Seja qual for o destino penal do general Braga Netto, sua prisão preventiva mostra a extensão da vergonha que o bolsonarismo causou às Forças Armadas
General Braga Netto na Polícia Federal, zona central do Rio, após ser presoO País acordou ontem com a notícia da prisão de um general quatro estrelas da reserva, um desdobramento dramático do caso da suposta trama golpista contra o presidente Lula da Silva, investigada pela Polícia Federal (PF). É evidente que tudo ainda carece de maiores esclarecimentos, mas o episódio em si mesmo ilustra com clareza meridiana a dimensão da vergonha causada pelo bolsonarismo às Forças Armadas.
Por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), após consulta à Procuradoria-Geral da República (PGR), a Polícia Federal (PF) prendeu preventivamente o general de Exército da reserva Walter Braga Netto. O militar, segundo a PF, é suspeito de ser um dos líderes da tentativa de golpe de Estado urdida nos estertores do governo de Jair Bolsonaro para impedir a posse de Lula da Silva, plano que teria envolvido até o assassinato do atual mandatário, entre outras autoridades.
Moraes decretou a prisão preventiva de Braga Netto porque, ainda de acordo com a PF, ele estaria destruindo provas e, principalmente, coagindo testemunhas para tomar conhecimento do teor sigiloso do acordo de colaboração premiada firmado pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
A serem verdadeiras essas acusações, haja vista que a prisão de Braga Netto foi ordenada por Moraes em grande medida pelos supostos novos elementos de prova que Mauro Cid teria fornecido ao STF em seu depoimento mais recente, prestado no dia 21 de novembro, está-se diante, de fato, de condutas típicas para a decretação da prisão preventiva. Por essa razão, Braga Netto foi mantido no cárcere após ser submetido à audiência de custódia, ocasião em que são verificadas as eventuais ilegalidades de uma prisão.
De todos os suspeitos de participar da intentona, Braga Netto, sem dúvida alguma, é o mais graduado a ser preso até agora. Acima dele só haveria o golpista maior, Jair Bolsonaro, o grande beneficiário do eventual sucesso daquele plano nefasto que teria sido colocado em marcha após sua derrota nas urnas em 2022, como aponta a PF. A regra no Brasil, como o passado demonstra, sempre foi o acobertamento de militares, da ativa e da reserva, suspeitos de terem cometido crimes comuns – à exceção, por óbvio, daqueles delitos cobertos pela Lei da Anistia, de 1979.
A prisão preventiva de Braga Netto, portanto, quebra essa rotina de leniência, para dizer o mínimo, com a apuração de crimes comuns envolvendo militares, fardados ou não, em que pese se tratar – e é fundamental frisar isso – de uma prisão cautelar, ou seja, decretada em sede de investigação, e não de antecipação de culpa nem muito menos de cumprimento de pena. Mas só isso, porém, já é algo inédito ao menos desde a redemocratização do País.
Se a prisão de outros militares de alta patente suspeitos de envolvimento na tentativa de golpe já não foram triviais, a de Braga Netto é histórica, na mais estrita acepção do vocábulo. Afinal, além de ele ser um general com quatro estrelas nos ombros a ir para a cadeia, sobretudo por suspeita de ter liderado uma tentativa de golpe de Estado, Braga Netto foi chefe do Estado-Maior do Exército, ministro da Casa Civil e da Defesa no governo Bolsonaro, candidato a vice na chapa do ex-presidente e, ademais, interventor na Segurança Pública do Rio de Janeiro, uma elevada posição de poder, malgrado o fiasco operacional da intervenção militar.
A prisão de um personagem como Braga Netto, alguém que, além de possuir o currículo acima, foi uma figura central na política brasileira nos últimos anos, é reveladora do desassombro com que membros do alto escalão do governo anterior parecem ter agido para se manter no poder a despeito da derrota eleitoral. Como sublinhamos nesta página há algumas semanas, o Brasil só terá paz quando todos os suspeitos de ter urdido o golpe de Estado forem julgados de acordo com as leis do mesmo Estado Democrático de Direito que tentaram abolir (ver Traidores da Pátria, 20/11/2024).
Desde a manhã de ontem, o general da reserva Walter Braga Netto viu consideravelmente reduzida a distância que o separa desse inevitável acerto de contas com a Justiça.
Editorial / Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, em 15.12.24
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