terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Com o golpe em curso havia anos, reunião de julho de 2022 foi para colocar ameaças em prática

Objetivo do então presidente Jair Bolsonaro era colocar o bloco na rua, após repetidos ataques às urnas e à democracia


Jair Bolsonaro e seus ministros na reunião de junho de 2022 Foto: STF/Reprodução

A fatídica reunião do presidente Jair Bolsonaro com ministros e assessores, no dia 5 de julho de 2022, para determinar que atuassem para desacreditar as eleições, as instituições e os divergentes – portanto, pelo golpe – foi na sequência de anos de “preparativos”, com manifestações de rua, articulações de bastidores e ameaças golpistas do próprio presidente, contra as urnas eletrônicas, e de seus filhos, contra Supremo, Congresso e mídia, pilares da democracia. A reunião foi para dar um passo decisivo: por as ameaças em prática, antes das eleições.

Um ano antes, o general Braga Neto, então ministro da Defesa, chamou um importante civil do governo para uma reunião com os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica e mandou um recado para o presidente da Câmara, Arthur Lira, em nome das Forças Armadas e dele próprio: ou as eleições seriam com voto impresso e auditável, à maneira deles, ou não haveria eleições. No mesmo dia, o presidente reverberava a ameaça em público.

O recado foi relatado à época pelas jornalistas Andreza Matais e Vera Rosa, no nosso Estadão, e está aí para quem quiser ler e comprovar que a audácia golpista da era Bolsonaro não era só “desejo”, “intenção”, “bravata”, como insistem grupos bolsonaristas. O golpe foi articulado, sim, inclusive com tentativa de cooptação ou intimidação de personagens-chaves da Câmara, Senado, Judiciário, mídia...

A reportagem, desmentida por Planalto, Defesa, Câmara (como sempre acontece quando a verdade dói) conta que Arthur Lira considerou gravíssimo um recado desses com aval dos comandos militares e foi até Bolsonaro para dizer que iria até o fim com ele, para a vitória ou a derrota, mas não para golpes e suspensão das eleições. A Câmara não abraçaria um projeto desses.

Lira cumpriu à risca: garantiu a votação dos projetos do governo na Câmara e apoiou Bolsonaro nos dois turnos, mas sempre se posicionou contra ataques às eleições e à democracia e foi o primeiro presidente de poder e líder político a, publicamente, reconhecer o resultado das urnas eletrônicas e a vitória do petista Lula.

Assim, a reunião de 5 de julho de 2022 não é apenas vexaminosa, “mais uma dessas” do capitão que grita, fala palavrões e gosta de bancar o machão. Foi muitíssimo mais grave: uma convocação para o golpe, com o que Bolsonaro já dizia em 2018: eleição só vale se eu ganhar, urnas eletrônicas e pesquisas são fraudadas e eu mando e todos obedecem, principalmente generais, almirantes, brigadeiros. Nem todos, porém, se chamam Eduardo Pazuello.

 Eliane Cantanhêde, a autora deste comentário, é Jornalista. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 13.02.24.

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