Marcos Boulos acredita que, além da vacinação, o importante é evitar os criadouros do mosquito transmissor da doença e capacitar os profissionais de saúde
É normal um aumento de ocorrências de dengue na época de verão, o que justifica um reforço nas ações de prevenção – Foto: James Gathany/CDC-HHS
O número de casos de dengue no Brasil já chegou a 217 mil em 2024, representando quase cinco vezes o total calculado no mesmo período do ano passado. Até o momento, são 15 mortes confirmadas e 149 óbitos em investigação. Nesse sentido, o governo anunciou uma campanha de vacinação contra a doença, com previsão para começar no início de fevereiro, que inclui cerca de 500 municípios em 16 Estados e possui um público-alvo de adolescentes entre 10 e 14 anos.
O professor Marcos Boulos, do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina (FMUSP) da Universidade de São Paulo, comenta o crescimento de casos da doença no Brasil e traz informações sobre essa vacinação.
Causas da dengue
Segundo o docente, é normal um aumento de ocorrências de dengue na época de verão, uma vez que se intensifica o número de chuvas e poças d’água que ajudam na reprodução do mosquito Aedes aegypti. Contudo, possíveis fenômenos causados pelo El Niño (chuvas intensas e calor excessivo) potencializaram esses fatores, causando uma epidemia maior, o que não ocorria desde 2019 — o especialista conta que, a cada quatro ou cinco anos, há uma explosão de um tipo novo de dengue, causando novos sorotipos.
“A doença dá imunidade permanente por cada tipo de vírus, e nós temos quatro. Nós estávamos com o tipo 1 circulando por muito tempo já, e as pessoas começam a ficar imunes, mas, de repente, quando vem algum outro, a doença começa a aumentar mais do que a gente esperava”, conta Boulos. O médico ainda adiciona que a doença em si não é grave, mas o retardo do atendimento ou da busca do procedimento em alguns casos, além de uma possível falta de preparo dos especialistas, aumentam a gravidade da dengue.
Marcos Boulos – Foto: Secretaria de Estado da Saúde
Vacinação contra a doença
O Ministério da Saúde anunciou, ainda no final do ano passado, a incorporação da vacina da dengue Qdenga, comprada do laboratório Takeda Pharma, ao Sistema Único de Saúde (SUS), mas a necessidade de aplicação dupla de doses e o pouco número de vacinas disponíveis fez o governo definir um público-alvo: adolescentes de 10 a 14 anos, público bastante suscetível à doença. Outros focos são regiões com alta transmissão da doença tipo 2.
“Ela deve ser utilizada em regiões onde se tem mais casos de dengue, porque a vacina é mais efetiva quando as pessoas já tiveram um sorotipo de dengue, ela diminui a gravidade da doença. Então, por isso, o Ministério da Saúde está priorizando os lugares onde a endemia acontece todos os anos”, explica Boulos. Ele ainda complementa que, por esses fatores, a vacina não está indicada para ser utilizada na cidade de São Paulo, mesmo com um grande aumento do número de ocorrências de dengue.
O docente também comenta da vacina que está sendo desenvolvida pelo Instituto Butantan, que será aplicada em apenas uma dose e mostrou ter uma efetividade muito boa. Segundo dados do próprio instituto, a Butantan-DV mostrou quase 80% de eficácia nos resultados preliminares da terceira fase dos estudos clínicos. Em pessoas que já contraíram a doença, a prevenção pode chegar próxima de 90%, mas o número cai para aproximadamente 70% em casos de primeiro contato com o vírus.
Outras soluções
Apesar da importância das vacinas, o professor acredita que a verdadeira solução é evitar os criadouros do mosquito, com águas paradas dentro das casas ou quintais da população. Boulos ainda diz ser importante lembrar que o Aedes aegypti é um vetor urbano, diferente de algumas outras doenças causadas por insetos.
O médico também complementa sobre a importância de capacitar recursos humanos para o atendimento da população nos casos de dengue. “Como não é uma doença grave, você pode fazer rapidamente o atendimento daqueles poucos que chegam com maior gravidade e aí a doença é controlada”, explica Boulos. Ele ainda cita a necessidade de uma capacitação anual, já que há muita mudança do local de atendimento entre os profissionais capacitados, podendo ser substituídos por pessoas não habituadas com a doença. “Então, o mais importante, além de todo o trabalho que nós temos para evitar os criadouros, é que os profissionais estejam capacitados com o atendimento dos pacientes, que certamente virão em maior quantidade neste momento”, finaliza.
Publicado originalmente no Jornalda USP, em 31/01/2024. Atualizado: 06/02/2024 as 11:17.
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