Alta na resistência microbiana exige ações individuais, clínicas e do Estado.
A bactéria mais comum no estudo foi a Klebsiella pneumoniae, que pode levar à pneumonia e à infecção de corrente sanguínea
No seu discurso ao receber o prêmio Nobel em 1945 pela descoberta da penicilina cerca de 20 anos antes, Alexander Fleming imaginou um futuro no qual o remédio seria vendido livremente nas farmácias.
E fez um alerta —o uso indiscriminado poderia tornar as bactérias resistentes. Passados quase 80 anos, estudos confirmam a previsão do biólogo britânico.
Segundo pesquisa da Universidade de Sidney (Austrália), publicada na revista The Lancet Regional, mais da metade dos antibióticos usados em doenças comuns na infância, como otite e pneumonia, não são mais eficazes.
O problema, apelidado de "superbactérias", não afeta apenas crianças. Relatório da OMS divulgado no final do ano passado revelou que a resistência antimicrobiana (RAM) aumentou 15% nos microrganismos monitorados.
Mais de 20% das cepas de Escherichia coli, que causa infecção urinária, não respondem aos tratamentos disponíveis. Constatou-se, ainda, RAM acima de 50% em bactérias relacionadas à sepse (infecção generalizada), que pode ser fatal.
Mutações que tornam bactérias, fungos, vírus ou parasitas mais resistentes são naturais, mas estamos agilizando esse processo com o uso indiscriminado de remédios.
Ademais, com a pandemia, houve aumento do uso de antibióticos devido à alta de infecções hospitalares. No Brasil, a Fiocruz detectou que, em 2019, cerca de 1.000 bactérias isoladas eram resistentes; já em 2021, eram mais de 3.700.
A primeira recomendação da OMS é prevenir contaminações. Lavar as mãos e higienizar os alimentos são medidas simples. No Brasil, contudo, onde cerca de metade da população não tem acesso à rede de esgoto, a implementação de infraestrutura sanitária há tempos é urgente.
Também é fundamental que médicos prescrevam antibióticos a partir de diagnóstico exato, com dosagem e duração do tratamento corretas —ainda é comum a indicação de remédios contra bactérias para doenças virais, como gripe. E pacientes, claro, precisam seguir à risca as prescrições.
O poder público deve manter monitoramento dos patógenos, reforçar programas de prevenção e controle de infecções e amplificar informações sobre a RAM.
A indústria farmacêutica precisa diversificar os produtos, mas antibióticos não são lucrativos e, por serem oriundos de substâncias encontradas na natureza, as pesquisas são mais custosas e demoradas.
A ciência tem arsenal para combater o futuro previsto por Fleming. Basta colocar em prática.
Editorial da Folha de S. Paulo, em 23.nov.2023 às 22h00 (editoriais@grupofolha.com.br)
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