Reversão do otimismo com o presidente reflete os custos de seu ativismo disruptivo, que ameaçam a renda dos americanos
Donald Trump, presidente dos Estados Unidos - Mandel Ngan/AFP
Os primeiros 50 dias do segundo mandato de Donald Trump foram marcados por intensa atividade disruptiva do chefe do governo dos Estados Unidos. Em pouco tempo abriram-se tantas frentes de controvérsia que as repercussões negativas, para o presidente e seu país, não tardaram a aparecer.
O otimismo nos mercados que precedeu a posse do republicano foi revertido assim que ficou clara a resultante inflacionária e contracionista das suas medidas. Hoje os investidores passaram a prever desaceleração —alguns vislumbram até recessão— na maior economia do planeta.
Não é para menos. O choque de custos embutido nos anúncios de elevação abrupta de impostos de importação castiga empresas e consumidores norte-americanos que compram produtos estrangeiros. Os preços domésticos do aço, apenas um dos muitos bens atingidos pela metralhadora tarifária de Trump, dispararam.
Se os anúncios forem concretizados, cadeias inteiras de suprimento que dependem de transações transfronteiriças serão atingidas, bagunçando produção, transporte e distribuição de mercadorias com sequelas que implicarão carestia e desemprego.
Mesmo se a catadupa de ameaças comerciais do presidente norte-americano ao final se mostrar menos gravosa do que o inicialmente alardeado, a mera incerteza disseminada por esse método irresponsável de lidar com as expectativas de agentes econômicos já terá produzido estragos.
No front político as sequelas do frêmito mudancista que começam a aparecer tampouco parecem pequenas. A anomalia de investir o empresário Elon Musk de um poder ao mesmo tempo ubíquo e informal na administração federal vai produzindo desgaste.
Numa república de bananas, a figura do amigo do rei que toca seus negócios privados enquanto manda e desmanda no governo com o qual mantém contratos talvez passasse como algo normal. Não numa democracia sólida de mais de 230 anos, como os EUA.
O Judiciário independente continua a bloquear e a reverter ordens ilegais ou inconstitucionais da Casa Branca. Trump já perdeu inclusive na Suprema Corte, apesar da inclinação conservadora da maioria do tribunal.
Somadas as tribulações na política e na economia causadas pelo ativismo trumpista, não espanta que uma maré precoce de impopularidade assedie o líder recém-empossado. O índice de quem desaprova o mandatário passou a superar o dos que o endossam num reputado agregador de pesquisas de opinião pública.
Trump, vale lembrar, não tem direito à reeleição pela regra constitucional dos EUA. Se continuar na toada de ameaçar a renda dos cidadãos e de desafiar o sistema de freios e contrapesos do país, correrá mais riscos de perder a tênue maioria no Congresso no pleito do ano que vem.
A perspectiva de uma segunda metade de mandato melancólica talvez estimule o vaidoso presidente a mudar logo de atitude.
Editorial da Folha de S. Paulo, em 10.03.25 (editoriais@grupofolha.com.br)
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