segunda-feira, 9 de outubro de 2023

O Senado entre a sensatez e a provocação

Se merecem elogios por barrar reformas sem sentido, senadores têm de parar de retaliar o STF

Plenário do Senado — Foto: Roque de Sá/Agência Senado

O Senado tem desempenhado papel fundamental ao cumprir sua missão constitucional de Casa revisora dos projetos recebidos da Câmara. Nos últimos dias, a atitude cautelosa dos senadores impediu o avanço de propostas que, se aprovadas na forma como queriam os deputados, teriam representado retrocesso para o país.

A primeira foi a minirreforma eleitoral, que alivia controles e punições a políticos e partidos. A segunda foi a PEC da Anistia, que, além de livrar as legendas e candidatos de punições da Justiça por irregularidades nas últimas eleições, cria um sistema de cotas nas vagas do Legislativo sem paralelo nas maiores democracias. A resistência do Senado em aprová-la a tempo de vigorar no pleito municipal do ano que vem levou a própria Câmara a adiar a votação na semana passada.

“São temas muito complexos para votar num tempo muito exíguo”, afirmou à GloboNews o senador Marcelo Castro (MDB-PI), relator da minirreforma. “Vamos com mais calma, mais devagar, com mais sensatez.” Castro sugeriu que, em vez de uma minirreforma, o Congresso aprove uma reforma mais duradoura, com base nos projetos de código eleitoral e de lei sobre inelegibilidades que já tramitam no Senado. É uma sugestão que, para empregar o termo do próprio Castro, traduz sensatez.

Pacheco já havia alertado STF de que poderia liberar ‘pauta bomba’

Sensatez também foi o que levou os senadores a rejeitar um projeto aprovado em 2021 na Câmara recriando as coligações em eleições proporcionais, expediente que favorece a pulverização de partidos no Legislativo e felizmente foi banido pela minirreforma eleitoral de 2017. E a mesma sensatez retarda a tramitação no Senado da esdrúxula proposta aprovada na Câmara criminalizando a “discriminação” de políticos.

Paradoxalmente, parcela dos senadores revela não partilhar dessa sensatez. Numa votação de apenas 42 segundos, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou um projeto que impõe limite a decisões individuais de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Proposta semelhante já havia fracassado em 2019 — e o próprio STF já adotou normas mais rígidas para as decisões monocráticas.

A iniciativa foi uma reação a julgamentos do Supremo que têm desagradado a parlamentares conservadores, em temas como o marco temporal para demarcação de terras indígenas, a descriminalização do porte de drogas ou as regras para o aborto legal. No caso do marco temporal, declarado inconstitucional pelo STF, o Senado aprovou projeto contrariando a tese no próprio dia da votação. Tramita também na Casa uma proposta descabida impondo mandatos a ministros do Supremo.

Todas essas são provocações sem sentido, que em nada contribuem para a harmonia entre os Poderes. Cada Poder tem seu papel, e a Constituição garante independência para que seja exercido na plenitude. Mas é fundamental que os atores saibam agir com comedimento, sobretudo num momento em que o país precisa recobrar a normalidade institucional. O Senado tem demonstrado conhecer seus deveres ao rever projetos da Câmara que exigem maior reflexão e mais debate entre os parlamentares. É essa sensatez que deveria prevalecer.

Editorial de O Globo, em 05.10.23

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