quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Emendas (Parlamentares) movimentam R$ 150 bi em 5 anos com protagonismo do Congresso e baixa transparência

Verba representa mais de quatro vezes a quantia do período anterior e drena orçamento federal

O plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília - Pedro Ladeira - 17.mai.23/Folhapress

A explosão de verbas de emendas parlamentares a partir de 2020 movimentou mais de R$ 148,9 bilhões em cinco anos. O aumento drenou recursos dos ministérios e garantiu protagonismo a deputados e senadores.

A cifra representa mais de quatro vezes o valor desembolsado em indicações parlamentares no ciclo anterior, de 2015 a 2019, de R$ 32,8 bilhões.

Do valor total pago nos últimos cinco anos, cerca de R$ 74 bilhões são das chamadas emendas individuais, enquanto R$ 29,5 bilhões foram direcionados pelas bancadas estaduais, e R$ 9 bilhões partiram das comissões temáticas da Câmara e do Senado.

Ainda foram distribuídos mais de R$ 36,5 bilhões de emendas de relator, modalidade que se tornou um dos símbolos da distribuição de verbas apadrinhadas pelo Congresso sob baixa transparência. Em 2022, o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou esse modelo inconstitucional.

O aumento do controle do Orçamento pelo Congresso tornou órgãos públicos dependentes das indicações parlamentares para despesas de rotina. O Ministério dos Esportes, por exemplo, teve mais de 74% dos seus recursos discricionários (de execução não obrigatória) em 2024 definidos por emendas, de acordo com levantamento feito pela Folha.

A cifra desembolsada desde 2020 ainda é o dobro dos R$ 70 bilhões aplicados por órgãos federais, no mesmo período, em ações ligadas a ciência e tecnologia, cultura, esportes e saneamento.

O boom de emendas resultou na remodelação de órgãos federais, como a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) e o Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas).

Antes dedicados aos projetos de irrigação e de redução de desigualdades, ambos se voltaram à distribuição das emendas por meio de doações de maquinários e obras de pavimentação.

Emendas executadas pelos dois órgãos são alvos de apurações sobre possíveis irregularidades. Em dezembro, a PF realizou uma operação dentro de um inquérito sobre um suposto desvio de emendas direcionadas ao Dnocs.

O avanço do Legislativo sobre o Orçamento ocorreu a partir de uma série de mudanças na legislação feitas a partir de 2015.

Desde então, o Congresso tornou obrigatória a execução das emendas individuais e das bancadas dos estados, criou a emenda Pix e garantiu fatias cada vez maiores de recursos.

Entenda as emendas parlamentares

As mudanças se escancararam a partir de 2020, quando o Orçamento federal chegou a prever R$ 46,2 bilhões em emendas, mais que o triplo dos R$ 13,7 bilhões disponíveis no ano anterior.

Com o avanço inédito, elas se tornaram a principal ferramenta de poder de deputados e senadores em suas bases eleitorais e continuaram a ter importância como moeda de troca em negociações entre Congresso e Executivo.

Para garantir o apoio de parlamentares, o presidente Lula (PT) manteve sob domínio do centrão pastas que servem como canais de escoamento das emendas, como a Codevasf.

Durante a campanha eleitoral de 2022, Lula o petista se referiu à distribuição de verba com baixa transparência de "o maior esquema de corrupção da atualidade", "orçamento secreto" e "bolsolão". Aliados da sua gestão, porém, ocupam posições de destaque em órgãos que mantiveram o escoamento de bilhões de reais, sem apontar os verdadeiros padrinhos da verba.

A distribuição das verbas ganhou como novo elemento, em 2024, uma série decisões do STF travando por meses a execução das emendas, sob argumento de que não havia transparência na partilha.

Relator das ações no Supremo, o ministro Flávio Dino também ordenou abertura de auditorias da CGU (Controladoria-Geral da União) sobre repasses para ONGs e para os municípios mais beneficiados pelos parlamentares.

O atrito arrefeceu após a aprovação de uma lei e a edição de uma portaria que atenderiam às decisões do STF.

Dino, porém, voltou a segurar a destinação de parte das emendas em dezembro. Ele ainda determinou a abertura de uma investigação da PF sobre uma suposta manobra de líderes da Câmara para remanejar, sem transparência, cerca de R$ 4 bilhões das chamadas emendas de comissão.

Para integrantes do governo e do Congresso, as decisões do Supremo sinalizam que as incertezas sobre o tema devem se repetir neste ano.

A destinação das emendas também está na mira de investigações sobre supostas irregularidades que envolvem políticos de diferentes posições.

Integrante da cúpula do governo Lula, o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil-MA), foi indiciado pela Polícia Federal sob a suspeita de desvio de verba indicada para obras na cidade governada pela sua família. Ele nega e diz que os investigadores criaram uma "narrativa".

Em 2023, o ministro do STF Gilmar Mendes mandou paralisar e anulou provas de uma investigação sobre supostas irregularidades na compra de kits de robótica com verbas de emendas, caso que envolve pessoas ligadas ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O deputado rechaça as suspeitas.

Lira mantém forte influência sobre a partilha das verbas de comissão. Como a Folha mostrou, parte desse dinheiro era direcionada conforme orientações dadas aos colegiados por uma assessora de confiança do presidente da Câmara.

Em nota, a Secretaria de Relações Institucionais, pasta comandada pelo ministro Alexandre Padilha (PT) e que faz a interlocução com o Congresso, disse que cabe ao Executivo a execução da Lei Orçamentária, enquanto o Congresso "detém a competência para incluir emendas".

O ministério ainda afirmou que a lei complementar 210, sancionada em novembro passado, limita o crescimento das emendas pelas regras do novo arcabouço fiscal e estabelece outros critérios, como a "exigência de aplicação a projetos de interesse nacional ou regional, no caso das emendas de comissão".

Explosão de emendas movimenta quase R$ 150 bi em 5 anos

Valor pago, em R$ bilhões

Ministério da Saúde

78,680

Emenda Pix*

20,740

Ministério do Desenvolvimento Regional

11,780

Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional

7,650

Ministério da Educação

6,090

Ministério da Cidadania

3,730

Ministério da Justiça e Segurança Pública

2,730

Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome

2,440

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

2,410

Ministério da Defesa

2,380

Ministério da Infraestrutura

2,120

Ministério da Agricultura e Pecuária

2,030

Ministério do Turismo

1,490

Ministério dos Transportes

0,850

Ministério das Cidades

0,700

Ministério da Economia

0,470

Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos

0,470

Ministério do Esporte

0,440

Ministério do Trabalho e Emprego

0,200

Ministério do Meio Ambiente

0,190

Ministério da Cultura

0,190

Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania

0,180

Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações

0,170

Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação

0,170

Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações

0,100

Ministério das Comunicações

0,100

Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar

0,090

Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima

0,080

Ministério das Mulheres

0,060

Ministério de Portos e Aeroportos

0,040

Ministério da Igualdade Racial

0,030

Presidência da República

0,030

Ministério das Relações Exteriores

0,020

Ministério da Pesca e Aquicultura

0,020

Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços

0,020

Ministério de Minas e Energia

0,010

Ministério do Trabalho e Previdência

0,010

Encargos Financeiros da União

0,008

Ministério dos Povos Indígenas

0,006

Ministério da Fazenda

0,006

Controladoria-Geral da União

0,005

Operações Oficiais de Crédito

0,003

Ministério do Desenvolvimento Agrário

0,001

Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos

0,001

Ministério Público da União**

0,000

Justiça Eleitoral**

0,000

Ministério da Previdência Social**

0,000

Total: R$ 148,96 bilhões

*Modalidade de emenda individual em que o recurso é enviado diretamente ao cofre do estado ou município

**Ministério Público da União: R$ 0,0003 bilhões; Justiça Eleitoral: R$ 0,0003 bilhões; Ministério da Previdência Social: R$ 0,00003 bilhões

Fonte: Siga Brasil/Senado Federal, com dados extraídos em 9 de janeiro

Mateus Vargas, o autor, é Repórter da Folha de S. Paulo. Publicado originalmente em 13.01.25

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