Contaminação do presidente a 32 dias da eleição irá mudar de imediato o ritmo da campanha, com consequências políticas ainda imprevisíveis
O anúncio feito pelo presidente Donald Trump por volta da 1h da manhã desta sexta-feira, 2, que está com covid-19 gera uma reviravolta na corrida eleitoral. A contaminação do presidente pelo coronavírus a 32 dias da eleição irá mudar de imediato o ritmo da campanha, com consequências políticas ainda imprevisíveis para o resultado de uma eleição já tumultuada
Trump, que vinha fazendo comícios eleitorais e eventos de arrecadação de fundos para a campanha em ambientes fechados, iniciou a quarentena na madrugada de hoje. Se ele tiver um ciclo normal de recuperação da doença, de 14 dias após a infecção, pode ficar quase metade do tempo restante até as eleições afastado do contato com o público. Os comícios são considerados um dos maiores ativos políticos do presidente, conhecido por ser um "showman" com alta capacidade de energizar seus eleitores em discursos. Trump viajaria para a Flórida nesta sexta-feira e para o Wisconsin no final de semana, dois Estados-pêndulo cruciais para as eleições.
Donald Trump e primeira-dama Melania testam positivo para o novo coronavírus
A infecção por covid-19 também coloca em xeque a realização dos próximos dois debates com o democrata Joe Biden. O próximo encontro entre os dois candidatos está agendado para o dia 15 de outubro. A imprensa americana já discute também o que acontecerá em um cenário mais grave, caso Trump sofra com complicações da doença e esteja com a saúde ameaçada no dia da eleição, em 3 de novembro.
Um rastreamento de contágio entre o alto escalão do governo americano que esteve com Trump nos últimos dias deve acontecer hoje. Ainda não há informação da campanha do democrata Joe Biden, que esteve com Trump na terça-feira durante debate eleitoral, se ele será testado.
Com os comícios dos últimos meses, Trump tentou não apenas retomar o contato com o eleitorado, mas também mostrar que os Estados Unidos estavam voltando à vida normal apesar do coronavírus. Parte da mensagem política do presidente consiste em mostrar que ele colocou os EUA no caminho da recuperação econômica, de saúde e que conseguirá anunciar uma vacina em tempo recorde.
Tonight, @FLOTUS and I tested positive for COVID-19. We will begin our quarantine and recovery process immediately. We will get through this TOGETHER! — Donald J. Trump (@realDonaldTrump) October 2, 2020
Considerado o favorito para ganhar a disputa eleitoral no início do ano, o republicano perdeu apoio desde o início da pandemia. A maioria da população reprova a resposta dada pelo presidente à crise de saúde. Os EUA têm o maior número de casos (7,2 milhões) e de mortos (207 mil) por covid-19 no mundo.
Trump negou a gravidade do coronavírus no início do ano. Quando a situação já havia saído do controle em Nova York, na metade de março, ele endossou a necessidade de adotar medidas de isolamento, mas apenas por um breve período. Em abril, diante da explosão no número de desempregados no país e já em queda nas pesquisas de opinião, o presidente passou a pressionar governadores para reabrir a economia antes do considerado seguro por especialistas.
Desde março, o republicano entrou sucessivas vezes em choque com o corpo de infectologistas que orienta a Casa Branca, abraçou teorias de cura não comprovada, resistiu a defender o uso de máscaras e quebrou regras de distanciamento. No debate com Biden na última terça-feira, ele ironizou o fato de o democrata fazer eventos de campanha para pouquíssimas pessoas. "Ele faz círculos com três pessoas", disse Trump. "Se você conseguisse ter as multidões, você faria o mesmo (comícios)", completou o republicano, que também zombou do fato de Biden sempre aparecer de máscara em público -- algo que ele já disse que "não é muito presidencial".
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iden respondeu com a acusação de que Trump tem sido "totalmente irresponsável na forma como ele lida com distanciamento social, o uso de máscaras -- basicamente encorajando as pessoas a não usarem". "Ele é um idiota nisso", disse o democrata. Considerado uma das principais formas de prevenção, o uso de máscara foi politizado nos EUA. Apoiadores do presidente resistem a usar máscaras em muitas partes do país.
A confirmação de que Trump está com covid-19 não apenas tira o republicano da campanha, como também joga para o centro do debate público e eleitoral o tema que mais o prejudica: a pandemia. Nos últimos meses, Trump tentou mudar o foco da discussão eleitoral e centrar sua mensagem em narrativas que têm apelo entre o eleitorado republicano.
Em junho, Trump adotou o discurso de defesa da lei e da ordem diante dos protestos antirracismo e contra violência policial que se espalharam pelo país após o assassinato de George Floyd em Mineápolis. Em agosto, com novos protestos em Kenosha, no Wisconsin, Trump renovou o mesmo discurso e apelou para o medo, ao dizer que os subúrbios seriam destruídos por protestantes e anarquistas se os democratas fossem eleitos. Nas últimas duas semanas, o foco do republicano foi a indicação de uma nova juíza para a Suprema Corte, um assunto caro à base conservadora. Em todas as ocasiões, Joe Biden tentava puxar o debate novamente para questões sobre acesso à saúde em meio e a pandemia, uma fragilidade na campanha de Trump.
O impacto eleitoral ainda é imprevisível. O jornalista e âncora da CNN americana Anderson Cooper citou o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, na cobertura dessa madrugada ao dizer que Trump pode reforçar seu discurso de que a doença não é grave caso se recupere brevemente. Bolsonaro, Trump e o primeiro-ministro britânico Boris Johnson são considerados por analistas internacionais como símbolos de líderes que minimizaram a gravidade do vírus. Os três foram infectados.
A confirmação de que Trump está com coronavírus também coloca em questão o esquema de segurança da Casa Branca. O presidente alegava que pode circular e interagir sem máscara durante eventos porque todas as pessoas que o cercam são testadas diariamente. Com frequência, os eventos realizados pela presidência ou pela campanha ignoraram protocolos de segurança defendidos por médicos e autoridades do país.
Beatriz Bulla, correspondente de O Estado de S.Paulo em Washington, DC. Publicado originamente em 02.10.2020, às 07h02.
O presidente Donald Trump anunciou na madrugada desta sexta-feira, 2, que ele e a primeira-dama Melania testaram positivo para o novo coronavírus. Em uma publicação no Twitter, Trump disse que vai começar a quarentena "imediatamente". Os dois fizeram exames para a covid-19 após a conselheira próxima do presidente, Hope Hicks, ser diagnosticada com o novo coronavírus.
O médico do presidente, Sean Conley, disse em comunicado que Trump vai continuar a cumprir seus deveres “sem interrupções”. Segundo ele, o presidente e a primeira-dama passam bem e “planejam continuar em casa durante a recuperação”.
Mesmo após serem notificados dos sintomas de Hope Hicks, Trump e sua comitiva viajaram até Nova Jersey para participar de um evento de arrecadação de fundos para a campanha. O presidente entrou em contato direto com dezenas de outras pessoas, incluindo apoiadores.
Aos 74 anos, Donald Trump é um paciente de alto risco para o novo coronavírus por conta da idade e por ser considerado "acima do peso". Ele demonstrou ter boa saúde durante os últimos anos na Casa Branca, mas não costuma se exercitar com frequência ou seguir uma dieta saudável.
Trump cancelou os planos de participar de um evento de campanha na Flórida nesta sexta-feira, mas manteve na agenda uma ligação telefônica ao meio-dia sobre “apoio a idosos vulneráveis durante a covid-19”.
Presidente anunciou diagnóstico positivo na madrugada desta sexta-feira e disse que irá começar a quarentena "imediatamente" Foto: Carlos Barria/REUTERS
Hicks viajou com o presidente americano a bordo do Air Force One diversas vezes nesta semana e esteve com ele no debate, em Cleveland. Com a quarentena de Trump, a agenda de campanha muda radicalmente.
Trump, que sempre minimizou os efeitos da covid, vinha fazendo comícios com grande público. O presidente disse a Sean Hannity, âncora da Fox News, durante uma entrevista ao vivo na noite desta quinta-feira, que ele e a primeira-dama, Melania Trump, foram testados depois de saberem sobre Hicks e estavam aguardando os resultados.
Hicks, de 31 anos, foi porta-voz da campanha de Trump em 2016 e, em seguida, se tornou diretora de comunicações da Casa Branca. Em 2018, deixou o governo para ocupar um cargo na Fox News. Ela voltou à Casa Branca em fevereiro no papel de conselheira do presidente. Nos últimos dias, Hicks viajou com Trump para Pensilvânia, Ohio e Minnesota.
A conselheira foi fotografada sem máscara no comício da Pensilvânia, batendo palmas ao som de YMCA, da banda Village People, com outros assessores de Trump. Ela também não usava proteção em Cleveland (Ohio), onde foi realizado o primeiro debate da campanha presidencial na terça-feira.
Trump, que não usa máscara nem promove distanciamento social, costuma ser visto próximo a sua comitiva, que também não segue as recomendações de especialistas em saúde pública.
“O presidente leva muito a sério sua saúde e segurança, assim como a de todos que trabalham em seu apoio e do povo americano”, disse Judd Deere, porta-voz da Casa Branca. “O Departamento de Operações da Casa Branca colabora para garantir que todos os planos e procedimentos incorporem as orientações e as melhores práticas do CDC para limitar ao máximo possível a exposição à covid-19.”
Biden
Histórias falsas sobre a saúde do democrata Joe Biden se espalharam nas redes sociais dois dias após o primeiro debate presidencial. Parte das informações falsas vem de anúncios enganosos no Facebook promovidos pela campanha de Trump, além de vídeos virais no TikTok. Uma história falsa sobre Biden usando um fone de ouvido durante o debate com Trump surgiu na terça-feira e continuou a ganhar força no Facebook após o evento.
O anúncio promovido pela campanha de Trump, que incentiva as pessoas a “verificarem os ouvidos de Joe” e perguntava “por que Sleepy Joe (Joe Dorminhoco, em tradução livre) não se compromete com a inspeção do fone de ouvido?”, foi visto entre 200 mil a 250 mil vezes.
Uma parcela grande das visualizações foi de pessoas com mais de 55 anos no Texas e na Flórida. O anúncio, cujo conteúdo se originou de um tuíte de um repórter do New York Post, que citou uma única fonte anônima, diz que Biden usou o fone para que alguém lhe passasse informações.
Na plataforma TikTok, quatro vídeos que diziam que Biden estava usando um fio para “trapacear” durante o debate acumularam mais de meio milhão de visualizações, segundo uma pesquisa do grupo de vigilância de mídia Media Matters.
Um deles mostra uma foto de Biden com a mão dentro do terno, enquanto outro sobrepõe uma flecha sobre a gravata de Biden, mas nenhum dos vídeos mostra qualquer evidência visual do uso de dispositivo eletrônico.
Antes do debate, os executivos do Twitter e do Facebook revisaram hashtags, tendências e outras contas que podem violar as regras das empresas usando uma combinação de software e revisão humana.
Fonte: The Washington Post e The New York Time. Publicado no Brasil por O Estado de São Paulo, edição de 02.10.2020.