quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

O que prova que Jesus existiu?

Entre historiadores é praticamente consenso que Jesus foi um personagem real. Sem evidências arqueológicas, sua existência pode ser comprovada em antigos relatos não ligados ao cristianismo.

Quadro de Leonardo da Vinci, "A última Ceia", retrata Jesus e apóstolos comendo à mesa (Foto: World History Archive/picture alliance)

Para a maior parte dos historiadores contemporâneos, a existência de um homem chamado Jesus, que viveu há cerca de 2 mil anos na região da Galileia, ficou conhecido por suas pregações e acabou executado pelo poder romano, é tida como verdade. E isto não é uma questão de fé — até porque essas pesquisas se limitam a buscar evidências daquilo que é história e não do mito criado depois em torno da figura deste ser humano.

Mas não há nenhum objeto, nenhum artefato, nenhum resquício palpável de sua vida.

"Jesus fazia parte de um campo socioeconômico de pessoas simples e comuns, subalternos que viviam no limite da sobrevivência. A arqueologia não tem condições de identificar [vestígios de] pessoas comuns e anônimas, de mapeá-las. E nem por isso elas deixaram de existir", pontua o historiador André Leonardo Chevitarese, professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autor de, entre outros, Jesus Histórico: Uma Brevíssima Introdução.

"Precisamos lembrar que Jesus não era um personagem importante no tempo em que ele viveu, então não esperamos encontrar um monumento feito para ele em sua época", exemplifica o historiador Alex Fernandes Bohrer, professor do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) e autor do livro Jesus: Um Breve Roteiro Histórico Para Curiosos.

Aquele homem pobre, de origem camponesa, provavelmente analfabeto, monoglota no aramaico, que passou a maior parte da vida numa minúscula cidade — Nazaré — localizada na periferia do império romano, até arrebanhou alguns seguidores. Contudo, sua relevância só ganharia corpo tempos depois de sua morte, quando seus seguidores — e os seguidores desses seguidores — acabariam fazendo uma religião do seu legado.

Relíquias supostamente ligadas à crucificação e morte dele, como a coroa de espinhos guardada na Catedral de Notre-Dame, em Paris, e o tecido de linho que teria envolvido seu cadáver, conhecido como Santo Sudário e exposto na Catedral de Turim, na Itália, não têm autenticidade comprovada por pesquisas científicas — há suspeitas de que seriam peças forjadas ao longo da Idade Média.

Historiadores antigos

Para os estudiosos, contudo, a existência do Jesus histórico se comprova por textos de historiadores antigos que o citam e evidências arqueológicas indiretas que confirmam o contexto descrito em passagens bíblicas sobre ele.

Autor da obra Marginal Jew: Rethinking the Historical Jesus, o padre e biblista John Paulo Meier (1942-2022) entendia ser importante buscar referências extrabíblicas sobre o Jesus histórico, já que "as evidências bíblicas são tendenciosas, encapsuladas em um texto teológico escrito por crentes comprometidos".

O nome de Jesus aparece entre autores romanos e judaicos. O historiador romano Cornélio Tácito (56 d.C. – 118 d.C.), que notoriamente desprezava os cristãos, mencionou-o em seu relato sobre o famoso incêndio de Roma ocorrido no ano de 64. No texto, ele diz que o imperador Nero (37-68), para "acabar com o boato" de que teria sido ele o mandante do ato, "substituiu como culpados e puniu das formas mais incomuns aqueles odiados por seus atos vergonhosos, a quem a multidão chamava de cristãos". "O fundador deste nome, Cristo, havia sido executado no reinado de Tibério pelo procurador Pôncio Pilatos", escreve Tácito.

"Tácito, como autores clássicos em geral, não revela as fontes que usou. Mas isso não deve diminuir nossa confiança em suas afirmações", avalia o historiador Lawrence Mykytiuk, professor na Universidade de Purdue, nos Estados Unidos, em artigo publicado em 2015. Em sua avaliação, Tácito "estava entre os melhores historiadores de Roma" e "nunca era dado a escrever descuidadamente".

Santo Sudário está em Turim (Foto: Godong/robertharding/picture alliance)

Outro autor comumente citado é Flávio Josefo (37 d.C. – 100 d.C.), historiador judaico-romano. Ele menciona Jesus duas vezes em sua obra Antiguidades Judaicas.  O livro A Guerra dos Judeus também cita o personagem em algumas versões, mas não há consenso se tais trechos são autênticos ou interpolações posteriores de autores cristãos.

Em Antiguidades Judaicas, há uma menção incidental quando ele está identificando Tiago, líder da igreja em Jerusalém — o autor o define como "irmão de Jesus que é chamado Messias". Mykytiuk comenta que ao usar Jesus para identificar claramente "Tiago, o assunto da discussão", o historiador acaba deixando claro que Jesus havia sido "uma pessoa real".

O outro trecho, mais longo, é envolto em polêmica. Porque a versão que se conhece traz algumas colocações claramente cristãs, sugerindo que houve deturpações ao longo dos séculos. Contudo, pela análise textual comparativa com outros escritos de Josefo e a comparação com uma tradução árabe descoberta no século 20, a maior parte dos historiadores concorda que parte do texto é autêntica — ou seja: sobre um relato não religioso acerca da figura histórica, cristãos acrescentaram elementos teológicos.

Assim, extrai-se que "por volta dessa época vivia Jesus, um homem sábio", "um mestre de pessoas" que "conquistou muitos judeus e muitos gregos". Diz ainda que morreu crucificado, mas que "a tribo dos cristãos, assim chamada após ele, não está extinta até hoje".

Outros historiadores abordaram Jesus. Por exemplo, Plínio, o Jovem (61 d.C. – 114 d.C.), que registrou a existência de uma adoração primitiva a ele.

Na época, ninguém contestou sua existência

Há ainda evidências documentais indiretas da existência de Jesus. O teólogo Robert Van Voorst, autor de Jesus Outside The New Testament: An Introduction to the Ancient Evidence olha para os documentos produzidos por rabinos da época para afirmar que "nenhum judeu [daquele período] que se opôs ao cristianismo negou ou questionou a historicidade de Jesus".

Em seu livro, ele lembra que "se alguém no mundo no mundo antigo tinha uma razão para não gostar da fé cristã, eram os rabinos". Portanto, "argumentar que Jesus nunca existiu, mas foi uma criação dos primeiros cristãos, teria sido a polêmica mais eficaz contra o cristianismo". "Todas as fontes judaicas trataram Jesus como uma pessoa totalmente histórica. Os rabinos usaram os eventos reais da vida de Jesus contra ele", aponta Van Voorst.

Por ser um cidadão comum, não foram construídos monumentos para Jesus enquanto ele viveu (Foto: Carl De Souza/AFP)

Na arqueologia, são evidências indiretas que também atestariam, no entendimento de pesquisadores, a existência do Jesus real. "De uma figura sem muita expressividade no primeiro século, que era importante apenas para aqueles que o conheciam, não esperamos encontrar vestígios diretos. Mas há os indiretos", diz Bohrer. "Que, somados e colocados num prisma histórico, permitem tecer um panorama geral."

Ele cita túmulos "de pessoas ligadas à história de Jesus", como o ossário de Caifás, descoberto em 1990 e que pode ser do sumo-sacerdote de mesmo nome — embora não haja consenso entre os pesquisadores. E também do anel atribuído ao governador romano Pôncio Pilatos, descoberto em 1968 e analisado em 2018. "Existe uma série de elementos que demonstram que aquele contexto existiu", comenta o historiador.

A cidadezinha de Jesus

Chevitarese lembra de outro trabalho recente, o realizado pelo arqueólogo Ken Dark, professor do King's College, de Londres, e autor do livro Archaelogy of Jesus' Nazareth. Ao longo de 14 anos, Dark realizou um extenso trabalho arqueológico em busca dos resquícios da cidade de Nazaré dos tempos de Jesus — inclusive para provar que o povoado existia naquela época.

"Ele constatou, do ponto de vista estratigráfico, que Nazaré existia desde a segunda metade do século 2º antes da Era Comum", pontua Chevitarese. Na análise do arqueólogo, a cidade onde Jesus morou era paupérrima e tinha de 300 a 500 habitantes.

"Portanto, a arqueologia demonstra, do ponto de vista de um cenário histórico, que é plenamente coerente a existência de Nazaré, de Jesus e de tantos outros camponeses daquela primeira metade do primeiro século", conclui o professor da UFRJ.

Edison Veiga, o autor deste artigo, é Jornalista. Publicado originalmente em Deutsche Welle / A Voz da Alemanha, em 25.12.24

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