Em vez de enfrentar Executivo para ampliá-los, Lira deveria concentrar esforço no êxito da agenda econômica
A abertura do ano legislativo no Congresso Nacional — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo
Sob qualquer ângulo, a fatia do Orçamento da União controlada pelo Congresso é enorme. Deputados e senadores decidirão o destino de R$ 44,6 bilhões neste ano, ou 20% dos gastos livres do governo (90% das despesas são engessadas por gastos obrigatórios com salários do funcionalismo, benefícios previdenciários e demais vinculações orçamentárias). Há dez anos, a fatia dos recursos livres nas mãos dos congressistas era pouco menos de um quarto disso, ou 4,65%.
Como mostrou reportagem do GLOBO, essa parcela destoa na comparação internacional. Numa análise de 29 países, os outros três onde o Parlamento detém maior poder sobre os recursos são Estados Unidos (2,4%), Eslováquia (5,5%) e Estônia (12,3%). No Brasil, o Congresso arbitra sobre uma proporção equivalente a oito vezes a que cabe aos congressistas americanos. Só isso deveria ensejar reflexão.
(Fatia do Orçamento definida pelo Congresso no Brasil é 9 vezes maior que nos EUA: emendas dificultam ainda mais déficit zero)
Tal reflexão se torna mais necessária diante da declaração do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), na cerimônia de abertura do ano legislativo. Ao afirmar que a peça orçamentária “pertence a todos e todas, e não apenas ao Executivo”, Lira apenas constata a realidade expressa nos números. Esquece, contudo, que não se trata necessariamente de realidade positiva.
Com uma parcela maior do Orçamento sob comando dos parlamentares na última década, o governo brasileiro ganhou contornos não só de extravagância, mas de disfuncionalidade. No presidencialismo, cabe ao Legislativo elaborar a peça orçamentária, mas sua execução é, por definição e determinação constitucional, papel do Executivo. E por bons motivos. Políticas públicas são mais eficazes quando formuladas de modo abrangente, levando em conta urgências e demandas nacionais ou regionais — o oposto da lógica paroquial das emendas parlamentares. Evitar a pulverização tem a vantagem de aumentar a transparência e reduzir brechas para desvios e corrupção.
Tanto a ciência política como a comparação internacional demonstram que emendas parlamentares não são o instrumento adequado para melhorar os serviços prestados à população. Parlamentares brasileiros alegam conhecer as demandas do eleitorado. Mas não há evidência de que anabolizar o poder do Congresso sobre o Orçamento tenha obtido bons resultados. Não há notícia de país que tenha seguido os passos do Brasil nesse quesito.
Por tudo isso, seria mais lógico o Parlamento brasileiro cair em si e entender seu papel na dinâmica orçamentária. Fez bem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao vetar R$ 5,6 bilhões que seriam destinados a emendas de comissão. Em vez de tentar enfrentar o Executivo ou derrubar o veto para que congressistas controlem fatia ainda maior dos recursos, Lira deveria dar ênfase ao papel essencial que tem desempenhado para o êxito da agenda econômica, em parceria produtiva com o Executivo. Ele foi um dos protagonistas da reforma tributária e de outros avanços legislativos. Além de contribuir para o sucesso da economia, também aumentou seu capital político.
Mas essa é uma obra inacabada. Lira tem mais um ano no cargo e precisa dedicá-lo com afinco ao que falta: regulamentação da reforma tributária, reforma administrativa e medidas essenciais ao futuro do Brasil. Seria um erro político usar seu cacife para arrancar mais concessões num Orçamento cujos recursos os congressistas já controlam mais que em qualquer outro país.
Editorial de O Globo, em 07.02.24
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