quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Para generais, críticas de ex-porta-voz refletem insatisfação de militares com tratamento dado por Bolsonaro

Por Gerson Camaroti

Para militares da ativa e da reserva ouvidos pelo blog, as críticas indiretas ao próprio Jair Bolsonaro feitas pelo ex-porta-voz da Presidência Otávio do Rêgo Barros refletem uma crescente insatisfação na caserna com o tratamento recebido pelo presidente.

Em artigo publicado nesta terça-feira (27) (ontem) no jornal Correio Braziliense, Rêgo Barros, general três estrelas da reserva, afirmou que o poder “inebria, corrompe e destrói”.

"Tão logo o mandato se inicia, aqueles planos são paulatinamente esquecidos diante das dificuldades políticas por implementá-los ou mesmo por outros mesquinhos interesses. Os assessores leais — escravos modernos — que sussurram os conselhos de humildade e bom senso aos eleitos chegam a ficar roucos", diz trecho do artigo.

No texto, Barros também criticou auxiliares presidenciais que se comportam como “seguidores subservientes”.

"Alguns deixam de ser respeitados. Outros, abandonados ao longo do caminho, feridos pelas intrigas palacianas. O restante, por sobrevivência, assume uma confortável mudez. São esses, seguidores subservientes que não praticam, por interesses pessoais, a discordância leal", afirmou o ex-porta-voz no artigo.

A preocupação nas Forças Armadas, principalmente no Exército, voltou a crescer na semana passada com dois episódios que causaram grande desgaste para a imagem dos militares.

O primeiro envolveu pessoalmente o presidente Jair Bolsonaro, que desautorizou publicamente e depois enquadrou o seu ministro da Saúde, Eduardo Pazzuelo, um general três estrelas da ativa.

Pazuello teve que se retratar pelo acordo para comprar vacinas contra o novo coronavírus produzidas pelo Instituto Butantan com tecnologia chinesa.

Na sequência, o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, um general quatro estrelas que entrou para a reserva recentemente, foi rotulado como “#mariafofoca” pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, num embate público pelas redes sociais.

Ao blog, um general da reserva alertou que na gestão Bolsonaro os militares estão sofrendo uma espécie de humilhação pública. E que, apesar da ascensão de vários quadros da área militar para cargos estratégicos – inclusive no primeiro escalão – há um risco de contaminação política das Forças Armadas nesse processo.

A primeira grande baixa política de um militar na gestão Bolsonaro foi a do general Carlos Alberto Santos Cruz, que ocupava o cargo de ministro-chefe da Secretaria de Governo. Ele caiu, após virar alvo da ala ideológica do governo e até mesmo do vereador Carlos Bolsonaro.

Nem mesmo o vice-presidente Hamilton Mourão, também general quatro estrelas da reserva, escapou de ataques da ala ideológica.

Numa das críticas mais duras em seu artigo, o general Rêgo Barros também mandou um recado direto:

“Os líderes atuais, após alcançarem suas vitórias nos coliseus eleitorais, são tragados pelos comentários babosos dos que o cercam ou pelas demonstrações alucinadas de seguidores de ocasião”.

Em outro trecho da publicação, o ex-porta-voz ainda afirma:

"A autoridade muito rapidamente incorpora a crença de ter sido alçada ao olimpo por decisão divina, razão pela qual não precisa e não quer escutar as vaias. Não aceita ser contradita. Basta-se a si mesmo. Sua audição seletiva acolhe apenas as palmas. A soberba lhe cai como veste."

Gerson Camaroti é comentarista político da GloboNews, do Bom Dia Brasil, na TV Globo, e apresentador do GloboNews Política. É colunista do G1 desde 2012. Publicado por G1, em 28.10.2020.


Trump teve US$ 287 milhões em dívidas perdoadas desde 2010

 Reportagem do jornal 'The New York Times' revela que a maior parte do valor está relacionada a um arranha-céu de 92 andares em Chicago.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, teve mais de US$ 287 milhões em dívidas perdoadas desde 2010, revelou na terça-feira (27) o jornal "The New York Times".

Os registros de imposto de renda do presidente americano, obtidos pelo jornal, mostram que a grande maioria da dívida perdoada pelos credores está relacionada ao projeto de um prédio de 92 andares em Chicago, o Trump International Hotel & Tower.

O projeto incluía 486 unidades de condomínio, 339 quartos de hotel, restaurantes, um bar, dois estacionamentos, um clube de saúde, um spa e um espaço de convenções e de varejo.

Segundo o "NYT", "como Trump encontrou problemas em Chicago - e manobrou para sair deles - é um estudo de caso do jeito Trump de fazer negócios".

Agora, as dívidas perdoadas fazem parte de uma investigação sobre os negócios do presidente americano conduzida pelo procurador-geral de Nova York.

Essas dívidas normalmente gerariam uma grande cobrança de impostos, pois a Receita Federal americana trata as dívidas canceladas como receita. Mas o jornal diz que Trump parece não ter pago quase nenhum imposto de renda sobre o valor por causa de grandes perdas em outros negócios.

Alan Garten, diretor jurídico da Trump Organization, disse ao "NYT" que Trump e sua empresa contabilizaram e pagaram todos os impostos devidos sobre as dívidas perdoadas.

“Todas essas transações foram realizadas em condições normais de mercado, voluntariamente celebradas entre partes sofisticadas, muitos anos atrás, após a crise financeira global de 2008 e o colapso resultante dos mercados imobiliários”, disse o diretor jurídico da Trump Organization.

Homem de negócios

Segundo a reportagem, o empreendimento encontrou problemas financeiros, com atraso na construção e dificuldade de vender os espaços disponíveis, mas os devedores não só deram mais tempo para Trump pagar a dívida como emprestaram mais dinheiro depois - e ainda foram processados pelo presidente dos EUA.

Para o jornal, a experiência em Chicago é o exemplo mais recente "da capacidade de Trump de estreitar laços com instituições financeiras e explorar o código tributário americano para amortecer o golpe de seus repetidos fracassos nos negócios".

A reportagem diz que Trump conseguiu um empréstimo de mais de US$ 700 milhões para o projeto em Chicago e foi ao Deutsche Bank. O banco concordou em emprestar US$ 640 milhões e, após atrasos na construção, o débito venceu enquanto partes do prédio ainda estavam inacabadas.

O Deutsche primeiro concedeu uma prorrogação no empréstimo, mas depois negou um pedido de prorrogação adicional. Foi quando Trump processou o banco, junto com o Fortress Investment Group - que havia fornecido um empréstimo de US$ 130 milhões para o projeto - e outros bancos e fundos que haviam comprado parte desses empréstimos.

Trump, segundo o jornal, acusou o Deutsche Banck de "práticas predatórias de empréstimo". O banco respondeu com sua própria ação judicial e exigiu o reembolso do empréstimo.

Em 2010, o Deutsche Bank, o Fortress e o então empresário chegaram a um acordo privado, cujos termos não foram divulgados. Segundo o jornal, as declarações de impostos de renda de Trump e um documento mostram que ele tinha cerca de US$ 270 milhões em dívidas do projeto.

Imposto de renda

A revelação faz parte de uma série de reportagens que o "New York Times" tem feito com base nos registros de imposto de renda do presidente americano - que ele sempre se negou a revelar, ao contrário de todos os seus antecessores.

O jornal publicou que Trump não pagou nenhum imposto de renda federal em 10 dos 15 anos, entre 2000 e 2015, por alegar que perdeu mais dinheiro do que ganhou.

O "NYT" também revelou que o presidente dos EUA pagou apenas US$ 750 em impostos federais tanto no ano em que foi eleito quanto no seu primeiro ano na Casa Branca.

Trump negou a história quando ela foi divulgada e afirmou que pagava "muito" em impostos de renda federais.

Recentemente, reportagem do jornal também mostrou que uma empresa do presidente americano tinha uma conta não revelada na China.

Segundo o jornal, a empresa pagou US$ 188,5 mil em impostos no país entre 2013 e 2015 - o que virou alvo de piada na China.

Publicado por G1, em 28.10.2020

Memento mori, artigo do ex-porta voz da Presidência da República

''A população, como árbitro supremo da atividade política, será obrigada a demarcar um rio Rubicão cuja ilegal transposição por um governante piromaníaco será rigorosamente punida pela sociedade''

Legiões acampadas. Entusiasmo nas centúrias extasiadas pela vitória. Estandartes tomados aos inimigos são alçados ao vento, troféus das épicas conquistas. O general romano atravessa o lendário rio Rubicão. Aproxima-se calmamente das portas da Cidade Eterna. Vai ao encontro dos aplausos da plebe rude e ignara, e do reconhecimento dos nobres no Senado. Faz-se acompanhar apenas de uma pequena guarda e de escravos cuja missão é sussurrar incessantemente aos seus ouvidos vitoriosos: “Memento Mori!” — lembra-te que és mortal!

O escravo que se coloca ao lado do galardoado chefe, o faz recordar-se de sua natureza humana. A ovação de autoridades, de gente crédula e de muitos aduladores, poderá toldar-lhe o senso de realidade. Infelizmente, nos deparamos hoje com posturas que ofendem àqueles costumes romanos. Os líderes atuais, após alcançarem suas vitórias nos coliseus eleitorais, são tragados pelos comentários babosos dos que o cercam ou pelas demonstrações alucinadas de seguidores de ocasião.

É doloroso perceber que os projetos apresentados nas campanhas eleitorais, com vistas a convencer-nos a depositar nosso voto nas urnas eletrônicas, são meras peças publicitárias, talhadas para aquele momento. Valem tanto quanto uma nota de sete reais.

Tão logo o mandato se inicia, aqueles planos são paulatinamente esquecidos diante das dificuldades políticas por implementá-los ou mesmo por outros mesquinhos interesses. Os assessores leais — escravos modernos — que sussurram os conselhos de humildade e bom senso aos eleitos chegam a ficar roucos.

Alguns deixam de ser respeitados. Outros, abandonados ao longo do caminho, feridos pelas intrigas palacianas. O restante, por sobrevivência, assume uma confortável mudez. São esses, seguidores subservientes que não praticam, por interesses pessoais, a discordância leal.

Entendam a discordância leal, um conceito vigente em forças armadas profissionais, como a ação verbal bem pensada e bem-intencionada, às vezes contrária aos pensamentos em voga, para ajudar um líder a cumprir sua missão com sucesso.

A autoridade muito rapidamente incorpora a crença de ter sido alçada ao olimpo por decisão divina, razão pela qual não precisa e não quer escutar as vaias. Não aceita ser contradita. Basta-se a si mesmo. Sua audição seletiva acolhe apenas as palmas. A soberba lhe cai como veste. Vê-se sempre como o vencedor na batalha de Zama, nunca como o derrotado na batalha de Canas.

Infelizmente, o poder inebria, corrompe e destrói! E se não há mais escravos discordantes leais a cochichar: “Lembra-te que és mortal”, a estabilidade política do império está sob risco.

As demais instituições dessa república — parte da tríade do poder — precisarão, então, blindar-se contra os atos indecorosos, desalinhados dos interesses da sociedade, que advirão como decisões do “imperador imortal”. Deverão ser firmes, não recuar diante de pressões. A imprensa, sempre ela, deverá fortalecer-se na ética para o cumprimento de seu papel de informar, esclarecendo à população os pontos de fragilidade e os de potencialidade nos atos do César.

A população, como árbitro supremo da atividade política, será obrigada a demarcar um rio Rubicão cuja ilegal transposição por um governante piromaníaco será rigorosamente punida pela sociedade. Por fim, assumindo o papel de escravo romano, ela deverá sussurrar aos ouvidos dos políticos que lhes mereceram seu voto: — “Lembra-te da próxima eleição!”

Paz e bem!

Otávio Santana do Rêgo Barros, o autor deste artigo, é General de Divisão do Exército Brasileiro. Doutor em ciências militares, foi o porta-voz da Presidência da República, nomeado pelo governo Jair Bolsonaro. Publicado originalmente pelo Correio Braziliense, edição de 27.10.2020. 



O que dizem as pesquisas a uma semana das eleições nos EUA

Biden tem clara vantagem nas sondagens nacionais e lidera as intenções de voto na maioria dos estados-chave para definir o pleito. Mas isso não significa que Trump não tem chance de se reeleger.

Eleitora vota em urna nos Estados Unidos

Resultado das eleições americanas será conhecido na próxima terça-feira

Em sete dias, os eleitores dos Estados Unidos definirão quem comandará o país pelos próximos quatro anos. Sondagens nacionais apontam vantagem para o candidato democrata, Joe Biden, em relação ao presidente Donald Trump, mas isso não significa que a corrida está definida.

O ex-vice-presidente de Barack Obama têm estado à frente do candidato republicano à reeleição na maioria das pesquisas nacionais desde o início do ano, chegando a obter uma vantagem de 11 pontos percentuais em algumas ocasiões.

O site de análise política FiveThirtyEight, que avalia sondagens eleitorais e publica médias, mostra Biden com 52,1% da preferência do eleitorado nesta segunda-feira (26/10), o último dado disponível, enquanto Trump tem 43%.

Mas as pesquisas de opinião nacionais não são um bom indicador para prever o resultado da eleição, servindo mais para avaliar o clima entre os eleitores antes da votação.

Em 2016, por exemplo, a candidata democrata Hillary Clinton liderou as sondagens e obteve quase três milhões de votos a mais que Trump, mas mesmo assim perdeu o pleito. Isso porque as eleições presidenciais americanas não são decididas pelo voto popular, e sim pelo Colégio Eleitoral.

Cada estado possui um determinado número de delegados, mais ou menos de acordo com a sua população. A Califórnia tem o maior número de delegados (55), enquanto Delaware, por exemplo, tem apenas três. No total, são 538 delegados. Para ganhar as eleições presidenciais, é necessário obter a maioria no Colégio Eleitoral, ou seja, 270 votos.

A maioria dos estados usa o chamado sistema winner-takes-all (o vencedor leva tudo). Ou seja, quem vencer na Califórnia, por exemplo, fica com todos os 55 votos da Califórnia, mesmo que a vantagem sobre o outro candidato tenha sido de alguns décimos de pontos percentuais. Apenas dois estados não seguem essa lógica: Maine e Nebraska. 

Portanto, para se ter uma previsão mais fiel da disputa à Casa Branca, recomenda-se analisar as pesquisas eleitorais nos estados. A maioria deles vota consistentemente em um ou outro partido. Enquanto Biden aparece com folga em estados com tendência histórica democrata, como Nova York e Califórnia, Trump tem vantagem em estados como Mississippi e Texas.

Mas também há aqueles considerados "estados-pêndulo", que não têm uma tendência definida. Na maior parte deles, Biden obtém vantagem nas pesquisas, embora com apenas cerca de um ponto percentual à frente de Trump em alguns casos, como Iowa e Carolina do Norte.

As sondagens nesses estados, considerados chave para a definição das eleições, apontam a liderança do democrata inclusive em regiões onde Trump venceu nas eleições de 2016.

Na média das pesquisas, Biden aparece à frente, por exemplo, nos estados de Michigan, Pensilvânia e Wisconsin, com cerca de 50% das intenções voto, enquanto Trump não passa de 45%. O republicano precisou vencer nesses três estados para derrotar a democrata Hillary Clinton nas últimas eleições.

Em Iowa, por exemplo, onde Trump venceu a então candidata democrata por quase 10 pontos percentuais há quatro anos, Biden aparece à frente nas intenções atualmente.

Assim, levando em conta as pesquisas estaduais e tendências históricas, o site FiveThirtyEight afirma que Biden é o favorito para vencer a eleição em 3 de novembro. A equipe realizou 40 mil simulações eleitorais para prever o resultado do pleito, e, hoje, aponta que o democrata vence em 88 de cada 100 simulações. Já o republicano leva a disputa em 12 de cada 100.

Mas, levando em conta o complexo sistema eleitoral americano, margens de erro e possíveis falhas nas pesquisas podem não refletir a realidade na próxima terça-feira.

Publicado por Deutsche Welle em 28.10.2020

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Trump e Bolsonaro destruíram as defesas da América Latina contra a covid-19, diz jornal

Reportagem do The New York Times destaca que os dois presidentes minimizaram a pandemia, promoveram remédios sem comprovação e sabotaram esforços contra a covid-19

Uma reportagem do jornal The New York Times publicada nesta terça-feira, 27, traça as semelhanças entre o presidente Jair Bolsonaro e o americano Donald Trump na condução da crise causada pelo coronavírus, destacando que ambos têm um "desprezo compartilhado pelo vírus" e construíram "uma campanha ideológica que minou a capacidade da América Latina de responder à covid-19".

A América Latina tem um terço das mortes no mundo e sofreu mais com a covid-19 do que qualquer outra região no planeta. Os EUA são o país mais afetado em número de mortes, com 225.739, seguidos pelo Brasil, com 157.397. 

O The New York Times destaca que sistemas de saúde pouco estruturados e cidades superlotadas tornaram a América Latina mais vulnerável à pandemia, mas "ao expulsar médicos, bloquear a assistência e promover falsas curas, Trump e Bolsonaro pioraram a situação, desmantelando as defesas". 

A reportagem afirma que os dois líderes mais poderosos das Américas são nacionalistas que desafiam a ciência e colocaram o crescimento econômico e as políticas de curto prazo à frente das advertências de saúde pública. Também lembra que ambos fizeram com que 10 mil médicos e enfermeiras cubanos de áreas pobres de nações como Brasil, Equador, Bolívia e El Salvador fossem mandados de volta para Cuba. Muitos partiram sem serem substituídos meses antes da chegada da pandemia, o que fragilizou a já deficiente estrutura de saúde. 

"Em seguida, os dois líderes atacaram a agência internacional mais capaz de combater o vírus - a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) - citando seu envolvimento com o programa médico cubano. Com a ajuda de Bolsonaro, Trump quase levou a agência à falência ao reter o financiamento prometido no auge do surto", afirma trecho da matéria. 

O texto ainda lembra que Trump e Bolsonaro tentaram fazer da hidroxicloroquina a peça central da resposta à pandemia, apesar do consenso médico de que o remédio é ineficaz e pode até ser perigoso. A agência americana Food and Drug Administration desencorajou, em abril, o uso da hidroxicloroquina para tratar a covid-19. "Um mês depois, Trump anunciou que os EUA enviariam ao Brasil dois milhões de doses".

“Em seu zelo para se livrar dos médicos cubanos, o governo Trump puniu todos os países do hemisfério e, sem dúvida, isso significou mais casos de covid e mais mortes”, disse Mark L. Schneider, ex-chefe de estratégia planejamento para a Organização Pan-Americana da Saúde, que foi funcionário do Departamento de Estado no governo Clinton. 

“Ninguém da Organização Pan-Americana da Saúde estava aqui e sentimos sua ausência”, lamentou Washington Alemán, especialista sênior em doenças infecciosas e ex-vice-ministro da saúde do Equador, que diagnosticou o primeiro caso confirmado de covid no país. “O suporte não foi como nos anos anteriores". 

“A OPAS não tinha as ferramentas e não tinha o dinheiro”, disse Henrique Mandetta, o ex-ministro da saúde brasileiro que trabalhou com Bolsonaro para expulsar os cubanos. “A OPAS não pôde expandir da maneira que precisava, e no Equador, na Bolívia, havia pessoas morrendo em suas casas e corpos deixados nas ruas por falta de assistência.”

Redação, O Estado de S.Paulo, 27 de outubro de 2020 | 09h28

 

País tem 157.528 óbitos registrados e 5.415.671 diagnósticos de Covid-19

O Brasil tem 157.528 mortes por coronavírus confirmadas até as 13h desta terça-feira (27), segundo levantamento do consórcio de veículos de imprensa a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde.

Desde o balanço das 20h de segunda-feira (26), 8 estados atualizaram seus dados: BA, CE, GO, MG, MS, RN, RR e TO.

Veja os números consolidados:


157.528 mortes confirmadas

5.415.671 casos confirmados

Às 8h, o consórcio publicou a primeira atualização do dia com 157.451 mortes e 5.411.932 casos.

Na segunda-feira, às 20h, o balanço indicou: 157.451 mortes confirmadas, 288 em 24 horas. Com isso, a média móvel de mortes no Brasil nos últimos 7 dias foi de 461, a menor marca desde o dia 7 de maio, quando estava em 460. A variação foi de -8% em comparação à média de 14 dias atrás, indicando tendência de estabilidade nas mortes por Covid-19, ou seja, quando não houve aumento ou queda significativa no período.

Em casos confirmados, desde o começo da pandemia 5.411.550 brasileiros já tiveram ou têm o novo coronavírus, com 17.791 desses confirmados no último dia. A média móvel de novos casos nos últimos 7 dias foi de 22.918 por dia, uma variação de +12% em relação aos casos registrados em 14 dias. Ou seja, também indicando estabilidade.

Brasil, 26 de outubro

Oito estados apresentam indicativo de alta de mortes, entre eles os três que integram a região Sul: Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, Acre, Amazonas, Amapá, Ceará e Pernambuco. A última vez em que tantos estados apresentaram tendência de alta ocorreu em 24 de setembro. Outros nove estados têm curvas que apontam queda.

Vale ressaltar que há estados em que o baixo número médio de óbitos pode levar a grandes variações percentuais. No AC, por exemplo, a média estava em 1 permaneceu em 1 no período de duas semanas, resultando em uma variação de +43%. É similar ao que ocorre no AP, que teve a média também mantida em 1 e variação de +17%.

No AM, que teve a maior variação (+80%), o número saltou de 9 para 16 mortes por dia. Os dados de médias móveis são, em geral, em números decimais e arredondados para facilitar a apresentação dos dados.

Estados

Subindo (8 estados): PR, RS, SC, AC, AM, AP, CE e PE

Em estabilidade, ou seja, o número de mortes não caiu nem subiu significativamente (10 estados): ES, RJ, SP, PA, RR, TO, MA, PB, PI e SE

Em queda (8 estados + o DF): MG, DF, GO, MS, MT, RO, AL, BA e RN

Essa comparação leva em conta a média de mortes nos últimos 7 dias até a publicação deste balanço em relação à média registrada duas semanas atrás (entenda os critérios usados pelo G1 para analisar as tendências da pandemia).

Fonte G1

As novas ameaças e o Brasil

País deve acompanhar a evolução tecnológica e geopolítica da exploração espacial.

Grande parte das facilidades da nossa vida no planeta Terra depende, para seu funcionamento diário, de objetos baseados no espaço. Sistemas de comunicação, transporte aéreo, comércio marítimo, serviços financeiros, monitoramento de clima e defesa dependem da infraestrutura espacial, incluindo satélites, estações terrestres e movimentação de dados em âmbito nacional, regional e internacional. Essa dependência apresenta sérios – e frequentemente pouco percebidos – problemas de segurança para empresas provedoras e para os governos.

Nesse cenário, começam a ser examinadas novas ameaças de ataques aos satélites em órbita que podem afetar todos os serviços e facilidades mencionados. Essas ameaças devem estar sendo avaliadas pelo governo brasileiro. Além disso, a utilização do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão, tornada possível depois de décadas de decisões equivocadas, representa um grande desafio para o governo e as empresas brasileiras. Não só pela necessidade de melhoria na infraestrutura da região e do próprio centro, mas também na legislação interna, sobre uma lei do espaço (que defina as atividades comerciais no espaço, como a utilização de detritos espaciais), sobre o órgão responsável pela negociação com empresas interessadas na utilização do CLA, a definição do contrato de licenciamento de lançamento, a ser assinado com a autoridade nacional e o comércio de tecnologia espacial.

Como qualquer outra infraestrutura digitalizada, satélites e outros objetos baseados no espaço são vulneráveis, em especial, a ameaças cibernéticas. As vulnerabilidades cibernéticas apresentam riscos muito sérios não só para esses objetos, mas também para infraestruturas essenciais terrestres. Se não forem contidas, essas ameaças poderão interferir no desenvolvimento econômico global e, por extensão, na segurança internacional. Cabe registrar que essas preocupações não são meramente hipotéticas. Na última década mais países e atores privados conseguiram adquirir e empregar meios para afetar esses objetos espaciais críticos com aplicações inovadoras que começam a representar uma ameaça real ao seu funcionamento.

A ideia da guerra espacial não é nova, começou com os foguetes V-2 da Alemanha. A eventual atividade bélica no espaço hoje se concentra nos instrumentos utilizados para as guerras na Terra. Os satélites são utilizados nas operações militares para identificar alvos e responder a questões estratégicas, além de localizar as forças militares e bombas e obter informações nos teatros de guerra. Isso torna os satélites alvos atrativos para mísseis terrestres. EUA, China e Índia estão desenvolvendo armamentos destrutivos de objetos no espaço, visando a impedir os sinais para a Terra dos satélites militares com lasers ou mesmo os explodindo, fazendo detritos se espalharem pelo cosmo. Estão também tornando suas Forças Armadas voltadas para o espaço. Em 2019 foi criada pelo governo dos EUA a Força Espacial, serviço militar independente cujos doutrina, treinamento e capacidade estão sendo definidos pelo Pentágono.

Para tentar evitar uma lei da selva espacial começa a ser discutido algum tipo de regime multilateral. No momento não há leis nem normas específicas para uma eventual guerra espacial. O Tratado sobre o Espaço Exterior, de 1967, proíbe a utilização de armas de destruição em massa no espaço, mas não trata de armas convencionais. Se dois satélites, por exemplo, ficam muito próximos de maneira ameaçadora, não há respostas adequadas. Em 2008 a União Europeia propôs um código de conduta voluntário para promover “comportamento responsável” nessa área. No mesmo ano, para se contrapor a essa iniciativa, China e Rússia propuseram um tratado que proibiria armas no espaço. O tratado não visava armas antissatélites, mas armas antimísseis baseadas no espaço. A oposição à iniciativa europeia, além da Rússia e da China, veio da América Latina e da África. Apesar de apoiar a desmilitarização do espaço, os países dessas regiões não aceitaram que os países com objetos no espaço pudessem ter o direito de usar a força para defendê-los. Nenhuma das duas iniciativas prosperou, mas experimentos militares com fins ofensivos continuam a ser feitos visando à eventual destruição de satélites que poderão ter efeitos devastadores para a defesa e as comunicações globais.

O governo brasileiro não poderá perder de vista as transformações positivas que ocorrerão na área aeroespacial pela redução de custos, por novas tecnologias e, sobretudo, pelo aparecimento de uma nova geração de empresários privados operando ao lado dos governos. Turismo para os ricos e mais avançada rede de comunicações para todos, exploração mineral e transporte de massa passarão a ter um impacto nos negócios e tornarão o espaço uma verdadeira extensão da Terra. Com visão de futuro, o Brasil, que passará a ter interesses concretos nesse campo, deveria fazer o acompanhamento da evolução tecnológica e geopolítica da exploração espacial.

Sem descurar das novas ameaças que começam a ser discutidas agora e poderão afetar as facilidades terrestres de que dispomos, o Brasil deveria participar dessas conversações, quando retomadas.

O autor deste artigo, Rubens Barbosa, foi Embaixador do Brasil em Washington (USA).Atualmente preside o Centro de Defesa e Segurança Nacional (CEDESEN). Publicado originalmente em O Estado de S. Paulo, edição de 27.10.2020.

Espírito monárquico

Mais uma vez, o presidente trata o aparato do Estado como extensão da sua casa.
 
O presidente Jair Bolsonaro participou de uma reunião com duas advogadas de seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro, para discutir supostas irregularidades em relatórios produzidos por órgãos federais de fiscalização a respeito do parlamentar, enrolado no escândalo das rachadinhas. Estiveram no encontro o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, e o diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem.

Mais uma vez, o presidente Bolsonaro trata a Presidência da República e o aparato institucional do Estado como uma extensão de sua casa, usando-os como instrumentos para resolver problemas particulares. 

Nunca é demais lembrar: o artigo 37 da Constituição, que o sr. Bolsonaro jurou respeitar e fazer respeitar, diz que o presidente da República, bem como qualquer outro integrante da administração pública, deve se pautar pelo princípio da impessoalidade. Isto é, nenhum funcionário público pode usar o cargo para fins privados – especialmente o presidente da República, por razões óbvias.

O mesmo artigo constitucional diz que outro princípio fundamental da administração pública é o da publicidade, exigência igualmente ignorada pelo presidente Bolsonaro. A reunião com as advogadas do filho Flávio Bolsonaro, realizada no dia 25 de agosto, não constava da agenda oficial nem do presidente nem de seu ministro do GSI. 

Não fosse o trabalho da imprensa, portanto, os cidadãos brasileiros seriam privados da informação segundo a qual o presidente da República se reuniu de maneira inapropriada com as advogadas de seu filho e envolveu os chefes do GSI e da Abin, para tratar de assuntos de exclusivo interesse de sua família.

Assim, pouco importa do que foram se queixar as advogadas de Flávio Bolsonaro ao pai deste – que vem a ser o chefe formal dos órgãos federais cujo trabalho é verificar se os cidadãos, como o citado senador, não estão burlando o Fisco. O que interessa é que o presidente as recebeu em sigilo e, segundo o que se sabe, usou seu poder para verificar a possibilidade de atender ao pleito da defesa do filho, envolvendo inclusive o serviço de inteligência federal, sabe-se lá com que propósitos obscuros.

Não é de hoje que o presidente Bolsonaro encara suas questões particulares como se fossem de Estado. No caso mais rumoroso, corre no Supremo Tribunal Federal um inquérito para apurar se Bolsonaro interferiu politicamente na Polícia Federal para favorecer sua encrencada família, segundo acusou o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro.

Também não é de hoje que o senador Flávio Bolsonaro não se defende objetivamente das acusações que sofre, limitando-se a lançar mão de chicanas e manobras protelatórias que tão bem caracterizaram a defesa de muitos dos réus do mensalão e do petrolão, escândalos de triste memória.

Primeiro, o senador moveu montanhas para manter o foro por prerrogativa de função, que não cabia nesse caso. Depois, alegou que o Ministério Público não podia fazer acusações com base em dados oriundos de suposta quebra de sigilo bancário. Agora, sua defesa pretende colocar sob suspeita a produção de relatórios de órgãos de fiscalização que podem comprometê-lo.

Em seu esforço para procrastinar o acerto de contas com a Justiça, o senador Flávio Bolsonaro parece de fato contar com a prestimosa ajuda do pai, que nunca escondeu que seus filhos precedem o interesse público. “Pretendo beneficiar filho meu sim”, já disse o presidente, em outra ocasião, sobre sua disposição de usar o cargo para dar uma forcinha à prole. 

E o mais espantoso é que ninguém no entorno de Bolsonaro expressa desconforto com isso. Ao contrário, parece considerar realmente que o Estado que Bolsonaro chefia temporariamente deve estar a serviço dos integrantes da “família presidencial”, expressão que não por acaso consta tanto da nota do ministro Augusto Heleno como da nota do senador a respeito da reunião sobre as supostas irregularidades na Receita – e que é muito mais apropriada a uma monarquia do que a uma república.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo. Publicado em 27.10.2010

Não é o arroz, presidente

Executivo precisa informar com urgência – e de forma crível – como pretende manter a recuperação e arrumar suas contas a partir de janeiro.

Com a grosseria habitual, o presidente Jair Bolsonaro mandou um cidadão incomodado com a alta de preços comprar arroz na Venezuela. Também de forma habitual, a reação tosca serviu para afastar um assunto desagradável e complicado. Não serviu, no entanto, para atenuar o desajuste dos preços nem para afastar uma das principais ameaças à continuação da retomada econômica. A inflação diminui o poder de compra das famílias, já afetado pela redução do auxílio emergencial e pelo desemprego recorde. O custo do arroz, tema do incidente na Feira Permanente do Cruzeiro, no Distrito Federal, é apenas um detalhe bem visível do problema diante do Executivo. Será o presidente capaz de perceber o desafio real?

Bem comportados até há pouco tempo, os preços no varejo voltaram a assombrar as famílias. A prévia da inflação, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), bateu em 0,94%, a maior variação para um mês de outubro desde 1995. A alta acumulada no ano foi de 2,31%. Em 12 meses o IPCA-15 subiu 3,52%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sem correção da renda familiar, preços mais altos acabam resultando em menor poder de consumo.

A maior pressão, como no mês anterior, veio de alimentos e bebidas. Esse componente ficou 2,24% mais caro e, por seu peso no orçamento familiar, contribuiu com 0,45 ponto para o aumento geral de 0,94%. Carnes, óleo de soja, arroz, tomate e leite longa vida foram os produtos com maiores altas de preços, na parte alimentar.

Famílias de baixa renda são as mais prejudicadas pelo encarecimento da comida e de outros itens essenciais, como o gás de cozinha. Em setembro, houve aceleração da alta de preços para famílias de todas as faixas de renda e as mais pobres foram as mais afetadas.

A inflação por faixa de renda mensal é acompanhada regularmente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). As famílias são agrupadas em seis faixas. Em setembro, as taxas de inflação dos diferentes estratos variaram amplamente, desde 0,29% para a faixa de renda muito alta até 0,98% para a de renda muito baixa.

Cerca de três quartos da inflação dos muito pobres, em setembro, são explicáveis pela alta de preços da comida. Para as famílias de renda média, a alimentação mais cara produziu 0,39 ponto porcentual da inflação de 0,56%. Para os consumidores do extremo superior o item alimentação contribuiu com 0,20 ponto do total de 0,29%. A diferença, quando se observa o período de um ano, é muito grande. Nos 12 meses até setembro de 2020 a inflação da classe de renda muito baixa atingiu 4,3%, enquanto a das pessoas de renda muito alta ficou em 1,8%.

As famílias pobres foram, proporcionalmente, as mais beneficiadas pelo auxílio emergencial, diminuído a partir de setembro e com extinção prevista para o fim de ano. Essas famílias também estão, normalmente, entre as mais afetadas pelas más condições do mercado de trabalho.

No fim de setembro estavam desocupados 14 milhões de trabalhadores, 14,4% da força de trabalho, mas o número de pessoas em condições precárias (desempregadas, desalentadas e outras) passava de 30 milhões.

Empregos devem surgir neste fim de ano, mas a melhora é sazonal. Não se sabe se as contratações igualarão as de 2019 nem se a mão de obra retida pelas empresas na virada do ano, quando a maior parte é dispensada, será maior ou menor que a de períodos anteriores.

Como nem o Orçamento está definido, é difícil qualquer previsão para 2021. Além disso, o Executivo nem sequer esboçou uma estratégia para sustentação da retomada. Em setembro, o Índice de Confiança do Comércio, medido pela Fundação Getúlio Vargas, diminuiu de 99,6 para 95,8 pontos, depois de cinco altas consecutivas. O Executivo precisa informar com urgência – e de forma crível – como pretende manter a recuperação e arrumar suas contas a partir de janeiro. Sem um mínimo de segurança, será difícil planejar os negócios, o dólar continuará alto e a inflação seguirá pressionada. O problema é bem mais grave que o preço atual do arroz.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo. Publicado originalmente em 27;10.2020

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

A ideologia bolsonarista

Na luta contra a vacina anticovid-19, os atos do presidente mostram um traço arbitrário.

Um aspecto da extrema direita no poder, do ponto de vista ideológico, é o desprezo pela ciência e, em decorrência, no caso brasileiro, pela saúde dos cidadãos. O que se apresenta como uma das grandes conquistas civilizatórias é relegado a mero instrumento de luta política, desaparecendo a preocupação com o bem coletivo. 

É simplesmente assustador que, o País alcançando a astronômica cifra de mais de 155 mil mortos pela covid-19, o debate provocado pelo presidente e suas hostes digitais gire em torno de um combate contra a vacina. Não se discute a saúde, mas os meios de propagação da morte.

Os exemplos são inúmeros deste teatro da doença e de sua aceleração, o Brasil ostentando um dos maiores índices de mortandade por milhão de habitantes. Um campeonato mundial que deveria ser motivo de vergonha, não de júbilo. Tudo está invertido, como se a perversão dos valores devesse ser a regra. A cloroquina é talvez o mais aberrante, graças à propaganda utilizada, quando é um medicamento, para esses fins, comprovadamente inútil, ineficaz. Na escassez de recursos, no entanto, milhões foram gastos por simples ordem presidencial, com o apoio de Donald Trump, que fez uma “doação” ao Brasil. Signo de “amizade”, dizia-se, quando é, na verdade, exposição de falta de consideração. O que não serve lá foi enviado para cá. Desculpem a expressão, fomos tratados como uma república bananeira.

O recente episódio da vacina Sinovac-Butantan é mais um desta ópera-bufa, que está se tornando trágica. O presidente Bolsonaro, por ato arbitrário, decide sem nenhum fundamento não comprar a vacina “chinesa”, por esta supostamente contrariar não se sabe bem lá o quê, senão o seu interesse pessoal. Vacinas são imunizações contra doenças importantes para o bem da população, não devem, de forma alguma, ser objeto de disputa política. Politizar a vacina significa menosprezar os brasileiros. Não há vacina chinesa, não há vacina do Doria, não há vacina do Bolsonaro, mas um potente instrumento de combate à doença. Se nome deveria receber, seria o dos cientistas que a descobriram. O resto é pura demagogia.

Acontece que o bolsonarismo, enquanto ideologia, introduziu a (falsa) discussão sobre a vacina num contexto de teoria da conspiração, seja contra os “chineses”, seja contra o governador de São Paulo. Tornar os chineses objeto de opróbrio, como se fosse o inimigo, atenta contra o bom senso e os interesses nacionais. A China é hoje o maior parceiro comercial do Brasil e deve ser tratada com todo o respeito e reconhecimento que essa posição lhe confere. Os chineses são os maiores importadores do agronegócio e investidores no País. Do ponto de vista dos nossos interesses, a posição presidencial pode estar causando um sério prejuízo. Além do mais, se esse desprezo pela China fosse coerente, o bolsonarismo deveria estar advogando pelo não uso de tênis, roupas, computadores e utensílios eletrônicos, cuja boa parte dos componentes é lá produzida. Deveriam abandonar a comunicação digital e as redes sociais. Ganhariam em credibilidade. E o País agradeceria.

Ainda quanto ao agronegócio, por boas e más razões a imagem do País no estrangeiro é péssima. Boas razões: a comunicação social é muito ruim e a política do ataque só nos tem prejudicado. Más razões: muitas ONGs e países estrangeiros querem prejudicar o Brasil, reduzindo a competitividade do setor e favorecendo grandes empresas e grupos estrangeiros. Acontece que a percepção é que conduz negócios e protagonismo político. Imaginem, agora, se a imagem de não combate à covid-19 no Brasil vier acoplada a uma imagem ambiental ruim? A confluência dessas duas imagens pode trazer graves prejuízos às exportações brasileiras e aos investimentos no País.

Quanto ao governador João Doria, está simplesmente fazendo o trabalho dele à frente de um Estado pujante, industrializado e inovador na área científica. Se isso lhe propiciar dividendos políticos, direito dele, por estar colaborando diretamente para a saúde dos paulistas e dos brasileiros. Ademais, a atitude do presidente Bolsonaro pode estar causando imenso prejuízo ao seu candidato à Prefeitura paulistana, Celso Russomanno, que pode ficar indiretamente com a pecha de ser contra a vacina, contra a saúde dos paulistanos. Defende ele os habitantes de sua cidade ou as diatribes do presidente? A vida ou a morte?

A ideologia bolsonarista não se caracteriza apenas por seus traços autoritários, mas também pela arbitrariedade. Não necessariamente um presidente autoritário ou um tirano faz um mau governo. Xenofonte, na Grécia, já ensinava que tiranos podem governar segundo noções de bem, até mesmo para sua permanência no poder e pelo reconhecimento dos súditos. O problema do autoritarismo é que resvala facilmente para o arbítrio, não podendo o governante ser substituído em eleições. Ora, os atos do presidente estão mostrando, nesta luta contra a vacina, um traço fundamentalmente arbitrário, para além de autoritário.

Denis Lerrer Rosenfield, o autor deste artigo, é Professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Publicado originalmente em O Esdtado de São Paulo, edição de 26.10.2020

Os números da Segurança Pública

União e Estados seguem repetindo os erros de sempre, e o crime organizado se reinventa.

Compilado pela equipe do Fórum Brasileiro de Segurança Pública com base nos registros das Polícias Civil e Militar de cada unidade da Federação, da Polícia Federal e de órgãos governamentais da União, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública que acaba de ser divulgado não deixa margem a dúvidas. Mostra que, apesar de 2019 ter sido o ano com menor taxa de homicídios da atual década, o número de assassinatos voltou a subir no primeiro semestre deste ano, revelando que o nível de violência no País continua alto, com taxas muito acima das de países desenvolvidos e em desenvolvimento. 

Entre janeiro e junho, foram registradas 25.712 mortes violentas intencionais – cerca de 7,1% a mais com relação ao mesmo período do ano passado. O aumento ocorreu em 21 dos 27 Estados brasileiros, inclusive o de São Paulo, cujas taxas eram proporcionalmente mais baixas do que a maioria das unidades federativas. Essas mortes são resultantes de homicídios dolosos, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e mortes decorrentes de ação policial. 

Responsável por 13,3% do total de mortes violentas, este último indicador atingiu no ano passado o maior patamar desde 2013, quando a letalidade policial passou a ser objeto do Anuário. São Paulo e Rio de Janeiro, o primeiro e o terceiro Estados mais populosos do País, respectivamente, responderam por 42% das mortes causadas por ação policial em 2019. 

Entre os fatores responsáveis pelo aumento da violência no primeiro semestre de 2020, segundo os coordenadores do Anuário, três merecem destaque. Em primeiro lugar, eles afirmam que as unidades federativas com as maiores taxas de crescimento de mortes violentas intencionais, entre janeiro e junho, foram Ceará, Paraíba, Maranhão e Espírito Santo – ou seja, Estados onde ocorreram greves de policiais militares, deflagradas por reivindicações corporativas, e atritos entre as forças de segurança e os governos locais, decorrentes de divergências políticas.

Em segundo lugar, estão as disputas territoriais do crime organizado que foram provocadas pela política de isolamento social no combate à pandemia. Como as lideranças foram isoladas em penitenciárias de segurança máxima, perdendo contato com suas quadrilhas, surgiram novos chefes nas ruas, explicam os coordenadores do Anuário. A pandemia também alterou o abastecimento das redes de tráfico. Por causa da redução da oferta de voos e restrições de viagens, os grandes narcotraficantes passaram a brigar por rotas terrestres de transporte de drogas que estavam sob o controle de facções rivais. 

Em terceiro lugar, destaca-se a conhecida simbiose entre a incompetência do governo na articulação nacional de um programa de segurança pública, por um lado, e a falta de recursos financeiros, por outro. Segundo o Anuário, no ano passado os gastos efetivos do governo federal com segurança caíram 3,8% com relação a 2018. “O discurso de prioridade política não foi acompanhado de melhoria da qualidade do gasto ou do aumento de despesas”, observou o diretor executivo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima. Além disso, a União e os Estados continuaram investindo mais na compra de armas e viaturas do que em informação, planejamento e estratégia, disse ele. 

Com relação às vítimas, o Anuário não trouxe novidades. Mais uma vez registrou que, em 2019, a maior parte das vítimas foi de homens jovens e negros. Por faixa etária, o grupo mais afetado foi o de até 29 anos, com 51,5% do total. Por cor, 74,4% das vítimas eram negras. 

Levantamentos como esse são fundamentais para orientar a formulação de políticas públicas. Mas, para que elas sejam eficientes e consistentes, as diferentes instâncias governamentais têm de respeitar os números e compreender o que eles apontam. Infelizmente, na União e em vários Estados a questão da segurança foi convertida em marketing eleiçoeiro, o que explica por que a atuação do poder público permanece marcada pela inépcia, enquanto a dinâmica do crime organizado vai mudando.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 26.10.2020

Lua tem muito mais água do que se pensava, sugerem estudos

Pesquisas confirmam presença de moléculas de H2O na superfície lunar e apontam que água estaria espalhada em abundância pelo satélite, inclusive em forma de gelo.


A abundância de água na superfície lunar é considerada importante para futuras missões no espaço

A Lua pode ser muito mais rica em água do que se pensava anteriormente, segundo apontaram dois estudos publicados na revista científica Nature Astronomy nesta segunda-feira (26/10).

Até a metade dos anos 1990, a ciência acreditava que o satélite da Terra era completamente seco. Foi quando surgiu uma série de descobertas sugerindo que a Lua poderia ter vestígios de água em sua superfície.

Agora, os novos estudos não só comprovaram a existência de moléculas de H2O no astro, como apontaram que elas estariam presentes em grandes quantidades, inclusive em forma de gelo.

A água é um recurso precioso, e uma presença relativamente abundante da substância na superfície lunar é considerada importante para futuras missões de astronautas e robôs no espaço, que poderiam extraí-la para beber, se refrescar ou até mesmo usá-la como combustível.

Em coletiva de imprensa nesta segunda-feira, a Nasa saudou o que chamou de "nova descoberta emocionante". A agência espacial americana planeja enviar astronautas de volta à Lua em 2024.

Uma equipe de cientistas liderada por Casey Honiball, do Centro de Voos Espaciais Goddard, da Nasa, detectou moléculas de água na superfície da Lua, presas dentro de vidros naturais ou entre grãos de detritos.

Pesquisas anteriores que encontraram indícios da presença de água no satélite não haviam sido capazes de distinguir se se tratava mesmo de água (H2O) ou de hidroxila, uma molécula composta de um átomo de hidrogênio e um de oxigênio. O novo estudo, por sua vez, usou um método de detecção que produziu resultados inequívocos.

O segundo estudo se concentrou nas chamadas "armadilhas geladas" na Lua, regiões em sua superfície que estão em estado constante de escuridão e onde as temperaturas não passam de 163 °C negativos. O frio é suficiente para que água congelada permaneça estável por bilhões de anos.

Liderada pelo cientista Paul Hayne, da Universidade de Colorado, a pesquisa sugere que a Lua possui cerca de 40 mil quilômetros quadrados de áreas permanentemente sombreadas, não iluminadas pelo Sol, que potencialmente podem abrigar bolsões ocultos de água congelada. A maioria está localizada nas regiões polares.

"Nossa pesquisa mostra que uma infinidade de regiões previamente desconhecidas da Lua podem abrigar gelo", conta Hayne. "Nossos resultados sugerem que água pode estar muito mais difundida nas regiões polares da Lua do que se pensava anteriormente, tornando mais fácil acessá-la, extraí-la e analisá-la."

Mas um mistério que ainda permanece sem solução é a fonte da água lunar. "A origem da água na Lua é uma das grandes perguntas que estamos tentando responder por meio desta e de outras pesquisas", afirma o cientista. "Atualmente, as principais hipóteses são cometas, asteroides ou pequenas partículas de poeira interplanetária, vento solar e a própria Lua, através da liberação de gases de erupções vulcânicas."

Segundo Hayne, compreender a origem da água na Lua também pode lançar luz sobre as origens da água na Terra – "ainda uma questão em aberto na ciência planetária".

Publicado originalmente por Deutsc Welle, em 26.10.2020.

Vacina de Oxford apresenta resposta robusta em idosos

Resposta imunológica nos mais velhos é semelhante à de adultos mais jovens, segundo reportagem do "Financial Times" confirmada por fabricante. Imunizante contra covid-19 está sendo testado no Brasil.


   


Médica aplica vacina no braço de mulher 

Os estudos clínicos da vacina de Oxford e da AstraZeneca são uns dos mais avançados atualmente

A vacina contra a covid-19 desenvolvida pela farmacêutica sueco-britânica AstraZeneca e pela Universidade de Oxford apresentou uma forte resposta imunológica entre idosos, semelhante à registrada em adultos mais jovens, segundo uma reportagem publicada nesta segunda-feira (26/10) pelo jornal Financial Times. A informação foi confirmada pelo laboratório.

O imunizante é um dos que estão sendo atualmente testados no Brasil. Os ensaios clínicos de fase 3 são os últimos realizados para identificar a segurança e eficácia da proteção da vacina. Em caso de resultados positivos, agências reguladoras estão liberadas para aprovar o imunizante e iniciar a vacinação em massa.

Segundo o Financial Times, fontes familiarizadas com o estudo afirmaram que a vacina gera em idosos anticorpos e as chamas células T, cujo principal objetivo é identificar e matar patógenos invasores ou células infectadas. Os resultados neste grupo teriam animado os pesquisadores.

A idade é um dos principais fatores de risco da covid-19, devido ao enfraquecimento do sistema imunológico ao longo dos anos. Por isso, os idosos são um dos grupos que mais precisam de proteção contra a doença.

Em julho, resultados preliminares dos ensaios clínicos da vacina já indicavam que ela gerava anticorpos e células T no grupo de adultos saudáveis com idade entre 18 e 55 anos. Os detalhes das descobertas mais recentes devem ser publicados em breve.

Após a publicação da reportagem, a AstraZeneca confirmou os resultados e acrescentou que eles mostraram ainda reações adversas menores entre idosos.

"É encorajador ver que as respostas imunes foram semelhantes entre adultos mais velhos e mais jovens e que a reatogenicidade [capacidade da vacina de gerar reação adversa] foi menor em idosos, nos quais a gravidade da covid-19 é maior", ressaltou um porta-voz da farmacêutica.

Ele acrescentou ainda que os resultados "constroem ainda mais o corpo de evidências para a segurança e imunogenicidade" da vacina, chamada de AZD1222.

Corrida por uma vacina

Uma vacina é vista como uma virada no jogo na batalha contra a covid-19, que já resultou na morte de mais de 1,15 milhão de pessoas em todo o mundo e gerou uma grave crise econômica global.

Os estudos clínicos da vacina de Oxford e da AstraZeneca são uns dos mais avançados atualmente. O imunizante deve ser um dos primeiros a ser aprovado no mundo.

Essa vacina usa um adenovírus que carrega um gene para uma das proteínas do coronavírus Sars-Cov-2. O adenovírus é projetado para induzir o sistema imunológico a gerar uma resposta protetora contra o vírus causador da covid-19. A tecnologia ainda não foi usada em uma vacina aprovada para uso humano, mas foi testada em vacinas experimentais contra outros vírus, como o causador do ebola.

O imunizante de Oxford foi o primeiro a receber autorização para testes no Brasil. Depois, mais três receberam a autorização, o mais recente da Janssen, unidade farmacêutica da Johnson & Johnson. Ele é tido pelo governo brasileiro como uma das principais apostas para a imunização contra o covid-19 no país.

No mês passado, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) assinou o contrato de Encomenda Tecnológica (Etec) com a AstraZeneca. A Etec garante ao Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz) o acesso a mais de 100 milhões de doses do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) para o processamento final (formulação, envase, rotulagem e embalagem) e controle de qualidade, ao mesmo tempo em que garante à Fiocruz a transferência total da tecnologia.

Realizados no Reino Unido, Brasil, Estados Unidos e África do Sul, os ensaios clínicos da vacina de Oxford, porém, não transcorreram sem problemas até agora. Em setembro, eles chegaram a ser paralisados por um curto período após um voluntário do Reino Unido apresentar uma reação adversa. Além disso, um voluntário morreu recentemente no Brasil, mas, segundo imprensa local, ele teria recebido um placebo, e não o imunizante.

Publicado originalmente por Deutsch Welle, em 26.10.2020

sábado, 24 de outubro de 2020

Ainda o futuro

 Difícil voltar ao que havia antes. Mas não sabemos bem o que virá nem o que queremos

A notícia de que uma segunda onda de disseminação do coronavírus atingiu diversos países europeus dramatizou a questão que nos perturba desde o início do ano: que futuro teremos? Em que medida ele será afetado pelas medidas que acompanharam a marcha da covid-19 pelo mundo? Quando virão as vacinas e que efeitos terão?

No Brasil, em particular, tudo ganha maior proporção, dado o caráter atrabiliário e anticientífico do presidente da República. Seus esgares ideológicos sugerem uma preferência explícita pela morte e pelo descaso, menosprezam vacinas e põem planos eleitorais à frente de providências médicas e sanitárias. Colidem com o bom senso e a responsabilidade. Embaçam ainda mais o futuro.

Não restam dúvidas de que a vida já sofre mudanças importantes. Estamos sendo obrigados a alterar hábitos e comportamentos às pressas, sem o devido processamento mental, prático e organizacional. Em dez meses vivemos como se houvessem transcorrido vários anos. Pulamos do mundo físico, material, analógico para o mundo digital. A casa passou a ser refúgio valorizado e os filhos, acompanhados mais de perto. O delivery aumentou e novas atividades produtivas brotaram. A mal chamada “uberização” invadiu setores bem estruturados.

Ingressamos com vigor no teletrabalho. A flexibilidade de horários articula-se com maiores doses de informalidade. Novos padrões infiltraram-se inapelavelmente na vida cotidiana, com vantagens e desvantagens: menos movimentação e deslocamentos, mas mais percepção de que se trabalha 24 horas por dia, de que ficamos mais dependentes de celulares e computadores, mais estressados e angustiados. A torrente de informações que desaba sobre nós provoca pasmo e confusão. A informalização crescente desprotege, causa insegurança e medo.

Tudo, porém, é seletivo e tem um claro corte de classe: as maiorias sofrem para se adaptar, ficam desempregadas com facilidade e sentem na pele a corrosão da renda. Cada passo no processo de digitalização produz uma modificação no plano do trabalho. Há mais produtividade e a mão de obra passa a ser substituída com rapidez. Máquinas de inteligência artificial deslocam os humanos, competem com eles, terminam por vencê-los. A obsolescência surge em cada curva da estrada. A exigência de qualificação torna-se a porta de entrada do mundo do emprego, que, no Brasil, paga alto preço pela baixa qualidade do sistema educacional. A nova economia pede a incorporação de recursos técnicos e intelectuais de novo tipo, cria exigências atitudinais e de formação continuada. A maioria da população está longe disso. Tudo é arrastado pela voracidade do mercado. A “desregulamentação” é do tipo arrasa-quarteirão: desmonta o que existia e de algum modo protegia.

Difícil imaginar que possamos voltar ao que havia antes. Estamos amarrados a um presente que se modifica incessantemente sem que consigamos atravessar a névoa que embaça o futuro.

Não se trata de uma “nova normalidade”. Mudanças socioculturais transcorrem quase sempre em silêncio, de modo molecular, e nos espasmos de seus fluxos vão se impondo aos indivíduos, convencendo-os de que é preciso adotar novos hábitos e valores. Mesmo quando há uma metamorfose social não há modificações repentinas. Não serão os condicionantes da covid, nem o modo como a pandemia está sendo administrada, que farão a vida ser virada de ponta-cabeça num átimo. Os efeitos dos vigorosos processos em curso amadurecerão aos poucos, em decantação. Com mais sofrimento que prazer.

Porque a política está congelada no tempo. Os partidos continuam aprisionados à mesmice. No Brasil, são desafiados pelos movimentos de renovação política, que fazem intenso trabalho pedagógico. Há protestos variados pelo mundo, mais lutas contra o racismo, a discriminação, a violência policial. A agenda eleitoral permanece ativa, a defesa da democracia agrega vozes, formando uma retórica de indignação que poucos resultados produz. Os governos continuam inoperantes, líderes “populistas” seguem se multiplicando, sem que a política consiga confrontá-los. A situação é terrível para os partidos mais à esquerda, que sofrem por estar numa posição antissistêmica sem terem uma ideia clara de sistema alternativo e sem terem, também, sustentação social consistente, o que decorre da desconstrução a que está submetida a estrutura de classes.

Ainda não se pôs em movimento uma política dedicada a pensar o futuro. Sem ela ficamos às cegas, agarrados às nossas fantasias, aos nossos fantasmas, às narrativas impulsionadas pelas redes.

Não sabemos bem o que virá pela frente, nem o que queremos. Talvez consigamos deslindar o que não desejamos: o autoritarismo, as discriminações, o racismo, a violência, a insegurança. Mas a forma do futuro permanece imprecisa, uma esfinge perturbadora. E assim permanecerá enquanto não surgir uma proposição política democrática que organize o presente e elabore uma carta de navegação que nos una e nos leve ao futuro.

Marco Aurélio Nogueira, o autor deste artigo, é Professor Titular de Teoria Política da UNESP. Publicado originalmente em O Estado de São Paulo, edição de 24.102020.

Leopoldo López, líder opositor, deixa a Venezuela

Líder opositor, de ascendência espanhola, se refugiou na Embaixada da Espanha em 30 abril de 2019 após uma rebelião frustrada contra Maduro; segundo sua família, ele fugiu do país e segue para a Espanha

Leopoldo López, um dos mais importantes líderes da oposição na Venezuela, deixou a embaixada espanhola em Caracas. Segundo sua família, ele fugiu para a Espanha neste sábado, 24. Economista de 49 anos, um dos fundadores do partido Vontade Popular, López sempre foi um dos críticos mais duros do regime chavista.

Tanto que, em agosto, quando o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, deu indulto a 110 opositores, entre políticos, jornalistas e ativistas, López não estava entre eles. Ele permaneceu enclausurado na Embaixada da Espanha em Caracas. 

De acordo com o jornal espanhol El País e a agência de notícias France Presse, López já havia cruzado a fronteira com a Colômbia com o objetivo de viajar para a Espanha onde vive seu pai, Leopoldo López Gil, deputado do Parlamento Europeu pelo Partido Popular (PP) espanhol. 


Em imagem de arquivo, Leopoldo López acena para jornalistas ao retornar para o interior da embaixada espanhola em Caracas, onde estava na condição de hóspede Foto: REUTERS/Manaure Quintero

"Ele deixou a embaixada por vontade própria e saiu da Venezuela de forma obviamente secreta, clandestina, pela fronteira com a Colômbia rumo à Espanha”, afirmou o pai de López. Lilian Tintori, mulher de López, já havia deixado a Venezuela, em junho de 2019, e se estabelecido em Madri. 

Perseguição

O ativismo político de López vem sendo uma dor de cabeça para o chavismo desde 2014, quando ele apoiou manifestações de rua contra o regime. Diferentemente de outros líderes moderados da oposição, como Henrique Capriles, que aceitam buscar o poder por meio de eleições, López é considerado mais radical e sempre defendeu os protestos populares para redemocratizar a Venezuela. 

Entre fevereiro e maio de 2014, os protestos incentivados por ele foram reprimidos com violência pelo regime. As manifestações deixaram 43 mortos, mais de 5 mil feridos e 3,6 mil presos. López foi para a cadeia, condenado a quase 14 anos por conspiração e incentivo à violência. Ele passaria a maior parte do tempo em Ramo Verde, uma prisão militar nos arredores de Caracas.

Em 2017 chegou a ter prisão domiciliar concedida, mas logo voltaria a ser perseguido de novo. Em abril de 2019, após participar de uma quartelada fracassada contra Maduro, ele se refugiou na embaixada do Chile, depois na espanhola – onde estava desde então.

Nos últimos anos, organizações de defesa dos direitos humanos descreviam o opositor como “preso político". Tanto Barack Obama quanto Donald Trump, os dois últimos presidentes americanos, pediam a sua libertação. / AFP e REUTERS.

Publicado por O Estado de São Paulo, em 24.10.2020.

Brasil passa das 156,9 mil mortes e 5,3 milhões de casos por covid-19


Foto à noite, mostra mulher parada em ponto de ônibus com máscara e, ao fundo, uma projeção de luz no prédio do Congresso dizendo: Luto 100 mil CRÉDITO,REUTERS/ADRIANO MACHADO

O coronavírus já infectou oficialmente 5.380.635 pessoas e causou a morte de 156.903 no Brasil, segundo o boletim mais recente do Ministério da Saúde, divulgado neste sábado (24/10).

Deste total, 27,7 mil casos da doença e 434 óbitos foram registrados nas últimas 24 horas. O Estado com o maior número de vítimas é São Paulo (38.726), seguido por Rio de Janeiro (20.171) e Ceará (9.246).

O país continua como o segundo do mundo com maior número de mortes na pandemia do novo coronavírus, depois apenas dos Estados Unidos, que têm mais de 222 mil mortes pela covid-19, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins.

O Brasil foi superado em número de casos, entretanto, pela Índia (7,8 milhões), agora em segundo lugar depois dos Estados Unidos (8,5 milhões de casos). Os EUA seguem sendo o país com o maior número de mortos pela pandemia: 224,7 mil vítimas fatais da covid-19 até este sábado, segundo a Universidade Johns Hopkins.

Publicado por BBC News / Brasil, em 24.10.2020.

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Uma trilha sonora para um Brasil pandêmico

O presidente está mais para lobisomem de filme de Mazzaropi do que para Duce... 

O presidente da República está em plena Revolta da Vacina. Tem ciúme da vacina. Tem ciúme de quem a tem e mais ciúme ainda de quem a terá. O presidente se descabela e se rebela. Homem do seu tempo, vive com ardor o ano de 1904. Quer atirar cadeiras nos mata-mosquitos de Oswaldo Cruz, mas o sanitarista, mau brasileiro, impatriótico, sumiu de cena antes que terminasse o ano da desgraça e não mais se voluntaria a receber desaforos.

O presidente, resoluto, impoluto e estulto, não desiste. Não abre mão da revolta. Na falta do Cruz, dispara perdigotos contra o Instituto Butantan. A vacina que se cuide. Estão pensando o quê?

A fúria presidencial, impetuosa, pomposa e prosa, é máscula, mas dança conforme a cançoneta: “Anda o povo acelerado/ com horror à palmatória/ por causa dessa lambança/ da vacina obrigatória”. Na voz do cantor Mário Pinheiro, os versos ressequidos arranham o mármore do Palácio do Planalto. Raiva da vacina. Ódio febril e varonil.

E o que virá depois? Inútil tentar descobrir. No Brasil, o passado é imprevisível (abraço, Pedro Malan).

Autoridades da Casa Branca visitam o palácio. A presidente do EximBank, o Banco de Exportação e Importação dos EUA, e o ministro da Economia daqui mesmo assinam um memorando que pode render empréstimos de até US$ 1 bilhão para o Brasil. Em troca, apoios auriverdes à cruzada de Washington para afugentar do mercado as tecnologias e empresas chinesas na implantação do 5G. Ao lado do presidente, o conselheiro de segurança nacional dos Estados Unidos participa da cerimônia.

Pensa o improvável leitor que essa solenidade foi anteontem, certo? Pois pensa errado. Outra vez, estamos mergulhados no interminável passado imprevisível. Ao fundo, Juca Chaves e um violãozinho se infiltram pelo ar-condicionado: “Hoje em dia o meu Brasil/ é uma país independente/ dentre as coisas que nós temos/ vê-se até dois presidentes./ (...) Um do sul, outro do norte/ que governam muito bem/ só que o norte é bem mais forte e governa o sul também (...)”.

Se fôssemos um pouco mais briosos – e irônicos –, iríamos de Assis Valente, o mais valente de todos e todas. Iríamos de Brasil Pandeiro. Celebraríamos malandramente que “o Tio Sam anda querendo conhecer a nossa batucada”. Festejaríamos desconfiados que “na Casa Branca já tocou a batucada de ioiô e iaiá”.

Depois disso, a gente brasileira abriria mão da malícia. Alguém desfilaria de bananas na cabeça – Carmem Miranda que nos acuda – e sacaria da manga do paletó, ou do decote, a carta ufanista que faz do samba o Rei Momo da cultura pátria, o símbolo brasileiro por excelência. Se não tiver samba, vai de rumba mesmo. Zé Carioca de mãos dadas a Mickey Mouse, Getúlio Vargas em bombachas. Se faltar a rumba, volte o samba-exaltação na veia, Ary Barroso na cabeça, “mulato inzoneiro” no meio da testa, hino nacional em feitio de batucada, jamais de oração. “Ai, essas fontes murmurantes”, coitado do jornalismo. Ai, esses vazamentos trepidantes. Ai, esse passado alucinante.

A TV Brasil exibiu com exclusividade um jogo do escrete canarinho. Consta que o narrador deu de mandar um abraço para o presidente do sul, o que deixou em estado de alerta máximo a vigilância democrática. Com toda a razão, embora não seja de hoje que as emissoras estatais botam banca e montam palanque para as “otoridade” se derramarem nos elogios recíprocos, fazendo campanha eleitoral fora de temporada. Não, não é de hoje. O cacoete da autopromoção em microfones públicos é antigo: é do passado.

O presidente prometera acabar com a EBC, a estatal que controla a TV Brasil, mas não era para acreditar. Não dava para acreditar. A facção de extrema direita que ganhou as eleições se julga a portadora da verdade e como confunde verdade com propaganda não pode viver sem propaganda. Ficaria sem verdade. Por isso jamais jogará fora um equipamento como a EBC, prontinho para ser repaginado em usina de verdades absolutas.

O que nos salva, agora, é que a facção de extrema direita que aí está não tem competência nem para ser fascista. Não é pra valer. Não tem compromisso com a coerência. Na TV Brasil, o presidente está mais para lobisomem de filmes de Mazzaropi (reprisados todos os dias) do que para Duce ou técnico de futebol. O seu fascismo é pastiche. Anauê paranauê. O fascismo termina no colo do Centrão, que quando o mercado favorece é direitão, mas não é bobo, não.

Um surdo pequeno bate o compasso. O presidente chuta a causa autoritária para escanteio e se enturma na patota do dinheiro na cueca, mais velha que a Revolta da Vacina. Entra a cuíca, que não é cueca, para entrecortar o balanço com agudos miúdos. Que samba bom. A voz macia de Blecaute estufa os alto-falantes estatais. De terno claro, camisa branca sem gravata, ginga natural, ele manda ver: “Ô, que samba bom/ ô, que coisa louca/ eu também tô aí/ tô aí, que é que há/ também tô nessa boca”.

Eugênio Bucci, o autor deste artigo, é Professor da Escola de Comunicações, Artes e Humanidades da Universidade de São Paulo. Publicado originalmente em O Estado de S. Paulo, edição de 22.10.2020.

Um presidente contra a Saúde

O que Bolsonaro deseja – e assim faz valer – é uma pasta incondicionalmente subserviente a suas idiossincrasias políticas e ideológicas

Em plena pandemia, o presidente Jair Bolsonaro demitiu dois ministros da Saúde porque eles insistiram em seguir os protocolos profissionais. Os médicos Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich recusaram-se a indicar um medicamento contra as evidências científicas e, por isso, tiveram de deixar a pasta. O presidente Bolsonaro queria um ministro da Saúde obediente às suas ordens, mesmo que elas afrontassem a ciência e a medicina. Foi assim que se chegou ao nome de Eduardo Pazuello para o Ministério da Saúde. Tão logo assumiu a pasta, o general de brigada ampliou, em estrita obediência ao arbítrio do chefe, o uso de cloroquina em pacientes com covid-19.

Ontem, o presidente Bolsonaro reiterou que, durante seu mandato, não quer o Ministério da Saúde atuando pela saúde pública. O que ele deseja – e assim faz valer – é uma pasta incondicionalmente subserviente a suas idiossincrasias políticas e ideológicas.

Na terça-feira, em reunião virtual com os 27 governadores, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, anunciou a assinatura de um protocolo de intenções para adquirir 46 milhões de doses da vacina Coronavac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. Era uma decisão estritamente técnica, em benefício da população. No momento, a Coronavac é a vacina em estágio de testes mais avançado, tendo mostrado, até agora, os melhores índices de segurança. Com um investimento estimado em R$ 1,9 bilhão, a compra até o fim do ano permitiria iniciar a vacinação já em janeiro de 2021.

Na ocasião, Eduardo Pazuello fez questão de esclarecer eventual dúvida ou desconfiança sobre a origem da vacina. Segundo o ministro da Saúde, a “vacina do Butantan será a vacina brasileira”, lembrando que o imunizante, tendo sido desenvolvido na China, será produzido integralmente no Instituto Butantan, em São Paulo.

O anúncio do protocolo para a compra dos 46 milhões de doses era uma excelente notícia para a população. O governo federal, por meio do Ministério da Saúde, dava sua contribuição para pôr fim à pandemia do novo coronavírus. A boa notícia, no entanto, durou pouco. Ontem, o presidente Bolsonaro fez questão de deixar claro que seu governo não trabalha com parâmetros técnicos e que a saúde da população não é prioridade.

Em resposta ao comentário de um jovem numa rede social – “Presidente, a China é uma ditadura, não compre essa vacina, por favor” –, Jair Bolsonaro respondeu que a vacina “não será comprada”. Em outro comentário, o presidente da República voltou a negar publicamente a informação dada pelo ministro da Saúde. Diante do pedido de uma internauta para que Eduardo Pazuello fosse exonerado urgentemente do Ministério da Saúde, porque ele estaria atuando como cabo eleitoral de João Doria, governador de São Paulo, Jair Bolsonaro disse: “Não compraremos a vacina da China”.

Assim, Eduardo Pazuello tornou-se, num período de seis meses, o terceiro ministro da Saúde a ser desmentido publicamente pelo presidente Bolsonaro, simplesmente por agir de forma coerente com o interesse público e as evidências médicas. Por respeito ao seu nome e, muito especialmente, por zelo com a saúde da população, era o caso de o general de brigada pedir as contas, assim como fizeram Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich.

No entanto, não foi o que se viu até aqui. Logo após os dois comentários do presidente Bolsonaro, o secretário executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, disse que “houve interpretação equivocada da fala do ministro da Saúde” sobre a compra de doses da Coronavac e que a pasta não firmou “qualquer compromisso com o governo do Estado de São Paulo ou com o seu governador no sentido de aquisições de vacinas contra a covid”.

Mas o presidente Bolsonaro voltou a desmentir ontem mesmo o Ministério da Saúde, dizendo que mandou “cancelar” o protocolo de intenções assinado na terça-feira. “Presidente sou eu”, disse, como se a loucura de impedir o trabalho do Ministério da Saúde pudesse ter alguma similaridade com o exercício da autoridade. É a ignorância que se faz arbítrio.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
22 de outubro de 2020 | 03h00

Brasil fecha mais empresas do que abre pelo 5º ano seguido, aponta IBGE

Entre 2014 e 2018, país perdeu cerca de 382,5 mil empresas e 2,9 milhões de pessoas assalariadas. Comércio é o setor que mais perdeu empresas.

Um levantamento divulgado nesta quinta-feira (22) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que o Brasil teve saldo negativo pelo quinto ano seguido. Isso significa que mais empresas foram fechadas do que abertas no país neste período.

De acordo com o levantamento, entre 2014 e 2018 o país perdeu cerca de 382,5 mil empresas, o que implicou na perda de 2,9 milhões de trabalhadores assalariados.

Apenas uma em cada quatro empresas sobrevive por mais de 10 anos no Brasil, aponta IBGE

O levantamento considera somente as entidades empresariais, excluindo os Microempreendedores Individuais (MEIs), órgãos da administração pública, entidades sem fins lucrativos e as organizações internacionais que atuam no país.

“O comportamento de saída e entrada de empresas tem relação direta com a atividade econômica do país. Só em 2014, 218 mil fecharam as portas. Nos anos seguintes, esse movimento continuou, mas num patamar menor, refletindo a atividade econômica do período, que vem sendo fraca desde então”, avaliou o gerente da pesquisa, Thiego Gonçalves Ferreira.

Na passagem de 2017 para 2018, o saldo negativo foi de quase 65,9 mil empresas – o terceiro mais intenso da série. Enquanto 697,1 mil novos negócios foram abertas no ano, 762,9 mil encerraram suas atividades.

O comércio foi o setor que apresentou a maior variação negativa entre abertura e fechamento de empresas de 2017 para 2018, enquanto o segmento de saúde humana e serviços sociais foi o que teve o maior saldo positivo, ou seja, que abriu mais do que fechou empresas.

O levantamento mostrou, também, que o pessoal ocupado assalariado aumentou em 419,8 mil em 2018, uma alta de 1,3%. O IBGE destacou que este contingente foi empregado, sobretudo, pelas empresas sobreviventes.

Do total de trabalhadores assalariados, 97,3% estava ocupado em empresas sobreviventes. Nessas empresas, a participação dos homens foi 60,8%, contra 39,2% de mulheres, e o percentual de empregados com nível superior chegou a 15,2%.

“Os homens também são maioria nas empresas novas e nas que fecharam as portas. Mas a participação de pessoas com maior escolaridade é menor. O que nos leva a inferir que a população mais escolarizada é mais avessa a ingressar nessas empresas, optando pelas sobreviventes, uma vez que elas também remuneram melhor”, apontou o gerente da pesquisa, Thiego Ferreira.

País volta a ter avanço de Empresas de Alto Crescimento

Em contrapartida ao saldo negativo de empresas, o Brasil voltou a registrar, em 2018, aumento do número das chamadas Empresas de Alto Crescimento (EAC), após cinco anos seguidos de queda.

IBGE classifica como EAC aquelas companhias com pelo menos 10 empregados assalariados que conseguem aumentar seu quadro de pessoal acima de 20% ao ano, por três anos seguidos. "Esse crescimento está associado ao empreendedorismo", enfatizou o órgão.

Em 2018, o número de EACs avançou 11,9%, somando 22,7 mil. Esse número, no entanto, foi o terceiro menor da série histórica. O maior número dessas empresas no país foi registrado em 2012 (35,2 mil), enquanto o menor, em 2017 (20,3 mil).

Essas empresas de alto crescimento representaram 1,0% das empresas ativas e 5,0% das empresas com 10 ou mais pessoas ocupadas. Elas foram responsáveis por 11,2% das pessoas assalariadas e pelo pagamento de 9,1% dos salários e outras remunerações.

Thiego Ferreira observa que sustentar o alto crescimento é algo raro entre as empresas. “A pesquisa mostrou que apenas 5,6% das empresas que se tornaram de alto crescimento entre 2008 e 2013 repetiram o feito cinco anos depois. É uma taxa baixa. Mais baixa ainda quando olhamos no horizonte de 10 anos (3,1%). Isso mostra o quão difícil é voltar a crescer mais pra frente”, disse ele.

Quase 2,6 mil eram empresas “gazelas”

Do total de empresas de alto crescimento, 11,4% (2.597 mil) eram as chamadas “gazelas”, que têm até cinco anos de idade. Elas também cresceram 7,2% em 2018. São empresas que empregaram 198,8 mil pessoas e pagaram R$ 4,6 bilhões em salários e outras remunerações, o equivalente

 Por Daniel Silveira, G1 — RJ / Publicado originariamente por G1, em 22.10.2020.

Segurança jurídica está no reconhecimento do que foi aprovado pelo legislador

Por Marco Aurélio Mello

A sequência no processo-crime sinaliza apurar-se para, selada a culpa, mediante a ocorrência do trânsito em julgado do título condenatório, prender-se, em verdadeira execução da pena. Essa é a regra. A confirmá-la tem-se o Capítulo 3 — Da Prisão Preventiva — do Código de Processo Penal. Preceitua o artigo 311:

[...]

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

[...]

O artigo 312 revela os móveis da prisão preventiva:

[...]

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.

[...]

Segue-se o § 1º, a dispor:

[...]

§ 1º A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4º)

[...]

No § 2º, pedagogicamente, está revelado:

[...]

§ 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.

[...]

Seguem-se os artigos 313 a 316 versando a matéria.

O conjunto de normas revela que a regra é o acusado — até então simples acusado, ante o princípio constitucional da não culpabilidade — responder solto, sendo exceção a prisão preventiva, também apontada como processual. Todo e qualquer preceito que encerre exceção deve ser interpretado de forma estrita. É o que nele se contém, não havendo campo para a criatividade.

Antes da Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019 — denominado "pacote anticrime" —, não se tinha previsão explícita sobre a duração da custódia provisória, da mitigação do princípio da não culpabilidade. Então, ficou pacificado que se deveria aferir a limitação dos dias de prisão provisória observando-se os prazos relativos à instrução processual, para chegar-se a decisão no processo-crime. Extravasados esses prazos, ter- se-ia o excesso referente à custódia preventiva.

Mais do que isso, a revelar a excepcionalidade da medida, tem-se o artigo 283 do Código de Processo Penal, declarado harmônico com a Constituição Federal na apreciação das ações declaratórias nº 43, 44 e 54. Eis o preceito:

[...]

Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado.

[...]

Colhe-se do artigo 387 do Código de Processo Penal, mais precisamente do § 1º, que o juiz, ao proferir sentença condenatória, decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva, ou de outra providência cautelar, sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta. Mais ainda, o § 2º encerra que o tempo de custódia provisória, prisão administrativa ou internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade. Mesmo diante desse balizamento normativo, os dados revelados pelo Departamento Penitenciário Nacional, Órgão ligado ao Ministério da Justiça, em 14 de fevereiro de 2020, mediante o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias de 2019, demonstram que dos 758.676 presos, no País, 253.963 são provisórios, equivalendo a 33,47% da população carcerária.

Observando o princípio da não culpabilidade, inseriu-se no artigo 316 do Código de Processo Penal preceito cogente. A cabeça do dispositivo prevê que o juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para a subsistência, e novamente determiná-la, se vierem razões que a justifiquem. O parágrafo único é de clareza solar, valendo ter presente a norma de hermenêutica e aplicação do Direito segundo a qual, onde o texto da lei é explícito, não cabe interpretação. O que se dirá reescrever a própria norma, substituindo- se o julgador ao Legislativo?

Tem-se hoje, considerado o parágrafo único do artigo 316, introduzido, repita-se, pelo pacote anticrime, Lei nº 13.964/2019, que, imposta a custódia preventiva, deverá o Órgão emissor da decisão revisar a necessidade da manutenção a cada 90 dias, mediante ato fundamentado, de ofício, sob pena de tornar ilegal a prisão. Iniludivelmente tem-se preceito que atende, em primeiro lugar, a dignidade do homem, do custodiado, que não pode ser jogado, ao que o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo disse, às masmorras, esquecido como se animal fosse. É um ser humano e deve ser tratado como tal. Em segundo lugar, a norma imperativa do parágrafo em discussão dispõe cumprir, ao emissor da decisão que implicou custódia preventiva, revisá-la a cada 90 dias, pouco importando onde esteja o processo, na maioria das vezes eletrônico. Não se trata de algo inviável, no mundo da computação. Há de haver, quer no Judiciário, quer no Ministério Público — Estado-acusador —, quer na Defensoria Pública, quer na polícia, cadastro contendo a situação jurídica daqueles que, uma vez acusados do cometimento de desvio de conduta, estejam sob a custódia do Estado. Pelo preceito, renovada a necessidade, mediante pronunciamento judicial fundamentado, da prisão preventiva, não se tem o excesso de prazo. O legislador foi explícito ao cominar consequência para o extravasamento dos 90 dias sem a formalização de ato fundamentado renovando a custódia. Previu, na cláusula final do parágrafo único do artigo 316, que, não havendo a renovação, a análise da situação do preso, a prisão surge ilegal. A tanto equivale, sem sombra de dúvida, a cláusula final: "[...] sob pena de tornar a prisão ilegal".

Garantias e franquias legais e constitucionais não são acionadas pelo homem médio. São acionadas por aqueles envolvidos em processo-crime, e isso ocorre para que haja julgamento justo. Por isso mesmo, tem-se, no artigo 261 do Código, que nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor. Mais do que isso, onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo, muito menos para inserir distinção não contemplada.

A garantia em análise é linear e alcança todo e qualquer custodiado, pouco importando a imputação a lhe recair sobre os ombros.

Nunca é demasiado reconhecer que a atuação do Judiciário é vinculada ao Direito aprovado pelo legislador, pelo Congresso Nacional. Nessa premissa está a segurança jurídica, a revelação de viver-se não em um regime de exceção, mas num Estado Democrático de Direito.

Sob o ângulo da autodefesa, há de reconhecer-se, como direito natural, o cidadão estar em lugar incerto e não sabido, não se submetendo a ato ilegal. Na apreciação do pedido de implemento de medida acauteladora no momentoso habeas corpus nº 191.836/SP, examinei dois temas. Quanto ao primeiro, relativo à subsistência, ou não, dos fundamentos da ordem de prisão cautelar, consignei:

[...]

2. O Juízo, ao determinar a prisão, referiu-se a dados obtidos mediante interceptação telefônica, vídeos, depoimentos e vigilância policial realizados durante investigação. Assentou participação do paciente em grupo criminoso voltado ao tráfico internacional de drogas e a apreensão de quase 4 toneladas de cocaína. O Tribunal de Justiça, no julgamento da apelação, concluiu persistirem os motivos que ensejaram a custódia. O quadro indica em jogo a preservação da ordem pública e a aplicação da lei penal. Sem prejuízo do princípio constitucional da não culpabilidade, a prisão mostrou-se viável, ante a periculosidade, ao menos sinalizada. Daí ter-se como fundamentado o pronunciamento atacado. A inversão da ordem do processo-crime — no que direciona a apurar para, selada a culpa, em verdadeira execução da pena, prender — foi justificada, atendendo-se ao figurino legal.

[...]

O segundo tema ficou ligado ao critério objetivo da duração da prisão provisória. Constatando inobservada a norma imperativa, cogente, do parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo Penal e, portanto, extravasado o período máximo de 90 dias relativo à custódia provisória, inexistente qualquer ato renovando-a como exigido, implementei a medida acauteladora, observando, acima de tudo, a Constituição Federal: "a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;" — artigo 5º, inciso LXV.

O quadro agravou-se, sobremaneira, quando o presidente do Supremo, à margem dos ditames legais e regimentais, arvorando-se em visão totalitária, censor do ato embora ombreando com o prolator da decisão, veio a afastá-la do cenário jurídico. Fê-lo, totalmente sem base legal, na suspensão de liminar nº 1.395. Tendo Sua Excelência levado o prounciamento, infrutífero — porque já solto e em local incerto e não sabido o acusado —, ao Plenário, este, nada obstante reconhecendo a inexistência do poder exercido pelo presidente, confirmou-o, por escore acachapante de 9 voto a 1. Votaram confirmando o ato do presidente Luiz Fux os ministros Alexandre de Moraes, Luiz Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.

Manifestei-me em sentido diametralmente oposto. Primeiro, escancarando a visão totalitária do presidente. Depois, observando não a pura literalidade do parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo Penal, mas o objetivo da norma. Em síntese, considerado instrumental voltado a preservar a liberdade de locomoção, que tem parte única — o paciente, personificado pelo impetrante —, o Tribunal acabou por sinalizar a prisão preventiva de um acusado. O habeas corpus é ação de mão única e visa beneficiar, não prejudicar, o paciente. É possível, segundo a legislação de regência, em qualquer processo, defrontando-se o julgador com ilegalidade — no caso, cominada pela norma — a alcançar a liberdade de ir e vir, implementar ordem, não havendo campo para cogitar-se do instituto da supressão de instância no que, em última análise, objetiva beneficiar, jamais prejudicar, a parte — repita-se no habeas corpus unicamente o paciente, atuando o Ministério Público como fiscal da lei, não integrando, por isso mesmo, a relação jurídica processual.

Na atuação individual, considerado exame de pedidos de tutela de urgência, tendo em vista a decisão do Pleno, tenho ressalvado óptica pessoal em sentido diverso, assentando descaber, no campo precário e efêmero, o afastamento da custódia, deixando para tornar efetiva a compreensão sobre o tema por ocasião do julgamento em colegiado.

Ao tomar posse em cargo de Juiz, há 41 anos, mais precisamente em 6 de novembro de 1978, jurei observar a Constituição Federal e as Leis da República. Assim hei de encerrar os dias judicantes, quando deixarei o ofício com o sentimento do dever cumprido.

Marco Aurélio Mello é o Ministro Decano do Supremo Tribunal Federal. Este artigo foi publicado originalmente no Consultor Jurídico, em 22.10.2020.

STJ declara ilegal a conversão em preventiva, de ofício, da prisão em flagrante

As alterações promovidas no CPP pelo "pacote anticrime" (Lei 13.964/19) excluíram a possibilidade de juiz poder converter, de ofício, a prisão em flagrante em preventiva.

Com esse entendimento, a 5ª Turma do STJ concedeu a ordem em um Habeas Corpus impetrado pela Defensoria Pública de Goiás. A decisão declara nula a conversão, de ofício, de prisão em flagrante em prisão preventiva — sem ter havido manifestação da autoridade policial ou do Ministério Público. 

A medida já havia sido reconhecida como prática ilegal em liminar concedida em junho. O STJ, antes da edição do "pacote anticrime", tinha jurisprudência no sentido de que tal conversão poderia ser decretada, sim, de ofício (Tema 10 da Edição 120, "Jurisprudência em Teses"):

"Não há nulidade na hipótese em que o magistrado, de ofício, sem prévia provocação da autoridade policial ou do órgão ministerial, converte a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal — CPP".

O defensor público Márcio Rosa Moreira, titular da 2ª Defensoria Pública de 2º Grau, explica que "esse é um caso paradigmático, pois terá reflexos em outros processos e teve especial atenção da instituição". "Mesmo com decisão recente da 6° Turma em sentido diverso, hoje, [20/10], por unanimidade, a 5ª Turma do STJ concedeu a ordem, fixando entendimento pela ilegalidade da conversão da prisão de ofício".

O HC foi impetrado para solicitar a soltura imediata de um homem e uma mulher que tiveram a prisão preventiva decretada pelo juiz sem que houvesse solicitação de autoridade policial ou do Ministério Público. 

No caso, o defensor público apontou, entre outros argumentos, a ilegalidade existente na decretação de prisão preventiva de ofício. Ele lembrou que, apesar de as audiências de custódia terem sido dispensadas pelo Conselho Nacional de Justiça durante o período da epidemia de Covid-19, a observância das formalidades legais para a decretação da prisão preventiva deve ser mantida, o que não ocorreu no caso em questão, pois não houve requerimento prévio do Ministério Público ou representação da autoridade policial.

"No sistema processual acusatório, a atividade jurisdicional depende da acusação da parte, pois o juiz não é órgão persecutório e não deve se imiscuir na investigação policial, tudo para não comprometer a sua necessária imparcialidade", argumenta Márcio Rosa Moreira.

HC 590.039 (GO)

Publicado por Consultor Jurídico, em 22.10.2020