Primeira mulher à frente do Ministério da Saúde deixa marcas como a retomada da vacinação e o investimento na indústria nacional, apesar de deslizes
Nísia Trindade, demitida do Ministério da Saúde nesta terça-feira, 25, deixa um legado positivo, segundo especialistas. Entre os triunfos da agora ex-ministra estão o aumento da cobertura vacinal, a inclusão de novos imunizantes na rede pública, a reorganização da pasta e a retomada de programas como o Mais Médicos.
Para eles, Nísia não cometeu erros que justificassem sua saída e a demissão é uma questão política. Pesaram contra sua gestão a queda de popularidade do governo federal, a falta de articulação e a ausência de padrinhos políticos.
“Um ministro de Estado precisa ter uma boa penetração e articulação no Congresso. Isso é fatal. Se o ministro não tem esse perfil, tem de ter um preposto que faça isso por ele”, avalia o médico Walter Cintra, professor de gestão em saúde da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Essa compreensão faltou ao Ministério da Saúde”, resume. Para ele, não adianta ser muito técnico e esquecer que a questão política é central, porque quem vai decidir os recursos da saúde, em última análise, são os políticos — ainda mais no modelo das emendas parlamentares.
O fato de ser a primeira mulher à frente da pasta também aumentou o teto de vidro. “Muita gente olha de forma preconceituosa, com misoginia e diz: ‘As mulheres são mais frágeis, não têm tanto poder de comando’”, critica o médico sanitarista Claudio Maierovitch Pessanha Henriques, ex-diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Nísia já foi ‘acusada’ de ser ‘suave demais’. Ser gestor, ter poder e conseguir fazer isso sem gritar, ofender, menosprezar é uma grande qualidade”.
Embora enalteçam sua capacidade técnica e a equipe que reuniu, os especialistas apontam que a gestão não foi isenta de deslizes. Mencionam, por exemplo, a falta de coordenação nacional no combate à dengue e a dificuldade de lidar com a gestão de filas no Sistema Único de Saúde (SUS) no período à frente da pasta, o qual superou a média.
Desde a redemocratização, calcula a médica Ana Maria Malik, professora da FGV, os ocupantes do cargo duram, em média, 16 meses.
A professora Lorena Guadalupe Barberia, do departamento de Ciência Política da USP, refina o cálculo. Ela e colegas publicaram na revista científica Leadership in Health Services uma análise sobre a queda de ministros e secretários de Saúde no Brasil durante a pandemia. “Na média, ministros da Saúde ficam no cargo 500 dias. Ela ficou 786 dias. Considero uma vitória ela ter permanecido tanto tempo sabendo que, durante períodos de crise, há maior alternância.”
Reconstrução
É unânime entre os especialistas que Nísia reconstruiu um ministério desmontado após gestões “desastrosas” de seus antecessores nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro. “Ela pegou um ministério destruído e está entregando para seu sucessor uma pasta com projetos bem encaminhados”, pondera Cintra.
“O que foi destruído nos seis anos de dois governos em que a saúde deixou de ser priorizada, Nísia reconstruiu em 25 meses. Isso não é pouco”, dizem a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) em nota de agradecimento.
Foi ela a responsável por retomar programas como o Mais Médicos, o Brasil Sorridente e a Farmácia Popular. Por outro lado, faltou à ministra uma marca própria. O mais próximo disso foi o Complexo Econômico-Industrial da Saúde, que Nísia tocou ao lado do vice-presidente Geraldo Alckmin. O projeto busca expandir a produção nacional de insumos, medicamentos e vacinas e reduzir a dependência de produtos estrangeiros, mas é uma iniciativa de longo prazo e não repercutiu junto ao público.
Crise no Território Yanomami
Logo no início da gestão, houve a crise no território Yanomami. A longa interferência de não indígenas na região, relacionada ao garimpo ilegal, aumentou os índices de violência, degradação ambiental – impactando diretamente na alimentação – e doenças. Em janeiro de 2023, a situação veio à tona, escancarando para o mundo centenas de casos de desnutrição severa, falta de medicamentos e mortes por malária.
A tentativa de solucionar a crise foi uma das primeiras medidas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele decretou situação de emergência em saúde e mobilizou ministérios. Apesar disso, dados divulgados em janeiro de 2024 mostraram que o número de mortes no território havia aumentado.
Leon Ferrari e Stefhanie Piovezan, de Brasília - DF, originalmente, para O Estado de S. Paulo, em 26.02.26
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