quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Democracia cara, oportunismo barato

Arranjos para viabilizar um fundo eleitoral de inacreditáveis R$ 5 bi em 2024 revelam que parlamentares já nem disfarçam que seus interesses estão muito acima dos interesses do País

Às vésperas do recesso de fim de ano em Brasília, poucas coisas têm perturbado tanto o sono dos parlamentares quanto a busca frenética de meios para encaixar no Orçamento um aumento recorde do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o chamado fundo eleitoral, com vista às eleições municipais de 2024. A desfaçatez das tratativas revela que simulacros de republicanismo – como a falácia segundo a qual a democracia, ora vejam, “tem um custo” – já foram deixados para trás. A barreira da suposta preocupação com a opinião pública também já foi superada. A coisa começa a descambar para o escárnio.

O governo do presidente Lula da Silva propôs na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) um fundo de R$ 939,4 milhões para cobrir as despesas dos partidos com as eleições municipais de 2024. Já é muito dinheiro público para um fundo que nem sequer deveria existir, a bem da democracia representativa no Brasil. Mas, insaciáveis que são, os parlamentares ainda acham pouco, inclusive os do PT, partido de Lula. A revelar que a caradura não conhece limites, as bancadas da maioria dos partidos no Congresso se articulam para aprovar um fundo eleitoral de inacreditáveis R$ 5 bilhões em 2024.

Ignorando olimpicamente o fato de que o País está caçando moedas nos bolsos da calça para equilibrar as contas sem prejuízo de políticas públicas essenciais para a esmagadora maioria da população, os parlamentares seguem orientados por seus interesses particulares quando estes colidem com o interesse público. Como dinheiro não brota do chão, o aumento de mais de R$ 4 bilhões do fundo eleitoral, considerando o valor proposto na LDO e o desejo da maioria dos parlamentares, haverá de sair de alguma alínea do Orçamento. É quase certo que privilégios que fazem desta uma “República inacabada”, para usar a expressão de Faoro, seguirão intocados.

Uma das alternativas à mesa é abater aquela diferença bilionária do total de recursos destinados às emendas de bancada, que somam R$ 12,6 bilhões em 2024. Ou seja, para aumentar o fundo eleitoral, deputados e senadores teriam de abrir mão de recursos dos quais pode dispor o conjunto de parlamentares de cada Estado e do Distrito Federal. Eis o impasse. Se bem feitas, as emendas podem custear políticas públicas que têm impacto direto na vida dos cidadãos e lançam luz sobre seus patrocinadores. O fundo eleitoral, por sua vez, fortalece as candidaturas de aliados políticos ou dos próprios parlamentares que concorrerão a prefeito no ano que vem.

Conhecendo-se o histórico do Congresso em deliberações sobre temas que tocam diretamente os interesses dos parlamentares e dos partidos, não é improvável que esse impasse seja resolvido da pior forma possível para o País, qual seja: ao fim e ao cabo, as emendas de bancada, entre outras, serão preservadas e outras alíneas do Orçamento é que acabarão sacrificadas para que o fundo eleitoral atinja o patamar recorde de R$ 5 bilhões no ano que vem.

Desde 2015, quando o Supremo julgou, acertadamente, que as doações de empresas para financiamento de campanhas eleitorais eram inconstitucionais – pela óbvia razão de que pessoas jurídicas não são titulares de direitos políticos –, parlamentares de todos os matizes político-ideológicos têm feito de tudo para, eleição após eleição, aumentar cada vez mais o quinhão do Orçamento que abastece o fundo eleitoral. Só não têm feito o que deveriam fazer: aproximar-se da sociedade e angariar o apoio de eleitores dispostos a contribuir, por meio de doações, para o custeio tanto das atividades dos partidos com os quais têm afinidade como para suas campanhas eleitorais.

Porém, mal acostumados, aboletados no conforto do dinheiro público farto, fácil e seguro que abastece os cofres dos partidos, os parlamentares têm percorrido o caminho diametralmente oposto, fechando-se cada vez mais em seus próprios interesses, como se o Congresso fosse um mundo à parte.

Se, como apregoam os defensores dos fundos públicos, a democracia “tem um custo”, a brasileira tem se revelado cara demais.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, em 13.12.23

Nenhum comentário: