Não só uma das maiores riquezas do Brasil está concentrada no Rio Grande do Sul, mas também a extrema direita do país, centro de inimigos de tudo que soa de esquerda.
Lula da Silva, presidente do Brasil, durante evento no Palácio do Planalto, em Brasília, no dia 3 de maio. (Adriano Machado / Reuters)
O presidente Lula enfrenta um dos problemas mais delicados do seu novo governo devido à tragédia climática na rica região do Rio Grande do Sul, repleta de cadáveres e com mais de um milhão de pessoas afetadas, sem luz e sem água. .
O Governo tem sido rápido a mover todos os botões para aliviar tanta dor e tantas mortes precisamente na região que lhe é mais adversa politicamente. É aquela parte rica do país onde se concentra o maior contingente de fiéis seguidores da extrema-direita Bolsonaro .
Não só uma das maiores riquezas do país está concentrada no Rio Grande do Sul graças à força do agronegócio, mas também a extrema direita do país, centro de inimigos de tudo que soa de esquerda. Entre eles está uma grande massa de evangélicos, que sempre resiste a Lula. É a religião que melhor representa o lema da direita de Deus, da pátria e da família.
E mais uma vez Lula se viu entre a espada e a espada: esquecer os cálculos puramente políticos e dedicar-se a ajudar as vítimas da tragédia, mobilizando todas as forças do Governo ou deixá-las entregues à sua sorte.
O momento é duplamente difícil porque Lula é pressionado pelo seu povo a tomar decisões que nem sempre respondem à sua idiossincrasia, a do político de esquerda, que já no seu primeiro Governo trocou o traje sindical “barbudo” pelas gravatas Armani e. cunhou a frase histórica “Lula: paz e amor”. Foi isso que o levou a dizer um dia que era uma “metamorfose ambulante”. E foi. Em todos os seus governos soube adaptar-se ao clima político do momento: com o braço dos grandes líderes da política de direita e dos movimentos mais de esquerda.
Agora, em seu terceiro mandato, Lula se encontra numa encruzilhada e para sair dela precisará tirar a poeira de suas habilidades de metamorfose. O problema não é fácil e em alguns aspectos ele parece sofrer uma certa confusão, já que os problemas vêm de dentro do seu partido, o Partido dos Trabalhadores (PT), e do seu assessor oficial de imagem, Sidônio Palmeira. Isso pode acabar desconcertando você.
A ala mais à esquerda, a começar pela presidente do partido, Gleisi Hoffmann, preferiria um confronto frontal com a oposição sem meias medidas. Preferem a guerra aberta contra a direita e o confronto destemido com Bolsonaro que continua, embora inelegível, a ser o centro indiscutível da extrema-direita golpista e até da simples direita. E ele ainda está livre e bem, mobilizando milhares de seguidores em seus comícios de rua.
O problema, segundo os assessores de imagem de Lula, é que, como revelam todas as pesquisas, não é possível que o Governo seja melhor em todos os índices econômicos e sociais em comparação com a forma como a sociedade o percebe. E estão pressionando-o a esquecer Bolsonaro, chamando-o de “covarde” e tentando arrancar do bolsonarismo fascista suas bandeiras de Deus, da pátria e da família.
Lula está de alguma forma entre a espada e a espada. Por um lado, ele odeia e despreza Bolsonaro como personagem e gostaria de vê-lo preso o mais rápido possível , e ao mesmo tempo tem que enfrentar uma sociedade que o tornou famoso e bem sucedido com seu slogan de “paz e amor", de ser uma espécie de pai dos pobres, mas ao mesmo tempo próximo dos ricos. E agora seu desejo é conquistar aquela classe média que nunca o tolerou.
Não se sabe se é por influência de sua esposa, Janja , uma grande ativista e feminista que não se contenta em ser a simples primeira-dama da Presidência. Ou porque Lula não se contenta com o paradoxo de que tudo está a melhorar no país e continua a cair em todas as sondagens que não parecem reflectir o que realmente está a fazer o seu novo e terceiro Governo, onde já pensa em concorrer a um quarto mandato em 2026. A verdade é que o ex-sindicalista está se esforçando para mudar.
Um exemplo que se notou durante a tragédia que aflige o Estado mais bolsonarista, mais evangélico e mais distante foi sua atitude terna revelada na dor causada pela notícia de que um cavalo havia ficado preso em um telhado durante as tempestades, sem condições de sair. .
“Fui dormir inquieto com a imagem de um cavalo no telhado. “Começo a imaginar o que aquele pobre cavalo estava passando sozinho naquele telhado”, comentou. E acrescentou: “Espero que durante algum tempo ninguém monte esse cavalo porque ele merece um bom descanso”. Enquanto isso, sua esposa Janja, que mobilizou o Exército para salvar o cavalo Caramelo , apareceu nas redes sociais emocionada com um cachorro perdido na tragédia que ela e o marido acabavam de adotar.
Fora da política mesquinha, às vezes nos perguntamos por que é precisamente nas tragédias que revelamos o que há de melhor em nós mesmos. Como está acontecendo nesta nova desgraça do Brasil onde está sendo exemplar a ajuda aos necessitados por parte de tantos voluntários que não se perguntam se são bolsonaristas ou lulistas. Como escreveu Preto Zezé em sua coluna O Globo : “Não precisamos de heróis, salvadores da pátria. “Precisamos de líderes e de paz para nos sentirmos próximos uns dos outros.”
Juan Arias, o autor deste artigo, é comentarista de assuntos internacionais do EL PAÍS. Publicado originalmente em 14.05.24
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