Ao decidir importar arroz sem ouvir os produtores, governo cria uma solução equivocada para um problema inexistente, perde dinheiro e expõe natureza centralizadora e populista de suas ações
Sem sucesso, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) apelou ao Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender a importação de arroz pelo governo federal. Na ação, a entidade tentava impedir a realização dos leilões públicos para aquisição do produto no exterior e cobrava explicações do Executivo sobre a iniciativa que – supostamente – visava a evitar um desabastecimento em razão das cheias que atingem o Rio Grande do Sul há mais de um mês.
Como se sabe, o ministro André Mendonça não acatou o pedido, e o primeiro leilão ocorreu na última quinta-feira. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) comprou 263 mil toneladas de arroz e, para isso, desembolsou o valor de R$ 1,316 bilhão. O produto deverá ser entregue ao País até 8 de setembro.
Embora não tenha entendido que havia urgência no pedido da CNA, o ministro requereu do governo informações sobre o caso. Era o mínimo. Afinal, ao contrário do que o governo alegava, os sindicatos locais, a Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul) e a própria CNA não viam qualquer risco de desabastecimento que justificasse a compra. A safra gaúcha rendeu 7,1 milhões de toneladas de arroz neste ano, praticamente o mesmo volume colhido no ano anterior, e 84% da produção já havia sido colhida e armazenada antes do início das chuvas.
Nada disso impediu que o Executivo editasse três medidas provisórias, duas portarias interministeriais e uma resolução para autorizar a Conab a adquirir milhões de toneladas de arroz sem Imposto de Importação e vender o produto diretamente nos supermercados, a preços tabelados, subsidiados e em embalagem própria a enaltecer a iniciativa do governo.
Seria o caso de perguntar de onde saiu uma ideia tão equivocada para lidar com uma crise inexistente. Afinal, a União poderá gastar até R$ 7,2 bilhões para viabilizar uma política pública populista, cara e desnecessária, que deve ampliar as perdas dos produtores gaúchos e desestimular o plantio da próxima safra.
A CNA listou uma série de inconstitucionalidades para justificar a suspensão das medidas pelo STF, mas a petição é reveladora sobre a maneira como se deram as decisões do governo. “Os produtores rurais, especialmente os produtores de arroz do Rio Grande do Sul, nunca foram ouvidos no processo de formulação dessa política de importação do cereal”, diz a ação. Ouvir quem entende do assunto e sabe exatamente a dimensão do problema, para o governo, era dispensável.
Antes fosse um problema isolado. O governo adotou conduta semelhante ao endurecer as regras para conteúdo local para bens e serviços na área de petróleo e gás. Embora essa mesma política tenha afastado investidores estrangeiros no passado recente e se mostrado inexequível até mesmo para a Petrobras, o setor soube da decisão por meio de resolução publicada no Diário Oficial.
No setor financeiro, o Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) mantém sua marcha inconsequente pelo corte forçado das taxas de juros – tudo isso a despeito dos reiterados alertas dos bancos sobre a elevação do custo de captação dos recursos e dos indícios de redução da oferta de crédito consignado aos aposentados.
Evidências pululam, mas não importam. O governo Lula da Silva tem a convicção de que só ele sabe o que é melhor para o Brasil e de que não precisa discutir suas propostas com os setores diretamente envolvidos e afetados por suas ações. E quando se digna a recebê-los, o governo costumeiramente ignora suas sugestões. Dialogar não é isso.
Subjaz a essas ações uma crença de que o setor privado atua contra os interesses do País, e de que cabe ao governo defender a população dos desalmados capitalistas. Acredita quem quer. Ao Estadão/Broadcast, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, disse que o leilão foi um “sucesso” e cumpriu o objetivo de combater a “especulação”.
Eis a medida do sucesso, em números: a Conab pagou R$ 25 por pacote de 5 kg para revendê-lo nos supermercados a R$ 20. O contribuinte que arque com a diferença. É por essas e outras que zerar o déficit primário é realmente uma tarefa impossível.
Editorial / Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, em 10.06.24
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