quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Responsabilidade com a segurança pública

O tema é prioridade nacional, mas governo Lula o trata como se fosse mera questão política. Criação de uma pasta específica significaria insistir em olhar equivocado sobre o problema

A segurança pública é uma área especialmente sensível para a população. Ao mesmo tempo, sempre foi desprezada pelo PT, que, com sua visão enviesada e ideológica do problema, acha que a prevenção e o combate à criminalidade são sinônimos de truculência a serviço das elites nacionais, e não um assunto essencial para a vida de todos. Segundo a lógica petista, bastaria o Estado cuidar da educação e da saúde que a violência se resolveria num passe de mágica.

Diante desse histórico, é natural que haja especial pressão política para que o governo Lula cuide da segurança pública. Nas últimas semanas, o tema ganhou destaque em razão de situações especialmente graves na Bahia – com altíssimas taxas de letalidade policial – e no Rio de Janeiro – com extensas áreas dominadas por facções. Mas, verdade seja dita, a questão da segurança pública não é uma crise em alguns Estados. Ela afeta todo o País. Recente pesquisa do Instituto Atlas mostrou a segurança como a área com pior avaliação no governo Lula.

Nesse cenário de insatisfação por parte da população – e pressionado politicamente para apresentar algum resultado –, o ministro da Justiça, Flávio Dino, anunciou o programa de Enfrentamento às Organizações Criminosas, com a previsão de investimento de R$ 900 milhões ao longo dos próximos três anos.

Ainda que haja pontos positivos – como o incentivo à integração das polícias e às atividades de inteligência no combate aos grupos criminosos –, o programa é bastante genérico e não enfrenta as causas das crises. Pior: expressa uma visão de fundo equivocada, como se segurança pública fosse apenas uma questão de mais polícia (e como se a própria polícia não fosse, muitas vezes, parte do problema).

O País está cansado de respostas populistas na área de segurança pública, respostas essas que não enfrentam e ainda agravam o problema. Basta ver a questão do encarceramento massivo de jovens por tráfico de drogas, em processos com baixíssima qualidade investigativa. Prende-se muito, mas prende-se mal. O efeito é conhecido: o Estado oferece continuamente novos contingentes de mão de obra às organizações criminosas nos presídios.

Outra resposta populista, criticada por este jornal, foi a intervenção federal na área de segurança pública no Estado do Rio de Janeiro, durante o governo de Michel Temer (ver o editorial Uma intervenção injustificável, de 17/2/2018). Passados cinco anos e meio da medida, vê-se com nitidez seu completo fracasso, bancado com os recursos de toda a Federação.

Logo após a intervenção federal no Rio de Janeiro, o governo Temer criou, por meio de uma medida provisória, o Ministério Extraordinário da Segurança Pública, desmembrando-o da pasta da Justiça. Era a mesma compreensão populista acerca do problema, como se o que precisasse ser resolvido fosse uma questão política. Sob essa lógica, o decisivo era o governo aparentar preocupação com o tema.

Agora, uma vez mais surgem vozes pedindo a criação de um Ministério da Segurança Pública, como se a pasta pudesse representar, por si só, melhoria efetiva para a população. A segurança pública demanda políticas públicas responsáveis, implementadas e acompanhadas de forma coordenada com Estados e municípios ao longo do tempo. Basta de jogadas de marketing que invariavelmente insistem em ações espetaculosas e nem sequer tocam nas causas dos problemas.

Mais do que simples punição, segurança pública é prevenção, o que se relaciona diretamente com o cumprimento da lei e com o respeito ao Estado Democrático de Direito. O funcionamento das polícias, por exemplo, nunca é meramente operacional. Ele tem sempre forte dimensão institucional. Por isso, é muito recomendável que a segurança pública esteja sob a alçada do Ministério da Justiça.

As gravíssimas situações de crise atuais na segurança pública devem servir de alerta. Chega de populismo. É tempo de mudar a forma como o poder público enfrenta e previne a criminalidade. O tema demanda planejamento e responsabilidade.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de . Paulo, em 04.10.23

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