Em 2022 e 2023 o Brasil se mostrou mais maduro e equipado que os Estados Unidos em 2020 e 2021 para lidar com as turbas
Da esquerda para a direita: o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump; o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e o dono do X, Elon Musk — Foto: Fotos de Jim Watson/AFP, Brenno Carvalho/O Globo e Kevin Lamarque/Pool/AFP
Estados Unidos e Brasil lidam neste momento com um dilema comum: como responder a diferentes graus de ameaça à democracia que aconteceram nos últimos anos e, por lá, se intensificam a cada dia no novo mandato de Donald Trump?
Enquanto aqui uma corrente política tenta convencer a sociedade de que o Judiciário exagera e persegue ao punir com rigor aquilo que a sua Corte mais alta, o Supremo Tribunal Federal, decidiu por ampla maioria ter sido uma tentativa de golpe de Estado, nos Estados Unidos as diferentes instituições começam a dar sinais de que perceberam quanto subestimaram a capacidade de destruição de todo o arcabouço democrático erigido nos últimos séculos por parte de uma oligarquia disposta a fazê-lo.
Vale a pena olhar para o que se passa em ritmo acelerado na maior potência do mundo para analisar com a frieza e a responsabilidade devidas as atuais tentativas de minimizar episódios como o 8 de Janeiro e a trama golpista urdida ainda na vigência do governo de Jair Bolsonaro.
Muito da sem-cerimônia com que Trump nomeou pessoas movidas por interesses particulares — muitas das quais notoriamente avessas às premissas básicas das áreas que foram designadas para comandar — e passou a investir simultaneamente contra os vários pilares sobre os quais a história democrática americana foi assentada se deve ao fato de que ele já tinha tentado fazer isso antes e não foi punido. Não só isso: foi ungido de volta, como se a maioria do eleitorado não só respaldasse ações impensáveis como a invasão ao Capitólio e a tentativa de não reconhecer o resultado das eleições de 2020, como pedisse mais.
Trump entendeu assim e está oferecendo muito mais. Se isso, por si só, já foi espantoso tratando-se de um país que sempre cantou em prosa e verso a solidez de sua democracia, a facilidade com que o presidente eleito novamente conseguiu amedrontar o Congresso, atemorizar as universidades a ponto de fazê-las sucumbir a censura e pressão financeira e desmontar agências, coalizões e departamentos, inclusive ligados à soberania nacional, faz qualquer filme distópico parecer fichinha.
Levou quase quatro meses para que personagens como Bernie Sanders, Alexandria Ocasio-Cortez ou instituições como Harvard começassem a erguer a voz, dizer “não” ao arbítrio e arregaçar as mangas. E precisou que os ditames de Trump começassem a bater no bolso daqueles que o reconduziram à Casa Branca para que a população começasse a ir às ruas e a dizer que não aceitaria mais avanços autoritários.
E também nesse aspecto há paralelos a ser construídos com o Brasil. O STF e, mais específica e sistematicamente, o ministro Alexandre de Moraes foram aqueles que pararam Bolsonaro quando se tentava passar a boiada na legislação de proteção ambiental, negar vacina e tratamento a populações específicas na pandemia, colocar em xeque o sistema eleitoral consagrado havia décadas e até impedir eleitores de votar, numa última tentativa desesperada de influir na vontade popular.
Nada disso, nem a invasão à sede dos três Poderes, foi brincadeira. Punir os responsáveis por essa sucessão de atos e decisões não é perseguir donas de casa indefesas, mas proteger a democracia, um bem tão frágil que basta dar poder a um autocrata para que venha a ser rapidamente reprimido.
Em 2022 e 2023 o Brasil se mostrou mais maduro e equipado que os Estados Unidos em 2020 e 2021 para lidar com as turbas, as eleitas e as alistadas, que tentaram conspurcar a ordem constitucional. Mas os ventos de lá sopram aqui quando tributários do trumpismo enxergam em sua volta ao poder a deixa para tocar o terror da pressão para que os Poderes sucumbam e passem a relativizar as tentativas de golpe em vários atos que vivenciamos.
Que a reação tardia e insuficiente da sociedade americana seja também um sacode nos que estão aos poucos sendo levados na conversa mole de que tudo que vimos ao vivo e em cores não passou de delírio do Xandão.
Vera Magalhães, a autora deste artigo, é jornalista. Comenta para o jornal O Globo os principais fatos da política, do Judiciário e da economia. Publicado em 16.04.25
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