Verba representa mais de quatro vezes a quantia do período anterior e drena orçamento federal
O plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília - Pedro Ladeira - 17.mai.23/Folhapress
A explosão de verbas de emendas parlamentares a partir de 2020 movimentou mais de R$ 148,9 bilhões em cinco anos. O aumento drenou recursos dos ministérios e garantiu protagonismo a deputados e senadores.
A cifra representa mais de quatro vezes o valor desembolsado em indicações parlamentares no ciclo anterior, de 2015 a 2019, de R$ 32,8 bilhões.
Do valor total pago nos últimos cinco anos, cerca de R$ 74 bilhões são das chamadas emendas individuais, enquanto R$ 29,5 bilhões foram direcionados pelas bancadas estaduais, e R$ 9 bilhões partiram das comissões temáticas da Câmara e do Senado.
Ainda foram distribuídos mais de R$ 36,5 bilhões de emendas de relator, modalidade que se tornou um dos símbolos da distribuição de verbas apadrinhadas pelo Congresso sob baixa transparência. Em 2022, o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou esse modelo inconstitucional.
O aumento do controle do Orçamento pelo Congresso tornou órgãos públicos dependentes das indicações parlamentares para despesas de rotina. O Ministério dos Esportes, por exemplo, teve mais de 74% dos seus recursos discricionários (de execução não obrigatória) em 2024 definidos por emendas, de acordo com levantamento feito pela Folha.
A cifra desembolsada desde 2020 ainda é o dobro dos R$ 70 bilhões aplicados por órgãos federais, no mesmo período, em ações ligadas a ciência e tecnologia, cultura, esportes e saneamento.
O boom de emendas resultou na remodelação de órgãos federais, como a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) e o Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas).
Antes dedicados aos projetos de irrigação e de redução de desigualdades, ambos se voltaram à distribuição das emendas por meio de doações de maquinários e obras de pavimentação.
Emendas executadas pelos dois órgãos são alvos de apurações sobre possíveis irregularidades. Em dezembro, a PF realizou uma operação dentro de um inquérito sobre um suposto desvio de emendas direcionadas ao Dnocs.
O avanço do Legislativo sobre o Orçamento ocorreu a partir de uma série de mudanças na legislação feitas a partir de 2015.
Desde então, o Congresso tornou obrigatória a execução das emendas individuais e das bancadas dos estados, criou a emenda Pix e garantiu fatias cada vez maiores de recursos.
Entenda as emendas parlamentares
As mudanças se escancararam a partir de 2020, quando o Orçamento federal chegou a prever R$ 46,2 bilhões em emendas, mais que o triplo dos R$ 13,7 bilhões disponíveis no ano anterior.
Com o avanço inédito, elas se tornaram a principal ferramenta de poder de deputados e senadores em suas bases eleitorais e continuaram a ter importância como moeda de troca em negociações entre Congresso e Executivo.
Para garantir o apoio de parlamentares, o presidente Lula (PT) manteve sob domínio do centrão pastas que servem como canais de escoamento das emendas, como a Codevasf.
Durante a campanha eleitoral de 2022, Lula o petista se referiu à distribuição de verba com baixa transparência de "o maior esquema de corrupção da atualidade", "orçamento secreto" e "bolsolão". Aliados da sua gestão, porém, ocupam posições de destaque em órgãos que mantiveram o escoamento de bilhões de reais, sem apontar os verdadeiros padrinhos da verba.
A distribuição das verbas ganhou como novo elemento, em 2024, uma série decisões do STF travando por meses a execução das emendas, sob argumento de que não havia transparência na partilha.
Relator das ações no Supremo, o ministro Flávio Dino também ordenou abertura de auditorias da CGU (Controladoria-Geral da União) sobre repasses para ONGs e para os municípios mais beneficiados pelos parlamentares.
O atrito arrefeceu após a aprovação de uma lei e a edição de uma portaria que atenderiam às decisões do STF.
Dino, porém, voltou a segurar a destinação de parte das emendas em dezembro. Ele ainda determinou a abertura de uma investigação da PF sobre uma suposta manobra de líderes da Câmara para remanejar, sem transparência, cerca de R$ 4 bilhões das chamadas emendas de comissão.
Para integrantes do governo e do Congresso, as decisões do Supremo sinalizam que as incertezas sobre o tema devem se repetir neste ano.
A destinação das emendas também está na mira de investigações sobre supostas irregularidades que envolvem políticos de diferentes posições.
Integrante da cúpula do governo Lula, o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil-MA), foi indiciado pela Polícia Federal sob a suspeita de desvio de verba indicada para obras na cidade governada pela sua família. Ele nega e diz que os investigadores criaram uma "narrativa".
Em 2023, o ministro do STF Gilmar Mendes mandou paralisar e anulou provas de uma investigação sobre supostas irregularidades na compra de kits de robótica com verbas de emendas, caso que envolve pessoas ligadas ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O deputado rechaça as suspeitas.
Lira mantém forte influência sobre a partilha das verbas de comissão. Como a Folha mostrou, parte desse dinheiro era direcionada conforme orientações dadas aos colegiados por uma assessora de confiança do presidente da Câmara.
Em nota, a Secretaria de Relações Institucionais, pasta comandada pelo ministro Alexandre Padilha (PT) e que faz a interlocução com o Congresso, disse que cabe ao Executivo a execução da Lei Orçamentária, enquanto o Congresso "detém a competência para incluir emendas".
O ministério ainda afirmou que a lei complementar 210, sancionada em novembro passado, limita o crescimento das emendas pelas regras do novo arcabouço fiscal e estabelece outros critérios, como a "exigência de aplicação a projetos de interesse nacional ou regional, no caso das emendas de comissão".
Explosão de emendas movimenta quase R$ 150 bi em 5 anos
Valor pago, em R$ bilhões
Ministério da Saúde
78,680
Emenda Pix*
20,740
Ministério do Desenvolvimento Regional
11,780
Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional
7,650
Ministério da Educação
6,090
Ministério da Cidadania
3,730
Ministério da Justiça e Segurança Pública
2,730
Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome
2,440
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
2,410
Ministério da Defesa
2,380
Ministério da Infraestrutura
2,120
Ministério da Agricultura e Pecuária
2,030
Ministério do Turismo
1,490
Ministério dos Transportes
0,850
Ministério das Cidades
0,700
Ministério da Economia
0,470
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos
0,470
Ministério do Esporte
0,440
Ministério do Trabalho e Emprego
0,200
Ministério do Meio Ambiente
0,190
Ministério da Cultura
0,190
Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania
0,180
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações
0,170
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
0,170
Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações
0,100
Ministério das Comunicações
0,100
Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar
0,090
Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima
0,080
Ministério das Mulheres
0,060
Ministério de Portos e Aeroportos
0,040
Ministério da Igualdade Racial
0,030
Presidência da República
0,030
Ministério das Relações Exteriores
0,020
Ministério da Pesca e Aquicultura
0,020
Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços
0,020
Ministério de Minas e Energia
0,010
Ministério do Trabalho e Previdência
0,010
Encargos Financeiros da União
0,008
Ministério dos Povos Indígenas
0,006
Ministério da Fazenda
0,006
Controladoria-Geral da União
0,005
Operações Oficiais de Crédito
0,003
Ministério do Desenvolvimento Agrário
0,001
Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos
0,001
Ministério Público da União**
0,000
Justiça Eleitoral**
0,000
Ministério da Previdência Social**
0,000
Total: R$ 148,96 bilhões
*Modalidade de emenda individual em que o recurso é enviado diretamente ao cofre do estado ou município
**Ministério Público da União: R$ 0,0003 bilhões; Justiça Eleitoral: R$ 0,0003 bilhões; Ministério da Previdência Social: R$ 0,00003 bilhões
Fonte: Siga Brasil/Senado Federal, com dados extraídos em 9 de janeiro
Mateus Vargas, o autor, é Repórter da Folha de S. Paulo. Publicado originalmente em 13.01.25
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