Em entrevista à DW, prefeito de Kiev afirma que apoiar a Ucrânia é defender a democracia. Apesar de questionar centralização de poder no presidente Zelenski, Vitali Klitschko é contra eleições enquanto durar a guerra.
Prefeito de Kiev, Vitali Klitschko: "Nós lutamos para que a Ucrânia se torne um Estado europeu"Foto: DW
O ex-pugilista Vitali Klitschko, com numerosos títulos mundiais, é um dos principais políticos da Ucrânia e há dez anos prefeito da capital, Kiev.
Em entrevista à DW, ele falou sobre seu choque com o governo nacional, em especial com o presidente Volodimir Zelenski, e afirmou que não se deve "adentrar pela via da centralização de todas as instituições do poder estatal, colocar todas elas nas mesmas mãos".
Ele também questionou a pertinência de se realizar eleições durante a guerra , iniciada por Vladimir Putin em 24 de fevereiro de 2022. "No momento, 9 milhões de ucranianos estão no exterior, o número dos deslocados internos é mais ou menos o mesmo. Mais de 1 milhão portam uniformes militares para defender o nosso país. Como é que se vai contar esses votos?", argumentou.
DW: Em dezembro de 2023, o senhor declarou à revista alemã Der Spiegel que estava vendo a Ucrânia tomar o caminho do autoritarismo e que um dia ela deixaria de se distinguir da Rússia, onde tudo depende da vontade de um único homem. Quem seria esse homem?
Vitali Klitschko: Nós lutamos para que a Ucrânia se torne um Estado europeu. É muito importante preservar as conquistas democráticas da Ucrânia mesmo sob condições de guerra. Não se deve, de forma alguma, adentrar pela via da centralização de todas as instituições do poder estatal, colocar todas elas nas mesmas mãos. Há questões em aberto em muitos setores. Eu gostaria que as minhas palavras não fossem entendidas como crítica, mas como um bom conselho.
Essa pessoa a quem o seu bom conselho se dirige é o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski?
Hoje em dia todo o poder estatal está centralizado e todas as decisões são tomadas por uma única pessoa.
O parlamento ucraniano instituiu uma comissão especial temporária para investigar a eficácia das autoridades da cidade de Kiev. O que isso significa de um modo geral e para o senhor, como prefeito?
Significa a continuação da luta política no país. Tem alguém que não gosta de Klitschko, que é o responsável por Kiev, então vai se encontrar todo tipo possível de coisas para... Em resumo, é um recurso de luta política.
"Alguém" se refere ao gabinete presidencial?
Sem o aval do gabinete presidencial, nada acontece no nosso país, infelizmente. Estou convencido disso. Existe bem claramente uma definição de funções.
Bucha em 03/04/2022: imagens da cidade devastada pelo exército russo mudaram a percepção da guerra na UcrâniaFoto: Rodrigo Abd/AP Photo/picture alliance
Ao mesmo tempo o senhor se pronuncia contra a realização de eleições na Ucrânia durante a guerra: as parlamentares estavam marcadas para outubro de 2023, a presidencial deverá ocorrer em março de 2024. Em sua opinião, quanto tempo o país poderá passar sem votar?
Estou convencido de que não é possível realizar eleições. No momento, 9 milhões de ucranianos estão no exterior, o número dos deslocados internos é mais ou menos o mesmo. Mais de 1 milhão portam uniformes militares para defender o nosso país. Como é que se vai contar esses votos? E agora que somos confrontados com um desafio externo, uma luta política interna pode levar ao colapso de todo o país.
Tem quem goste de Zelenski, outros não. Mas acho que ele exerce uma função muito importante como presidente, que deve seguir cumprindo até o fim da guerra. Só depois podemos realizar na Ucrânia eleições parlamentares, presidencial e outras.
O senhor pretende se candidatar para o cargo de presidente, se houver possibilidade para tal?
É um grande erro fazer agora qualquer plano para o futuro. Pensar agora sobre postos, sobre algum tipo de projeto político num país que está lutando pela sobrevivência, é um disparate enorme. Perdoe-me, mas vou responder a sua pergunta com grande prazer no momento em que a guerra tiver acabado.
Recentemente o senhor participou da Conferência de Segurança de Munique. Alguns países praticamente não alteraram sua postura em relação à Ucrânia nos últimos dois anos. Isso é algo que não se pode dizer da Alemanha: daquela oferta inicial de 5 mil capacetes chegou-se hoje ao maior apoio na Europa, com planos de construir fábricas de armamentos e assim por diante. Como se deu essa mudança?
Desde o começo da guerra eu tenho explicado o que ocorre a muitos dos nossos parceiros, pois não estava claro para eles. Mas as terríveis imagens de Bucha, Irpin, Hostomel e Mariupol, com os mortos, mostraram nitidamente que não se trata só de guerra, uma "operação especial", mas sim genocídio e terrorismo. É importante tudo fazer para deter os russos, através de sanções, de respaldo político, de auxílio econômico para a Ucrânia.
Quero enfatizar mais uma vez, e isso é importantíssimo: hoje não estamos defendendo só o nosso país, mas o mundo democrático. Precisamos de apoio, pois na Ucrânia vai se decidir sobre o futuro de todo o mundo. Hoje, o mundo é preto ou branco: quem é a favor, e quem é contra essa guerra; quem pela democracia ou pela ditadura? Cada um de nós precisa responder a essa pergunta.
Entrevista concedida a Roman Huba para a Deutsche Welle. Publicada originalmente em 11.03.24
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