Seu objetivo é extrair o máximo de lealdade e inspirar o máximo de ódio, um alimentando o outro
O presidente dos EUA, Donald Trump, durante visita do premiê norueguês, Jonas Gahr Store, na Casa Branca Foto: Saul Loeb/AFP
Harold Macmillan, o primeiro-ministro britânico de meados do século XX, teria dito que o que os estadistas mais temiam eram “os eventos, meu caro, os eventos”. Infortúnios acontecem: um desastre natural, um ataque terrorista, uma crise internacional. Lideranças políticas são julgadas por sua habilidade ou incompetência ao lidar com o inesperado.
Felizmente, o governo Donald Trump ainda não teve tais infortúnios. Seu único infortúnio — e, portanto, o infortúnio de todos — é o próprio governo.
Muita coisa ficou óbvia novamente esta semana, graças a duas histórias que são, em sua essência, a mesma. Primeiro, houve a revelação de que Pete Hegseth, o secretário de Defesa, havia compartilhado detalhes sensíveis do ataque militar ao Iêmen com sua esposa, irmão e advogado pessoal em mais um grupo de bate-papo do Signal. Em seguida, veio um ensaio no Politico de um ex-assessor próximo de Hegseth, John Ullyot, descrevendo um “colapso total no Pentágono” — um colapso que incluiu a demissão de três dos principais funcionários do departamento. Donald Trump Jr. respondeu dizendo que Ullyot está “oficialmente exilado do nosso movimento”
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Em seguida, o mercado despencou e o dólar sofreu uma queda acentuada, graças aos ataques indecorosos e descontrolados do presidente Trump a Jerome Powell, o presidente do Fed. O pecado de Powell foi ter a audácia de descrever os prováveis efeitos das tarifas do presidente: ou seja, que elas farão os preços subir e o crescimento desacelerar. Isso deixou Trump furioso, com ameaças da Casa Branca de analisar se Powell pode ser demitido — um potencial ataque à independência do banco central digno dos piores dias econômicos da Argentina.
Ambos os casos envolvem a supervisão de adultos: a ausência dela no primeiro caso, a presença dela no segundo, e a forte preferência do presidente pela primeira alternativa. Por quê? Provavelmente pelo mesmo motivo que ditadores de meia-tigela elevam bajuladores incompetentes a altos cargos de segurança: eles são mais dependentes e menos ameaçadores. A última coisa que Trump quer no Pentágono é outro Jim Mattis, seguro de si o suficiente para estar disposto a renunciar por princípio.
O mesmo vale para outros departamentos do governo.
Um secretário de Estado adulto jamais teria permitido que seu departamento fosse destruído em suas primeiras semanas por um funcionário não oficial (Elon Musk) de um suposto departamento (DOGE) por funcionários adolescentes irresponsáveis com apelidos como “Big Balls” (Grandes Bolas). Mas Marco Rubio tem um apelido com um significado muito diferente: Pequeno Marco. Ele fará o que lhe mandarem até ser demitido, provavelmente (como um de seus antecessores, Rex Tillerson) por meio de uma publicação nas redes sociais.
Um procurador-geral adulto teria acatado rapidamente uma decisão da Suprema Corte de “facilitar” o retorno de Kilmar Armando Abrego Garcia, de El Salvador, que foi deportado por engano pelo governo em março e preso injustamente em seu país natal. Mas Pam Bondi preferiria servir seu chefe com lealdade, mas de forma tola, em vez de usar a inteligência e ter independência. Um dia, ela terá que escolher entre uma aquiescência humilhante a uma ordem judicial mais contundente ou uma batalha politicamente debilitante com o tribunal.
Uma equipe adulta de assessores econômicos teria dissuadido o presidente de anunciar e suspender tarifas repetidamente, mesmo que apenas para preservar sua credibilidade política, evitar incertezas comerciais e prevenir a previsível revolta dos mercados. E eles teriam se mostrado particularmente interessados em evitar uma guerra comercial total com Pequim, já que a capacidade da China de absorver e impor sofrimento econômico excede em muito a de Washington. Mas esta equipe, não. Seja por covardia ou arrogância, eles preferem correr o risco de um caos econômico global do que o de desagradar seu chefe.
Quanto a Trump, seu objetivo é extrair o máximo de lealdade e inspirar o máximo de ódio, um alimentando o outro. É um método de controle: quanto mais imprudente ele se torna, mais obriga seus asseclas a se humilharem para defendê-lo. Quanto mais o fazem, mais os oponentes de Trump se convencem de que a tirania está nascendo. Será ele outro Viktor Orban? Ou Mussolini? Cada vez que um crítico recorre a uma comparação exagerada (eu também já cometi esse erro), isso apenas enfraquece sua própria força moral e poder explicativo.
Trump é Trump. Vamos pensar nele em seus próprios termos.
Quando completou seu extraordinário retorno à política em novembro, o presidente estava no auge de seu poder político. Ele o erodiu a cada dia desde então. Com Matt Gaetz como sua primeira opção para procurador-geral. Com as disputas de confirmação desnecessariamente contundentes envolvendo a escolha absurda de Hegseth, Robert Kennedy Jr., Kash Patel e Tulsi Gabbard.
Com a transformação do Canadá em inimigo. Com a grotesca aproximação de J.D. Vance com a extrema direita alemã. Com o abuso de Volodmir Zelenski no Salão Oval. Com o regime tarifário desordenado. Com ameaças de conquista que antagonizam aliados históricos sem nenhum benefício plausível. Com prisões duvidosas e deportações ilegais que podem transformar indivíduos antipáticos em heróis. E agora com ameaças à ordem econômica básica que levaram o ouro a uma alta recorde, chegando a US$ 3.500 a onça, e empurram o Dow Jones no caminho de seu pior abril desde o final do governo Hoover.
Os democratas que se perguntam como se opor a Trump de forma mais eficaz podem considerar o seguinte. Parem com as comparações com ditadores. Recapitulem os fatos acima. Prometam normalidade e apresentem planos para recuperá-la. E lembrem-se de que, por mais maligno que ele seja, não há adversário melhor do que um presidente de cara no chão, tropeçando nos cadarços próprios desamarrados.
Bret Stephens, o autor deste artigo, é colunista de opinião do 'The New York Times', escrevendo a respeito de política externa, política doméstica e questões culturais. Publicado no Brasil por O Estado de S. Paulo com tradução de Augusto Calil, em 24.04.25
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