A operação especial investiga uma organização acusada de "tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito" nos períodos que antecederam e se seguiram às eleições presidenciais de 2022, em uma tentativa de garantir a "manutenção do então presidente da República (Jair Bolsonaro) no poder".
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é um dos alvos da operação Tempus Veritatis, deflagrada pela Polícia Federal nesta quinta-feira (8/2).
O passaporte do ex-presidente foi apreendido, conforme ordem da Justiça, que também determinou que ele não mantenha contato com outros investigados.
Em nota obtida pelo jornal Valor, a defesa de Bolsonaro afirmou que a apreensão do passaporte é uma medida "absolutamente desnecessária e afastada dos requisitos legais e fáticos que visam garantir a ordem pública e o regular andamento da investigação, os quais sempre foram respeitados".
"O ex-presidente jamais compactuou com qualquer movimento que visasse a desconstrução do Estado Democrático de Direito ou as instituições que o pavimentam", assegurou.
Mas o que pesa especificamente contra Bolsonaro nas operações da PF?
Entenda a seguir.
Conhecimento e alterações na 'minuta do golpe'
A operação é realizada após o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, fechar delação premiada com a PF.
Cid está preso e é investigado por envolvimento na tentativa de golpe e outras denúncias envolvendo o ex-presidente e integrantes de seu governo.
O ex-ajudante de ordens disse na delação que Bolsonaro teria visto a minuta de um decreto que seria usado para subverter o resultado da eleição presidencial de 2022, em que o ex-presidente foi derrotado por Luís Inácio Lula da Silva (PT).
A minuta teria sido apresentada a Bolsonaro em novembro de 2022 por Filipe Martins, segundo a PF.
A minuta detalhava, segundo a polícia, supostas interferências do Judiciário e decretava a prisão de autoridades, como os ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), além do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
O documento também determinaria a convocação de novas eleições.
Segundo Cid, Bolsonaro teria solicitado a Filipe Martins alterações na minuta e concordado com os termos ajustados, além de convocado uma reunião com os comandantes das Forças Armadas para apresentar a eles o documento para que aderissem à iniciativa.
Bolsonaro negou por diversas vezes ter conhecimento de uma minuta com esse teor.
Operação é realizada após o tenente-coronel Mauro Cid (esq.), ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, fechar delação premiada (Reuters)
Prisão de Moraes e anuência de Bolsonaro
"Conforme descrito, os elementos informativos colhidos revelaram que Jair Bolsonaro recebeu uma minuta de decreto apresentado por Filipe Martins e Amauri Feres Saad para executar um Golpe de Estado, detalhando supostas interferências do Poder Judiciário no Poder Executivo e ao final decretava a prisão de diversas autoridades, entre as quais os ministros do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, além do Presidente do Senado Rodrigo Pacheco e por fim determinava a realização de novas eleições", diz um trecho da representação da PF feita ao STF.
Ainda de acordo com a PF, após receber o documento, Bolsonaro sugeriu mudanças.
"Posteriormente foram realizadas alterações a pedido do então Presidente permanecendo a determinação de prisão do Ministro Alexandre de Moraes e a realização de novas eleições", diz o documento.
A PF afirma ainda que após as mudanças terem sido feitas, Bolsonaro concordou com a versão do documento e convocou uma reunião com militares.
"Apos a apresentação da nova minuta modificada, Jair Bolsonaro teria concordado com os termos ajustados e convocado uma reunião com os Comandantes das Forças Militares para apresentar a minuta e pressioná-los a aderirem ao Golpe de Estado", diz a PF ao STF.
Segundo a PF, a minuta teria sido apresentada por Bolsonaro aos então comandantes das três forças militares (Aeronáutica, Marinha e Exército) em uma reunião no dia 7 de dezembro de 2023.
De acordo com trecho de parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) com base nos dados colhidos pela PF, a reunião teria o objetivo de pressionar os comandantes militares a aderirem a um suposto golpe no mesmo dia, a fim de apresentar-lhes a minuta e pressioná-los a aderir ao golpe de Estado.
Esta não é a primeira vez que a PF encontra evidências sobre minutas prevendo a manutenção de Bolsonaro no poder após a derrota nas eleições de 2022. Em 2023, a PF encontrou uma minuta prevendo a convocação de novas eleições na casa do ex-ministro da Justiça durante o governo Bolsonaro, Anderson Torres.
Desde então, Bolsonaro vem negando ter conhecimento sobre a existência do documento.
"Não tomei conhecimento desse documento, dessa minuta. Nas perícias, só encontraram digitais do delegado da operação e de um agente, de mais ninguém. Papéis, eu recebia um monte. Então, é óbvio que não tem cabimento você dar golpe com respaldo da Constituição", disse Bolsonaro em junho de 2023.
Outra reunião
Além disso, em um computador apreendido na residência de Cid, havia um vídeo de uma reunião, realizada em 5 de julho de 2022, de Bolsonaro com outros alvos da operação, como Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o general Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, e Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa.
Na ocasião, o presidente reforçou as suspeitas sem provas de que haveria fraude eleitora, e os presentes "ratificavam a narrativa mentirosa apresentada pelo então Presidente da República", de acordo com a decisão de Moraes.
Na reunião, Bolsonaro teria instado seus ministros a divulgar "desinformações e notícias fraudulentas quanto à lisura do sistema de votação, com uso da estrutura do Estado brasileiro para fins ilícitos e dissociados do interesse público".
O ex-presidente teria afirmado, no entanto, que as pesquisas estavam certas e que provavelmente Lula ganharia a eleição.
Heleno teria respondido então que, para "virar a mesa", tem que ser "antes da eleição" e que era preciso “agir contra determinadas instituições e contra determinadas pessoas".
O general também teria, segundo os investigadores, discutido que agentes da Abin se infiltrassem nas campanhas eleitorais, mas Bolsonaro teria interrompido a conversa para que falassem sobre o assunto “em particular”.
Publicado originariamente pela BBC News Brasil, em 09.02.24
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