Presidente do STF se indispõe com revisionismos de ações de combate à corrupção
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso - Rosinei Coutinho - 29.fev.24/SCO/STF
O julgamento que revogou o afastamento da juíza Gabriela Hardt expôs publicamente uma insatisfação que o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, vem cultivando sobre as tentativas de punição a agentes públicos que atuaram na Lava Jato.
O episódio também brecou, ao menos temporariamente, avanços de um grupo de integrantes de tribunais superiores contra magistrados e procuradores que trabalharam em ações da operação.
Barroso foi um dos principais defensores da Lava Jato no Supremo no auge da operação.
Nos últimos anos, com a pauta do STF mais voltada para a defesa do tribunal contra os ataques de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o ministro reduziu as manifestações sobre o tema e se aproximou de Gilmar Mendes, decano da corte e principal crítico da Lava Jato.
No entanto, Barroso passou a mostrar, nos últimos meses, incômodo a interlocutores a respeito de decisões que fizeram revisionismo das ações de combate à corrupção da última década.
Entre o fim do ano passado e o início desse ano, ele ouviu críticas de uma ala de ministros do STF a respeito das decisões de Dias Toffoli que suspenderam o pagamento de multas das leniências firmadas por empresas como a J&F e Odebrecht.
A preocupação deles era, sobretudo, com a imagem de um Supremo condescendente com atos de corrupção e de desvio de dinheiro público, tanto no Brasil como no exterior.
A questão acabou resolvida internamente no STF com a criação, pelo ministro André Mendonça, de uma mesa de conciliação entre órgãos públicos e empresas que firmaram esses acordos.
Mas, no caso do afastamento de Gabriela Hardt pelo corregedor do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), Luís Felipe Salomão, Barroso teve que resolver a questão em uma sessão pública.
Salomão, que também é ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), tem uma posição mais alinhada às de Gilmar Mendes e Dias Toffoli contra a Lava Jato.
Desde o ano passado, o corregedor decidiu iniciar uma inspeção nos gabinetes da Justiça Federal do Paraná e do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) que atuaram em processos da Lava Jato, em busca de suspeitas de irregularidades cometidas pela operação.
Na segunda-feira (15), ele afastou, em decisão monocrática (individual), Hardt, que foi a substituta de Sergio Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba, Danilo Pereira Júnior, atual titular da vara da Lava Jato, e dois integrantes do TRF-4 que atuaram em ações da operação.
Ao decidir dessa forma, Salomão forçou Barroso a pautar o julgamento desses magistrados na sessão do CNJ desta terça. O presidente do Supremo também preside o conselho.
A iniciativa do corregedor irritou Barroso, que votou contra o afastamento e se manifestou de forma ríspida, afirmando que nem os ministros do STF têm atuado dessa forma hoje em dia.
"Nada justifica que essa medida fosse tomada monocraticamente", disse Barroso, em seu voto.
"Considero que a medida foi ilegítima, arbitrária e desnecessária, [com] o afastamento dos juízes por decisão monocrática, sem deliberação da maioria [do CNJ], e sem nenhuma urgência que não pudesse aguardar 24 horas para ser submetida a esse plenário."
"Sem querer cultivar a ironia, entendo que tal decisão contrariou frontalmente com decisão do STF", afirmou Barroso.
Apesar de ter votado para reverter os afastamentos, o presidente do CNJ pediu vista (mais tempo para análise) sobre a possibilidade de abertura de abertura de processo disciplinar contra os quatro magistrados.
Mas antecipou que, a princípio, não viu irregularidade na conduta de nenhum dos juízes.
"Essa moça não tinha absolutamente nenhuma mácula sobre a carreira dela para ser sumariamente afastada", disse, ao mencionar Gabriela Hardt.
O plenário do CNJ, composto por 15 conselheiros, acabou revogando o afastamento de Hardt e Danilo, mas manteve os dois membros do TRF-4 fora das atividades.
O resultado no conselho foi apertado. Dos 15 conselheiros, votaram para derrubar o afastamento de Hardt e de Danilo 8 deles.
A divisão de influências foi clara: votaram para manter todos os afastamentos o próprio Salomão, os dois indicados da OAB, os dois indicados da Câmara dos Deputados e do Senado e as duas indicadas do STJ (tribunal ao qual Salomão é integrante).
Advogados e a maioria dos parlamentares sempre foram críticos à Lava Jato
Do outro lado, votaram para revogar o afastamento os dois indicados do STF, os dois indicados do TST e o indicado que representa o Ministério Público Federal, além de Barroso.
Dois conselheiros votaram de forma dividida: um ministro do TST, Caputo Bastos, e um membro de Ministério Público Estadual, João Paulo Schoucair, se manifestaram a favor da revogação dos afastamentos de Hardt e de Danilo, mas não em relação aos outros dois magistrados.
Um dos motivos para Salomão ter afastado Hardt foi por ela ter validado, em 2019, um acordo entre a Petrobras e o Ministério Público Federal que criaria uma fundação privada, sob coordenação da Procuradoria e com participação da sociedade civil, com valores oriundos dos acordos de delação e leniência. O STF acabou suspendendo a criação dessa fundação.
Em relação aos demais juízes, Salomão afastou, sobretudo, devido à decisão do TRF-4 de determinar a suspeição de Eduardo Appio, juiz crítico à Lava Jato que passou meses à frente da 13ª Vara de Curitiba e revisou atos dos seus antecessores no posto. O juiz Danilo Pereira Júnior estava atuando como substituto no TRF-4.
O ministro afirmou que os magistrados desobedeceram ordem de Dias Toffoli ao decidir pela suspeição.
José Marques, o autor desta matéria, é jornalista. Publicada originalmente na Folha de S. Paulo, edição impressa, em 18.04.24
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