Democratas têm de encontrar formas de se comunicar melhor com os americanos
Bolsa de NY: democratas precisam retomar narrativa econômica (Seth Wenig / AP).
Tenho 80 anos e posso ver claramente que caminhamos em direção a um ambiente de mídia não tradicional
Achei que Kamala Harris ganharia. Eu estava errado. Tenho certeza de que nós, democratas, podemos argumentar que a derrota não foi esmagadora ou encontrar um pequeno consolo em nosso desempenho na Câmara, mas o mais importante agora é encarar que estávamos errados e tomar uma atitude sobre o “porquê”.
Estive repassando isso na minha cabeça pelos últimos dois meses, todas as variáveis, todos os “e se”, todas as perguntas sobre as decisões de reeleição de Joe Biden, que tipo de democrata ou mensagem poderia ter funcionado contra Donald Trump. Continuo voltando para a mesma coisa. Perdemos por uma razão muito simples: era, é e sempre será a economia, estúpido! Precisamos começar 2025 com essa verdade como estrela-guia e não nos distrair com mais nada.
Embora a economia dos EUA permaneça a mais forte do mundo, com o PIB disparando e a inflação diminuindo, o povo americano não se contentou em estar melhor do que o restante ou em considerar isso como bom o suficiente.
Trump, pela primeira vez em sua carreira política, venceu decisivamente ao conquistar uma faixa de eleitores de classe média e de baixa renda focados na economia. Os democratas simplesmente perderam a narrativa econômica. A única via para a salvação eleitoral é retomá-la.
A percepção é tudo na política, e muitos americanos nos veem como alheios à economia – não sentindo a dor deles, ou então preocupados demais com outras coisas.
Para reconquistar a narrativa econômica, devemos nos concentrar em acelerar uma máquina de mensagens transformada para o novo paradigma político em que agora nos encontramos. Trata-se de encontrar maneiras de falar com os americanos sobre economia que sejam persuasivas. Repetitivas. Memoráveis. E totalmente focadas nas questões que afetam a vida cotidiana dos americanos.
OPOSIÇÃO. Isso começa com a maneira como formamos nossa oposição. Primeiro de tudo: temos de parar de fazer do próprio Trump nosso foco principal – ele não pode ser eleito novamente. Além disso, está claro que muitos americanos não estão nem aí para os indiciamentos de Trump – mesmo que sejam justificados – ou para seus impulsos antidemocráticos ou para questões sociais se eles não conseguirem sustentar a si mesmos ou a suas famílias.
Trump ganhou colocando a raiva econômica dos americanos em primeiro plano. Se focarmos em qualquer outra coisa, corremos o risco de cair ainda mais no abismo. Nossa máquina de mensagens deve se concentrar em se opor à impopular agenda econômica republicana que viverá além dele.
Oponha-se ao partido, não à pessoa ou ao extremismo de seu movimento. Não concordo sempre com Wall Street, mas Jamie Dimon estava certo quando disse que os democratas atacarem o trumpistas era insultante e politicamente insensato. Denunciar outros americanos ou seu líder como malfeitores não vai ganhar eleições; focar na dor econômica deles sim, assim como contestar a agenda econômica republicana.
Haverá muito a se opor. Nossa mensagem central deve girar em torno de se opor aos cortes de impostos dos republicanos para os mais ricos. É profundamente impopular, e sabemos que eles querem fazer isso novamente.
Então, atacamos o resto. Sabemos que os republicanos, provavelmente, farão os custos diários dispararem com tarifas desastradas; eles certamente tentarão cortar o Obamacare (programa de acesso à saúde), aumentando as mensalidades da classe trabalhadora; e provavelmente não farão quase nada para conter os custos dos medicamentos prescritos.
Em uma exibição verdadeiramente impressionante de desumanidade, o presidente da Câmara, Mike Johnson, já cortou o financiamento da saúde para os trabalhadores do 11 de Setembro e sobreviventes. Virá algo muito pior.
OFENSIVA. Mas, claro, a oposição é apenas metade da moeda. Enquanto os democratas têm quase nenhuma chance de passar uma agenda econômica progressista e ousada nos próximos quatro anos, o que podemos fazer é forçar os republicanos a se oporem a nós. Devemos estar na ofensiva com uma agenda econômica popular e populista que eles não podem apoiar.
Vamos começar forçando-os a se opor a um aumento do salário mínimo para US$ 15 por hora. Vamos fazer do Roe v. Wade (precedente legal que autoriza o aborto) uma questão de mensagens econômicas – e forçálos a bloquear nossas tentativas de codificá-lo em lei.
E vamos retomar a questão da imigração, tornando-a uma questão econômica – e forçar o Partido Republicano a negar uma reforma que acelere a entrada de talentos de alto desempenho e daqueles que trarão negócios para nossa nação.
Este ano, a liderança do Partido Democrata deve se reunir e publicar uma agenda econômica criativa, popular e ousada e retomar proativamente nosso território econômico. Seja ousado, seja populista, foque no progresso econômico – e force os republicanos a se oporem ao que não podem apoiar. Em uma só voz.
NOVAS MÍDIAS. Finalmente, os democratas devem avançar decididamente com essa agenda econômica no novo paradigma de mídia em que agora vivemos. Sou um homem de 80 anos e posso ver claramente que estamos avançando em direção a um ambiente de mídia não tradicional e descentralizado.
Podcasts são os novos jornais e revistas impressas. Plataformas sociais são uma consciência social. E influenciadores são os guardiões digitais dessa consciência. Nossa mensagem econômica deve ser afiada, clara e direta – e devemos levá-la diretamente ao povo.
Aos futuros presidenciáveis democratas, suas audições para 2028 devem ser baseadas em duas coisas: 1) O quão autênticos vocês são sobre a economia e 2) quão bem vocês transmitem as ideias em um podcast.
O caminho à frente não será fácil, mas não há duas estradas para escolher. O caminho a seguir não poderia ser mais certo: vivemos ou morremos pela vitória na percepção pública da economia. Assim foi, assim é e assim será para sempre.
James Carville, o autor deste artigo, é Consultor de Campanhas Democratas, incluindo a de Bill Clinton, em 1992). Publicado originalmente no New York Times e reproduzido no Brasil n'O Estado de São Paulo, em 05 de janeiro de 2025.
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