Até a Suprema Corte, de maioria conservadora, contraria governo; sistema de freios e contrapesos é pilar das democracias
Vista de parte da fachada da Suprema Corte com a bandeira dos Estados Unidos, em Washington (EUA) - Kevin Mohatt/Reuters
Quem poderá conter Donald Trump? O presidente americano inicia seu segundo mandato com apetites autoritários redobrados. No plano externo, incitou uma guerra comercial global, com aumento ensandecido de tarifas, e recebeu dura resposta da China.
No interno, a reação está começando. Em sua cruzada contra as universidades de elite, por exemplo, Harvard já avisou que não aquiescerá às absurdas exigências do governo. Mesmo no Partido Republicano, parlamentares ligados a setores mais afetados pelas tarifas e bilionários que financiaram sua campanha eleitoral mostram descontentamento.
De todos os agentes e instituições que podem fazer resistência a Trump, o mais decisivo é o Judiciário. Trata-se, afinal, do Poder que, no sistema de freios e contrapesos das democracias liberais, está incumbido de revisar as decisões do Executivo e sobrestá-las caso violem as leis.
Várias medidas de Trump foram contestadas e, em alguns casos, juízes ordenaram suspensões. Mas, de modo temerário, o governo vem recorrendo a subterfúgios para adiá-las ou não implementá-las e até a ameaças abertas de descumprimento.
As alegações da Casa Branca por vezes beiram o surrealismo, como na situação do imigrante legalizado enviado erroneamente a uma prisão salvadorenha.
O governo, em desafio a uma liminar da Suprema Corte, se recusa a tentar repatriá-lo e insiste que está cumprindo a determinação, pois o imigrante, ora preso e sob risco de tortura, não será barrado em nenhum ponto de entrada do território americano caso se apresente a um deles.
Note-se que a mais alta corte do país tem maioria conservadora —de 6 dos 9 magistrados, sendo que 3 deles foram indicados por Trump em seu primeiro mandato. Tal composição, porém, não significa alinhamento automático a Washington.
O tribunal já concedeu decisões tanto favoráveis como contrárias à Casa Branca. O republicano até chegou a ser repreendido de forma inédita pelo presidente da Suprema Corte, por ter ameaçado promover o impeachment de um juiz de cuja decisão sobre deportação de imigrantes não gostara.
Há bons motivos para crer que a instância máxima da Justiça manterá certa independência, já que o projeto trumpista é autoritário. Se sua agenda obtiver sucesso, o Judiciário perderá poder para o Executivo. É incomum que detentores do poder abram mão dele espontaneamente.
Apesar de suas tentativas, não será tão fácil para Trump arruinar a democracia americana.
Editorial da Folha de S. Paulo, em 17.04.25 (editoriais@grupofolha.com.br)
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