segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Apetite parlamentar sobre Orçamento precisa de freio

Ideias mirabolantes se avolumam a cada ciclo

O presidente Lula, junto aos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira, durante sua cerimônia de diplomação - Ueslei Marcelino - 12.dez.22/Reuters - REUTERS

Os vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à lei orçamentária deste ano, que devem abrir uma nova frente de disputa com o Congresso Nacional, poderiam ser o pontapé inicial para uma discussão que deveria envolver a sociedade civil para o resgate do equilíbrio na relação entre o Legislativo e o Executivo.

Enquanto a cobertura da imprensa ainda foca no vaivém do embate sobre o veto, o pecado original está na aprovação, em 2015 e em 2019, das emendas orçamentárias impositivas e igualitárias. A partir de então, o Executivo se viu obrigado a empenhar todas as emendas individuais e coletivas de maneira equitativa entre os parlamentares. As mudanças abriram as portas para tentativas cada vez mais ousadas dos congressistas de se apropriar do planejamento e da execução de políticas públicas. A cada ciclo orçamentário, deputados e senadores apresentam novas ideias mirabolantes para ganhar mais poder orçamentário.

Na votação da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) deste ano, a ousadia parlamentar foi ainda maior ao tentar estabelecer um calendário de execução obrigatório das emendas. É meritório discutir um ordenamento ao toma lá dá cá estabelecido na dinâmica do relacionamento entre Executivo e Legislativo.

O governo eleva o volume de liberação das emendas nas negociações para a aprovação de pautas de interesse no Congresso, e não é razoável acreditar que os prefeitos, na ponta, tenham de estar sujeitos a essa incerteza ou ao timing de Brasília.

Contudo, o calendário de execução acaba dando mais poder sobre partes do Orçamento a deputados específicos (como o relator da LDO) e à cúpula do Congresso do que ao presidente da República. Sem contar que, na impossibilidade de o governo definir prioridades na alocação das emendas e com um Orçamento cujo espaço para despesas discricionárias gira em torno de 7% do total, a execução da política pública na ponta fica prejudicada, favorecendo apenas as lideranças locais com acesso aos legisladores de turno.

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Muito se fala de o Congresso impor alguns limites ao ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal e, apesar de os projetos ora apresentados e votados trazerem mais fumaça do que calor, a democracia ganha quando o Legislativo se fortalece. Por exemplo, a literatura em ciência política aponta que os parlamentares da coalizão em geral corrigem e aperfeiçoam proposições de lei do Executivo via emendas.

O Congresso também foi responsável pela adoção de inúmeras políticas públicas importantes. Em 2020, os parlamentares constitucionalizaram o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que financia a educação básica e pública país afora. No mesmo ano, aprovaram o Marco Legal do Saneamento Básico, política pública gestada dentro do Congresso que regulou possíveis investimentos do setor privado visando melhorar o saneamento básico.

Mario Sérgio Lima e Beatriz Rey, os autores deste artigo, são - ele, Analista sênior da consultoria de risco político Medley Advisors; e ela, Doutora em ciência política, é pesquisadora sênior do Núcleo de Estudos sobre o Congresso (Necon), da Uerj, e da Fundação POPVOX (EUA). Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 20.01.23

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