Pesquisas sugerem que parte dos jovens, em diversos países, está cada vez mais descrente da democracia, preferindo soluções autoritárias e apoiando líderes e partidos extremistas
Nenhum país está livre de uma deriva autoritária. Sabemos há muito tempo que a diluição dos valores democrático-liberais não tem fronteiras. Nos últimos anos, porém, aprendemos que a diluição desses valores também não tem idade.
Recentemente, dezenas de milhares de pessoas tomaram as ruas de toda a Alemanha em protesto contra o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão). A gota d’água foi uma reunião privada ocorrida em novembro do ano passado entre representantes da AfD, empresários e neonazistas, em que se discutiu a expulsão em massa de imigrantes e “cidadãos não assimilados”. A AfD negou ter planos de adotar tal proposta, mas o novo episódio gerou discussões sobre um possível banimento do partido, desfecho também aberto à ala jovem da AfD, a Junge Alternative.
Já enquadrada como organização extremista de direita por autoridades de diferentes regiões do país, a Junge Alternative é tida como mais radical do que a própria AfD, em mais uma confirmação da tendência identificada em diversas pesquisas internacionais nos últimos anos: o pendor de parte dos jovens para soluções autoritárias.
Em editorial de agosto do ano passado (A recessão democrática na América Latina), este jornal tratou dos resultados da pesquisa realizada pelo Latinobarómetro em 17 países latino-americanos, destacando o menor engajamento dos jovens na democracia. Diz o Latinobarómetro: “A idade é o que mais diferencia os autoritários, pois quanto menor a idade, mais autoritários são”. Note-se que a pesquisa antecedeu à vitória de Javier Milei, amparada em grande mobilização do eleitorado jovem, na eleição presidencial argentina.
A mesma conclusão resultou da pesquisa feita pela Open Society Foundations também em 2023, com 30 países. Segundo o levantamento, apenas 57% das pessoas entre 18 e 35 anos consideram a democracia preferível a qualquer outra forma de governo; nas faixas etárias mais elevadas, o índice sobe a 71%. O apoio a um governo militar também é maior na faixa de 18 a 35 anos, e 35% das pessoas nessa faixa se disseram simpáticas à ideia de um líder forte que elimine Parlamentos e eleições (o apoio a essa alternativa foi menor em todas as outras faixas).
Essas pesquisas sugerem que uma boa parcela dos jovens ao redor do mundo desistiu de questionar seus representantes eleitos e passou a questionar o próprio sistema democrático. Como tal sistema tem sido incapaz de oferecer oportunidades de participação efetiva e soluções satisfatórias a seus anseios, aquele grupo passou a admitir alternativas supostamente mais práticas e eficazes. Vêm daí personagens como Trump, Orbán e Bolsonaro, que apostam numa democracia plebiscitária e onipotente contra os limites e condicionamentos das democracias liberais em crise.
É incerto se essa inclinação autoritária dos mais jovens veio para ficar. Não é raro que, com o passar do tempo, preferências e opiniões que vigoraram na juventude se alterem. Por outro lado, visões de mundo construídas nesse período também podem se consolidar e perdurar por toda a vida adulta.
Nesse caso, o combate ao pendor dos jovens ao autoritarismo passa por informá-los sobre a realidade dos regimes autoritários. É possível que boa parte deles não esteja inteiramente ciente do cenário pouco entusiasmante (especialmente no campo dos direitos civis e políticos) de países como Venezuela, China e Hungria. E mal podem estimar o quão difícil é a volta à normalidade institucional após a instalação de um regime autoritário.
Ademais, é preciso que a política vá ao encontro da juventude. Isso pode ocorrer, por exemplo, no âmbito das alas jovens dos partidos políticos ou no incentivo à participação na política local (pressupondo-se que os partidos têm interesse em renovar seus quadros, do que José Luiz Datena e Marta Suplicy não são exemplos). Essas seriam formas de contrastar o isolamento social, a apatia política e a radicalização autoritária. Reconheça-se: é um empreendimento difícil e incerto. Mas é certo que, se nada mudar, são grandes as chances de termos outros Trumps, Orbáns e Bolsonaros pela frente.
Editorial / Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, em 13.02.24
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