Prisão de ex-presidente já tem até cronograma e só deve ocorrer após sua condenação
A prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro tarda, mas não falha e tem até um cronograma: o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Polícia Federal (PF) não pretendem correr nenhum risco jurídico, policial ou político e só pretendem chegar a esse ponto depois das investigações, das instâncias de julgamento e da eventual condenação pela mais alta corte de justiça do País. Não estão previstas prisão preventiva ou temporária, só depois da tramitação em julgado.
A estratégia é rigorosa e detalhada, com uma sequência de operações da Polícia Federal, uma lista crescente de alvos e a apresentação robusta de provas até que não haja mais nenhum fiapo de dúvidas sobre a responsabilidade direta de Bolsonaro pela armação de um golpe de Estado em que ele seria o principal beneficiado.
STF e PF têm obsessão com o rigor na investigação, na produção das provas e na avaliação jurídica, lei por lei, artigo por artigo, para não dar margens nem alimentar o discurso bolsonarista de que estaria agindo em conluio com o governo Lula para perseguir Bolsonaro e evitar seu retorno à política e às eleições.
Uma parte importante da estratégia é preparar os ânimos da população, mostrando as provas e montando a história do golpe detalhe por detalhe, participante por participante, até criar a consciência da culpa e de que a prisão é justa. Afinal, Bolsonaro foi eleito presidente em 2018, perdeu por pouco em 2022 e tem uma base popular forte e disposta a tudo – parte dela foi capaz, inclusive, de invadir e depredar as sedes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
O STF já autorizou e a PF já cumpriu várias etapas dessa estratégia. Começou com prisão e condenação dos executores, evoluiu para operações contra atiçadores e financiadores e tem como principais marcas as prisões do ex-ministro da Justiça Anderson Torres e do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente coronel da ativa Mauro Cid, com os quais foram encontradas duas minutas complementares de golpe de Estado. A partir daí as peças do quebra-cabeças foram fechando, até a delação premiada de Cid e as revelações estrondosas dos seus celulares.
Entre as provas assustadores que foram descobertas pela PF e anunciadas nesta quinta-feira, destacam-se duas. Um vídeo em que Bolsonaro e generais discutiam abertamente o golpe e o general Heleno defendeu que a “virada de mesa” deveria ser antes da eleição. E um texto apócrifo, mas encontrado no próprio gabinete de Bolsonaro no PL, justificando a decretação de Estado de Sítio.
As etapas das investigações incluíram as operações contra o equipamento espião da Abin, o ex-diretor geral da agência Alexandre Ramagem, o filho 02, Carlos Bolsonaro – que, não por acaso, estava na casa de praia da família com o pai e dois irmãos. E, agora, a PF apreende o passaporte de Bolsonaro, numa óbvia medida preventiva para evitar que ele fuja do País, inclusive porque dois dos filhos já têm cidadania italiana. Desta vez, todos os caminhos não levam a Roma, mas à prisão de Bolsonaro.
A estrada, que é longa, acaba de chegar aos generais que cercavam Bolsonaro: Braga Neto, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira. O ex-comandante do Exército, Freire Gomes, disse não a um golpe, sai bem na foto. E, da equipe do Planalto, só ficou fora o também general Luiz Eduardo Ramos, que vinha sendo escanteado desde julho de 2021, quando foi rebaixado da Casa Civil para uma função burocrática no Planalto e me disse: “Fui atropelado por um trem”.
Além de generais, há também um almirante, coronéis e majores na linha de fogo do STF e da PF, além de assessores e do presidente do PL, Waldemar Costa Neto, que não é mais réu primário e foi preso de novo por posse ilegal de armas e de uma pepina bruta de ouro.
De todos, porém, um merece atenção especial: Filipe Martins, que também foi preso, mas diretamente pela articulação do golpe. Discípulo do indescritível Olavo de Carvalho, que cultivava extremistas, ele virou assessor internacional da Presidência, aos 31 anos, sem nenhuma das credenciais para o cargo. E foi processado por postar-se atrás do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, num evento oficial e se deixar filmar fazendo um gesto de supremacistas brancos – ou seja, um gesto nazista.
Isso, claro, remete ao ex-secretário da Cultura Roberto Alvim, que foi capaz de fazer não um gesto, mas um vídeo inteiro de inspiração nazista, com trechos de Goebbels e a música preferida de Hitler ao fundo. Martins e Alvim tinham tudo a ver com um governo que pretendia fechar o TSE, prender o ministro do STF Alexandre de Moraes, decretar Estado de Sítio e transformar o Brasil numa ditadura, com militares divididos, policiais cooptados e civis armados até os dentes. E ainda diziam que a esquerda é que iria transformar o Brasil numa Venezuela...
Eliane Cantanhêde, a autora deste artigo, é comentarista da Rádio Eldorado, Rádio Jornal (PE) e do telejornal GloboNews "em Pauta". Publicadooriginariamente n'O Estado de S. Paulo, em 09.02.27
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