Com novo sotaque gaúcho, general exalta Braga Netto e fala em "ditadura da toga"
O senador Hamilton Mourão em entrevista após a prisão do general Braga Netto — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo
O general Hamilton Mourão resolveu apontar sua garrucha contra o Supremo. Da tribuna do Senado, ele acusou a Corte de perseguir “quem se atreve a ser de direita”. “No Brasil, o Estado de Direito se tornou um Estado de juristas ou até mesmo uma ditadura da toga”, discursou.
De ditadura, Mourão entende. Sempre defendeu a de 1964, a ponto de chamar de herói o notório torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra. A novidade é o sotaque gaúcho que ele adotou recentemente para caçar votos no Rio Grande do Sul.
No discurso de ontem, o senador disse que o Estado democrático de Direito estaria em “franca degeneração”. A culpa, claro, seria dos ministros do Supremo. “Os próprios guardiões da Carta Magna não a respeitam”, trombeteou o general. Deve preferir a Justiça Militar, conhecida por aliviar com acusados de farda.
Mourão encontrou um novo herói: o general Braga Netto, preso no último sábado pela Polícia Federal. Definiu o colega em apuros como “um velho soldado encanecido a serviço da pátria”. “Está afastado do convívio familiar, como se fosse um perigoso meliante capaz de atentar contra a ordem pública”, dramatizou.
O general instou o Senado a “levantar-se em uníssono” na defesa de Braga Netto. O apelo não comoveu nem os bolsonaristas mais dedicados. Damares Alves preferiu discursar sobre a guerra na Ucrânia. Magno Malta encontrou tempo para comentar a despedida do ex-jogador Adriano.
Mourão falou sozinho, mas não gastou saliva à toa. Com Jair Bolsonaro inelegível, o general busca se reposicionar para disputar o espólio da extrema direita. Para isso, precisa endossar a pregação contra o Supremo e a conversa fiada da “ditadura da toga”.
Não há inocentes num plano para solapar a democracia e matar o presidente eleito. O senador sabe disso, mas adotou a tática de desqualificar as investigações e tratar a trama criminosa como uma “conspiração tabajara”.
Empenhado no novo papel, Mourão finge não se lembrar das humilhações que sofria de Bolsonaro quando era vice-presidente. O senador Pinheiro Machado, um gaúcho de sotaque legítimo, dizia que a política é a arte de engolir sapos. O general parece ter aprendido rápido.
Bernardo Mello Franco, o autor deste artigo, é jornalista. Publicado originalmente n'O Globo, em 18.12.24
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