Renascer, o estudante Adelton Almeida Filho, de 20 anos, conta que sua família está buscando água potável em uma loja próxima, onde há uma torneira em funcionamento.

É com ela que a família toma banho, cozinha e mata a sede. "Temos poço em casa, mas, como não tem energia, não conseguimos bombear a água", diz.

Segundo ele, moradores do bairro que têm energia elétrica fornecida por geradores, estão disponibilizando água a vizinhos. "Os supermercados aumentaram muito o preço da água mineral, para lucrar. Um galão de cinco litros está custando R$ 12, e antes custava R$ 5 ou R$ 6", reclama.

O estudante conta que vários moradores de Renascer estão dormindo nos carros à noite, em virtude do calor. "Está muito quente na cidade e muita gente não está conseguindo dormir dentro de casa, sem ar-condicionado", explica.

O bancário Edson Azevedo dos Anjos, 57, enfrenta o mesmo problema. "Nossa comida comida já estragou, jogamos fora. Uma parte que ainda estava boa, dividimos com os vizinhos para não estragar também. Graças a Deus aqui temos um vizinho com poço artesiano, e ele consegue passar de vez em quando alguma água para nós", explica.

Ele conta que ontem ficou cinco horas na fila do posto de gasolina para conseguir abastecer o carro. 

"Também ficamos sem comunicação, os celulares e a internet não estão funcionando bem, oscilam muito. Não conseguimos fazer transações bancárias pela internet, e os bancos estão fechados", conta.

Moradora do centro de Macapá, Ana Karen Santos da Silva tem ajudado vizinhos, pois sua casa é uma das poucas da região que ainda têm energia elétrica e água potável no poço artesiano.

"Alguns amigos meus estão vindo de bairros distantes só para pegar água aqui em casa. Ou para carregar o celular. Estou tentando ajudar as pessoas como posso. Precisamos ficar unidos enquanto a situação não se resolve", diz.

O que aconteceu?

Na noite de terça-feira, uma explosão seguida de incêndio atingiu um transformador de uma subestação de Macapá, segundo informou o Ministério de Minas e Energia. O incêndio inutilizou o transformador e ainda danificou outro.

As equipes de emergência levaram horas para combater o fogo, afirmou o ministro Bento Albuquerque, em coletiva de imprensa na quinta-feira (5/11).

"Foi reportado um incêndio no transformador 1 da subestação de Macapá, de propriedade da Linhas de Macapá Transmissória de Energia (LMTE), tendo sido registrado perda total na unidade", informou o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), responsável por monitorar o fornecimento de energia em todo o Brasil), em nota.

A causa do fogo ainda não é conhecida, e o ONS abriu uma investigação com prazo de 30 dias para apurar as causas e responsabilidades.

O Estado do Amapá tem cerca de 860 mil habitantes, segundo projeção do IBGE para 2020. De acordo com o Ministério de Minas e Energia, 85% dessa população foi afetada pelo apagão, ou seja, cerca de 730 mil pessoas.

Três planos foram divulgados pelo Ministério de Minas e Energia para o restabelecimento de energia no Estado. O primeiro deles prevê que cerca de 60% a 70% da carga volte a ser atendida até o fim da tarde desta sexta-feira. Os outros dois estabelecem um prazo de 15 a 30 dias para a normalização.

Leandro Machado, da BBC News Brasil em São Paulo

Brasil tem 18,8 mil novos casos e 279 mortes por covid-19 nas últimas 24h

O coronavírus já infectou oficialmente 5.631.181 pessoas e causou a morte de 162.015 no Brasil, segundo o boletim mais recente do Ministério da Saúde, divulgado na sexta-feira (06/11).

Deste total, 18.862 casos da doença e 279 óbitos foram registrados nas últimas 24 horas. O Estado com o maior número de vítimas é São Paulo (39.717), seguido por Rio de Janeiro (20.849) e Ceará (9.393).

O país continua como o segundo do mundo com maior número de mortes na pandemia do novo coronavírus, depois apenas dos Estados Unidos, que têm mais de 235,6 mil mortes pela covid-19, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins.

O Brasil foi superado em número de casos, entretanto, pela Índia (8,4 milhões), agora em segundo lugar depois dos Estados Unidos (9,6 milhões de casos).

Fonte: BBC News Brasil

Democracias precisam de um debate honesto e baseado em fatos

Vemos nos EUA o que acontece quando uma sociedade não tem mais espaço para discutir posições políticas diferentes: ela corrói a si mesma a partir de dentro, opina Ines Pohl.

Os Estados Unidos sempre foram um país de contrastes, uma nação polarizada. Existem apenas dois partidos que realmente importam. Os governos não precisam buscar compromissos para formar uma coalizão governamental. Ou eles têm a maioria ou perderam a eleição.

Esta forma simplista de ver o mundo também é refletida pela mídia há séculos. Já os primeiros jornais de circulação regular no século 18 assumiram uma clara posição sobre decisões políticas importantes. Como em muitos outros países, publicações e emissoras de TV privadas simpatizam com certas orientações políticas. O consumo de mídia é decidido de acordo com essa orientação: indivíduos tendem a escolher como fonte de notícias os meios que mais correspondem com suas opiniões políticas.

Duas coisas são fundamentalmente diferentes em quase quatro anos de governo Trump:

1. Os veículos de mídia americanos desistiram de lutar por reportagens políticas objetivas e se transformaram em atores políticos.

2. As permanentes afirmações de Trump de que a mídia não é nada além de uma imprensa mentirosa estão tendo efeito: nunca antes a credibilidade do jornalismo foi tão baixa.

Ambos os pontos estão plenamente relacionados. As redes sociais também atuam como um amplificador.

Nos Estados Unidos quase não há espaços públicos para discussões controversas sobre conceitos políticos e propor soluções. Esta campanha eleitoral nos mostra da maneira mais brutal possível os efeitos disto: cada vez mais pessoas confiam somente em suas próprias bolhas de rede social para obter informações. As consequências são trágicas: estão abertas as portas para propagadores de teorias da conspiração e inimigos da democracia

Com sua extrema unilateralidade, os próprios meios de comunicação desperdiçaram seu papel de corretivo confiável. Ao recompensar as manchetes mais barulhentas, mais estridentes e mais polarizantes, são os algoritmos que mantêm os discursos de ambos os campos políticos firmemente sob controle.

Fatos e descobertas científicas têm pouca chance de penetrar nas bolhas que são infiltradas pelas afirmações de Donald Trump. Nas últimas semanas, vi por mim mesma o poder de persuasão com que os americanos comuns afirmam que Hillary Clinton mantém crianças pequenas escondidas no porão e que covid-19 nada mais é do que a tentativa de um grupo sinistro de assumir o controle do mundo.

Do outro lado do espectro político, não é raro encontrar cidadãos complacentes e abastados que não estão dispostos a tentar entender a situação de famílias que há gerações dependem de empregos em fábricas, os quais estão disponíveis cada vez em menor número. Ou da mineração de carvão, que não tem mais futuro.

O risco para a democracia

Isso causa medo. E com razão. Por diversos motivos, os Estados Unidos são particularmente propensos a se fragmentarem. Isso tem a ver com o sistema educacional, mas também com o desenvolvimento demográfico.

Causa insegurança o fato de que, em duas décadas, acabará o domínio branco – pelo menos em termos puramente numéricos. Isso faz tremer o que antes se pensava ser um porto seguro e mostra quão profundamente racistas ainda são grandes partes deste país.

Os americanos desaprenderam como debater usando argumentos políticos e continuam se refugiando em suas bolhas de redes sociais. Mas esse perigo de forma alguma se limita apenas aos Estados Unidos..

As democracias vivem do discurso, da disputa sobre o melhor caminho a seguir. Mas elas só podem existir sob certas condições. Uma delas é que os fatos importam. Não se pode continuar debatendo quando numa discussão prevalece a afirmação "essa é uma notícia falsa" em resposta a um argumento desagradável.

Mas esse desenvolvimento ainda pode ser interrompido? Se for possível, então apenas estabelecendo prioridades claras nas escolas. As crianças têm que aprender a lidar com as redes sociais, têm que saber diferenciar o que é propaganda e o que é ativismo. Que sites são confiáveis. E quais grupos não o são.

E é aqui que também entram os profissionais de mídia. Precisamos buscar objetividade para recuperar a credibilidade e permanecer como atores relevantes em uma democracia.

Ex-editora-chefe da DW / Deutsche Welle, Ines Pohl é correspondente em Washington. 

Biden amplia vantagem sobre Trump


 



quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Biden trava manobra de Trump

 O candidato democrata Joe Biden fez um pronunciamento a apoiadores em Wilmington, Delaware, na sede de sua campanha, acompanhado de sua candidata à vice-presidência, Kamala Harris.

Biden disse que não estava declarando vitória, mas estava muito confiante nela. "Não estou aqui para declarar que vencemos, mas sim para dizer que quando a contagem terminar, seremos os vencedores", disse o candidato.

Em sua fala, reiterou a sua confiança em Estados que ainda têm resultados indefinidos, como Wisconsin e Michigan. “Nós estamos ganhando em Wisconsin com uma diferença de cerca de 20 mil votos, margem semelhante à que o presidente Donald Trump venceu naquele Estado quatro anos atrás. Em Michigan, nós lideramos com mais de 35 mil votos, e o número está subindo, uma margem substancialmente maior à que Trump venceu em 2016”, afirmou. Disse ainda estar "confiante" com o resultado da Pensilvânia, onde ainda serão contabilizados os votos enviados pelo correio. Também destacou a virada no Arizona, que elegeu Trump na eleição passada, e o segundo distrito de Nebraska.

“Foi uma campanha longa e complicada, mas foram tempos ainda mais difíceis para o nosso país. Depois dessa campanha, será a hora de baixar a temperatura, ouvir uns aos outros, com respeito e cuidado. Precisamos nos curar e nos unir como nação." Segundo ele, a tarefa não será fácil.

“Eu sei o quanto as opiniões são diferentes em nosso país, mas também sei que, para termos progresso, temos que parar de tratar os nossos oponentes como inimigos. Não somos inimigos. O que nos une como nação é muito mais forte do que o que nos separa. Eu venço a campanha como um democrata, mas governarei como um presidente americano”, defendeu o candidato em seu discurso.

Por fim, o candidato democrata ressaltou a importância de contar todos os votos registrados. "Ninguém vai tirar nossa democracia de nós, nem agora, nem nunca", afirmou.

Fonte: estadão.com.br

Biden bate recorde de votos já recebidos por um candidato na história das eleições americanas

Com mais de 70 milhões de votos, candidato já ultrapassou o ex-presidente Barack Obama, que tinha o recorde anterior, segundo levantamento da agência de notícias Associated Press. Voto popular NÃO significa, entretanto, uma vitória.


Joe Biden, candidato à presidência dos EUA, durante evento na Pensilvânia em 2 de novembro — Foto: Kevin Lamarque/Reuters

O candidato democrata Joe Biden ultrapassou, na contagem de votos das eleições presidenciais americanas nesta quarta-feira (4), o recorde de votos já recebidos por um candidato na história eleitoral dos Estados Unidos. O ex-presidente Barack Obama, de quem Biden foi vice, detinha o recorde anterior.

Segundo a agência de notícias americana Associated Press, Biden tinha recebido, até as 15h (horário de Brasília) de quarta-feira, 70.005.562 de votos, o equivalente a 50,16% dos votos já apurados.

O recorde anterior, de 2008, foram os 69.498.516 votos dados a Barack Obama (o voto nos Estados Unidos, diferente do Brasil, não é obrigatório).

O rival de Biden, Donald Trump, que concorre à reeleição, tinha 67.290.385 de votos até as 15h desta quarta, o equivalente a 48,22% dos votos já apurados.

Voto popular não basta

É importante lembrar, no entanto, que, nas eleições americanas, não basta ter a maioria do voto popular para vencer, como no Brasil. É preciso que o candidato à Presidência conquiste a maioria dos delegados que compõem o colégio eleitoral.

Em 2016, por exemplo, a democrata Hillary Clinton teve a maioria dos votos diretos, mas não foi eleita e Donald Trump virou presidente. E o caso não foi o único na história eleitoral dos Estados Unidos.

Até 15h (horário de Brasília) desta quarta, o candidato democrata, Joe Biden, tinha projeção de vitória de 238 colégios eleitorais, e Trump, de 213. Para ser declarado vencedor, é preciso que um candidato alcance um mínimo de 270 colégios.

Publicado por G1 há 2 horas, em 04.11.20.

O escandaloso desprezo de Trump pela democracia nas eleições

Pelos próximos dias continuará indefinido quem é o próximo presidente dos EUA. Mais do que uma ameaça à democracia, o fato revela quantos americanos consideram aceitáveis as ações de Trump, opina Carla Bleiker, para a Deutsche Welle.

A noite eleitoral resultou exatamente como predisseram numerosos experts – pelo menos em um aspecto: não há um vencedor claro até a manhã desta quarta-feira (04/11) nos Estados Unidos. Os principais "estados campo de batalha" ou swing states, incluindo Michigan, Wisconsin e Pensilvânia, ainda estão em aberto e provavelmente levará algum tempo até divulgarem os resultados totais.

Previsivelmente, ambos os candidatos fizeram todo o possível para ignorar a situação de suspense e projetaram otimismo a seus apoiadores. O candidato presidencial democrata Joe Biden apresentou-se publicamente em seu estado natal, Delaware.

"Nós sabíamos que ia levar muito tempo", afirmou, acrescentando que tinha uma boa sensação quanto a sua posição na corrida pelos 270 votos do colégio eleitoral que garantem a presidência. "Não vai terminar até que cada voto, cada cédula tenha sido contada", enfatizou.

Com três tipos de votos – em pessoa no dia da eleição, em pessoa antecipado e voto pelo correio – o processo de apuração pode se estender pelos próximos dias adentro.

Isso é parte totalmente legítima do processo democrático. Ver o presidente Donald Trump descrever o fato como uma tentativa dos democratas de "roubar" a eleição, como fez no Twitter, sem fornecer provas, não deveria ser surpresa, mas ainda assim é enfurecedor.

Em seu discurso às primeiras horas desta quarta-feira, Trump alegou ter vencido inegavelmente em diversos estados que, naquele momento, ainda não haviam apurado suficientes votos para declarar um ganhador. Ele se referiu especificamente a sua dianteira na Pensilvânia, sem mencionar o importantíssimo detalhe de que tipo de cédulas estavam sendo contadas lá.

Muitos dos votos ainda por apurar foram postais, e especialistas partem do princípio que mais eleitores democratas do que republicanos optaram por esse método de votação. Portanto é claro que Trump não quer que eles sejam contados.

Mas isso também significa que os democratas não devem ainda perder as esperanças. Trump pode ter a dianteira em diversos estados ainda em aberto, mas um grande número dos votos ainda não apurados provavelmente será para Biden

Em outras palavras: embora no momento talvez pareça um deprimente déjà-vu de 2016, nem tudo está perdido. Mas Trump declarar vitória, tachar o processo de contagem de "uma grande fraude" e anunciar que apelará à Suprema Corte demonstra uma gritante desconsideração pela forma como os votos são tabulados no ano de pandemia de 2020.

Muitos americanos liberais torciam por uma vitória bem definida de Biden, e certamente não uma corrida eleitoral tão apertada assim. Afinal de contas, seu candidato concorreu com um presidente que queria impedir os muçulmanos de entrarem nos EUA; que separou filhos de migrantes de seus pais na fronteira sul; que lançou ataques racistas contra congressistas do sexo feminino; que foi objeto de impeachment por tentar negociar verbas militares para a Ucrânia com ajuda contra seu rival político; sob cuja liderança, até agora, mais de 250 mil cidadãos morreram na pandemia de covid-19... A lista é longa

O fato de um número significativo dos americanos ter votado em Donald Trump, apesar de suas ações nos últimos quatro anos demonstra o que é aceitável nos Estados Unidos. E isso é devastador, não importa quem acabe ocupando a Casa Branca.

*Carla Bleiker é correspondente da Deutsche Welle nos EUA. O texto acima reflete a opinião pessoal da autora, não necessariamente da DW.

terça-feira, 3 de novembro de 2020

O desencanto dos jovens com a democracia

Pandemia despertou o espírito cívico, mas, passado esse salutar transe, futuro é incerto.

Em nossa época o “mal-estar” da democracia tornou-se um lugar-comum. Um estudo do Centro para o Futuro da Democracia de Cambridge mostra que a sensação difusa de que os jovens estão “desconectados” do processo democrático espelha um fato mensurável. Com base em amplas evidências – são mais de 4,8 milhões de entrevistados e 43 fontes de 160 países entre 1973 e 2020 –, a pesquisa mostra que a insatisfação com a democracia não só é maior entre os jovens do que entre seus contemporâneos mais velhos, mas maior do que nas gerações anteriores no mesmo estágio da vida.

A frustração é compreensível. Nos países desenvolvidos, há uma crescente disparidade intergeracional nas oportunidades de vida: décadas de crescimento da desigualdade relegaram aos jovens dificuldades em encontrar empregos estáveis, adquirir uma casa, formar uma família ou subir na vida. Nos países em desenvolvimento, passada a transição democrática dos anos 70 aos 90, muitos enfrentam os desafios endêmicos da corrupção, ineficiência do Estado e disparidades na aplicação da lei.

Uma interpretação otimista é de que o declínio da satisfação com a democracia reflete uma geração crítica ao seu funcionamento, mas não aos seus ideais. No outro extremo, uma interpretação alarmista acusa uma crescente simpatia dos jovens por valores autoritários. Por um paradoxo aparente, a emergência dos populismos sugere que, entre a apatia e a antipatia em relação à democracia, a verdade está no meio.

Nos últimos anos, tropas dos chamados millennials apoiaram partidos populistas à direita e à esquerda. O fenômeno intrigante é que as ondas populistas foram acompanhadas de uma acentuada reversão do desencanto com a democracia. Ao fim do primeiro mandato de um populista, os jovens chegam a estar mais satisfeitos com a democracia do que seus pares em outros países – uma exceção notável foram os EUA de Donald Trump, enquanto o Brasil de Jair Bolsonaro confirma a regra. Ainda mais espantoso é que esse salto ocorre mesmo em casos de contração econômica.

Ao mesmo tempo, as tentativas de revitalizar o centro político mostram um efeito pouco durável na satisfação dos jovens: após um ligeiro repique de um ou dois anos, segue-se tipicamente uma precipitação do descontentamento e a renovação das mobilizações populistas. Esse padrão provoca uma questão desconcertante: será o populismo uma força revigorante?

É evidente o fracasso dos estamentos democráticos tradicionais em solucionar agruras como as desigualdades de renda, disparidades regionais, exclusão de minorias éticas ou a corrupção das elites políticas. Mas se o centrismo pode ser comparado a um cosmético ou um analgésico de curta duração, que alivia os sintomas, mas não ataca suas causas, o extremismo populista, ao catalisar ressentimentos profundos da população, age como um entorpecente: um poderoso estimulante que intoxica os desiludidos com a democracia com a ilusão da transformação. Mas no médio prazo, quanto maior a ilusão, maior a frustração.

Se num primeiro momento o populismo no poder – o delírio do povo “puro” varrendo as elites “corruptas” – revitaliza a satisfação com a democracia, os dados mostram que, “quando os governos populistas duram além de dois mandatos, a satisfação com a democracia declina primeiro gradualmente, depois acentuadamente”.

Qual será então o remédio? Como concluem os autores do estudo, é preciso “menos foco no ‘populismo’ como uma ameaça e mais nas promessas fundadoras da democracia”.

Um efeito de crises globais como a de 2008 ou a atual é expor agudamente as disfuncionalidades crônicas dos sistemas sociopolíticos. Como dizia Aristóteles, toda tragédia desperta uma purificação (catharsis) pela experiência do pavor e da compaixão. A catástrofe da covid-19 despertou o espírito cívico, manifesto em expressões de solidariedade viralizadas por todo o planeta. Mas, passado esse transe salutar, o futuro é incerto. A crise pode ser o início de uma radical, mas conscienciosa, reforma do pacto social – ou de uma espiral de degradação democrática. 

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, 31 de outubro de 2020 | 03h00


Com receio de violência no dia da eleição, americanos erguem proteções contra possíveis protestos e confrontos

Entidades de organização civil enviaram observadores a locais onde pode haver intimidação e ameaça a eleitores. Lojas de grandes cidades ergueram proteções com compensados de madeira para evitar danos de protestos.


Com receio de que haja protestos violentos ou confrontos nesta terça-feira (3), dia das eleições presidenciais, lojas e escritórios de cidades dos Estados Unidos ergueram proteções de fachadas com placas de compensado de madeira para evitar danos.

A sede do governo do país, a Casa Branca, também foi protegida com grades.

Com participação histórica, EUA vão às urnas para definir quem será presidente até 2024

Há um clima de tensão neste dia de votação, diferentemente das outras eleições no país.

A Organização de Liberdades Civis dos EUA (ACLU, na sigla em inglês) e outros grupos semelhantes disseram que estão acompanhando de perto os sinais de intimidação de eleitores.

No estado da Geórgia, a entidade empregou 300 advogados em locais que têm potencial de ter problemas.

Publicado por G1, em 03.11.2020.

Um governo que atua contra si mesmo

O Legislativo merece várias críticas, mas é de justiça reconhecer que Jair Bolsonaro consegue a proeza de fortalecer o que há de pior no Congresso.

 Em uma dinâmica normal, o governo atua politicamente para que o Congresso aprove as medidas de seu interesse. Esse movimento de coordenação dos partidos da base aliada é ainda mais lógico em relação àquelas medidas que, mais do que mera conveniência política, asseguram a governabilidade. No entanto, não se observa essa comezinha lógica na atuação do governo de Jair Bolsonaro. Os partidos da base aliada do governo estão obstruindo a pauta de votação da Câmara dos Deputados, o que impede o andamento de temas que afetam diretamente o governo federal.

Em entrevista no dia 27, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pediu aos partidos da base do governo que sejam responsáveis e acabem com a obstrução. “Espero que a responsabilidade prevaleça. Se o governo não tem interesse nestas medidas provisórias, eu não tenho o que fazer. Eu pauto, a base obstrui e eu cancelo a sessão”, disse Rodrigo Maia.

A obstrução feita pelos partidos da base aliada tem obviamente consequências no calendário das votações, com graves efeitos sobre o ano que vem. Um dos temas mais urgentes, que condicionam o andamento de vários assuntos, é a PEC Emergencial, integrante de um pacote de três propostas apresentadas pelo próprio governo federal no fim do ano passado, no chamado Plano Mais Brasil. “Sem a PEC Emergencial, vai ter muita dificuldade de aprovar o Orçamento”, advertiu o presidente da Câmara.

Em relação ao Orçamento de 2021, o Congresso tem de votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Nenhuma foi aprovada ainda. Sem a aprovação da LDO até o fim do ano, o governo não terá base legal para realizar gastos discricionários em 2021. A LDO prevê, por exemplo, a possibilidade de o governo executar, de forma provisória, a duodécima parte das despesas, em caso de não aprovação da LOA. Ou seja, sem a LDO, o governo enfrentaria uma brutal paralisia, a afetar até mesmo as despesas obrigatórias.

Em relação à LOA, há previsões de que sua votação ocorra apenas em março de 2021, o que seria prejudicial em primeiro lugar para o próprio governo. Já houve vezes em que a LOA não foi aprovada até quase meados do ano. Absolutamente inusitada, a novidade é a contribuição do próprio governo para o atraso.

Além de prejudicar o funcionamento do poder público e dificultar a saída da crise social e econômica, a obstrução das votações atinge também a aprovação das medidas provisórias – que, em tese, deveriam interessar ao Palácio do Planalto, autor das medidas. “Cabe à base avançar com as medidas provisórias pelo menos”, lembrou o presidente da Câmara.

Diante dessa estranha imobilidade, surgem críticas contra o Congresso, como se os parlamentares estivessem dificultando o andamento de temas politicamente sensíveis; por exemplo, as privatizações. Na entrevista do dia 27, Rodrigo Maia mostrou que falta fundamento a essas críticas. “Quem obstrui a pauta é a base do governo”, disse.

A ratificar a disfuncionalidade da atual situação, chama a atenção o motivo pelo qual a base aliada do governo vem obstruindo as votações do plenário da Câmara. O objetivo é colocar na presidência da Comissão Mista de Orçamento (CMO) um nome alinhado ao deputado Arthur Lira (AL), líder do PP na Câmara e um dos nomes fortes do Centrão. Segundo acordo feito em fevereiro entre os partidos da base, o presidente da CMO neste ano seria o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA). Além de obstruir a pauta, o modo de agir dos partidos do Centrão traz dificuldades para o funcionamento da própria CMO. “Se o acordo não vai ser cumprido, difícil a CMO funcionar”, reconheceu Rodrigo Maia.

Ao longo dos últimos dois anos, o Congresso foi alvo de muitos ataques do bolsonarismo. Nessas campanhas, Rodrigo Maia foi frequentemente apresentado como o grande coordenador do Centrão, a dificultar o andamento das reformas. Não há dúvida de que o Legislativo merece várias críticas. Mas é de justiça reconhecer que Jair Bolsonaro tem conseguido a proeza de fortalecer o que há de pior e mais disfuncional no Congresso.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 03 de novembro de 2020 | 03h00

Por que os partidos americanos são chamados de Republicano e Democrata se eles são Republicanos e Democratas?

As ideias dessas festas mudaram muito ao longo de sua história

Donald Trump e Joe Biden usam gravatas com as cores de seus partidos nessas imagens, vermelho para os republicanos e azul para os democratas. Alex Wong / Win McNamee Getty Images

Por JAIME RUBIO HANCOCK  

O Partido Democrata e o Partido Republicano dominaram a política americana por mais de 150 anos. São partidos muito diferentes dos europeus, como se vê pelos seus nomes: por que "republicano", se quando foi fundado não havia rei para derrubar? E por que "democrata"? Não são todos (ou quase todos)? Esses nomes têm muito a ver com a história do país e ajudam a explicar a evolução dos dois grupos, cuja ideologia mudou muito desde sua fundação.

A origem do Partido Democrata já estaria no nascimento dos Estados Unidos. Quando George Washington se tornou presidente em 1789, surgiram duas correntes políticas com ideias diferentes sobre o futuro da nação. De um lado, os federalistas, grupo formado por Alexander Hamilton e John Adams, que defendia um governo forte apoiado em impostos e tarifas. De outro, os democratas-republicanos, grupo liderado por Thomas Jefferson e James Madison, que aspirava a um governo federal com poderes limitados e que defendia os direitos dos Estados.

Nesse primeiro momento, não se trata tanto de partidos políticos quanto de correntes ou, como aponta Donald T. Critchlow em American Political History , de "protopartidos organizados em torno de líderes políticos e jornais". Isidro Sepúlveda, professor de História Contemporânea da UNED, lembra a Verne que nem mesmo os atuais partidos americanos são como os europeus: "Não há estatutos, não há liderança hierárquica, não há militância." Em vez disso, são "plataformas candidatas" e um encontro de interesses comuns.

Às vezes, esses interesses podem ser contraditórios. Seguindo Critchlow, os democratas-republicanos de Jefferson eram "reformistas a favor da expansão do sufrágio" (inicialmente limitado a homens brancos com propriedades), mas também defensores "dos interesses dos grandes proprietários de terras do sul", que que incluía a escravidão. Na verdade, o próprio Madison até propôs que o governo comprasse todos os escravos e os libertasse, mas ele não libertou aqueles na plantação que ele herdou de sua família. E quando Jefferson escreveu na Declaração de Independência que "os homens são criados livres", ele possuía 175 escravos .

Embora ainda não fossem partidos políticos modernos, os nomes dessas correntes faziam sentido. Os federalistas queriam um governo federal forte, enquanto os apoiadores de Jefferson se autodenominavam republicanos por sua oposição a um governo despótico, fosse o rei da Inglaterra ou o governo federal. Os "democratas" foram acrescentados pelos federalistas , que os viam como "igualitários radicais" e partidários dos jacobinos da Revolução Francesa .

E é que, num primeiro momento, a revolução foi recebida com otimismo nos Estados Unidos. No entanto, após a execução de Luís XVI e a chegada do terror, o movimento foi criticado por Hamilton e seus seguidores, que o consideraram mais próximo de uma "tirania das massas" do que de uma democracia representativa.

Na década de 1820, os democratas-republicanos se dividiram: por um lado, o Partido Nacional-Republicano permaneceu, em torno de John Quincy Adams, presidente entre 1825 e 1829; de outro, a formação em torno de Andrew Jackson, presidente entre 1829 e 1837, que a partir de 1828 passou a ser conhecido apenas como Partido Democrata.

Thomas Jefferson (Secretário de Estado), Alexander Hamilton (Secretário do Tesouro) e George Washington (Presidente) em uma pintura de Constantino Brumidi. Coleção Hulton Fine Art (Getty Images)

O que significa republicano?

O Partido Republicano nasceu na década de 1850 (e não tem nada a ver com os Adams National Republicans). A essa altura, a corrente federalista havia desaparecido, após se opor à guerra contra o Reino Unido em 1812, e a questão que mais preocupava os americanos era a escravidão. O Partido Republicano nasceu justamente para impedir que fosse legal ter escravos nos novos estados que aderiram ao sindicato, com a intenção de acabar banindo a prática em todo o país.

O partido “está articulado com a ampliação dos direitos civis e com o objetivo de acabar com a escravidão”, explica Sepúlveda, e também adota a defesa dos interesses dos industriais do norte. A formação incluiu democratas que se opunham à escravidão, bem como ex-membros do partido Whig (os liberais) e outras formações minoritárias.

Os estados do sul não aceitaram as propostas republicanas com calma e contenção, justamente. A vitória eleitoral de Abraham Lincoln em 1860 levou à declaração de independência da Carolina do Sul, seguida por uma dúzia de outros estados no início de 1861, que não pretendiam tolerar um presidente contrário à escravidão. E assim começou a Guerra Civil, que durou até 1865.

O nome do partido, "republicano", não tem muito a ver com o que entendemos na Espanha quando ouvimos o adjetivo, que geralmente associamos à esquerda. Nos Estados Unidos, nasceu não apenas do antagonismo contra a monarquia autoritária do século 18, mas já era utilizado em defesa da democracia representativa . Além disso, explica Sepúlveda, “o republicanismo apela à divisão de poderes, à responsabilidade do governo e ao cumprimento da lei pelos cidadãos”. Lembre-se de que foi um termo que os democratas de Jefferson também reconheceram como seu.

Abraham Lincoln na Batalha de Antietam. Bettman (Getty Images)

A evolução das festas

A ideologia dos partidos americanos mudou muito desde o século 19 até agora. O Partido Democrata originalmente defendeu os proprietários de terras escravos, mas na década de 1960 Kennedy e Johnson reforçaram e protegeram os direitos civis dos cidadãos negros do sul. Além disso, o partido passou da defesa de um Estado mínimo à promoção de políticas intervencionistas e sociais no final do século 19 e início do século 20, culminando no New Deal com o qual Franklin D. Roosevelt enfrentou a Grande Depressão.

O Partido Republicano também passou por mudanças: de ser o partido do norte na época de Lincoln, agora se identifica mais com os estados do sul. E suas ideias econômicas também não são as mesmas: nos anos 1950, Eisenhower não apenas manteve as políticas sociais herdadas de Roosevelt e Truman, mas em alguns casos as impulsionou. Nixon, o vice-presidente de Eisenhower, chegou perto de aprovar uma renda mínima universal quando se tornou presidente . Mas, como lembra Sepúlveda, Ronald Reagan, presidente entre 1981 e 1989, virou o projeto republicano de cabeça para baixo e optou por "um Estado mínimo com pouca intervenção na economia, mas muito intervencionista na política externa e militar".

Sepúlveda lembra que os partidos norte-americanos não são como os europeus e nem sequer se pode dizer que sejam de direita ou de esquerda: "São mais progressistas que o adversário em alguns aspectos e menos em outros". Na verdade, como o historiador Michael Barone coletou em Como os partidos políticos da América mudam (e como eles não mudam) , o próprio Roosevelt disse a um de seus conselheiros em 1944 que “deveríamos ter dois partidos reais. Um progressista e um conservador ”. De acordo com Barone, as duas formações tentaram isso nas décadas seguintes, mas só parcialmente alcançaram esse objetivo.

Segundo Sepúlveda, as mudanças nos partidos foram determinadas sobretudo por três fatores: primeiro, as ondas de imigrantes que construíram o país, carregando sua própria cultura política.

Em segundo lugar, a figura do presidente, especialmente de Theodore Roosevelt (republicano, 1901-1909) e Franklin D. Roosevelt (democrata, 1933-1945). A posição foi ganhando cada vez mais presença e influência nas propostas dos partidos, além de mais poder e responsabilidade em um governo federal com mais funções e poderes.

E em terceiro lugar, o sistema político majoritário, no qual cadeiras ou representantes não são distribuídos proporcionalmente, mas o vencedor leva tudo o que está em jogo no eleitorado. Isso significa que é muito difícil para um terceiro partido político ter sucesso e que é mais fácil integrar ideias e correntes nas já existentes. Os partidos americanos não são imóveis, explica Sepúlveda, mas podem integrar interesses e gerar novos consensos.

Assim, entende-se, por exemplo, que atualmente os democratas incluem sensibilidades que lembram o movimento 15-M, mas também políticos com ideias econômicas mais conservadoras que nós identificaríamos aqui com a direita. Por exemplo, o programa de Biden, o candidato democrata, contempla uma expansão da saúde pública que ainda não seria universal , o que o colocaria, nesta questão, à direita de muitos líderes conservadores europeus.

O Partido Republicano está agora "engolfado pelo Tea Party e Donald Trump", diz Sepúlveda, acrescentando que é muito difícil interpretar seu programa além da oposição aos valores de terceiros, sejam políticas sociais ou ambientais. O partido acabará por se reformular, acredita o historiador, e o fará em breve se Trump perder a eleição. Como vimos, não seria a primeira vez que algo semelhante acontecia.

Publicado originalmente por EL PAÍS, em 03.11.2020.

Há tempos eleição nos EUA não era tão importante para o Brasil

O resultado do pleito americano será determinante para os brasileiros: uma vitória de Trump fortaleceria politicamente Bolsonaro, mas sem ganhos econômicos certos. Com Biden, país ficaria ainda mais isolado.

Bolsonaro com Trump na Casa Branca, em março de 2019

Durante muitos anos, "Cuba, cocaína e Chávez" eram os únicos temas que os Estados Unidos acompanhavam com atenção na América Latina. É o que diziam diplomatas americanos para justificar o pouco interesse pelo Brasil.

Isso mudou: embora Venezuela e Cuba continuem sendo focos de crise com potencial para um conflito geopolítico na porta de casa e são acompanhados com atenção por Washington, o Brasil se tornou mais importante, principalmente como parceiro estratégico contra a China.

Esse ganho de importância também se dá do outro lado: para o governo Jair Bolsonaro, o resultado da eleição nos Estados Unidos é politicamente muito importante.

A maioria dos analistas espera continuidade na política americana para a China, mesmo no caso de uma troca de poder em Washington. Os Estados Unidos, afinal, acompanham atentos a ofensiva de Pequim como parceiro comercial e investidor na América Latina.

No governo de Donald Trump, os Estados Unidos posicionaram seus canhões e passaram a controlar também a presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), um dos principais órgãos de financiamento na América Latina. A nova International Development Finance Corporation também deverá ganhar importância na concessão de crédito.

Espera-se que Joe Biden, se vitorioso, modere o tom agressivo em relação à China e renuncie a decisões diplomáticas unilaterais. Mas o democrata não vai se desviar do atual curso de confronto com Pequim. É provável que ele aposte em fortalecer alianças com a Europa, a Ásia e a América Latina para obrigar a China a fazer concessões.

O que não está claro é como os Estados Unidos vão lidar com países que continuarem buscando créditos com os chineses ou que permitirem o uso de equipamentos da empresa Huawei na sua rede de telefonia móvel. As chances de retaliação são maiores num governo Trump do que num governo Biden, mas também um governo Biden vai bloquear empréstimos para países que forem ao encontro da China.

No que se refere ao comércio e aos investimentos, o resultado da eleição presidencial nos Estados Unidos não deverá mudar muita coisa para o Brasil. É verdade que o programa de incentivo para a economia americana previsto por Biden, o Buy american (compre produtos americanos), deverá prejudicar empresas brasileiras. Mas o comércio do Brasil com os Estados Unidos já caiu fortemente e representa hoje apenas 9% das exportações brasileiras.

E mesmo o suposto aliado de Bolsonaro que está agora no governo não hesitou na hora de elevar as taxas de importação para o alumínio do Brasil. A economia brasileira não ganhou quase nada com Trump: isso vale tanto para a promessa de uma parceria estratégica de segurança como para as negociações sobre alívios comerciais como para o ingresso na Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE). Fora as palavras, pouco aconteceu.

É pouco provável que Trump privilegie o Brasil na eventualidade de um segundo mandato, afinal ele costuma deixar aliados na mão e bajular autocratas como Vladimir Putin e Xi Jinping.

Mas, no caso de uma vitória de Biden, o governo brasileiro pode se preparar para uma forte mudança de rumo em temas como meio ambiente, política climática e direitos humanos. Esses voltarão a ser diretrizes da política externa americana.

O governo Bolsonaro será um dos mais atingidos caso Biden adote o rumo da União Europeia e passe a exigir o respeito de padrões internacionais em meio ambiente, proteção da Amazônia e política de gênero.

Já no primeiro debate entre Trump e Biden, o democrata provocou diretamente o Brasil: ou Bolsonaro aceita 20 bilhões de dólares para a proteção da Floresta Amazônica ou terá que arcar com as consequências econômicas.

Tudo indica, portanto, que o Brasil governado por Bolsonaro ficará ainda mais isolado no mundo em caso de vitória de Biden.

Mas uma derrota de Trump seria uma catástrofe sobretudo do ponto de vista político para Bolsonaro: o presidente brasileiro deve sua vitória, em grande parte, ao seu modelo do norte, que ele copia. Boa parte da política de Bolsonaro é mera cópia daquilo que Trump faz. Uma derrota do magnata seria um sinal para Bolsonaro e seus apoiadores de que também os dias deles estão contados.

Publicado originalmente por Deutsche Welle, em 03.11.2020.

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Até quando a sociedade brasileira suportará a situação de insatisfação política e social que a aflige?

 Nunca a população, desde os tempos da ditadura, se sentiu tão insegura quanto ao seu futuro e o de seus filhos.

Por Juan Arias

Por que Bolsonaro seria mais perigoso para a democracia em um segundo mandato?

Nada pior que a descrença de que as coisas possam mudar. Estaria o Brasil num ponto de não retorno ou só no meio de um mar agitado?

Como devolver a esperança a uma sociedade que parece endurecida pela incerteza? Incerteza sobre o que querem fazer com a política interna e externa enquanto aumenta a incredulidade sobre quem pilota a nação.

Incerteza sobre o que querem fazer com a Amazônia, cada vez mais martirizada. Incerteza com a economia deste país, cada dia mais precária e confusa, com a inflação galopante dos preços dos alimentos, que golpeia sobretudo os mais pobres.

Incerteza sobre a privação das liberdades adquiridas com tanta fadiga.

Incerteza sobre o que pretendem fazer com a Constituição, elogiada no mundo por sua modernidade, que assegura saúde e educação para todos e defende todas as minorias.

Incerteza sobre a segurança de uma sociedade à qual se deseja armar como se estivesse em guerra.

Incerteza sobre o crescimento das milícias já incrustadas nos poderes locais, que ameaçam se unir aos grandes traficantes de droga e armas, e cada vez mais próximas das instituições do Estado, inclusive a Justiça.

Incerteza dos mais pobres com esse jogo de querer privatizar a saúde e a educação, o que significaria atirar num genocídio físico e cultural milhões de pessoas que iriam ficando pelo caminho, desprovidos de sua segurança social.

Incerteza com nossa política interna e externa, com nossas relações com os outros povos do planeta, de quem o Brasil parece se afastar cada vez mais, encerrado em suas lutas políticas internas que o distanciam dos fóruns internacionais onde se constrói a política mundial.

Até quando o Brasil poderá resistir com um presidente que parece cada dia mais incapaz de dirigir um país da envergadura do Brasil, com sua política incapaz de abordar os grandes problemas do país, com seu caráter às vezes infantil e às vezes altaneiro?

De um presidente que parece estar cada dia mais armado de uma política destrutiva, negacionista da realidade, incapaz de escutar o grito dos mais sacrificados?

Até quando o Brasil continuará sendo vítima de um Governo dividido ele mesmo entre os olavistas fanáticos e destrutivos e os militares, cada dia mais preocupados, já que não querem ser usados em uma política de ódios e rancores?

Um Governo que, em vez de levar a todos para uma nova era de prosperidade, os arrasta para a divisão e o ódio.

Nunca a sociedade do Brasil, desde os tempos da ditadura, se sentiu tão insegura quanto ao seu futuro e o de seus filhos. Que sociedade do amanhã está sendo preparada para eles com essa política cada vez mais do não que do sim?

E, enquanto isso, cada dia mais pobres estão voltando a se lançar no inferno da fome e mais jovens parecem duvidosos quanto ao seu futuro. Sinto dor quando alguns deles me dizem que querem ir para o exterior porque aqui não encontram oportunidades de desenvolver seus talentos.

Não é que estes jovens que são nosso futuro não gostem do Brasil. É que se sentem a cada dia mais impossibilitados de realizar seus sonhos.

O Brasil vive uma crise política e existencial que prenuncia um novo dia de esperança, ou o medo o está paralisando?

Estaremos no estado que se chama de “não retorno” e de mudança radical de época, ou no meio de uma tormenta que ao se desfazer deixa o céu mais limpo?

Pelo amor que tenho a este país, quero acreditar que estamos mais às vésperas do milagre e que a política enlameada de hoje, que gera violência, possa dar lugar a uma mais próxima das dores de quem sempre paga o preço dos pecados do poder.

Como seguir adiante com um presidente saudoso dos golpes e que ameaça colocar o Exército na rua para evitar aqui um segundo Chile, como ele mesmo declarou?

Ignora o presidente que as manifestações do Chile tiveram lugar para se livrar de uma Constituição ainda dos tempos do sanguinário ditador Pinochet? Os brasileiros têm todo o direito que lhes concede a Constituição de se mobilizarem em defesa da democracia.

Isso demonstra que o capitão reformado Bolsonaro que hoje dirige o país não só não se converteu aos valores da democracia como também está voltando às suas antigas nostalgias de guerra fratricida. Ele sempre preferiu que os sinos dobrassem mais pelo enfrentamento dos conflitos do que pela busca da paz.

Hoje me uno ao grito de Zeina Latif, que em sua coluna n’O Estado de S. Paulo escreve: “A negação dos problemas pelo poder público sugere que estamos brincando na beira do precipício com olhos vendados".

Nunca na história a guerra e os enfrentamentos entre irmãos criaram bem-estar e liberdade. O Brasil sofre e se empobrece cada vez que os políticos são incapazes de criar um ambiente de liberdade onde cabem todas as ideias e a confrontação positiva e democrática.

Apesar do meu apreço pela política social que o ex-presidente Lula desenvolveu, me doeu o dia em que lançou seu lema de guerra de “nós contra eles”. Não, a paz e a justiça são criadas de mãos dadas, sem ódios nem rancores, sem divisões e com o esforço sincero de abrir um diálogo entre diferentes.

Publicado originalmente em EL PAÍS, em 30.10.2020.

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Dez Caixas Para Eloá

Por Edson Vidigal

Depois do comício, no adro da Igreja, no Largo do Carmo, Jânio foi a um jantar com empresários no casarão de um deles, na Rua Grande.

Lá para as tantas, dentre os nativos, alguém lhe ofereceu o refrigerante de maior sucesso, conhecido como o sonho cor de rosa das crianças.

Erguendo a taça contra a luz, mirando o conteúdo com um olho só, admirado, acionou o olfato e provou da oferenda num gole curto:

- Delícia! Néctar dos deuses! Isto é produzido aqui no Maranhão?

- Sim, Presidente. É genuinamente maranhense.

- Dez caixas para Eloá!

A aprovação, respeitosa, de Jânio instaurou euforia entre os convivas. De pronto, voluntariaram-se alguns. A fábrica era ali perto, na Rua de Santana, esquina com a ladeira da António Rayol.

Manhã seguinte, quando o avião, um DC-10, decolou do Tirirical, as dez caixas do sonho cor de rosa das crianças já estavam no bagageiro.

Do barulho das hélices avolumaram-se as esperanças num radioso futuro para o empresariado do Maranhão. Notadamente para o fabricante do guaraná Jesus.

Passa, passa, gavião, todo mundo passa...

Num começo de tarde, em Brasília, o Presidente Jânio Quadros disparou um chamado urgente a um jovem Deputado, Vice-Líder do Governo.

Não conseguia desfilar na memória assunto ensejador de tamanha urgência. Lembrava-se com nitidez de véspera do não que dera ao apelo presidencial, mas isso foi no começo do Governo.

Afonso Arinos, o chanceler da República, que devotava um carinho familiar ao jovem Deputado do seu partido, a UDN, sugerira ao Presidente que o nomeasse para um posto diplomático – Embaixador do Brasil em Cuba.

Antes de dizer sim, teve o cuidado de consultar, embora muito animado, a sua mulher.

(“E a aquela força por detrás do trono me impediu de nomear o Embaixador que eu mais queria”. Contou-me Jânio, anos depois da anistia, enquanto almoçávamos no seu retiro na Praia de Pernambuco, no Guarujá).

Mas agora, matutava o Deputado, não tinha a menor ideia do que poderia ser. Sabia verdadeiro o afeto que o Presidente lhe dedicava.

O que poderia ser? Enquanto seguia rumo ao Palácio repassava mentalmente a pauta das últimas sessões, suas orientações enquanto líder, era vice - líder, da bancada, fizera, sim, tudo certo.

Quando chegou ao terceiro andar do Palácio do Planalto, o Ajudante de Ordens já o aguardava. O Presidente determinara que adentrasse o Deputado imediatamente.

No Gabinete, Jânio exalava autoridade. Passeou o olhar sério no Deputado. Dos pés à cabeça.

- José, meu bem! Estou pronto para cumprir o meu compromisso contigo. Irei ao Maranhão.

(A promessa foi a de instalar o Governo Federal por três dias em São Luís, reunindo os Governadores da região. E o Presidente, de fato, a cumpriu.)

- Mas, pelo amor de Deus... - Advertiu.

- Não me manda servir aquela gororoba cor de rosa de tem gosto de chicletes.

Edson Vidigal foi o último advogado de Jânio Quadros.

-oOo-

29.10.20

Nova variante do coronavírus se espalha pela Europa, alertam cientistas

De acordo com o jornal britânico Financial Times, nova cepa surgiu na Espanha e é responsável pela maioria dos novos casos de Covid-19 no continente

Uma variante do coronavírus, que surgiu entre trabalhadores no nordeste da Espanha em junho, se espalhou rapidamente por grande parte da Europa desde o verão e é a responsável pela maioria dos novos casos de Covid-19 em vários países do continente, que vive uma segunda onda de infecção.

De acordo com o Financial Times, uma equipe internacional de cientistas que rastreia o vírus por meio de suas mutações genéticas descreveu a disseminação da variante, identificada pelo acrônimo 20A.EU1, em um artigo que será publicado nesta quinta-feira (29). A nova cepa, informa o jornal britânico, já é responsável por mais de 80% dos casos no Reino Unido.

O estudo, que ainda não foi publicado em periódico revisado por pares, sugere que pessoas que voltaram de férias na Espanha desempenharam um papel fundamental na transmissão do vírus pela Europa. Essa é uma possibilidade que levanta indagações sobre se a segunda onda que está varrendo o continente poderia ter sido reduzida com uma melhor triagem em aeroportos e outros centros de transporte.

— A partir da disseminação da 20A.EU1, parece claro que as medidas [de prevenção contra o coronavírus] em vigor muitas vezes não eram suficientes para interromper a transmissão das variantes introduzidas neste verão — afirmou Emma Hodcroft, geneticista da Universidade de Basileia (Suíça) e líder do estudo, ao Financial Times.

Brasil:  Média móvel de mortes por Covid-19 fica abaixo de 500 por sete dias seguidos pela primeira vez desde início de maio

Cada variante do vírus tem sua própria assinatura genética, por isso ela pode ser rastreada até o local de origem. As equipes científicas na Suíça e na Espanha estão examinando o comportamento da nova cepa para determinar se ela pode ser mais letal ou infecciosa do que outras.

Cepa é diferente de outras versões do vírus

De acordo com o jornal britânico, Emma Hodcroft enfatizou que não há  “nenhuma evidência de que a propagação [rápida] da variante se deva a uma mutação que aumente a transmissão ou impacte o resultado clínico” . Mas ressaltou que a 20A.EU1 era diferente de qualquer versão do Sars-Cov-2 que ela havia encontrado anteriormente.

— Não vi nenhuma variante com esse tipo de dinâmica desde que comecei a observar sequências genômicas de coronavírus na Europa — disse Hodcroft ao Financial Times.

Os cientistas estão trabalhando com laboratórios de virologia para descobrir se a 20A.EU1 carrega uma mutação específica na proteína spike (espícula, em inglês), que o vírus usa para entrar nas células humanas, capaz de alterar seu comportamento.

As mutações são mudanças nas "letras" do código genético do vírus, que podem se agrupar em novas variantes e cepas. Já havia sido identificada uma mutação no Sars-Cov-2, chamada D614G, a qual cientistas acreditam tornar o vírus mais infeccioso.

— Precisamos de mais estudos para encontrar mutações que atingiram alta frequência na população e, em seguida, fazer a engenharia reversa para ver se elas tornam o vírus mais transmissível — disse ao jornal britânico Joseph Fauver, epidemiologista genético da Universidade de Yale que não esteve envolvido na pesquisa.

Publicado originalmente por O Globo.com, em 29.10.2020.

Inflação e redução do auxílio emergencial começam a derrubar vendas nos supermercados

Redes relatam queda de até 10% nas últimas semanas; consumidor abriu mão de itens supérfluos e agora só leva o básico

 A disparada da inflação dos alimentos e o corte pela metade do auxílio emergencial recebido por 65 milhões de brasileiros já reduziram em até 10% as vendas das redes de atacarejos nas últimas semanas. Nos supermercados o movimento se repete. “Este mês todo mundo está chiando porque a venda caiu muito”, afirma o diretor de mercado da Associação Paulista de Supermercados (Apas), Omar Assaf.  

A freada era previsível por causa da redução do auxílio emergencial de R$ 600 para R$ 300 desde setembro. No entanto, esse movimento de queda nas vendas ganhou força com a escalada de preços da comida, que continua.


Em outubro, a prévia da inflação, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor - 15 (IPCA-15) atingiu 0,94%. O resultado é mais que o dobro da inflação registrada em setembro e a maior alta para o mês em 25 anos. A comida respondeu pela metade da inflação ao consumidor, com destaques para a carne bovina (4,83%) - item de maior peso entre os alimentos -, óleo de soja (22,34%), arroz (18,48%) e leite longa vida (4,26%), por exemplo.

Desempregada e dependente do auxilio emergencial, Gabriela de Oliveira Santos, de 30 anos, que mora com o filho de 13 anos e a mãe no Capão Redondo, zona Sul de São Paulo, sentiu o baque da inflação e começou a cortar as compras desde o mês passado. “Tirei carne, Danone, bolacha e fruta”, conta. Ela manteve na lista do supermercado só o básico do básico: arroz, feijão, farinha e algumas verduras. “Estamos comendo frango e ovo, que são mais baratos.” Com isso, o gasto no supermercado no mês, que era de R$ 350, não chega hoje a R$ 150.

O corte nas compras foi provocado pela inflação dos alimentos e também porque ela pretendia fazer uma reserva para enfrentar a redução no auxílio emergencial. Mas seu planejamento foi frustrado. É que as contas de água e de luz vieram com aumentos este mês e ela teve de gastar o que havia economizado. “Só Deus sabe como vai ser daqui para frente”, diz Gabriela, que vai receber em novembro o auxílio de R$ 300.


“O consumidor deixou de comprar o supérfluo nas últimas semanas e só leva o básico quando os preços estão extremamente convidativos”, diz um supermercadista que prefere o anonimato. A sua rede, por exemplo, voltada para a classe média, registrou queda de 7% nas vendas em setembro e outubro na comparação com os meses anteriores.

Inflação

A comida respondeu pela metade da inflação ao consumidor em outubro, com destaques para carne bovina (4,83%), óleo de soja (22,34%) e arroz (18,48%). Foto: Alex Silva/Estadão - 9/9/2020

Bolso apertado

Com a pandemia, a população abasteceu a despensa, estocou alimento e comprou de tudo: salgadinho, chocolate, iogurte, vinho, diz um empresário do setor. Isso levou a um pico de vendas nos supermercados, que ocorreu em maio, segundo pesquisa da Apas. Naquele mês, a alta real nas vendas, descontada a inflação, foi de 11,4% ante maio de 2019. Em agosto, último dado disponível e antes do corte do auxílio emergencial, o crescimento havia desacelerado para 1,6% na comparação com o mesmo mês do ano passado. Hoje a venda dos supérfluos caiu e a quantidade básicos também recuou, segundo empresários.

Com a redução do auxílio emergencial e sem uma contrapartida de aumento do emprego, a perspectiva é que o consumo perca fôlego e a alta de preços arrefeça. Assaf lembra, por exemplo, que o 13.º dos aposentados já foi pago este ano e que essa injeção extra de recursos no último bimestre não vai ocorrer. “É menos dinheiro rodando na praça e menos ânimo para o cidadão repassar custos”, diz o diretor da Apas.

Na sua opinião, os aumentos de preços, que sustentaram a escalada inflacionária dos alimentos, chegaram no limite e não cabem mais no bolso do consumidor. “A indústria começou a sentir isso e a necessidade de vender vai fazer com que ela abra descontos.”

Um sinal dessa mudança já foi captado por outro empresário do setor. Diante da queda nas vendas nas lojas, nos últimos 15 dias, fabricantes de óleo de soja e beneficiadores de arroz pararam de reajustar diariamente os preços desses produtos como faziam até então. O sinal pode ser positivo, mas a verdade só será conhecida no próximo resultado da inflação.

Márcia De Chiara e Douglas Gavras, de O Estado de S.Paulo, em 29.10.2020

Apoio tóxico

Bolsonaro e Lula geram mais rejeição do que atração aos candidatos por eles apoiados.

Ao contrário do que apregoava até pouco tempo atrás, o presidente Jair Bolsonaro decidiu entrar na campanha eleitoral deste ano e declarou apoio a Celso Russomanno (Republicanos) na disputa pela Prefeitura da capital paulista. “São Paulo precisa de um prefeito com o apoio do presidente da República”, “Bolsonaro pegou no meu braço e disse ‘Celso, cuida de São Paulo’”, disse um enternecido Russomanno em seu programa de estreia no horário eleitoral gratuito no rádio e na TV.

Entretanto, desde que decidiu associar sua imagem à do presidente da República, Celso Russomanno viu despencar em 7% suas intenções de voto. O candidato do Republicanos perdeu a liderança da corrida eleitoral para o atual prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), candidato à reeleição, repetindo até aqui a trajetória de suas campanhas para o Executivo municipal em 2012 e 2016. De acordo com a pesquisa Datafolha divulgada no dia 22 passado, Russomanno caiu de 27% para 20% das intenções de voto e Covas subiu de 21% para 23%. Ambos estão empatados tecnicamente, dentro da margem de erro da pesquisa.

Bolsonaro também apoia a reeleição do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella. Como em São Paulo, o escolhido pelo presidente não vai bem nas pesquisas. O ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) tem 28% das intenções de voto, mais do que o dobro das de Crivella (13%).

Os resultados se coadunam com outra pesquisa, também realizada pelo Datafolha, que revelou que a associação com Jair Bolsonaro e com o ex-presidente Lula da Silva é fator de aumento da rejeição aos candidatos por eles apoiados, e não de atração. O instituto de pesquisa ouviu 1.092 eleitores paulistanos entre os dias 5 e 6 de outubro.

Quando instados a avaliar o apoio político dado pelo presidente Jair Bolsonaro, 63% dos entrevistados pelo Datafolha responderam que “não votariam de jeito nenhum em um candidato apoiado por ele”. Para 16% dos respondentes, o apoio de Bolsonaro os “levaria a escolher esse candidato (apoiado) com certeza”. E para 18%, o apoio conferido pelo presidente da República “talvez” os faça votar no candidato apoiado por ele. Dois por cento dos entrevistados deram outras respostas e 1% não soube responder.

Já a rejeição a um candidato apoiado por Lula da Silva na cidade de São Paulo é menor do que a apurada em relação a Jair Bolsonaro, mas ainda assim é bastante significativa: 54% dos entrevistados pelo Datafolha disseram que “não votariam de jeito nenhum” em um candidato apoiado pelo chefão petista. Já para 21% dos respondentes, o apoio de Lula da Silva é decisivo para a escolha de seu candidato a prefeito. E para outros 23%, a chancela do ex-presidente “talvez” os faça votar no ungido por ele. Um por cento deu outras respostas e 1% não soube responder. Não surpreende, portanto, por que Jilmar Tatto (PT) ocupe hoje uma posição inglória, jamais ocupada por outro candidato petista à Prefeitura de São Paulo. Tatto tem 4% das intenções de voto, empatado tecnicamente com Arthur do Val (Patriota), o chamado “Mamãe Falei”.

O nível de rejeição a um candidato é fator que tem enorme peso em uma eventual disputa em segundo turno. A alta rejeição a Russomanno provocada pelo apoio de Jair Bolsonaro pode beneficiar o candidato tucano caso sejam refletidas nas urnas as preferências que hoje são capturadas pelos institutos de pesquisa. A bem da verdade, Covas é apoiado pelo governador João Doria, que, segundo o Datafolha, também provoca mais rejeição (60%) do que atração (36%). Entretanto, dois fatores pesam a favor do atual prefeito para angariar votos além dos advindos diretamente em decorrência do apoio do governador João Doria: Bruno Covas conseguiu arregimentar a maior coligação de partidos em torno de sua reeleição e tem a aprovação da maioria dos paulistanos para sua atuação durante a pandemia de covid-19, de acordo com uma pesquisa do Ibope realizada em setembro.

O resultado da eleição municipal é incerto, evidentemente. O que parece certo é o cansaço dos paulistanos com uma polarização política estéril.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 29.10.2020

Eleição nos EUA: 3 em 4 brasileiros que vivem no país votam em Biden, diz pesquisa que apontou vitória de Trump em 2016

Se dependesse apenas da comunidade brasileira nos Estados Unidos, a eleição presidencial americana, que será realizada em cinco dias, já estaria definida. Isso porque 71% dos brasileiros que vivem no país e possuem direito a voto dizem que preferem o democrata Joe Biden, enquanto 27% optam pelo republicano Donald Trump, que concorre à reeleição. É o que indica uma pesquisa feita pelo Instituto Ideia e obtida com exclusividade pela BBC News Brasil.

O Ideia ouviu 800 brasileiros maiores de 16 anos, entre os dias 26 e 27 de outubro, nos Estados da Flórida, Virgínia, Maryland, New Jersey, Nova York, Massachusetts, Texas, Illinois e Califórnia, além do Distrito de Columbia, onde fica a capital do país, Washington D.C.. A margem de erro do levantamento é de três pontos percentuais. O instituto descobriu ainda que mais da metade desses brasileiros já votou — e engrossou os mais de 70 milhões de votos já recebidos no pleito atual. 33% deles enviaram suas cédulas via correio.

O retrato obtido pela pesquisa mostra o democrata Biden com vantagem de 44 pontos percentuais sobre o adversário Trump, em um quadro muito mais confortável do que aponta o agregado de pesquisas nacionais do site FiveThirtyEight, no qual Biden lidera com folga de nove pontos percentuais.

O que eles esperam de quem vencer a eleição?

A explicação para a ampla preferência pelo democrata também surge em uma pesquisa do Ideia realizada em setembro de 2020: 77% dos entrevistados se disseram contrários ao aumento nas restrições do governo americano sobre a imigração legal ou ilegal.

Questionados sobre quais devem ser as prioridades do próximo presidente, os brasileiros colocam em primeiro lugar, em empate técnico, a busca por uma vacina anticovid (23%), a recuperação da economia (22%) e a melhoria do sistema de saúde (19%). Na sequência, estão itens diretamente ligados à questão da imigração. Para 15%, a reforma do sistema migratório americano é o ato mais urgente do próximo mandatário e, para 13%, o presidente deveria se dedicar a criar um caminho para regularizar os indocumentados.

Foi exatamente o teor da proposta de Biden no último debate presidencial entre os candidatos, há uma semana. O democrata afirmou que levará adiante uma reforma do sistema e que enviará ao Congresso uma proposta para dar cidadania americana a 11 milhões de imigrantes que vivem de modo ilegal nos EUA hoje.

"Embora esses brasileiros que podem votar já sejam cidadãos e não estejam em risco de deportação, muitos deles nasceram aqui, filhos de imigrantes sem documentos. Ou são os chamados Dreamers, adultos jovens trazidos para os EUA ainda na infância em condição irregular. Para eles, a ameaça que as políticas de deportação representaram ou ainda representam para as suas famílias é muito real", explica Maurício Moura, fundador do Instituto Ideia e professor visitante da Universidade George Washington, em D.C..

De acordo com Moura, a comunidade brasileira, composta por cerca de 1,2 milhão de pessoas, associa Trump a uma ideia de tolerância zero com os imigrantes. O republicano se elegeu em 2016 prometendo construir um muro na fronteira com o México e colocar pra fora do país o que chamou de "bad hombres", em uma referência a latinos indocumentados nos EUA.

Durante sua gestão, Trump aumentou o número de detenções e prisões de pessoas indocumentadas. Em 2018, ele instituiu uma política de separação de milhares de famílias, inclusive brasileiras, que atravessaram sem autorização do governo americano a fronteira com o México. Por conta da medida, até hoje, 545 crianças jamais puderam ser reunidas a seus pais.

Além disso, em 2019, os americanos passaram a submeter brasileiros a deportação sumária, isto é, sem direito a audiência na Justiça. E também passaram a forçar imigrantes do país em busca de asilo a aguardar o desfecho do processo em território mexicano. Trump entrou ainda na Suprema Corte com um pedido de revogação da permanência dos Dreamers no país.

Embora o governo anterior, do democrata Barack Obama e no qual Biden era o vice-presidente, também tenha registrado recorde em deportações, para os brasileiros, o programa defendido por Trump é ainda mais agressivo e ameaçador.

"De alguma forma, é como se o Trump nem mesmo permitisse mais a vinda dessas pessoas, para depois expulsá-las. Ele tornou esse movimento inviável, e isso é grave para a comunidade", afirma Moura.

Brasileiros podem prever quem vai vencer?

Os imigrantes brasileiros costumam residir nos subúrbios, áreas no entorno de grandes cidades, como Miami, na Flórida, e Boston, em Massachusetts.

E enquanto as cidades americanas são majoritariamente democratas e as zonas rurais, republicanas, os subúrbios funcionam como uma espécie de região pendular, que a cada eleição tende para um lado do espectro político. É exatamente por essa característica que os eleitores dessas áreas têm enorme peso: eles são normalmente o fiel da balança eleitoral.

Em 2016, os subúrbios foram cruciais para a vitória de Trump sobre Hillary. Mas em 2020, parte desse eleitorado, especialmente as mulheres brancas, parece ter desembarcado da candidatura republicana. Há duas semanas, em um comício na Pensilvânia, o próprio Trump reconheceu o problema: ""As mulheres suburbanas, elas deveriam gostar de mim mais do que qualquer um aqui esta noite, porque eu acabei com a regulamentação que trouxe o crime para os subúrbios. Eu permiti a elas viverem o sonho americano. Mulheres suburbanas, vocês poderiam, por favor, gostar de mim? Eu salvei o bairro de vocês, certo?"

Como vivem nessas áreas, os brasileiros tendem a ter, de acordo com Moura, "um senso maior da realidade eleitoral nos EUA" e, por isso, seriam capazes de tomar o pulso do avanço da disputa política e de antever o resultado da eleição.

Em 2016, o Ideia também esteve em campo para aferir a preferência eleitoral da comunidade e descobriu que 78% dela votava por Hillary Clinton. Apesar disso, 52% dos brasileiros ouvidos garantiam que era Donald Trump quem venceria aquele pleito (42% diziam que seria a democrata). Contrariavam assim — e com acerto — o que era dito pelos institutos de pesquisa, que davam a Hillary uma vantagem de cerca de cinco pontos percentuais sobre Trump, e pela imprensa, cuja leitura era de que a democrata era a favorita.

Agora, no entanto, 65% dos brasileiros cravam a vitória de Biden, contra 35% que dizem que é Trump quem vai ganhar. Esses números representam uma mudança em relação ao que a própria comunidade previa em setembro de 2020: naquele momento, Trump era visto por 55% dos brasileiros como o favorito.

Entre uma pesquisa e outra, dois acontecimentos parecem ter pesado sobre o destino da disputa e a percepção dos brasileiros.

O primeiro foi o debate presidencial entre Trump e Biden no fim de setembro. Na ocasião, Trump interrompeu o oponente dezenas de vezes, criando um clima caótico no debate. A avaliação da própria campanha do republicano foi a de que seu comportamento o atrapalhou. Tanto assim que, para o último debate, na semana passada, o presidente mudou completamente sua postura diante do oponente e das câmeras.

O segundo acontecimento foi a contaminação de Trump por coronavírus no início de outubro. Os sintomas de covid-19 no presidente foram fortes — com queda de oxigenação no sangue e febres altas — e obrigaram o republicano a passar quatro dias no hospital. Segundo Moura, "a doença pegou mal para Trump", já que jogou de volta para o centro do debate um tema em que ele não vai bem.

A condução do presidente em relação à pandemia é mal avaliada pelos americanos no geral, mas sua imagem é ainda mais negativa na comunidade brasileira: em outubro, 82% dos brasileiros dizem que Trump teve desempenho ruim na crise sanitária e apenas 9% o aprovam. Em setembro, antes de sua infecção, os números eram ligeiramente melhores para Trump.

Com quase 230 mil mortes por covid-19, os EUA são o líder mundial em perdas humanas na pandemia, em números absolutos. E enfrentam agora a terceira onda de coronavírus em seu território. Os latinos são um dos grupos mais duramente atingidos pela doença: 22% dos adultos latinos já pegaram o novo coronavírus, contra 14% da população americana em geral, segundo o Pew Research.

E apesar disso, Trump tem repetido recentemente que a situação "não é tão grave" e que o vírus "está indo embora". No início do surto, o presidente americano subestimou publicamente a pandemia — enquanto dizia ao jornalista Bob Woodward estar ciente da gravidade da situação. Ameaçou cortar verbas de governadores que não suspendessem as quarentenas e reabrissem a economia. Adotou uma medida para expulsar estudantes internacionais casos suas escolas e universidade não retomassem aulas presenciais — mais tarde, o governo recuou. Defendeu terapias sem comprovação científica, como a hidroxicloroquina e chegou a sugerir injeção de desinfetante, ao mesmo tempo em que se recusava a usar máscara e a determinar seu uso obrigatório no país.

E embora seja mal avaliado em relação à covid-19 e rejeitado por boa parte da comunidade por sua política imigratória, nos últimos quatro anos, Trump conseguiu ganhar terreno entre os brasileiros que vivem nos EUA.

Em outubro de 2016, a intenção de votos para o republicano era de apenas 10%. Agora, 27% dos brasileiros nos EUA afirmam votar por ele. Os números, aliás, se aproximam dos cerca de 30% da comunidade latina que tem apoiado Trump no país.

A preferência tem muito a ver com a gestão da economia por Trump no pré-pandemia, quando o país registrava crescimento constante e pleno emprego. "Uma anedota comum entre os brasileiros é que conforme eles prosperam de vida deixam de ser democratas e se tornam republicanos", afirma Moura.

Segundo ele, especialmente entre os brasileiros por volta dos 40 ou 50 anos, empreendedores, que tem um negócio próprio e funcionários sob seu comando, os republicanos aparecem com força. Por um lado, esse grupo elogia o corte de impostos para o empresariado que Trump adotou. Por outro, teme que governos democratas deem força a sindicatos que podem trazer prejuízos aos seus negócios.

Fatores como o conservadorismo religioso também podem motivar alguns — especialmente em uma comunidade fortemente evangélica —, mas são um aspecto minoritário, analisa Moura.

Do mesmo modo, a associação entre Bolsonaro e Trump não parece ter resultado em grandes ganhos eleitorais para o americano. "Embora a comunidade brasileira tenha votado em peso em Bolsonaro em 2018, sua rejeição à política migratória de Trump explica esse fenômeno do bolsonarista anti-Trump. Estamos falando de sobrevivência pessoal e da família do eleitor, são impactos diretos sobre a vida dele, isso costuma falar mais alto do que simpatias políticas e ideológicas", diz Moura.

Mariana Sanches - @mariana_sanches, da BBC News Brasil em Washington

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Covid política e a renovação da política

Ativismo cívico é crucial para livrar o País dos vírus do populismo e do corporativismo.

A covid política é formada por dois vírus: o populismo e o corporativismo. O tratamento correto para desobstruir as artérias entupidas de uma nação sufocada pelo Estado corporativista e ineficiente é bastante conhecida. É preciso reduzir o tamanho e o custo do Estado, administrar com o devido rigor fiscal as finanças públicas e eliminar a insegurança jurídica causada pelo gigantesco cipoal de leis e normas conflitantes, que são agravadas pela arbitrariedade do Poder Judiciário em mudar constantemente o entendimento da legislação.

O corporativismo ataca as iniciativas que buscam desmantelar o Estado caro e ineficiente. Somos o País com a mais alta carga tributária entre os emergentes: taxamos 40% do produto interno bruto (PIB) do setor produtivo para financiar os privilégios do setor improdutivo. O Estado brasileiro é também o maior fomentador de desigualdade social. Nenhuma nação emergente tem uma discrepância média de salário tão alta entre os setores público e privado. No Brasil, a média do salário público é 67% maior que no setor privado.

Já o populismo debilita a confiança nas leis, nas instituições e na democracia com sua vocação para transformar a política num espetáculo circense. O menosprezo pelas leis e instituições, a incivilidade no trato pessoal e dos costumes, as piruetas da demagogia e as frases debochadas dos governantes minam a tolerância, fomentam o radicalismo e transformam a política num contexto vulgar de popularidade. É a “civilização do espetáculo”, como descreveu Vargas Llosa no seu magnífico livro em que retrata a ânsia de encararmos a vida como um espetáculo de entretenimento, pautado por sensacionalismo, frivolidade e banalidade.

O populismo e o corporativismo já deixaram sequelas importantes: uma década de baixo crescimento econômico, cinco anos consecutivos de desemprego recorde e a menor taxa de investimento privado dos últimos dois anos. Esse pesadelo deve continuar no próximo ano. Estudo recente do Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que o PIB brasileiro vai crescer menos da metade da média dos países emergentes. Enquanto a média da economia dos emergentes deve crescer 4,8% em 2021, o Brasil crescerá apenas 2,2%. Ademais, há sinais preocupantes de que o governo ameaça romper com o teto de gastos para financiar seu programa de renda básica. A desconfiança do mercado com o populismo fiscal já causou danos expressivos. A taxa de juros dos títulos brasileiros de longo prazo triplicou com o temor de que o País caminhe rumo à insolvência fiscal.

Apesar de a maioria dos brasileiros achar que a economia está no rumo errado, a popularidade de Bolsonaro continua em alta. Segundo recente pesquisa do Ipesp/XP, 39% dos brasileiros consideram o governo ótimo ou bom. A popularidade do presidente não reflete apenas o gosto popular pela política de espetáculo e pelo dinheiro no bolso dos mais pobres conferido pelo auxílio emergencial. Ela denota também a ausência de oposição. O silêncio da oposição é perturbador; retrata falta de liderança, de alternativas e de propostas para o País. A democracia perde muito em qualidade e eficácia com a inexistência de uma oposição capaz de fazer o contraponto ao governo. A troca do circo da direita pelo circo da esquerda não é alternativa concreta; trata-se apenas de uma variação sobre o mesmo tema que continuará a aprisionar o País ao Estado ineficiente, que sufoca o setor privado, afugenta investidores e alimenta a desigualdade social.

O ativismo cívico é crucial para livrar o País dos vírus do populismo e do corporativismo. Muitos governantes e parlamentares comprometidos com as reformas do Estado contam com a pressão cívica para comprar as brigas políticas para avançar com as políticas públicas inovadoras. No Parlamento, deputados e senadores aprovaram a reforma previdenciária e o marco legal do saneamento, contrariando a pressão do corporativismo estatal. Nos Estados, os governadores Flávio Dino (MA), Eduardo Leite (RS), Renan Filho (AL) e Renato Casagrande (ES) estão empenhados em implementar políticas inovadoras e reformas do Estado.

Essa união da sociedade civil e de lideranças públicas reformistas é essencial para ganhar a opinião pública e pressionar o Congresso a votar as reformas administrativa e tributária. A primeira é vital para cortar despesas públicas e melhorar a qualidade e eficiência do serviço público. A segunda é essencial para simplificar regras e acabar com um dos sistemas tributários mais caóticos do mundo. Além dessas duas reformas, o Unidos Pelo Brasil, um movimento da sociedade civil, selecionou projetos de lei que já tramitam no Parlamento capazes de impulsionar a retomada da economia e do investimento privado. Se a agenda proposta pelo Unidos Pelo Brasil for aprovada, o PIB brasileiro poderá crescer 11,35% até 2025. A aliança da sociedade civil com as boas lideranças políticas é a melhor forma para renovar a política, fortalecer a democracia e mudar o destino do País para melhor.

Luiz Felipe D'Ávila, o autor deste artigo, é cientista politico. Autor de "10 mandamentos - do Brasil que somos para o País que queremos". Publicado originalmente em O Estado de São Paulo, edição de  28.10.2020.