quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Alta na percepção de corrupção traz custo ao Brasil

Recuo do país em ranking global expõe enfraquecimento de instituições de controle depois da Lava-Jato

Ação da Operação Lava-Jato em 2020 (Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo)

O Judiciário — em especial os tribunais superiores — deveria dar atenção à última lista de percepção da corrupção global preparada pela Transparência Internacional. A sensação de um ambiente contaminado por negociatas tem custo enorme para a reputação brasileira e afasta empresas e investidores sérios do país.

Numa escala em que zero é o cenário menos e cem o mais corrupto, o Brasil ficou com 36 pontos. Caiu dez posições, para o 104º lugar entre 180 países. Merece reflexão o histórico dos últimos dez anos. Em 2014, início da Operação Lava-Jato, eram 43 pontos. De lá para cá, a trajetória, com altos e baixos, foi descendente. Os piores resultados aconteceram em 2018 e 2019, quando a pontuação foi 35, patamar equivalente ao atual.

(Recuo: Brasil perde dez posições em ranking internacional de percepção da corrupção)

Medir corrupção é das tarefas mais difíceis. Negociatas são feitas nas sombras justamente para ficarem longe do escrutínio público. Paradoxalmente, um aumento no combate à corrupção pode, com a revelação dos esquemas, contribuir para a percepção de que houve aumento na roubalheira. Um ranking que apenas somasse os valores descobertos em operações ilegais penalizaria os países dispostos a coibi-las. Por isso a análise baseada em percepção, de preferência com prazo mais alongado, é medida mais precisa.

O efeito da Lava-Jato foi inequívoco no caso brasileiro. Embora a governança das estatais nunca tenha sido exemplar, a extensão dos desvios na Petrobras despertou incredulidade. Fora do círculo criminoso, poucos imaginavam que estivesse na casa dos bilhões. Com as investigações e condenações, os brasileiros tiveram a esperança de ver criminosos de colarinho branco enfim punidos com o rigor da lei. Mas os erros do então juiz Sergio Moro e dos procuradores abriram espaço a um contra-ataque no meio político e no Judiciário. A reação representou um retrocesso que tenta apagar tudo o que veio à tona — e enfraqueceu mecanismos institucionais que disciplinam a relação entre as empresas e o Estado.

Indicações de Lula, estatais e atuação do Centrão: 5 pontos que explicam queda do Brasil em ranking de percepção da corrupção

A Transparência dá uma série de exemplos dessa erosão. Houve, nas palavras do relatório Retrospectiva Brasil 2023, desmanche provocado pela “ingerência sistemática” em instituições como Procuradoria-Geral da República, Polícia Federal e Abin. No próprio Judiciário, a partir da reviravolta dos casos da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, ficou patente um recuo sistemático — e não apenas nos processos da Lava-Jato. “Talvez os exemplos mais graves tenham sido as ações sob relatoria do ministro Dias Toffoli”, afirma o relatório. Monocraticamente, ele atendeu a demandas “que tiveram imenso impacto sobre a impunidade de casos de corrupção que figuraram entre os maiores da história mundial”. Em setembro, Toffoli anulou todas as provas da delação da Odebrecht. Em dezembro, noutra decisão provisória, suspendeu as parcelas da multa de R$ 10,3 bilhões que a J&F pagava no âmbito da Operação Greenfield.

As duas medidas, que deveriam ser avaliadas por um colegiado de ministros, dão apenas um exemplo da frustração que se abateu sobre quem vira na Lava-Jato a esperança contra mazelas históricas do capitalismo brasileiro. A derrocada no ranking da Transparência não será revertida enquanto a Justiça não demonstrar à sociedade que o respeito — sempre necessário — aos direitos dos réus e investigados não equivale à impunidade. Ainda é possível escrever uma história diferente.

Editorial de O Globo, em 31.01.24

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