quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Separando fatos de ficção no debate entre Trump e Biden

Confronto entre presidente americano e oponente democrata foi marcado por interrupções, insultos pessoais e retórica confusa. Algumas afirmações ficaram longe da realidade. A DW checou os pontos mais controversos.

Cena de duelo televisivo entre Biden e Trump: 

Duelo televisivo entre Biden e Trump: acusações, ofensas e inverdades

O presidente Donald Trump e seu rival democrata, Joe Biden, travaram o primeiro debate da atual corrida à Casa Branca nesta terça-feira (29/09). O duelo caótico foi marcado por insultos e interrupções, e o moderador Chris Wallace, jornalista da Fox News, teve dificuldades de controlar a situação.

No geral, o debate foi ralo no contexto factual e provavelmente de pouca ajuda para os eleitores indecisos. A julgar pelas reações de especialistas políticos e comentários em plataformas de mídia social, o sentimento predominante parece ser uma mistura de incredulidade e exasperação.

Confira a checagem da DW sobre alguns dos pontos mais controversos:

Biden afirmou que "um em cada mil afro-americanos morreu por causa do coronavírus". "E se ele [Trump] não fizer algo rapidamente, no final do ano, um em cada 500 afro-americanos terá morrido."

A afirmação está parcialmente correta

Os negros, de fato, sofrem proporcionalmente mais que a parcela branca da população americana: um em cada 1.020 negros americanos morreu em razão do coronavírus, o que corresponde a 98 mortes por 100 mil pessoas, enquanto um em 2.150 americanos brancos morreu de covid-19, o que corresponde a cerca de 47 mortes por 100 mil pessoas.

Os negros americanos têm, portanto, duas vezes mais chances de morrer de covid-19 em comparação com os brancos, apesar de, em números absolutos, mais pessoas brancas morrerem devido ao coronavírus, segundo apontam os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos.

Entretanto, não é possível se dizer se a previsão de Biden sobre a taxa de um a cada 500 afro-americanos mortos está correta.

Fraude eleitoral

Trump disse mais uma vez que a votação por correio deixa a porta aberta para fraudes. "Há fraude. Eles encontraram nos riachos. Eles encontraram algumas (cédulas de votação) com o nome Trump outro dia em uma cesta de lixo. Elas estão sendo enviadas para todos os lugares. Eles enviaram mil cédulas duplicadas numa região democrata. Todos têm duas cédulas. Isso vai ser uma fraude como você nunca viu. (...) Veja a Virgínia Ocidental, lá um carteiro vendeu cédulas de votação."

De fato, houve irregularidades isoladas, conforme destacado pelo serviço postal dos EUA. Uma bandeja com cédulas foi encontrada em uma vala no estado de Wisconsin. Mas não está claro quantas ou se já tinham sido preenchidas. No estado da Pensilvânia foram encontradas nove cédulas de votação no lixo, como informado pelo Departamento de Justiça dos EUA.

No estado de Virgínia Ocidental, em maio, um funcionário dos correios foi acusado – e depois admitiu – de tentativa de fraude eleitoral ao alterar solicitações para votos por correio. Em Virgínia, até mil pessoas teriam recebido cédulas duplas. Entretanto, essas pessoas não conseguiriam votar duas vezes, segundo autoridades eleitorais. 

O fato é, entretanto, que Trump não forneceu qualquer evidência de irregularidades generalizadas. Não há evidências de fraude generalizada.

Mão coloca carta numa caixa de correio

O número de votos pelo correio deve aumentar devido à pandemia de coronavírus

Economia

Segundo Trump, em decorrência da pandemia, ele "teve que fechar a maior economia da história do nosso país". "E, a propósito, agora está sendo reconstruída", disse.

Incorreto. A economia sob Trump não teve um desempenho tão bom quanto sob os presidentes Dwight D. Eisenhower, Lyndon B. Johnson e Bill Clinton.

O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu a uma taxa anual de 2,3% em 2019, ante 2,9% em 2018 e 2,4% em 2017. Para comparação: em 1997, 1998 e 1999, o PIB anual cresceu 4,5%, 4,5% e 4,7%, respectivamente.

Um retrospecto ainda maior mostra números ainda mais evidentes. O crescimento entre 1962 e 1966 variou de 4,4% a 6,6%. Nos anos do pós-guerra 1950 e 1951, o crescimento anual foi de 8,7% e 8%, respectivamente.

A taxa de desemprego atingiu um mínimo de 3,5% sob Trump. Em 1953, era de apenas 2,5%.

Biden, por sua vez, criticou a marca do governo Trump relativa ao desemprego, afirmando que "Trump será o primeiro (presidente) na história americana" a deixar o cargo com maior número de desempregados do que quando assumiu.

Incorreto. Se Trump perder a reeleição, ele não seria o primeiro presidente na história dos Estados Unidos a deixar o cargo com taxa de desemprego maior do que quando iniciou o mandato. Isso aconteceu no governo de Herbert Hoover, que perdeu a eleição de 1932 para Franklin D. Roosevelt, quando a Grande Depressão causou perdas massivas de empregos.

Os registros oficiais de empregos remontam a 1939. Desde então, nenhum presidente terminou seu mandato com mais desempregados do que quando começou. No entanto, os sinais são de que o registro do primeiro mandato de Trump pode mostrar que ele perdeu empregos. Isso o tornaria o primeiro a fazê-lo desde Herbert Hoover, que atuou como presidente de 1929 a 1933.


Mulher negra de máscara com criança coberta por pano no colo

População negra é proporcionalmente mais atingida pelo coronavírus nos EUA

Declarações de imposto de renda

Quando questionado sobre quanto havia pagado em imposto de renda federal em 2016 e 2017, Trump disse: "Milhões de dólares, e você poderá ver."

Recentemente o jornal The New York Times publicou uma reportagem mostrando que o presidente pagou 750 dólares em imposto de renda federal em 2016 e 2017. Como comparação, as famílias de renda média em 2016 pagaram uma média de 2,2 mil dólares em imposto de renda, de acordo com o Departamento de Orçamento do Congresso.

Dos 18 anos que o New York Times analisou com base em documentos, Trump não teria pagado o imposto de renda federal em 11 deles. O ponto aqui é que Trump provavelmente pagou outros impostos - e é a isso que se referiu em sua resposta no debate -, mas não o imposto de renda federal. 

Meio ambiente

"Quero água e ar cristalinos. Quero ar lindamente limpo. Temos o carbono mais baixo. Se você olhar para nossos números, somos fenomenais", disse Trump.

Essa declaração é ao menos enganosa. O governo de Trump não é conhecido por colocar o meio ambiente em primeiro lugar. Os EUA abandonaram o Acordo Climático de Paris em 2019. O governo de Trump redefiniu ou está prestes a redefinir cem regras ambientais. Trump diz que quer ar puro. Ele enfraqueceu algumas regulamentações da Lei do Ar Limpo.

Quando se trata da afirmação sobre o carbono, não está totalmente claro a que se refere. É verdade que os Estados Unidos reduziram suas emissões de dióxido de carbono mais do que qualquer outro país, se forem considerados os números da Agência Internacional de Energia (AIE). Mas os EUA estão longe de ter as menores emissões de CO2 per capita. Segundo o Banco Mundial ou a organização científica UCS, os EUA figuram no grupo de países com as maiores emissões per capita.

Com isso em mente, falar em algo "fenomenal" parece mais uma ousadia.

Publicado por Deutsch Welle, em 30.09.2020

Desemprego sobe para 13,8% em julho, maior taxa desde 2012

País perde 7,2 milhões de postos de trabalho em apenas 3 meses e população ocupada encolheu para o menor contingente já registrado pela pesquisa.

A taxa de desemprego no Brasil subiu para 13,8% no trimestre encerrado em julho, atingindo 13,13 milhões de pessoas, com um fechamento de 7,2 milhões de postos de trabalho em apenas 3 meses. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Mensal (PNAD Contínua), divulgada nesta quarta-feira (30) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Trata-se da maior taxa de desemprego da série histórica, iniciada em 2012.

O índice corresponde a um aumento de 1,2 ponto percentual em relação ao trimestre encerrado em fevereiro (12,6%) e de 2 pontos percentuais em relação ao mesmo trimestre de 2019 (11,8%).

Desemprego julho/2020 — Foto: Economia G1

Em termos de número de desempregados, o contingente registrado no trimestre encerrado em julho é o maior desde abril do ano passado, quando os desocupados somavam 13,17 milhões. O recorde histórico foi registrado em março de 2017 (14,1 milhões).

População ocupada cai para mínima histórica

A população ocupada encolheu 8,1% em 3 meses, recuando para 82 milhões, o menor contingente da série. O número representa uma redução de 7,2 milhões pessoas em relação ao trimestre anterior e de 11,6 milhões na comparação anual.

A analista da pesquisa, Adriana Beringuy, explica que as quedas no período da pandemia de Covid-19 foram determinantes para os recordes negativos deste trimestre encerrado em julho. “Os resultados das últimas cinco divulgações mostram uma retração muito grande na população ocupada. É um acúmulo de perdas que leva a esses patamares negativos”, afirma.

A Pnad Contínua é a pesquisa mais ampla sobre o mercado de trabalho no país e é usada como indicador oficial do desemprego no Brasil.

Sinais de recuperação em setembro

Com a pandemia de coronavírus, o IBGE passou a realizar também levantamentos semanais para identificar os impactos da Covid-19 no mercado de trabalho.

Na semana passada, o IBGE mostrou que a taxa de desemprego passou de 14,3% para 13,7% entre a última semana de agosto e a primeira de setembro. As pesquisas, no entanto, não são comparáveis, devido às características metodológicas, que são distintas.

Fonte: G1

Trump e Biden travam debate caótico

Xingamentos e interrupções marcam primeiro duelo direto. Trump se recusa a condenar racistas, e Biden chama presidente de palhaço e mentiroso. Democrata sinaliza que pretende retaliar Brasil por devastação ambiental.

(Opinião do editor deste blog - O que deveria ter sido um debate entre estadistas sobre questões fundamentais para o Povo norte-americano e a segurança do resto do mundo, virou um bate-boca de esquina sob a leniência de Wallace, o moderador da Fox News, a rede de TV dita conservadora, que dá total apoio a Trump, desde a última eleição presidencial). 

Donald Trump e Joe Biden em debate

Trump interrompeu Biden repetidamente durante o debate

Faltando pouco mais de um mês para a eleição presidencial dos EUA, o primeiro debate entre Donald Trump e o candidato democrata Joe Biden na noite de terça-feira (29/09) foi marcado por ataques pessoais, insultos e constantes interrupções. O moderador do duelo, o jornalista Chris Wallace teve dificuldades de controlar a situação.

O debate teve duração de 90 minutos, sem intervalos, dividido em seis blocos de 15 minutos que abordavam diferentes tópicos.

O presidente Trump, que está atrás nas pesquisas, ficou na defensiva em parte do confronto, mas também apostou em táticas diversionistas, incluindo ataques à família de Biden e constantes interrupções durante as falas do adversário. O presidente chegou a mencionar que o único filho ainda vivo de Biden, Hunter, teve problemas com drogas no passado.

Já Biden, frustrado com as constantes interrupções de Trump logo no início do debate, pediu que o rival calasse a boca. "Você vai calar a boca, cara?", disse o democrata. "É difícil falar qualquer coisa com esse palhaço", disse o democrata em outro momento do confronto. Ele também chamou Trump de mentiroso e disse que ele é "o pior presidente que os Estados Unidos já tiveram".

Biden mencionou o Brasil durante um tópico sobre os incêndios que devastam a Califórnia e afirmou que, caso eleito, pretende trabalhar com outros países e canalizar verbas para a preservação da Amazônia. Ele também sinalizou que pode retaliar o governo brasileiro caso a devastação da floresta continue.

"A floresta tropical no Brasil está sendo destruída. Parem de destruir a floresta e, se isso não acontecer, haverá consequências econômicas significativas", completou.

Racismo e "esquerdismo"

Outro momento tenso do debate ocorreu entre Trump e moderador Wallace, que pediu que o presidente condenasse publicamente grupos supremacistas brancos, especialmente um grupo extremista de direita chamado Proud Boys. Trump evitou uma condenação direita e disse apenas: "Proud Boys, recuem e fiquem em stand by." Em seguida, apelou para o diversionismo. "Mas, vou lhe dizer uma coisa, alguém tem que fazer algo sobre o Antifa e a esquerda, porque isso não é um problema de direita, é um problema de esquerda”, afirmou.

"Este é um presidente que usou tudo como um apito de cachorro para tentar gerar ódio racista, divisão racista", disse Biden um pouco antes.

O presidente ainda tentou ligar Biden à ala mais à esquerda do Partido Democrata, afirmando que seu adversário era um apoiador do "Green New Deal" defendido por estrelas da esquerda, como o senador Bernie Sanders e a deputada Alexandria Ocasio-Cortez. Biden rejeitou a fala, e respondeu: "Não apoio o Green New Deal. Apoio o plano Biden que apresentei."

Biden ainda rejeitou outras acusações de Trump, como a de que o democrata defende diminuir o financiamento de forças policiais. "Oponho-me totalmente. Policiais precisam de assistência", disse Biden.

Suprema Corte

A abertura recente de uma vaga na Suprema Corte dos EUA também foi um ponto de conflito entre os candidatos. Trump defendeu a nomeação a conservadora Amy Barrett para a cadeira deixada por Ruth Ginsburg a pouco mais de um mês da eleição. O momento da indicação contrasta com a posição republicana adotada em 2016, quando o partido bloqueou uma indicação de Barack Obama alegando que ela deveria ser prerrogativa do presidente que vencesse a eleição naquele ano.

"Eu não fui eleito para três anos, fui eleito para quatro anos", disse Trump.

Já Biden evitou responder a uma pergunta sobre se pretende aumentar o número de juízes na Suprema Corte, mas defendeu que a nomeação para a vaga de Ginsburg não deveria ser feita neste momento porque a eleição já está em andamento em alguns estados.

Covid-19

Em geral, os ataques e a tensão no confronto obscureceram discussões sobre políticas específicas. Biden ainda acusou Trump de ter "entrado em pânico" durante a pandemia do novo coronavírus, que já matou mais de 200 mil americanos.

"Muitas pessoas morreram, e muitas outras vão morrer, a menos que ele (Trump) seja mais inteligente", disse Biden.  "Ele sabia desde fevereiro quão sério isso era, sabia que era mortal. O que ele fez? Ele disse que não queria criar pânico. Ele entrou em pânico", disse Biden.

Trump defendeu a condução da crise pelo seu governo e contra-atacou Biden de maneira pessoal pelo uso da palavra "inteligente”. "Você se formou como o últimos como um dos últimos da sua turma", disse o presidente. "Nunca use a palavra inteligente comigo. Nunca use essa palavra."

Em outro momento, quando Biden acusou Trump de ofender os militares, o presidente voltou a distribuir ataques pessoais. Ele disse que Beau Hunter, um dos filhos do democrata, "foi expulso das Forças Armadas". "Ele foi expulso de forma desonrosa por usar cocaína", disse Trump. Biden respondeu: "Meu filho, assim como muitas outras pessoas, como muitas pessoas que vocês conhecem, tem um problema com drogas." Beau Biden morreu em consequência de um tumor cerebral em 2015.

Resultado

Trump também voltou a não se comprometer a aceitar o resultado das eleições em caso de derrota. Ele ainda voltou a repetir, sem apresentar provas, que a votação realizada por correio tem risco de ser fraudada, apesar de já ter sido realizada com sucesso várias vezes no passado. 

"Se for uma eleição justa, estou 100%. Mas se eu vir milhares de cédulas sendo manipuladas, não posso concordar com que... Isso significa que você tem uma eleição fraudulenta", disse.

Biden, por sua vez, acusou Trump de tentar "assustar" os eleitores para convencê-los a desistir de votar.

O democrata ainda explorou a recente revelação feita pelo jornal The New York Times de que Trump não pagou imposto de renda em 11 dos últimos 18 anos. "Mostre seu imposto de renda", rebateu Biden, que divulgou suas próprias declarações ao fisco horas antes do debate.

Uma pesquisa instantânea da CNN apontou que 60% dos espectadores do debate apontaram que Joe Biden se saiu melhor do que Trump. Pelo levantamento, 28% disseram que Trump foi o vencedor da noite.

No entanto, o debate deve ter apenas o efeito de reforçar as convicções dos eleitores. Segundo uma pesquisa Wall Street Journal/NBC News, mais de 70% dos americanos dizem que não consideram o debate muito importante para decidir o voto.

Publicado originalmente por Deutsh Welle, em 30.09.2020.

A chanchada da Renda Cidadã

O arranjo defendido por Jair Bolsonaro, por seus aliados e pelo ministro Paulo Guedes é apenas uma coleção de remendos de baixíssima qualidade

Calote, pedalada, burla, drible e contabilidade criativa foram algumas das palavras mais ouvidas, no mercado, quando se anunciou a fórmula escolhida para financiar a Renda Cidadã, a nova bandeira eleitoral do presidente Jair Bolsonaro. A imprensa também registrou avaliações como “calote temporário” e “medida estarrecedora”. Conhecida a proposta, o dólar chegou a R$ 5,67, um novo recorde, revertido quando o Banco Central entrou no jogo vendendo moeda americana. A Bolsa deixou a coreografia internacional e encerrou o dia com um tombo de 2,41%.

A proposta assustadora foi anunciada depois de uma reunião do presidente, no Palácio da Alvorada, com parlamentares aliados e ministros, incluído o da Economia, Paulo Guedes. O apoio de Guedes ao esquema demonstra a função real, no atual governo, de um Ministério para assuntos econômicos: cumprir ordens, sem levar em conta prioridade, conveniência econômica e financeira e até critérios de responsabilidade fiscal.

A fórmula para acomodar o novo programa social, substituto do Bolsa Família, é uma combinação perversa de dois truques. Em primeiro lugar, pagamentos previstos de precatórios podem ser limitados, isto é, reduzidos. Em segundo, uma parcela do Fundeb poderá ser convertida em Renda Cidadã. Este componente, se aceito, pode proporcionar uma vantagem especial, por ser isento do teto de gastos. O teto limita o aumento da despesa à inflação tomada como baliza da lei orçamentária.

Calote ou ameaça de calote, a ideia de reduzir o pagamento de precatórios foi criticada pelo ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União, por políticos, por investidores do mercado e por especialistas em contas públicas. Precatórios correspondem a dívidas do governo reconhecidas pela Justiça. São obrigações financeiras vinculadas a ordens judiciais. Limitar seu pagamento corresponde, em primeiro lugar, a uma escolha de quem terá prioridade no ressarcimento. Isso envolve questões de decência. Envolve também problemas de legalidade.

A questão da moralidade é evidente, mas adiar o pagamento, nesse caso, pode ser também um crime de responsabilidade, análogo às pedaladas do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, como observou o economista Carlos Kawall, diretor da Asa Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional. No caso da presidente petista, a violação da lei motivou um processo político encerrado com impeachment, isto é, com perda do cargo.

Igualmente indefensável é o uso de recursos do Fundeb para financiar a Renda Cidadã. A tentativa de usar esse fundo para burlar o teto de gastos já havia sido rejeitada pelo Congresso. Além da manobra para romper o limite, haveria um claro desvio de finalidade de uma importante fonte de financiamento educacional. Mas a fórmula envolve outras importantes questões legais.

Para criar um gasto permanente, o poder público deve encontrar uma fonte permanente de receita ou eliminar, também de forma duradoura, alguma despesa de montante compatível com a nova necessidade. Nenhuma dessas condições se verifica. Adiar o pagamento de precatórios apenas empurra a despesa com a barriga, sem eliminá-la, como observa o diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto. É fácil perceber esse fato mesmo sem o auxílio de um especialista em contas públicas.

Meter a mão no Fundeb também pode proporcionar apenas uma solução temporária, fora do padrão da Lei de Responsabilidade Fiscal. O arranjo defendido pelo presidente, por seus aliados e pelo ministro da Economia é apenas uma coleção de remendos de baixíssima qualidade, digna de malandragens das velhas chanchadas.

Chanchadas, no entanto, podiam ser divertidas, eram inofensivas e envolviam competência técnica e artística. Nenhuma dessas qualidades aparece na fórmula para financiar a bandeira eleitoral do presidente Bolsonaro. “O Brasil é um país sério”, disse o ministro Guedes, tentando defender o indefensável. Seria bom se o Executivo também mostrasse alguma seriedade ao cuidar da economia e do dinheiro público.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, edição de 30.09.2020

A vaga no Supremo

Notável saber jurídico e reputação ilibada são condições para o bom funcionamento do STF

 Em novembro, o ministro Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal (STF) completará 75 anos, idade que dá ensejo à aposentadoria compulsória. No entanto, o decano do STF requereu aposentadoria voluntária a partir do dia 13 de outubro. “Razões estritas (e supervenientes) de ordem médica tornaram necessário, mais do que meramente recomendável, que eu antecipasse a minha aposentadoria, que requeri, formalmente, no dia 22 de setembro de 2020”, disse Celso de Mello ao Estado. Com isso, o preenchimento de sua vaga no Supremo pode ter sido antecipado em um mês.

Sempre, mas especialmente em momentos como o atual, o procedimento e as condições para a escolha de um novo ministro devem ser rigorosamente respeitados. “O STF compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”, diz o art. 101 da Constituição.

Mais do que meros requisitos formais, são condições para o bom funcionamento do Supremo. Por isso, a Constituição estabelece que “os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal”. O Poder Executivo indica o nome e o Legislativo, por meio do Senado, faz o controle dos requisitos.

Critica-se, com frequência, o procedimento para o preenchimento das vagas do Supremo. Ao longo dos anos, foram apresentadas no Congresso muitas propostas de mudança do texto constitucional. Naturalmente, todo processo tem falhas. No entanto, como dissemos neste espaço, “esse sistema funciona bem desde que o Senado compreenda que as sabatinas não são protocolares nem devem ser feitas em clima de camaradagem e com roteiro prévio. Quando levadas a sério, são excelente antídoto para barrar a entrada numa corte suprema de indicados medíocres, sem currículo e biografia”.

O Senado pode desde já contribuir para uma escolha constitucionalmente adequada do sucessor do ministro Celso de Mello, deixando claro ao presidente Jair Bolsonaro que não aceitará uma indicação fora dos requisitos previstos. Por exemplo, de que não validará nomes que, em matéria de saber jurídico, são o que Ruy Barbosa chamava de “nulidades”.

A atuação responsável do Senado pode ajudar Jair Bolsonaro a se recordar do que ocorreu no ano passado, quando ele manifestou o desejo de nomear o filho Eduardo como embaixador do Brasil nos Estados Unidos. A competência privativa do presidente da República de indicar um nome para determinado cargo não significa autorização para agir arbitrariamente. É preciso respeitar os requisitos constitucionais de cada cargo.

As condições para ministro do Supremo estão expressas: reputação ilibada e notável saber jurídico. Os próprios adjetivos empregados pela Constituição – ilibada e notável – indicam que não deve haver nenhuma dúvida quanto ao caráter e ao conhecimento jurídico do indicado. Ou seja, o respeito à Constituição é incompatível com qualquer tipo de transigência na aferição dos dois requisitos para o preenchimento de uma vaga no Supremo.

Desde o início do governo, o presidente Bolsonaro já mostrou ter dificuldades de compreensão sobre a escolha e o papel de um ministro do Supremo. Por exemplo, em maio do ano passado, Jair Bolsonaro disse, em entrevista à Rádio Bandeirantes: “Eu fiz um compromisso com ele (Sérgio Moro), porque ele abriu mão de 22 anos de magistratura. Eu falei: a primeira vaga que tiver lá, vai estar à sua disposição”. Mais recentemente, Bolsonaro falou que indicaria um ministro “terrivelmente evangélico”. Também já manifestou o desejo de que o futuro ministro do Supremo defenda na Corte o governo.

O papel do Supremo é defender a Constituição. E o papel do Senado é defender o Supremo, garantindo a independência da Corte. Não basta ter a confiança do presidente da República. O indicado deve ter reputação ilibada e notável saber jurídico. Deve ser um cidadão respeitável e sério.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, edição de 30.09.2020

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Imbróglio ambiental

Se o Brasil está virando um pária internacional, isso se deve à política conduzida pelo governo

 A questão ambiental tornou-se uma espécie de faroeste, com mocinhos e bandidos se enfrentando. Os “mocinhos” de ocasião são os ambientalistas, por mais que suas diferenças internas sejam grandes, alguns com históricos esquerdistas, alinhados agora com banqueiros. Os “bandidos” são a agricultura, a pecuária e o agronegócio em geral, como se eles fossem os responsáveis pelo desmatamento, quando são alheios em suas atividades ao que lá acontece, embora haja irresponsáveis nesse campo. A realidade é muito mais multifacetada.

Convém lembrar que o Brasil é um dos países mais preservacionistas do planeta, com cobertura de mata nativa em torno de 64% de seu território. São dados tanto da Embrapa quanto da Nasa, algo que não deveria ser contaminado por discussões ideológicas, expondo um grau de conservação ambiental ímpar em termos mundiais. No caso da Amazônia, os proprietários rurais são obrigados, por conta própria, a preservar 80% de sua área, graças ao instituto da reserva legal, exemplo único no mundo. Qual dos países europeus, que tanto criticam o Brasil, pode ostentar tal grau de preservação? Por que não importam o instituto da reserva legal?

Além do mais, o desmatamento anterior, se é que podemos utilizar esse nome, se deve à abertura de áreas para a agricultura e a pecuária, ou seja, para a produção de alimentos. Ou a humanidade não deverá doravante se alimentar? O Brasil, graças ao investimento em ciência e tecnologia e ao empreendedorismo dos produtores rurais, tornou-se um campeão da produção mundial de alimentos. A área cultivada do País cresce muito menos do que a sua produtividade, o que faz que o mundo hoje dependa da produção nacional de alimentos. E frise-se, isso nada tem que ver com a Amazônia, a produção concentra-se no Centro-Oeste, no Sudeste e no Sul. O que se exporta não é cultivado na Amazônia, salvo exceções, em áreas regularizadas. 

Dito isto, a política governamental tem sido um desastre. Como disse o próprio presidente Bolsonaro, a comunicação é péssima, de onde logicamente deveria extrair a conclusão de uma mudança completa nessa área. Uma medida muito acertada foi a criação do Conselho da Amazônia, sob a coordenação do general Hamilton Mourão, pessoa inteligente e com compreensão do problema, capaz de estabelecer diálogos com ONGs e governos estrangeiros. A pauta deveria ser o diálogo. Acontece que o confronto continua a ser a regra do atual governo, embora tenha havido algum apaziguamento.

O governo tem sido, sim, omisso na questão ambiental, ora negligenciando-a, ora compactuando com garimpeiros, ora não supervisionando, ora criticando instituições científicas de monitoramento. Tampouco é de valia um ataque sistemático a governos estrangeiros e ONGs, piorando ainda mais a imagem nacional e criando obstáculos à vinda de investimentos. Se o Brasil está se tornando uma espécie de pária na cena internacional, isso se deve à política conduzida. Quando se erra, pede-se desculpa e não se persevera no erro.

Tampouco adianta os ambientalistas se oporem à regularização fundiária, quanto mais não seja pelo fato de a recusa perpetuar um status quo que é muito ruim. O Brasil dispõe de instrumentos para isso, graças ao Cadastro Ambiental Rural e ao Código Florestal, que podem ser amplamente utilizados e, se for o caso, aprimorados. O setor rural está também pronto para esse tipo de negociação, que deveria ser feito sem preconceitos e em espírito de diálogo. Fincar pé em posições intransigentes não interessa a ninguém. Se não houver regularização fundiária, não haverá responsabilização dos desmatamentos ilegais numa área superior à da Europa.

Evidentemente, não se pode fazer tudo in loco, é necessária a utilização de meios digitais. O Incra e o Ministério da Agricultura podem realizar essa tarefa. Responsabilizar implica reconhecer a propriedade, e não apenas uma posse eventual, que pode facilmente iludir a lei. 

A mobilização da sociedade civil em prol do meio ambiente é uma expressão da modernização do País, embora haja muitas pedras pelo caminho, com boas intenções podendo ser apropriadas pelo “demo”. Uma delas é a defesa repentina da questão ambiental pelos bancos. De um lado, deve ser bem-vinda por exprimir uma pauta de interesse coletivo; de outro, deixa um problema fundamental em aberto. Estabelecerão eles “critérios” ambientais para a concessão de créditos agrícolas? Quem os elaborará? ONGs com vinculações com países e governos europeus? Essa experiência já foi tentada no governo Lula – que recuou logo depois –, com o Banco do Brasil elaborando critérios “sociais” para a concessão de crédito com o apoio do MST e de entidades empresariais. Por exemplo, algumas das ONGs operando no Brasil tiveram ou têm esse tipo de relação como a Oxfam, com o MST, o Instituto Socioambiental, a National Farmers Association – a que produziu o célebre documento Farmers here, forests there – e a Salvation. E ainda com entidades indigenistas, como o Conselho Indigenista Missionário, e com a Teologia da Libertação, ala esquerdista da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 

Denis Lerrer Rosenfield, o autor deste artigo, é Professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Publicado originalmente em O Estado de S.Paulo, edição de 29.09.2020.

Impacto da pandemia tira até um quarto do rendimento dos trabalhadores no País

Dados do IBGE mostram que prejuízo foi maior para os empregados que não chegaram a completar o ensino médio; na média para todas as escolaridades, a perda de renda obtida pelo trabalho era de 17% até junho, antes da flexibilização da quarentena

 Mesmo os brasileiros que conseguiram manter seu trabalho durante a pandemia têm sentido no bolso o impacto causado pelo novo coronavírus na economia. E a queda no rendimento dos trabalhadores ocupados foi maior para aqueles que têm menor escolaridade, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Covid, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), organizados pela consultoria IDados.

No primeiro semestre, os trabalhadores que não chegaram a completar o ensino médio tiveram quedas de até 25% em relação ao que costumavam ganhar no mês. Para calcular essa perda, o IBGE perguntou quanto o trabalhador recebia habitualmente naquele mês e quanto, de fato, entrou no seu bolso.

“É o lado sombrio de toda crise econômica: quem estudou menos é mais vulnerável no mercado de trabalho, o primeiro que teve o contrato suspenso e redução de jornada. E é ainda mais grave, ao se levar em conta que são essas pessoas que mais dependem do trabalho para sobreviver”, avalia o economista Matheus Souza, da IDados.

 Até maio, a perda de renda obtida pelo trabalho era de 18% na média de todas as escolaridades. Em junho e julho, com a retomada gradual da economia, a queda foi aliviada, primeiro para 17% e, em seguida, para 13%. 

Apesar de ter metodologia diferente, a Pnad Contínua (que é a pesquisa de referência) mostra que nesses meses nunca houve uma queda assim. “Desde o início da pesquisa, em 2012, a maior queda nesses meses foi de 3%, em 2015”, diz Souza. 

Agora, ainda que tenha melhorado, a diferença da perda de remuneração que os menos instruídos (que não completaram o ensino fundamental) tiveram em relação aos que fizeram faculdade manteve-se elevada, em oito pontos porcentuais.

Souza ressalta que os dados se referem a uma média dos trabalhadores com essas qualificações, e que a perda de rendimento considera tanto os ocupados formais quanto os informais. No caso dos informais, parte dos trabalhadores contou com o auxílio emergencial, que já foi de R$ 600 e passa a ser de R$ 300 até o final do ano. 

“Ainda que os mais pobres tenham até visto um aumento de renda, a lembrança que o brasileiro guardará da pandemia será de perda do que recebia no trabalho”, diz o economista.

Entre maio e julho, os trabalhadores sem instrução alguma ou com até o ensino fundamental incompleto chegaram a perder R$ 431 por mês. É como se tivessem deixado de receber o equivalente a 40% de um salário mínimo, de R$ 1.045. 


Sem poder trabalhar, Neomar foi obrigada a se mudar para a casa de um parente  Foto: Fábio Gonçalves/Estadão

“A gente se acostuma a viver com menos, mas nunca é fácil. Dá uma sensação de que a vida andou dez anos para trás”, conta a cuidadora de idosos Neomar Maria da Silva, de 62 anos, de Maricá (RJ). Analfabeta, ela teve de se mudar para a casa de parentes e entrou no programa de renda básica do município, em que recebe o equivalente a R$ 130 mensais. “Perdi quase tudo, menos a esperança”, afirma Neomar. 

Dia seguinte 

Com a pandemia, a estimativa é que quase um quarto dos trabalhadores formais (9,5 milhões) teve o contrato de trabalho suspenso ou a jornada reduzida, segundo dados divulgados pelo Ministério da Economia, o que afeta diretamente o rendimento de quem depende do trabalho.

Parte dessas perdas foi amortecida pela compensação que o governo deu para quem teve redução de salário. Mas, mesmo os brasileiros com ensino superior e melhores cargos tiveram baixas de renda expressivas, de 14% a 10% entre maio e julho.

Para o consultor legislativo Pedro Fernando Nery, os trabalhadores que mais perderam podem até recuperar essa perda no futuro, mas isso tende a ser um movimento mais demorado do que a volta dos empregos. “Normalmente, é um processo lento. Mesmo após a última recessão, o emprego cresceu muito mais rápido que a renda.”

Ele diz que é importante pensar no dia seguinte à pandemia, para que as perdas de rendimento, sobretudo para os mais frágeis, não se prolonguem ainda mais, apesar do cenário de desemprego em alta e ritmo de recuperação ainda incerto.

“O acesso à carteira assinada no Brasil é historicamente concentrado em homens brancos, mas a ideia de zerar os encargos sobre a folha de pagamentos, ainda que seja algo limitado a um salário mínimo, tende a ajudar na inserção dos mais vulneráveis no mercado formal.”

Douglas Gavras, O Estado de S.Paulo

Trump não pagou imposto de renda por 10 anos, diz 'The New York Times'

De acordo com o jornal americano, o republicano pagou apenas US$ 750 em 2016, ano em que foi eleito presidente dos EUA. Trump nega informações.

Donald Trump fala durante comício de campanha em Middletown, no sábado (26) — Foto: Steve Ruark/AP

Reportagem do jornal "The New York Times" publicada neste domingo (27) revela que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não pagou impostos em 10 dos 15 anos anteriores à sua eleição. Além disso, o republicano pagou somente US$ 750 em 2016 e em 2017 — justamente o ano em que ele foi eleito e o primeiro ano em que ocupou a Casa Branca.

As informações foram divulgadas base em dados tributários do magnata de mais de duas décadas, colocados em sigilo durante anos — Trump nunca quis revelar seus números sobre impostos. O levantamento não inclui impostos entregues em 2018 e 2019.

Segundo a reportagem, o magnata relatou às autoridades que "perdeu muito mais dinheiro" do que ganhou naqueles anos.

Outro dado mostrado pela reportagem mostra que, em 2017, Trump pagou mais impostos a outros países onde suas empresas têm operações, como Índia e Filipinas, do que nos EUA.

Em nota enviada ao jornal americano, o advogado Alan Garten, da Trump Organization, disse que "a maioria das informações, se não todas, parecem estar imprecisas".

"Na última década, o presidente Trump pagou dezenas de milhões de dólares em impostos ao governo federal, inclusive milhões desde que anunciou sua candidatura em 2015", acrescentou.

Em coletiva de imprensa na Casa Branca neste domingo, Trump negou a informação e disse que a reportagem do "New York Times" se vale de informações falsas. Ele disse também que daria mais informações seus impostos pagos.

Disputas sobre a fortuna

Presidente dos EUA, Donald Trump, durante coletiva de imprensa na Casa Branca nesta quarta (23) — Foto: Tom Brenner/Reuters

Trump vive um imbróglio com a receita por causa de uma restituição no valor de US$ 72,9 milhões que ele pediu, e recebeu. Se perder a disputa judicial, diz a reportagem, o republicano pode perder mais de US$ 100 milhões.

Segundo a imprensa americana, Trump vinha perdendo muito dinheiro até a eleição ao cargo de presidente. Houve, inclusive, relatos em 2015 de que o magnata só anunciou a candidatura à presidência para realavancar a carreira, estagnada desde o o fim do seriado "The Apprentice". Ele acabou vencendo o pleito, no entanto.

DE MAGNATA A PRESIDENTE

Donald Trump concorre à reeleição neste ano pelo Partido Republicano contra o democrata Joe Biden. As eleições estão marcadas para 3 de novembro, mas em alguns estados eleitores puderam votar antecipadamente ou por correio.

Fonte: G1

20% dos servidores do governo federal têm funções que poderão ser feitas por máquinas, diz estudo

Dos 521,7 mil servidores civis analisados, mais de 100 mil estão em ocupações com alta propensão à automação, segundo pesquisa

Um a cada cinco funcionários públicos civis do Executivo federal têm ocupações com "elevado potencial" de terem tarefas substituídas por máquinas nas próximas décadas.

Essa conclusão é parte de uma pesquisa que está em desenvolvimento a pedido da Escola Nacional de Administração Pública (Enap) e teve resultados divulgados em artigo assinado pelos economistas Willian Adamczyk, Leonardo Monasterio e Adelar Fochezatto.

Eles apontam que se trata do primeiro estudo focado nos possíveis efeitos da automação para o setor público no Brasil.

Mas os resultados não implicam necessariamente na dispensa do trabalho de alguns servidores, esclarece Adamczyk à BBC News Brasil.

O pesquisador diz que identificar tarefas que podem ser substituídas por máquinas podem ajudar o governo a determinar habilidades necessárias para requalificar os servidores atuais e também para futuras contratações.

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O estudo é baseado na construção de algoritmos capazes de prever a propensão à automação de cada função e aumentar assim a produtividade e reduzir custos no serviço públic

O ponto de partida dos autores é que o setor público segue, com defasagem, as tendências de automação do setor privado.

Eles analisaram as funções de 521,7 mil servidores civis do Executivo federal. Esse é o total de funcionários do governo federal com carga horária igual ou superior a 40 horas semanais que havia em 2017, segundo os dados do Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (Siape).

A pesquisa constatou que mais de 100 mil estão em ocupações com alta propensão à automação — ou seja, pouco mais de 20%.

Considerando todas as cargas horárias, a quantidade de servidores civis do Executivo no fim de 2017 chegava a 634,1 mil. Hoje, com aposentadorias e menos concursos para reposição de funcionários, esse número caiu para 601,9 mil, de acordo com o Painel Estatístico de Pessoal.

Ocupações com mais chances de automação

As ocupações com mais chances de automação têm em comum menores níveis de escolaridade e remunerações mais baixas.

Por isso, a participação desse grupo na folha de pagamento é menor: representam R$ 595 milhões do total de mais de R$ 5 bilhões da folha mensal do Executivo federal referente a 2017. Isso equivale a pouco mais de 11%.

Com maior propensão à automação, aparecem nas primeiras posições técnicos de sistemas audiovisuais, além de servidores da construção civil, como armador, pedreiro, pintor e carpinteiro.

A remuneração média desses profissionais está abaixo da média de R$ 9.913 para o total de ocupações analisadas.

"No caso do  pedreiro, a automação pode se dar por inovações nos processos de construção, como o uso mais intensivo de pré-moldados, ou processos que ainda não são economicamente viáveis, como a impressão 3D em larga escala", diz Adamczyk.

A maioria dos funcionários públicos com cargo de pedreiro já está aposentada, mas hoje existem mais de 200 servidores na ativa com essa função, vinculados principalmente a universidades federais, segundo o Painel Estatístico de Pessoal.

Na outra ponta, com os menores riscos de substituição por inteligência artificial, estão as funções de pesquisadores (em engenharia, saúde, ciências sociais, educação), perito criminal, biólogo, gerente de serviços de saúde e psicólogo clínico.

A maioria dessas funções tem remunerações acima da média de R$ 9.913 para o total de ocupações analisadas.

Pesquisadores em áreas como engenharia, saúde, ciências sociais e educação estão entre as ocupações com os menores riscos de substituição por inteligência artificial

Os autores apontam que as atividades mais comuns entre esses pesquisadores são as que envolvem desenvolvimento de novos materiais, produtos, processos e métodos.

São funções que "estão na fronteira do conhecimento e longe de possibilitarem uma padronização em seus processos, dada a elevada complexidade das tarefas e necessidade de elementos de criatividade e inovação para que sejam executados."

Também aparecem com baixa propensão à automação profissionais como economistas, sociólogos, geógrafos, biólogos, psicólogos e antropólogos, além de outras funções que "desempenham atividades centrais para o desenvolvimento das próprias tecnologias de automação."

"A tendência é de substituição das tarefas mais repetitivas e que envolvem tomada de decisões mais simples. Por exemplo, calcular e devolver um troco, anotar um pedido, passar informações básicas, preencher formulários e planilhas. Ocupações de maior qualificação serão mais difíceis de automatizar por realizarem tarefas complexas abstratas, não rotineiras, que exigem criatividade, negociação, persuasão e atenção a pessoas ou equipes", diz Adamczyk.

O pesquisador pondera que uma ocupação ser propensa à automação não significa que ela necessariamente deixará de existir.

"Significa que ela poderá se aproveitar da introdução de novas tecnologias, ora para complementar e melhorar a produtividade do trabalhador, ou então para reformular completamente essa ocupação."

'Rigidez' do setor público

Entre os órgãos do Executivo, o Ministério da Educação é o que aparece com maior número de ocupações com alta propensão à automação: 78 das 272 que compõem o órgão.

Entre elas, estão assistente administrativo, auxiliar de escritório, auxiliar de biblioteca. O Ministério da Saúde aparece em segundo, com 26 de suas 129 ocupações com alta propensão à automação.

Os autores destacam que o setor público tem mais rigidez para adaptar a força de trabalho às mudanças na tecnologia e que, portanto, há uma defasagem em relação ao setor privado.

"Enquanto o setor privado tem flexibilidade para ajustar-se às mudanças tecnológicas por meio de contratações, demissões e realocação de funcionários, contando com o mecanismo de preços como sinalizador, o setor público tem possui maior rigidez para ajustar sua força de trabalho frente às mudanças tecnológicas."

Adamczyk aponta que metade dos servidores do governo federal estarão em condições de se aposentar nos próximos 20 anos e que isso representa uma saída massiva de conhecimento de difícil reposição, além de aumento dos gastos com servidores inativos.

Nesse contexto, diz ele, os resultados da pesquisa "podem fomentar a discussão sobre novas habilidades e qualificações necessárias para retreinar os servidores atuais e contratar novos servidores no futuro".

"As tecnologias de automação devem ser vistas como aliadas da sociedade brasileira para a continuidade dos serviços públicos prestados, melhoria na qualidade e redução de gastos — nessa ordem", diz o pesquisador.

Funcionário público pode ser demitido?

Congresso vai analisar a proposta de reforma administrativa enviada pelo governo Bolsonaro

É importante lembrar que os servidores públicos hoje têm estabilidade no cargo garantida pela Constituição — que prevê a perda do cargo só em situações muito específicas, como em caso de condenação sem mais possibilidade de recurso na Justiça.

Em um eventual cenário de extinção do cargo, a Constituição estabelece que o servidor recebe remuneração proporcional ao tempo de serviço até ser aproveitado em outro cargo.

As regras do funcionalismo público, no entanto, estão em discussão e podem ser alteradas pelo Congresso Nacional.

O governo do presidente Jair Bolsonaro enviou ao Legislativo a reforma administrativa, que pretende mudar regras de contratação e progressão na carreira para futuros servidores, inclusive facilitando a demissão, ao propor o fim da estabilidade para servidores que não estejam nas chamadas carreiras típicas de Estado (que ainda seriam definidas, segundo a proposta).

Laís Alegretti - @laisalegretti, da BBC News Brasil em Londres

domingo, 27 de setembro de 2020

Brasil registra mais 335 mortes ligadas à covid-19

Ao todo, mais de 141 mil pessoas morreram em decorrência da doença no país. Autoridades relatam ainda mais de 14 mil casos de coronavírus em 24 horas, elevando o total de infectados para 4,73 milhões.


Pessoas sem máscara em comércio em São Paulo

São Paulo é o estado brasileiro mais atingido pela epidemia, com 972.237 casos e 35.108 mortes

Mais 335 mortes ligadas à covid-19 foram registradas oficialmente no Brasil nas últimas 24 horas, segundo dados do Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) e do Ministério da Saúde divulgados neste domingo (27/09).

Com o novo balanço, o total de óbitos pela doença chega a 141.741. O país ainda reportou mais 14.318 casos de coronavírus, elevando o total de infectados para 4.732.309.

Ao todo, 4.060.088 pessoas se recuperaram da doença, segundo o ministério. O Conass não divulga número de recuperados.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais de casos e mortes devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

São Paulo é o estado brasileiro mais atingido pela epidemia, com 972.237 casos e 35.108 mortes. O total de infectados no território paulista supera os registrados em praticamente todos os países do mundo, exceto Estados Unidos (7,1 milhões), Índia (5,9 milhões) e Rússia (1,1 milhão).

A Bahia é o segundo estado brasileiro com maior número de casos, somando 306.036, seguida de Minas Gerais (288.619), Rio de Janeiro (261.860), Ceará (238.935) e Pará (227.756).

Já em número de mortos, o Rio é o segundo estado com mais vítimas, somando 18.278 óbitos. Em seguida vêm Ceará (8.919), Pernambuco (8.174), Minas Gerais (7.228), Bahia (6.599) e Pará (6.546).

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 67,4 no Brasil, uma das mais altas do mundo. A cifra fica bem acima da registrada em países vizinhos como Argentina (34,93) e Uruguai (1,36), e também supera a dos EUA (62,50), nação mais atingida pela pandemia no planeta, e a do Reino Unido (63,26), país europeu com mais mortes.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam 7,1 milhões de casos, e da Índia, com 5,99 milhões.

Mas é o segundo em número de mortos, depois dos EUA, que na semana passada superaram a marca trágica de 200 mil vidas perdidas – já são agora 204,6 mil óbitos no país.

A Índia, que chegou a impor uma das maiores quarentenas do mundo no início da pandemia e depois flexibilizou as restrições, é a terceira nação com mais mortos, somando 94,5 mil.

Ao todo, o mundo já registrou mais de 32,9 milhões de pessoas infectadas pelo coronavírus e se aproxima de 1 milhão de mortes ligadas à doença, ao acumular 995 mil óbitos, segundo contagem mantida pela Universidade Johns Hopkins.

Publicado originalmente por Deutsch Welle, edição de 27.09.2020.

As caretas da censura judicial

Juiz despreza o cidadão comum. O costume de violar a Constituição perpassa o Judiciário

O Estado moderno firma-se desde os séculos 15 e 16. Contra o feudalismo o rei instaura novos modos de administração, das fronteiras aos impostos, da justiça à polícia, dos campi aos arquivos, das coleções incoerentes de livros às bibliotecas. A racionalidade, no entanto, é paga com preço alto. Nobres e clero devem ser comprados com favores, isenção de taxas, privilégios. Até a cor das roupas exibe a “superioridade” dos barões e cardeais. A “gente ordinária de veste” (expressão ainda usada na Corte carioca de João VI) usa o negro com colarinho branco. Quem não pertence à burguesia rica ostenta andrajos.

Analista do poder, o matemático e filósofo Blaise Pascal comenta as roupas e os acessórios para intimidar os “homens comuns”. Existe o costume de ver os reis seguidos de guardas, tambores, serviçais e tudo o que inclina a espinha humana pelo medo e terror. Daí a bajulação: “O caráter da divindade está impresso na face real”.

Os juízes, continua Pascal, “conhecem tal mistério. Suas vestes vermelhas, seus enfeites e arminhos, os palácios onde julgam, as flores-de-lis (nada que ver com o Brasil de hoje), todo um aparato augusto é para eles necessário. Se os médicos não tivessem sotainas e mulas e os doutores não tivessem bonés quadrados e vestes amplas (...) eles jamais teriam engambelado quem não pode resistir. Se tivessem a justiça verdadeira e os médicos a arte verdadeira de curar seriam inúteis os bonés quadrados. A majestade das ciências seria venerável o bastante. Mas eles só têm ciências imaginárias, sendo preciso que as usem tais instrumentos inúteis que ferem a imaginação, com a qual lidam e conseguem respeito”. Termina o pensador: “Os soldados não se fantasiam porque sua parte é mais essencial. Eles se impõem pela força, os demais pelas caretas”. 

Juízes, a exemplo do presidente Schreber – delirante interlocutor de Deus –, desprezam o cidadão comum. O termo usado para designar quem não é juiz é claro: “leigo”, a pessoa “ordinária de vestes” que não pode intimidar com caretas e palácios. Mas as togas se curvam – como nas ditaduras que atormentaram o Brasil – diante das fardas.

O vezo de insultar os não iniciados nos mistérios “da justiça” tem origem teológico-política. Na Igreja primitiva a hierarquia era tênue. Eram valorizados, conforme indica Max Weber, os que se moviam para recordar a iminente volta do Senhor, praticando pobreza, obediência, castidade. Quem não praticava tais virtudes à espera do Juízo Final e não imitava monges e ermitãos integrava a vida cristã conforme seu estado no mundo. Os cidadãos, na Igreja, recebem o título de Christifideles laici: povo fiel a Cristo. Com a burocracia eclesiástica, simultânea à centralização do Estado, o poder hierárquico ficou mais rígido e exclusivo. Se no Estado apenas os dirigentes têm voz, na Igreja só os sacerdotes, bispos e papa merecem acatamento.

O tratado atribuído a Dionísio, o suposto Areopagita – A Hierarquia Eclesiástica –, desenha o cosmos no qual os anjos, arcanjos, padres, nobres e reis estão próximos da Luz Divina. Os leigos, imersos na escuridão, devem calar e obedecer. Daí o costume, hoje abusado por médicos e juristas (bom Pascal!), de aplicar o nome de “leigo” a quem não é iluminado pelo saber sagrado das respectivas corporações. 

Quando o Terceiro Estado (os leigos) exigiu de um monarca francês a prestação de contas sobre as finanças públicas, o clero deu o seguinte parecer: “As finanças reais são como o Santíssimo Sacramento no altar. Só podem conhecê-las os que para tal fim são ordenados”. Com a Reforma luterana a hierarquia eclesiástica desabou, restaurando-se o sacerdócio comum dos fiéis. E como fruto vem a Revolução Puritana inglesa, que institui a accountability, obrigação de governantes, parlamentares, funcionários e... juízes prestarem contas de seus atos ao povo soberano. 

Tal princípio, criado pelos gregos antigos, medra nas Revoluções Americana e Francesa. Aqui, no entanto, dom João VI instaura um poder contra a accountability. Não por acaso, o imperador é dito irresponsável. 

A responsabilidade nos cargos públicos é ignorada no Brasil. A quem respondem os juízes do STF, do STJ e outras Cortes “excelsas”? O costume de violar a Constituição perpassa o Judiciário. O trejeito atual de nossos magistrados é censurar a imprensa, mesmo contra decisões tomadas pelo Supremo Tribunal. O caso Boi Barrica amordaçou o jornal O Estado de S. Paulo. O jornalista Luis Nassif e a Rede Globo são calados por juízes. Ganha quem deveria prestar contas ao contribuinte. Mas os contribuintes são “leigos”, “gente ordinária de vestes”.

Há um livro de jovem, mas erudito, magistrado eleitoral, Marcelo Ramos Peregrino Ferreira, com título exato: Da Democracia de Partidos à Autocracia Judicial (Habitus Ed. 2020). Ele denuncia a vontade de poder dos juízes brasileiros que mudam o sentido da Constituição, legislam usurpando prerrogativas do Congresso e, gradativamente, se imiscuem no Executivo. Haja boné quadrado e caretas!

Roberto Romano, o autor deste artigo, é Professor da Unicamp. Autor de "Razões de Estado e outros Estados da Razão". (Editora Perspectiva). Publicado originalmente em O Estado de São Paulo, ediçao de 27.09.2020.

Elogio à irresponsabilidade

Por enquanto, Bolsonaro se sustenta graças a uma combinação de populismo barato com capacidade de fingir que é presidente

O governo de Jair Bolsonaro atingiu o maior patamar de aprovação desde sua posse, mostra pesquisa do Ibope recentemente divulgada. No levantamento, 40% dos entrevistados disseram considerar o governo “ótimo” ou “bom”, 11 pontos porcentuais acima do verificado em dezembro do ano passado – antes, portanto, da pandemia de covid-19. A avaliação negativa caiu de 38% para 29% no mesmo período.

Bolsonaro obviamente não atingiu esse nível de aprovação em razão do modo destrambelhado como está lidando com a pandemia. Sua gestão da crise é um desastre em todos os aspectos – e os quase 140 mil mortos falam por si. O mais provável é que, ao contrário, o presidente, ao isentar-se sistematicamente de qualquer responsabilidade no que diz respeito à doença e a seus efeitos sociais e econômicos, terceirizou a impopularidade, sentida muito mais pelo Congresso e, principalmente, por governadores e prefeitos – obrigados, estes sim, a enfrentar o desafio da pandemia, contando com escassa ajuda federal e em muitos momentos sendo hostilizados pelo próprio presidente.

Pode-se especular que, para parte significativa dos entrevistados, a covid-19 não passava mesmo de uma “gripezinha”, como a ela jocosamente se referiu Bolsonaro, que a todo momento estimulou aglomerações e a “volta à normalidade”, como se isso fosse possível. As imagens de praias lotadas mesmo diante das evidências de que o pior ainda não passou são mais eloquentes do que qualquer pesquisa.

Assim, o crescimento da popularidade de Bolsonaro, a despeito de tudo, é uma espécie de elogio à irresponsabilidade, traduzida não somente em sua infame campanha a favor do uso da cloroquina, espécie de elixir bolsonarista, mas principalmente na conclusão do presidente segundo a qual quem ficou em isolamento na pandemia é “fraco” e se “acovardou”.

Ao mesmo tempo, Bolsonaro segue colhendo os frutos eleitorais do auxílio emergencial para os mais necessitados. Entre os entrevistados com renda familiar de até um salário mínimo, a popularidade presidencial saltou de 19% para 35% desde dezembro. Entre os que estudaram até a 8.ª série, a aprovação de Bolsonaro passou de 25% para 44%. Nada semelhante a isso se verificou nas faixas socioeconômicas intermediárias e superiores da população.

O governo provavelmente vai explorar a pesquisa como prova de que o presidente sempre esteve certo e o resto do mundo, errado. É preciso deixar claro, contudo, que popularidade nem sempre é sinônimo de bom governo – que o diga Dilma Rousseff, que na metade de seu primeiro mandato tinha aprovação superior a 60% e que conseguiu se reeleger em 2014 a despeito de seu desempenho calamitoso na Presidência.

Como mostra o caso de Dilma Rousseff, a propósito, nenhum governo se sustenta somente com base na mistificação e na embromação. A popularidade da presidente petista, que era de 63% em março de 2013, caiu para 31% em julho daquele ano, em meio a grandes protestos, e estava em 10% um mês antes da admissão de seu processo de impeachment pela Câmara, em abril de 2016. 

Por enquanto, Bolsonaro se sustenta graças a uma combinação de populismo barato com uma assombrosa capacidade de fingir que é presidente sem exercer o cargo. Mais cedo ou mais tarde, contudo, a ausência de um plano claro de governo, fruto da patente inaptidão de Bolsonaro para desempenhar a função para a qual foi eleito, será percebida pela população.

Até lá, a única pesquisa de opinião que realmente importa, e que projeta um futuro nada glorioso, é a que se dá entre investidores, especialmente os estrangeiros. E a opinião destes parece clara: neste ano, até agosto, US$ 15,2 bilhões deixaram o País, o maior montante no período desde 1982, quando o Banco Central começou a fazer esse levantamento.

A irresponsabilidade de Bolsonaro pode até lhe render algum apoio entre os brasileiros incapazes, por diversas razões, de enxergar além de seus estreitos horizontes pessoais. Já para aqueles que dependem de confiança e racionalidade para investir, o presidente não engana mais ninguém.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, edição de 27 de setembro de 2020 | 03h00

sábado, 26 de setembro de 2020

Artigo: Uma abordagem stalinista da ciência

Trumpismo parece inspirar um desprezo pela perícia e uma predileção por charlatães

Por Paul Krugman*

Trofim Lysenko. Quem? Lysenko foi um agrônomo soviético que decidiu que a genética moderna estava errada, que era contrária ao princípio marxista-leninista. Ele negou que os genes existissem, enquanto insistia que as opiniões há muito desacreditadas sobre evolução estavam certas

Cientistas de verdade ficaram maravilhados com sua ignorância. Mas Joseph Stalin gostava dele e os pontos de vista de Lysenko tornaram-se doutrina oficial. Os cientistas que se recusaram a endossá-los foram enviados a campos de trabalho forçado ou executados. O lysenkoismo se tornou a base de grande parte da política agrícola da URSS, contribuindo para a desastrosa fome dos anos 30. Tudo isso soa familiar?

Aqueles que estão preocupados com uma crise da democracia nos EUA comparam Donald Trump a homens fortes, como Viktor Orban, da Hungria, e Recep Tayyip Erdogan, da Turquia, não a Stalin. Embora ninguém acuse Trump de ser esquerdista, seu estilo político sempre me lembra o stalinismo. Como Stalin, ele vê conspirações implausíveis em todos os lugares: anarquistas controlam as cidades, esquerdistas radicais controlam Joe Biden, cabalas anti-Trump secretas em todo o governo federal. Também é notável que aqueles que trabalham para Trump, assim como os funcionários stalinistas, acabam se dando mal – embora não sejam enviados para gulags, pelo menos não ainda.

O trumpismo, como o stalinismo, parece inspirar um desprezo pela perícia e uma predileção por charlatães. Na quarta-feira, Trump disse duas coisas que mereciam manchetes. A mais alarmante é que ele se recusou a se comprometer com uma transição pacífica de poder se perder a eleição. Mas ele também indicou que pode rejeitar novas diretrizes da FDA para a aprovação de uma vacina contra o coronavírus, dizendo que essas diretrizes “soam como um movimento político”. Hã? 

Muitos observadores temem que Trump, em um esforço para influenciar a eleição, anuncie uma vacina segura e eficaz, mesmo que não tenha sido testada. No mês passado, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) divulgou uma nova orientação para que pessoas contaminadas, mas sem sintomas de covid-19, não façam o teste – ao contrário das recomendações de quase todos os epidemiologistas.

Relatórios revelaram que a orientação foi preparada por nomeados políticos e ignorou o processo de revisão científica.

Recentemente, o CDC alertou sobre a transmissão aérea do coronavírus, refletindo o que os especialistas dizem, mas voltou atrás dias depois.

Não sabemos o que aconteceu, mas é difícil não notar que a orientação deixava claro que os comícios de Trump, com multidões em ambientes fechados e sem máscaras, criavam riscos à saúde pública.

Se burocratas políticos estão dando as cartas no CDC e na FDA, seguindo a linha do partido, quem está aconselhando Trump sobre a pandemia? Entram os charlatães. O impulso desastroso de Trump, em abril, para a reabrir a economia foi influenciado pelos escritos de Richard Epstein, professor de Direito que decidiu bancar o especialista em epidemiologia.

Mas o charlatão do momento é Scott Atlas, um radiologista sem experiência em doenças infecciosas que impressionou Trump com suas aparições na Fox News. A oposição de Atlas às máscaras e sua defesa da imunidade de rebanho divergem da opinião dos epidemiologistas. No entanto, é o que Trump quer ouvir.

Isso é o que me fez pensar em Lysenko. Como Stalin, Trump intimida especialistas e recebe conselhos sobre questões científicas de pessoas que não sabem do que estão falando, mas dizem a ele o que ele quer ouvir. Sabe o que acontece quando um líder faz isso? Pessoas morrem.

* É COLUNISTA, PROFESSOR DO CITY  UNIVERSITY OF NEW YORK E VENCEDOR DO PRÊMIO NOBEL DE ECONOMIA EM 2008. Publicado no Brasil por O Estado de São Paulo, edição de 26.09.2020.

Já são 140.783 mortes por coronavírus confirmadas até as 13h deste sábado (26), segundo levantamento do consórcio de veículos de imprensa a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde.

Desde o balanço das 20h de sexta-feira (25), 6 estados atualizaram seus dados: BA, CE, GO, MG, MS, RN e RR.

Veja os números consolidados:

140.783 mortes confirmadas

4.694.648 casos confirmados

Às 8h, (de hoje) o consórcio publicou a primeira atualização do dia com 140.735 mortes e 4.692.923 casos.

Na sexta-feira, às 20h, o balanço indicou: 140.709 mortes, 826 em 24 horas. Com isso, a média móvel de novas mortes no Brasil nos últimos 7 dias foi de 693 óbitos, uma variação de -4% em relação aos dados registrados em 14 dias. 

Até a noite de ontem, sexta-feira, eram 4.692.579 brasileiros com o novo coronavírus desde o começo da pandemia, 32.670 desses confirmados no último dia. A média móvel de casos foi de 27.878 por dia, uma variação de 0% em relação aos casos registrados em 14 dias.

Progressão até 25 de setembro

No total, 3 estados apresentaram alta de mortes: RJ, AP e RR.

Há estados, porém, em que o baixo número médio de óbitos pode levar a grandes variações percentuais. É o caso de Roraima: em 14 duas semanas, a média de mortes por dia passou de 2 para 3.

Já a situação no Rio de Janeiro é diferente: o estado vem apresentando alta há 8 dias consecutivos, com médias que variam entre 80 e 103 mortes diárias.

Estados

Subindo (3 estados): RJ, AP e RR

Em estabilidade, ou seja, o número de mortes não caiu nem subiu significativamente (14 estados): PR, MG, SP, GO, AM, PA, TO, BA, CE, MA, PB, PE, PI e RN

Em queda (9 estados + DF): RS, SC, ES, DF, MS, MT, AC, RO, AL e SE

Essa comparação leva em conta a média de mortes nos últimos 7 dias até a publicação deste balanço em relação à média registrada duas semanas atrás (entenda os critérios usados pelo G1 para analisar as tendências da pandemia).

Por G1, em 26/09/2020 08h00  Atualizado há 4 hora

Banco Mundial aponta crescimento da pobreza e desigualdade no Brasil

Estudo analisa situação dos 40% mais pobres desde crise de 2014 e revela que, enquanto renda média dos brasileiros cresceu, a dos mais carentes caiu 1,4% por ano. País registrou o pior desempenho da América Latina.

Favela da Rocinha no Rio de Janeiro / De 2014 a 2019, a renda dos 40% mais pobres caiu, em média, 1,4% por ano

Os brasileiros na faixa dos 40% mais pobres, população equivalente a 85 milhões de pessoas, começaram este ano de pandemia da covid-19 sem terem recuperado a renda que tinham antes da recessão iniciada em 2014, no final do governo Dilma Rousseff. O mesmo não ocorreu com a outra parcela da população, que no início do ano já recebia uma renda superior à do período pré-crise.

Os cálculos são de estudo do Banco Mundial realizado a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). A parte mais pobre da população teve alívio temporário ao longo de 2020 com a renda emergencial, mas muitos voltarão à situação anterior após o fim do benefício, em dezembro.

De 2014 a 2019, a renda dos 40% mais pobres caiu, em média, 1,4% por ano. No mesmo período, a renda média dos brasileiros como um todo cresceu 0,3% ao ano. Se a evolução da renda nesse período tivesse beneficiado igualmente todas as faixas da população, haveria no começo deste ano 13 milhões de brasileiros a menos vivendo em pobreza e 9 milhões a menos na pobreza extrema. O Banco Mundial considera que quem tem uma renda per capita menor que 499 reais por mês vive na pobreza, e a pobreza extrema atinge quem tem menos de 178 reais per capita por mês.

Como consequência da recuperação desigual, houve aumento da desigualdade de renda. Medida pelo índice de Gini, ela estava em 0,525 em 2015 — a menor da história do país — e alcançou 0,550 em 2018. No ano seguinte, houve uma leve queda, para 0,547. Quando mais próximo de 1, mais desigual é a renda.

O principal motivo para a perda de renda dos 40% mais pobres nesse período foi a queda da renda do trabalho dos homens, responsáveis pela maior parte da renda na maioria dos lares brasileiros. Esse fator foi responsável por três quartos da alta da pobreza e da pobreza extrema e por três quartos da alta da desigualdade de 2014 a 2019.

"Os empregos perdidos na crise se recuperaram de forma muita lenta, e a uma velocidade ainda menor para quem está na base da pirâmide. Além disso, a renda de quem conseguiu retomar o trabalho em muitos casos não voltou ao nível anterior da crise", afirma à DW Brasil Gabriel Ibarra, economista sênior do Banco Mundial especialista em pobreza no Brasil.

A distribuição desigual da recuperação, que penaliza duplamente os mais pobres, está relacionada à natureza do trabalho que essa faixa da população desempenha, em geral informal e exposto a vulnerabilidades.

"O tipo de trabalho normalmente disponível para quem está na base da distribuição são os trabalhos informais, com menos proteção, mais voláteis. É diverso dos trabalhos disponíveis para as parcelas mais ricas e mais educadas, que têm acesso a empregos formais e mais conectados à economia, comparado a quando você é um autônomo que trabalha vendendo algo na informalidade", afirma Ibarra.

Pior desempenho na América Latina

O Banco Mundial desenvolveu um quadro comparativo da evolução da pobreza extrema, da pobreza e da desigualdade entre os países da América Latina no período de 2014 a 2018, fazendo ajustes nas pesquisas nacionais de cada um deles.

Apesar de o fim do superciclo de commodities de 2011 ter afetado todos os países da região, o Brasil foi um dos poucos que viu sua pobreza e desigualdade crescerem nesse período. E, entre os que tiveram essa reversão, o Brasil lidera nos três índices.

Além do Brasil, apenas Honduras e Equador também tiveram aumento de desigualdade no período; Argentina e Equador registraram aumento da pobreza; e Argentina, Equador e Honduras tiveram alta da pobreza extrema — todos em menor grau do que o Brasil.

Esse cenário trágico é resultado, segundo Ibarra, de uma conjunção de fatores, como o nível de endividamento das famílias, a mudança excessivamente abrupta de uma política fiscal expansionista para contracionista no segundo governo Dilma, a queda geral do consumo e a fuga de divisas após o país perder o selo de bom pagador, conhecido como grau de investimento, em 2015.

O relatório também aponta outros motivos "que estavam acumulando problemas para o futuro", como baixo ganho de produtividade, custo crescente do trabalho, demanda baseada mais em consumo do que investimento e alta constante dos gastos correntes do governo, em especial na Previdência Social.

Como resultado, a crise fez o Brasil perder parte dos ganhos sociais obtidos de 2001 a 2013, quando 24,6 milhões de seus habitantes deixaram a pobreza — cerca de 50% da redução da pobreza em toda a América Latina e Caribe nesse período.

O Bolsa Família, sistema de proteção social que é, segundo Ibarra, reconhecido internacionalmente pela flexibilidade e capacidade de focalização dos recursos em quem mais precisa, não foi capaz de amortecer a crise para os mais miseráveis. De 2014 a 2017, mais de 4,6 milhões brasileiros caíram para a pobreza extrema.

Algumas pesquisas já apontaram as deficiências do Bolsa Família nessa fase, como represamento de pedidos para receber as transferências, redução das equipes que fazem a busca ativa de possíveis beneficiários e a ausência de reajustes anuais do benefício para repor a inflação.

"Durante e após a crise de 2014, não vimos a resposta [do sistema de proteção social] como houve em outros momentos, o que teve implicações para a pobreza e a desigualdade", diz o economista do Banco Mundial.

O impacto da renda emergencial

Neste ano, o impacto da pandemia na economia foi reduzido para as faixas mais pobres devido ao auxílio emergencial. O benefício de 600 reais, que chega a 1,2 mil reais para mães solteiras, começou a ser pago em abril para um período inicial de três meses. A partir de outubro, será reduzido à metade, e a última parcela será paga em dezembro.

Por ter um valor muito superior ao Bolsa Família, cujo benefício médio é de 190 reais, em alguns casos a renda emergencial superou a perda provocada pela pandemia, retirando famílias da pobreza.

"Esse programa foi tão amplo que há evidências sugerindo que ele reverteu, e não apenas mitigou, alguns dos efeitos monetários da pandemia. E não é uma surpresa que essas transferências possam ter mais que compensado o impacto para alguns grupos", afirma Ibarra.

Questionado sobre qual será o impacto do fim do auxílio emergencial na pobreza a partir do ano que vem, ele afirma que isso dependerá de eventuais reformas dos programas sociais, do desempenho da economia no último trimestre deste ano e do comportamento do mercado de trabalho.

Publicado originalmente por Deutsch Welle, edição de 26.09.2020

Trem da alegria da AGU ficou parado na estação

Mesmo suspensa, a promoção absurda de 607 procuradores prova a urgência da reforma administrativa

Existe o Brasil real: é o país onde a pandemia fez a economia encolher quase 10%, salários foram cortados, empresas fecharam as portas, houve ondas de demissões, o desemprego cresceu 28% e atinge quase 13 milhões. E existe um Brasil paralelo, o Brasil do funcionalismo público: é o país onde nenhum salário foi cortado, ninguém foi demitido e onde, não fosse uma investigação da imprensa, 607 procuradores federais teriam sido promovidos, 606 ao topo da carreira, passando a ganhar R$ 27,3 mil por mês.

O trem da alegria na Advocacia-Geral da União (AGU), resultado de uma canetada do procurador-geral Leonardo Fernandes na última sexta-feira, só foi suspenso depois de revelado pelo site Poder360. O episódio, além de revelar a importância da imprensa profissional, é mais uma prova eloquente — como se provas ainda faltassem — da necessidade urgente da reforma administrativa. Dos passageiros do comboio que ficou preso na estação, 303 cumpririam a regra estapafúrdia que prevê promoções automáticas a cada cinco anos. Outros 303 entrariam no vagão daqueles que, no entender de Fernandes, são dignos de “merecimento”. Depois das promoções, 93% dos 3.783 procuradores da AGU estariam no nível mais alto de uma carreira cujo salário inicial, de R$ 21 mil, já os coloca entre os 2% de maior renda no país.

Em nenhum governo ou empresa, em nenhum lugar do mundo, uma medida dessas faria sentido. Era tão somente uma manobra artificial para dar aumento a servidores públicos cujo salário está congelado até o final de 2021 — e cujos privilégios estão ameaçados pela reforma administrativa. O mais intrigante é que os procuradores que seriam beneficiados foram excluídos da reforma, pois são, como os juízes, considerados “membros de poder”.

Fica também claro, pelo episódio, por que não faz sentido excluir de uma reforma que se propõe a trazer um mínimo de racionalidade à gestão pública justamente as carreiras que desfrutam os privilégios mais escandalosos. É o caso, na AGU, dos “honorários de sucumbência” pagos a advogados que vencem causas em favor do governo. Não há, da parte deles, risco comparável aos da advocacia privada para justificar a prebenda que custou, em 2019, R$ 590 milhões aos cofres públicos.

O presidente da associação dos advogados públicos chegou a definir as promoções como “procedimento padrão”. Pior é que são mesmo. A AGU informou que as realiza a cada seis meses. Assim como todos os privilégios do alto funcionalismo, promoções por tempo de serviço nada têm de ilegal. A lei precisa mudar, entre tantos motivos, justamente para barrar esse tipo de absurdo.

Para categorias como juízes ou procuradores, é justo preservar a estabilidade como garantia contra pressões políticas ou financeiras. Mas todos os descalabros assegurados pela lei — licença-prêmio, promoções automáticas, férias de 60 dias, auxílios-paletó, honorários de sucumbência e penduricalhos — deveriam ser revistos. O episódio ilustra à perfeição por que o Estado brasileiro precisa da reforma administrativa com urgência urgentíssima.

Editorial de O Globo, edição de 25.09.2020.

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

AGU promove, de uma só vez, mais de 600 procuradores para o topo da carreira. Salário é de R$ 27,3 mil

Medida ocorre em meio às discussões sobre a proposta do governo de reforma administrativa, que pretende acabar com a promoção por tempo de serviço

 Em um só dia, a Advocacia-Geral da União (AGU) promoveu 607 procuradores federais. Desse total, 606 foram promovidos para o topo da carreira e irão receber R$ 27,3 mil.

A medida ocorre em meio às discussões no Congresso Nacional sobre a reforma administrativa enviada pelo governo no início deste mês, que tem entre as propostas reformular carreiras do serviço público e acabar com promoções automáticas por tempo de serviço.

A promoção foi autorizada na sexta-feira passada, mas revelada nesta quarta-feira pelo portal Poder 360. Das 607 promoções, 304 são por merecimento e 303 por antiguidade, ou tempo de serviço.

Com essa promoção, dos atuais 3.783 procuradores federais, 3.489 já chegaram à categoria especial, com salário de R$ 27,3 mil, o equivalente a 92% do total.

O total de promoções representa uma escalada em relação aos últimos anos e equivale a mais de sete vezes o total registrado em 2019, de 83 promoções. Em 2018, foram 69 e em 2017, um total de 79 pessoas foram promovidas, segundo dados apresentados pelo Jornal Nacional.

A ascensão em massa de procuradores ocorre em meio às discussões no Congresso Nacional sobre a reforma administrativa enviada pelo governo no início deste mês que extingue, por exemplo, as promoções por tempo de serviço.

Além de rever esse benefício, a reforma também prevê novas formas de ingresso no funcionalismo ao criar contratos sem previsão de estabilidade. O texto também flexibiliza regras para contratação de temporários.

A proposta de reforma apresentada pelo Executivo não atinge os chamados membros de Poder, como juízes, procuradores e promotores. Carreiras de Estado, como auditores fiscais e delegados da Polícia Federal, também não estão incluídas.

No entanto, há um movimento para que o Congresso adicione essas categorias nas novas regras, algo que está elevando a pressão pelas promoções dentro das carreiras antes que o tema seja debatido.

Brecha na lei

Em entrevista ao GLOBO, o Coordenador da Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa, o deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), disse este mês que vai advogar para que as novas regras, como fim de progressões automáticas, férias de mais de 30 dias e aposentadoria compulsória como punição, também atinjam os atuais servidores e membros de Poder.

Outra fonte de pressão por promoções é o congelamento, até 2021, no salário dos servidores.

A medida foi negociada pela equipe econômica como contrapartida à concessão de R$ 60 bilhões a Estados e municípios para enfrentar a pandemia.

A lei, no entanto, deixou uma brecha para aumentos indiretos de salário ao não vedar progressões dentro das carreiras do funcionalismo público.

A economista Ana Carla Abrão disse ao Jornal Nacional que, diante da brecha deixada pela lei, a tendência é que outros casos de reajuste em massa sejam feitos neste ano e no próximo.

Ela avalia que esta é uma das maiores distorções do modelo de recursos humanos do setor público.

— Ou seja, as pessoas progridem e são promovidas nas suas carreiras, todas elas chegam no topo e aí nós temos uma situação em que temos muitos chefes, poucos chefiados e o atendimento à população lá na ponta está sempre desassistido — afirmou.

AGU: 'critérios objetivos'

As promoções também vão de encontro aos esforços da equipe econômica para conter o crescimento do gasto com pessoal.

Nos últimos 12 anos, considerando apenas o funcionalismo civil, essa despesa cresceu 145%, consumindo cerca de R$ 110 bilhões por ano.

Segundo projeções do Ministério da Economia, a despesa com pessoal no setor público consolidado — que inclui governo federal, estados, municípios e estatais — deve saltar de 13,7% do PIB, em 2019, para 14,8% do PIB, em 2030, em um cenário sem reformas.

Atualmente, a carreira dos procuradores federais é dividida em quatro grupos: procurador federal, da Fazenda, do Banco Central e advogado da União. Pelo regulamento, as promoções nessas carreiras podem ocorrer a cada seis meses.

Segundo a AGU, as promoções na carreira de procurador federal são realizadas semestralmente, todos os anos. “As vagas nas categorias observam critérios objetivos”. E acrescenta que os recursos para efetivação das promoções são previstos na lei orçamentária anual.

Honorários de sucumbencia

A carreira de procurador federal é uma das mais cobiçadas na administração pública. Além de salário-base a partir de R$ 21 mil, os advogados públicos federais ainda são beneficiados com o recebimento dos honorários de sucumbência.

Trata-se de um valor mensal relativo ao pagamento feito pelas partes derrotadas em ações contra a União, o que pode “turbinar” ainda mais os salários dos procuradores.

Em 2019, O GLOBO revelou que, entre janeiro e outubro daquele ano, os advogados públicos federais tinham recebido, ao todo, R$ 528 milhões em honorários de sucumbência.

Racismo estrutural:Caso Magalu evidencia barreira a negros: em só 5% das empresas eles chegam a presidência

Em junho deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que os vencimentos dos advogados não poderiam ultrapassar o teto do funcionalismo público, fixado em R$ 39,2 mil.

Leandro Prazeres, de O Globo. Publicado opriginalmente na edição de 23.09.2020.

Ex-assessor de Flávio comprou terreno de Bolsonaro em dinheiro vivo

Guilherme Hudson é investigado no inquérito das ‘rachadinhas’ e apontado pelo Ministério Público como funcionário ‘fantasma’

 Investigado no inquérito das rachadinhas e apontado pelo Ministério Público do Rio como funcionário “fantasma” do antigo gabinete do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos) na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), o coronel da reserva Guilherme dos Santos Hudson pagou R$ 38 mil em dinheiro por um terreno em Resende, em 2008. Os vendedores foram o então deputado federal Jair Bolsonaro e Ana Cristina Siqueira Valle, sua segunda ex-mulher. Em valores corrigidos pelo IPCA, o montante corresponderia hoje a R$ 71 mil. 

Hudson é investigado pelo Ministério Público Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

O imóvel tinha sido adquirido por Bolsonaro e Ana Cristina em novembro de 2003, pelo mesmo valor que o venderam após a separação, sem reajuste por valorização do terreno ou pela inflação de 28,76%, segundo o IPCA – o que equivaleria a pouco mais de R$ 10 mil. O documento não informa se houve sinal antecipado, nota promissória ou dívidas para pagamentos futuros. 

A escritura da compra, obtida pelo Estadão, registra o pagamento em “moeda corrente do País, contada e achada certa” – denominação usada quando a aquisição é feita em dinheiro, segundo advogada consultada pela reportagem. O imóvel fica num condomínio em Resende, cidade em que vive a família de Ana Cristina. Foi lá, na década de 1970, que Hudson e Bolsonaro serviram juntos na Academia Militar das Agulhas Negras. 

A propriedade fica no condomínio Limeira Tênis Clube. Tem piscina, spa, sauna, bar, salão de festas, campo de futebol e quadras de esportes. Duas propriedades com o mesmo tamanho – cerca de 560 metros quadrados – são vendidas em sites de compra e venda de imóveis por R$ 430 mil e R$ 480 mil. Procurados por meio de seus advogados, Hudson e a mulher não quiseram se manifestar. O presidente Bolsonaro informou, por meio da assessoria, que não vai se posicionar. Ana Valle não respondeu.

Na investigação sobre as “rachadinhas” (apropriação de parte do salário dos servidores), o MP do Rio afirma que, em dezembro do ano passado, o coronel da reserva sacou R$ 15 mil, equivalente a 74% dos valores recebidos durante os dois meses em que esteve lotado no gabinete de Flávio, em 2018. Isso corrobora, segundo a Promotoria, a versão de que ele repassava os valores recebidos para seus chefes. Ana Maria, por sua vez, sacou R$ 430 mil, 43% dos rendimentos que teve como servidora do gabinete. 

A investigação que cita o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos) por supostamente empregar funcionários “fantasmas”, atinge um filho e duas noras do coronel, além dele próprio, mesmo sem ter sido funcionário do parlamentar. Em 30 de outubro do ano passado, com a apuração do MP já aberta, o oficial da reserva e seu filho Guilherme de Siqueira Hudson compareceram ao gabinete de Carlos na Câmara Municipal. Uma semana depois, prestaram depoimento ao MP, conforme revelou o jornal O Globo. 

No pedido de medidas cautelares apresentado à Justiça em dezembro do ano passado, na investigação sobre as “rachadinhas”, o Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc) inseriu uma tabela com saques em espécie feitos pelos parentes de Ana Cristina quando estavam lotados na Alerj: 86% do que receberam, um total de R$ 4 milhões. 

Bolsonaro e  na Cristina ficaram juntos entre 1997 e 2008, quando se separaram de modo conflituoso. Em julho, a revista Época mostrou que, enquanto esteve junto, o casal adquiriu 14 imóveis, cinco deles em dinheiro. Um deles é o que foi vendido para Hudson.

A prática de comprar apartamentos pagando em espécie não é crime, mas é apontada por órgãos de controle como suposto indício de lavagem de dinheiro. É isso que o MP do Rio investiga, entre outros supostos crimes.

“Todas as operações financeiras do senador Flávio Bolsonaro e de seus familiares estão dentro da lei. As informações sobre as compras e vendas de imóveis foram detalhadas junto ao Ministério Público e todos os esclarecimentos já foram dados”, afirmou o senador, em nota. Carlos Bolsonaro não respondeu. Na quarta-feira, 23, o Estadão mostrou que o vereador também comprou um imóvel em dinheiro vivo, um apartamento de R$ 150 mil na Tijuca, quando tinha 20 anos.

Caio Sartori, O Estado de S.Paulo / 24 de setembro de 2020 | 05h00

As consequências vêm depois

Países europeus cobram 'ações reais imediatas' contra o desmatamento, sob pena de ver dificultada a entrada de produtos brasileiros

 A França reafirmou na sexta-feira passada que rejeitará, em seu formato atual, o acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul, aprovado no ano passado, após 20 anos de negociações, mas ainda pendente de ratificação pelos Parlamentos dos países envolvidos.

O governo francês se manifestou depois de receber relatório de um grupo de especialistas sobre os riscos à biodiversidade supostamente acarretados pelo acordo. Segundo o estudo, o desmatamento nos países do Mercosul vai crescer a uma taxa de 5% ao ano nos seis anos seguintes à implantação do acordo. Os especialistas concluem que o custo ambiental supera os benefícios econômicos.

O governo brasileiro reagiu. Nota conjunta dos Ministérios das Relações Exteriores e da Agricultura negou que o acordo represente “qualquer ameaça ao meio ambiente”. Ao contrário, diz o texto: “Reforça compromissos multilaterais e agrega as melhores práticas na matéria”. Para o governo, o estudo francês carece de critérios técnicos e ignora que a pecuária brasileira ampliou sua produtividade sem aumentar a área de pastagens. Por fim, reitera o bom histórico brasileiro em políticas de conservação, destaca a modernidade do nosso Código Florestal e reafirma garantias de sustentabilidade ambiental.

Fortemente contaminada por um lado pela histeria ideológica bolsonarista, que vê conspiração em todo canto, e por outro pelo lobby de produtores concorrentes do agronegócio brasileiro, que aproveitam o discurso irresponsável do presidente Jair Bolsonaro para reivindicar mais protecionismo, a contenda tende ao infinito, neste caso, com grandes prejuízos para o Brasil. 

Por ora, o único fato incontestável, como diria o Conselheiro Acácio, é que as consequências continuam a vir depois: se tem toda a razão ao manifestar “estranheza” com um relatório que põe em dúvida os evidentes progressos de boa parte do agronegócio do País no que diz respeito à proteção dos biomas, o governo brasileiro, no entanto, está colhendo o que plantou desde que o presidente Bolsonaro assumiu com um discurso de franco menosprezo pelas questões ambientais.

Hoje, a pressão contra o Brasil não se limita a produtores franceses interessados em enfraquecer o agronegócio brasileiro. Multiplicaram-se nos últimos meses iniciativas com vista a constranger o governo Bolsonaro a agir com mais firmeza contra o desmatamento e as queimadas.

Em junho, o Parlamento holandês aprovou moção contra a ratificação do acordo da União Europeia com o Mercosul, sob a alegação de que havia risco de aumento do desmatamento da Amazônia. Na semana passada, foi a vez do Parlamento da Áustria vetar o acordo, pela mesma razão. E há alguns dias a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, disse ter “sérias dúvidas” sobre o acordo comercial, como consequência da situação na Amazônia e no Pantanal.

Além disso, um grupo de investidores internacionais expressou em carta aberta preocupação com o “desmantelamento de políticas ambientais e de direitos humanos” no Brasil. Na mesma linha, 230 organizações do agronegócio e do setor financeiro, além de ONGs ambientalistas, enviaram uma carta ao governo destacando que reduzir o desmatamento é de “fundamental importância para o País”.

Na semana passada, um grupo de oito países europeus liderados pela Alemanha também enviou carta ao governo brasileiro para cobrar “ações reais imediatas” contra o desmatamento, sob pena de ver dificultada a entrada de produtos brasileiros na Europa.

Diante disso, o governo Bolsonaro pode escolher: ou aceita que a questão ambiental há muito deixou de ser apenas pretexto para produtores europeus prejudicarem o agronegócio brasileiro, e afinal toma providências sérias para combater o desmatamento, ou continua a tratar as críticas como parte de um complô internacional contra o Brasil. A julgar pelo discurso de Bolsonaro na ONU, repleto de fantasias sobre o sucesso de seu governo na área ambiental e de denúncias paranoicas a respeito de “interesses escusos” de organizações “aproveitadoras e impatriotas”, o governo já fez sua escolha: a errada

Tudo o que sabemos sobre:Floresta AmazônicaONU [Organização das Nações Unidas]desmatamentoincêndio florestal

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo , edição de 24.09.2020

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Discurso de caçamba de caminhão

Setor moderno do agronegócio faz o possível para se afastar de Bolsonaro

Por Élio Gáspari

Jair Bolsonaro abriu os debates da Assembleia Geral da ONU com um discurso de vereador em caçamba de caminhão. Defensivo, com momentos de delírio, viu-se “vítima de uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal”.

Faz tempo, quando um oficial brasileiro perguntou ao general americano Vernon Walters quais eram os interesses dos Estados Unidos na Amazônia, ele respondeu: “A Amazônia é de vocês, cuidem dela”. Walters conhecia o Brasil como poucos, chegou a percorrer de carro a Rodovia Belém-Brasília.

As imagens de satélites e as fotografias da floresta mostram que não se está cuidando direito da Amazônia. Bolsonaro, contudo, estava na sua realidade paralela. Falou mal dos outros, bem de si, de seu governo e reclamou do preço da cloroquina.

A retórica dos agrotrogloditas encurralou Bolsonaro, e hoje o setor moderno do agronegócio faz o possível para se afastar dele. Afinal, já houve épocas em que o governo brasileiro viu-se em posições canhestras no cenário internacional, mas D. Pedro II nunca saiu pela Europa defendendo a escravidão. Astuto, enquanto pôde, fechou o acesso dos estrangeiros à navegação na Amazônia. Fez muito bem, pois alguns burocratas americanos pensaram na possibilidade de mandar para lá seus negros. Esse foi um tempo em que o andar de cima nacional mamava no atraso, mas fingia que era inglês. Pela primeira vez, desde a chegada das caravelas portuguesas, o governo brasileiro está orgulhosamente apenso à agenda do atraso.

A fala de Bolsonaro foi antecedida por um pronunciamento do ministro-general Augusto Heleno que denunciou “nações, entidades e personalidades estrangeiras” com um “interesse oculto mas evidente” de “derrubar o governo Bolsonaro”.

A retórica defensiva de Bolsonaro para a ONU e a denúncia de Heleno indicam que houve uma mudança de ares no Planalto. Em maio, o capitão via-se desafiado pelo Judiciário e dizia “vou intervir”. Como e onde, nunca se soube, mas, na mesma linha, o general havia condenado uma iniciativa que “poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”. No “vou intervir” estava implícita a ideia de que Bolsonaro dispunha de uma retaguarda, mas ela lhe faltou, e as “consequências imprevisíveis” ficaram momentaneamente no campo da fantasia. Naqueles dias os mortos pela Covid eram 18 mil. Hoje são mais de 130 mil.

Ao contrário do que pensam o general Heleno e almas inquietas do Planalto, não há ninguém querendo “derrubar o governo Bolsonaro”. O presidente tem contas a ajustar com o Judiciário por coisas que aconteceram antes de sua investidura e, ainda assim, seria exagero acreditar que desemboquem num impedimento. O verdadeiro jogo está na busca obsessiva pela reeleição, e nisso pouco influirão “nações, entidades e personalidades estrangeiras”. Tudo dependerá do desempenho do governo. Bolsonaro viu esse risco nos primeiros momentos da pandemia. Em março ele dizia: “Se a economia afundar, afunda o Brasil. E qual o interesse dessas lideranças políticas? Se acabar a economia, acaba qualquer governo. Acaba o meu governo. É uma luta de poder”.

Luta-se pelo poder. Em maio, no ataque. Em setembro, na defesa.

Élio Gáspari é Jornalista e Historiador. (Autor de 5 livros sobre o regime militar instaurado em abril de 1964). Este artigo foi publicado originalmente em O Globo, edição de  23.09.20.