A divisão do CNJ mostra como a maior operação de combate à corrupção do país conquistou amor e ódio, elogios e críticas, na mesma proporção
Gabriela Hardt é tão combatida por defensores do presidente Lula, como seu antecessor, o hoje senador Sérgio Moro (União-PR - (crédito: kleber sales)
A Operação Lava-Jato dividiu o plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Entre os 15 membros, oito votaram contra o afastamento dos juízes Danilo Pereira Júnior e Gabriela Hardt (atual e ex-titular da Vara da Lava-Jato em Curitiba), nos moldes da posição defendida pelo presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), Luis Roberto Barroso. Sete conselheiros concordaram com a deliberação do corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O placar apertado manteve Hardt e Pereira em suas funções. Mas os desembargadores federais Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz e Loraci Flores de Lima, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), não tiveram a mesma sorte. Por nove votos a seis, prevaleceu a decisão de Salomão de afastamento cautelar dos magistrados por supostas irregularidades em julgamentos envolvendo a Lava-Jato, com descumprimento de decisões do STF.
A divisão do CNJ mostra como a maior operação de combate à corrupção do país conquistou amor e ódio, elogios e críticas, na mesma proporção. Barroso e Salomão defenderam suas opiniões com veemência. "Considero que foi medida ilegítima, arbitrária e desnecessária o afastamento dos juízes por decisão monocrática sem deliberação da maioria e sem nenhuma urgência que não pudesse aguardar 24h para ser submetida a esse plenário. Entendo que tal decisão contrariou frontalmente decisão do STF", declarou o presidente do CNJ, que pediu vista quanto à abertura de processo administrativo disciplinar para apreciar o caso.
Barroso ressaltou que recebeu várias manifestações de associações de magistrados que defenderam a permanência dos juízes e ressaltou que, em 30 anos na advocacia, nunca ouviu qualquer rumor quanto à honestidade de Gabriela Hardt. "(Essa juíza) que todos dizem ter reputação ilibada, ser dedicadíssima, seríssima, não é uma pessoa que, no meio jurídico, quem é do ramo, eu fui advogado 30 anos, todo mundo sabe quem é quem", afirmou. "Quando o juiz é incorreto, tem má fama, todo mundo sabe. Essa moça não tinha absolutamente nenhuma mácula sobre a carreira dela, para ser sumariamente afastada", acrescentou.
Salomão, por sua vez, apontou indícios de prática de crimes como corrupção, peculato e desvios de recursos na homologação de uma fundação que ficaria encarregada de gerir recursos bilionários obtidos por meio de acordos de leniência no âmbito da Operação Lava-Jato. A entidade nunca chegou a ser criada, mas teve o aval de Gabriela Hardt.
Em seu voto pelo afastamento dos juízes, Salomão citou a frustração pelos rumos da Operação Lava-Jato. "É bem verdade que a denominada 'Operação Lava-Jato' desbaratou um dos maiores esquemas de corrupção do país, vitimando a Petrobras, também seu maior acionista a União Federal, centenas de acionistas minoritários da empresa, além de terceiros atingidos direta e indiretamente pelas práticas criminosas', afirmou o corregedor nacional de Justiça.
Salomão conclui: "No entanto, constatou-se — com enorme frustração — que, em dado momento, tal como apurado no curso dos trabalhos, a ideia de combate a corrupção foi transformada em uma espécie de 'cash back' para interesses privados, ao que tudo indica com a chancela e participação dos ora reclamados. Portanto, não se trata de pura atuação judicante, mas sim uma atividade que utiliza a jurisdição para outros interesses específicos, não apenas políticos (como restou notório), mas também — e inclusive — obtenção de recursos".
Gabriela Hardt é tão combatida por defensores do presidente Lula, como seu antecessor, o hoje senador Sérgio Moro (União-PR). Na última segunda-feira, quando foi afastada de suas funções de forma cautelar pelo corregedor nacional de Justiça, um vídeo da audiência em que a juíza interrogou o presidente Lula, então réu da Operação Lava-Jato, circulou em vários perfis nas redes sociais, com comentários apontando a suposta arrogância da magistrada que tentava conduzir o depoimento. "Doutor, e assim, senhor ex-presidente, esse é um interrogatório e se o senhor começar nesse tom comigo a gente vai ter problema", afirmou Hardt.
Na ocasião, Lula era ex-presidente e estava representado na audiência pelo então advogado Cristiano Zanin, hoje ministro do STF, nomeado pelo presidente. A juíza condenou Lula a 12 anos e 11 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em processo que posteriormente foi anulado pelo Supremo.
Apesar de ter permanecido no cargo, Gabriela Hardt e Danilo Pereira Júnior estão bem distantes do desfecho do caso. Barroso pediu vista do pedido de abertura de processo administrativo disciplinar, mas, assim que a análise for retomada, é bem possível que a investigação seja aberta, com provável aplicação de penalidade. Contra Sérgio Moro também há um pedido de investigação. Embora ele não seja mais magistrado, na visão de Salomão, poderá pagar com inelegibilidade por eventuais atos praticados na 13ª Vara Federal de Curitiba.
Ana Maria Campos, a autora deste comentário, é jornalista. Publicado originalmente no suplemento Direito e Justiça do Correio Braziliense, em 18.04.24
Nenhum comentário:
Postar um comentário