Cabe agora ao Supremo evitar atropelo e lentidão para que o julgamento tenha desfecho justo
O ex-presidente Jair Bolsonaro — Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo
Com base num extenso trabalho investigativo da Polícia Federal, a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou o ex-presidente Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF), sob a acusação de ter liderado uma tentativa de golpe de Estado depois de derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva em 2022. Entre os outros 33 denunciados estão quatro ex-ministros, quatro ex-integrantes do Alto Comando do Exército, um ex-comandante da Marinha, assessores palacianos e militares da ativa ou da reserva.
Estão na lista nomes como Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice na chapa de Bolsonaro; Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional; Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; Alexandre Ramagem, deputado federal pelo Rio e ex-diretor da Abin; e Silvinei Vasques, ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal. Se a denúncia for aceita pelo STF, os envolvidos passarão à condição de réus e serão julgados por crimes como tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e participação em organização criminosa. Somadas, as penas de prisão podem chegar a 43 anos.
Esperada com ansiedade nos meios políticos, a decisão da PGR é histórica. Bolsonaro é acusado de liderar uma organização criminosa que não apenas tentou reverter a vontade popular expressa nas urnas, mas até matar o presidente eleito, seu vice e um ministro do Supremo, com o objetivo de acabar com a alternância de poder. Nada pode haver de mais grave numa democracia.
Em capítulo tão singular da nossa História, o STF precisa tomar os devidos cuidados para garantir a todos os denunciados amplo direito de defesa, seguindo à risca o que determina a Constituição que eles são acusados de tentar destruir. Se a denúncia for aceita, o julgamento dos réus exigirá minuciosa avaliação das provas, depoimentos e argumentos da PGR e da defesa. A denúncia é sólida e tem base numa investigação exemplar. Mesmo assim, as eventuais condenações precisarão ser explicadas à população de forma exaustiva para mitigar o efeito dos ataques que certamente se intensificarão. Nas cadeias (não apenas nas brasileiras), é difícil encontrar réus confessos. Quando, entre os acusados, estão políticos populares e figuras notórias, não há como fugir a uma guerra de versões e narrativas. Por isso, além de justo, o julgamento deverá ser didático.
O STF precisará doravante ampliar seus esforços para manter o equilíbrio. Evitar, ao mesmo tempo, o atropelo e a lentidão nas decisões. A denúncia da PGR está embasada não apenas em delações, mas em manuscritos, arquivos, planilhas, trocas de mensagens, áudios e depoimentos. A defesa de Bolsonaro divulgou nota manifestando “estarrecimento e indignação”. Segundo seus advogados, trata-se de denúncia “inepta”. Nada mais distante da realidade. É uma denúncia consistente, da mais alta gravidade. Por isso mesmo, caberá ao Supremo conduzir o processo com respeito às provas, à legislação e com toda a serenidade necessária para que ele tenha um desfecho justo.
Editorial d'O Globo, em 20.02.25
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