Todos os finais de temporada Guardiola analisa suas equipes e resolve o que deve ser mantido e o que deve ser mudado
Guardiola é perfeccionista — Foto: Paul ELLIS / AFP
No centrinho de Vieil Antibes, no Sul da França, existe uma livraria chamada Antibes Books, especializada em livros sobre a região e seus grandes personagens. O diferencial dessa pequena livraria francesa é que todos os livros que ela vende foram escritos em inglês ou traduzidos para o idioma de Oscar Wilde. Outro dia comprei nessa livraria, que eu considero uma joalheria, o livro “French Riviera and its artists”, do escritor australiano John Baxter.
O livro analisa a pintura de Cézanne e Renoir, comenta os visuais que inspiraram Matisse, as cores que mudaram o trabalho de Chagall, os lugares onde Picasso viveu suas maiores paixões, o estilo de vida que influenciou a literatura de F. Scott Fitzgerald, a constante preocupação estética de Coco Chanel e o surgimento de Brigitte Bardot.
Além dessas figuras notáveis, outros grandes nomes fazem parte do livro, todos com enorme talento, grande capacidade de trabalho e a crença de que sempre dá para fazer melhor. Bom exemplo disso é um famoso diálogo de Oscar Wilde.
— Como foi sua manhã, senhor Wilde?
— Exaustiva — respondeu ele. — O tempo todo revisando meu novo poema.
— E o resultado?
— Muito importante — disse Wilde. — Tirei uma vírgula.
— Mas só isso?
— De jeito nenhum. Depois de uma reflexão mais amadurecida sobre a questão, eu a coloquei de volta.
A verdade é que sempre dá para fazer melhor, em qualquer tempo e em qualquer área.
No final do século XIX, os móveis escolares eram de madeira, as salas de aula eram escuras, e o leiaute dos ambientes exigia que os alunos ficassem virados para o professor. Existia a tradicional separação entre meninos e meninas.
A partir dos anos 1920, arquitetos como Walter Gropius passaram a voltar sua atenção para projetos de escolas. Elas começaram a se caracterizar por ter mais descontração, ar fresco, luz do dia e espaços integrados para aprendizado externo. Prova de que dava para fazer melhor.
No dia 4 de setembro de 1922, foi fundada na Inglaterra a SS Cars Limited, que, em 1945, por causa dos nazistas, mudou seu nome para Jaguar. Nesses quase 80 anos de atuação, essa empresa produziu um dos mais tradicionais automóveis do planeta, sem nuncater perdido de vista a ideia de que dava para fazer melhor. Tanto que agora, em 2023, a Jaguar já anunciou que, a partir de 2030, todos os seus carros serão elétricos, o que é fundamental para o futuro da humanidade.
No ano de 1987, a chef Ruth Rogers e sua sócia Rose Gray montaram o restaurante River Café. Naquela época, Londres ainda não era a capital mundial da gastronomia que se tornou hoje, mas o River, com sua magnífica comida, num ambiente projetado pelo marido de Ruth, o consagrado arquiteto Richard Rogers, foi imediatamente um sucesso.
Parecia que não dava para fazer melhor, mas dava. Pouco tempo depois da inauguração, Ruth resolveu que seu restaurante teria diferentes cardápios a cada estação: primavera, verão, outono e inverno. A ideia deu tão certo que permanece até hoje.
Desde 2008, Pepe Guardiola acumula vitórias, mas jamais se acomoda. Todos os finais de temporada analisa suas equipes e resolve o que deve ser mantido e o que deve ser mudado. Guardiola escolhe sempre futebolistas que atuem bem em mais de uma posição, porque prefere trabalhar com elencos curtos. Acredita que, com menos gente e de maior talento, dá para fazer melhor.
Nos anos 1990, a W/Brasil era a agência de publicidade que ganhava a maioria dos clientes e a maioria dos prêmios, porque tinha os melhores profissionais. Mas, se surgisse algum jovem fora de série no mercado, nós contratávamos mesmo sem precisar. Sabíamos que, com esse reforço, dava para fazer ainda melhor.
Desde 1959, o Ronnie Scott’s é um clube de jazz perfeito. Está para Londres como o Village Vanguard para Nova York. Apresenta os melhores músicos e vive sempre lotado. Teoricamente, não tem o que melhorar, mas acaba de comunicar aos seus integrantes que comprou um órgão Hammond B3, instrumento preferido dos ouvidos absolutos. Comprou esse órgão por um motivo simples: até aquilo que já é perfeito pode ser aperfeiçoado.
Pense nisso toda vez que for fazer alguma coisa.
Washington Olivetto, o autor deste artigo, é Publicitário. Publicado n'O Globo, em 11.09.23
Nenhum comentário:
Postar um comentário