Lula, que se elegeu prometendo defender a democracia, segue incapaz de denunciar a ditadura companheira de Maduro, mesmo diante da farsa oficializada pela Justiça venezuelana
O roubo das eleições venezuelanas foi oficializado. A Suprema Corte declarou, sem mostrar qualquer evidência, a vitória de Nicolás Maduro. Pela lei venezuelana, as atas das urnas são públicas. Mas a presidente da Corte, uma ex-vereadora pelo partido de Maduro, não só anunciou que agora são secretas, como também que o candidato da oposição, Edmundo González, será punido pelo “crime” de divulgá-las.
Em entrevista ao New York Times, Juan Carlos Delpino, um membro isento do Conselho Nacional Eleitoral tolerado pelo regime para negociar a suspensão das sanções, declarou não haver nenhuma evidência da vitória de Maduro. Através da insubordinação de oficiais locais, a oposição divulgou registros de mais de 25 mil urnas, 80% do total. Observadores independentes atestaram a vitória esmagadora da oposição, com pelo menos 67% dos votos.
Não resta nenhuma dúvida sobre a vontade do povo venezuelano, e o sigilo imposto pela Corte equivale a uma confissão de culpa. A farsa eleitoral acabou. Começa agora a farsa da legitimação do regime e da criminalização da oposição.
Governos responsáveis e comprometidos com a democracia, à esquerda e à direita, já denunciaram o novo teatro. O presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, disse que “o regime de Maduro confirma o que a comunidade internacional tem denunciado: fraude”. O presidente esquerdista do Chile, Gabriel Boric, anunciou que seu país “não reconhece esse falso e autoproclamado triunfo de Maduro & cia.”, vocalizando sua solidariedade à oposição em sua luta pela “democracia, justiça e liberdade”.
Já o presidente Lula da Silva continua a cumprir ciosamente seu papel no jogo de sombras de Maduro. Junto ao presidente esquerdista da Colômbia, Gustavo Petro, Lula declarou que continua a “aguardar” a divulgação das atas, condenando quaisquer sanções internacionais.
Ainda na semana passada, seu chanceler de facto, Celso Amorim, voltou a falar em “novas eleições”. A outra proposta ventilada foi a de um “governo de coalizão nacional”. A primeira equivale a um reconhecimento tácito da fraude eleitoral. A segunda foi fabricada para “salvar as aparências” enquanto se espera que uma nova crise internacional mude o foco das atenções e deixe o dito pelo não dito. A prova é que não houve qualquer tentativa de diálogo com a oposição a propósito dessas “soluções”.
A fraude eleitoral começou bem antes do pleito. Enquanto opositores eram presos, candidaturas eram cassadas e imigrantes eram impedidos de votar, Lula estendia o tapete vermelho a Maduro, edulcorava sua “narrativa” contra os “inimigos” da Venezuela e lançava aos quatro ventos especulações filosóficas sobre a “relatividade” da democracia. Após as eleições, quase 30 opositores foram mortos e cerca de 2 mil foram detidos. O PT celebrou essa “festa da democracia”, enquanto os eufemismos do presidente oscilaram entre “nada de anormal” até no máximo “um regime desagradável”.
Dizer que Lula – e a reboque, o Brasil – foi o “idiota útil” da vez seria tentador, e errado. Lula continua a ser, como sempre foi, utilíssimo para Maduro e seus suseranos – a China e a Rússia –, mas não é idiota e sabe bem o que quer: uma ditadura alinhada ao tal “Sul Global” ao invés de uma democracia eventualmente simpática a Washington. Pouco importa que isso pulverize quaisquer resquícios da pretensão do Brasil a liderar uma integração da América Latina e desmoralize qualquer autoridade do País como protagonista de um movimento internacional pelo fortalecimento das democracias. A esse ponto, a “aliança em defesa da democracia” contra a “extrema direita” que Lula pretende encenar após a Assembleia Geral da ONU em setembro é uma piada de mau gosto que as lideranças sérias certamente se esquivarão de protagonizar.
Os brasileiros, por ora, não têm essa opção, e terão de esperar até 2026, e contar com uma candidatura decente da oposição, para pôr fim à tragicomédia de erros que é a tal “frente ampla democrática” de Lula. Mas as eleições municipais não deixam de ser uma oportunidade para ensinar ao lulopetismo que no Brasil a democracia não é “relativa”.
Editorial / Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, em 27.08.24
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